Os Contos da Senzala: análise do discurso e recepção no Museu Casa dos Contos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO Escola de Direito Turismo e Museologia Curso de Museologia

OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NO MUSEU CASA DOS CONTOS

Nome da aluna: Carla Brito Sousa Ribeiro Orientadora: Profª Drª. Yára Mattos

Ouro Preto Julho de 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO Escola de Direito Turismo e Museologia Curso de Museologia

OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NO MUSEU CASA DOS CONTOS CARLA BRITO SOUSA RIBEIRO

Projeto de monografia apresentado à disciplina Monografia Curricular (MUL 201) do curso de Museologia da Escola de Direito, Turismo e Museologia da Universidade Federal de Ouro Preto

Ouro Preto Julho de 2014

À memória da Professora Ana Paula de Paula Loures Oliveira Para sempre, fica em mim seu legado como mentora acadêmica. Obrigada.

1. RESUMO

A exposição “A Arte Afro-brasileira na coleção de Toledo” toma lugar em um cômodo do Museu Casa dos Contos conhecido e divulgado como tendo sido uma antiga senzala. O presente trabalho busca analisar os limites da narrativa da exposição bem como a recepção do discurso não só pelo visitante, mas também pelos diversos agentes que lidam direta ou indiretamente com a exposição em seu cotidiano. Buscamos contribuir com as discussões acerca da problemática da representação do negro nos museus brasileiros e da memória do trauma da escravidão.

Palavras-chave: Museu Casa dos Contos (MG); Representação; Análise do discurso; Pesquisa de Público em museus; Memória Afro-brasileira.

1. ABSTRACT

The exhibition “Afro-Brazilian Art in Toledo's Collection” takes place at a room in Casa dos Contos Museum known and published as an acient slave lodge. This work intends to analyse the exhibition narrative limits as well as the reception speech, not only by the visitors perspective, but also by the plural agents that deals directly or indirectly with the exhibition's quotidian. The work also intends to contribute with the issue towards black people's representation in brazilian museums and also about the memory of slavery era traumas.

Key-words: Casa dos Contos Museum; Representation; Discourse Analysis; Visitors Pofile Research; Afro-Brasilian memory.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................. 06 CAPÍTULO I - Os três discursos, o racismo científico e a ideia de nacionalismo nos museus 1. Os três discursos e o racismo científico …................................................................................................... 08 1.2. Gênese das coleções e a formação dos Estados Nacionais …................................................................... 10 1.3. O discurso racial: Contexto racial no Brasil nascente afora os museus etnográficos ….......................... ..13

CAPÍTULO II – Revisão Bibliográfica, estudo de caso e análise do discurso. 2. Os estudos sobre a representação das populações negras nos museus brasileiros …................................... 22 2.1. A exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo: A Casa e a coleção …....................................29 2.1.2. O Museu Casa dos Contos ….................................................................................................... 30 2.1.3. A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo ............................................................................ 31 2.2. Análise do Discurso ...................................................................................................................................34 2.3. O Colecionador …..................................................................................................................................... 36

CAPÍTULO III - Metodologia e Apresentação do Questionário. 3. Metodologia …............................................................................................................................................. 37 3.1. Elaboração e estruturação do questionário …............................................................................................ 39 3.2. Amostragem ….......................................................................................................................................... 44

CAPÍTULO IV - Resultado da pesquisa empírica, sistematização de dados e conclusões sobre a recepção do discurso. 4. Resultado da Pesquisa Empírica ….............................................................................................................. 45 4.2. Sistematização de dados …....................................................................................................................... 46 4.2.1. Perfil geral dos respondentes …................................................................................................ 46 4.2.2. Sistematização de respostas ….................................................................................................. 46 4.3. Análise da Recepção …............................................................................................................................. 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS ….....................................................................................................................58 ANEXOS …..................................................................................................................................................... 59 REFERÊNCIAS …......................................................................................................................................... 73

1. INTRODUÇÃO O presente estudo se envolve na problemática em torno da representação das populações negras nos museus brasileiros, e utiliza-se como estudo de caso da exposição A Arte Afro-Brasileira na Coleção de Toledo, disposta no ambiente identificado como “senzala” no Museu Casa dos Contos. A realização dessa pesquisa na cidade de Outro Preto é um fator de destaque, dado o contexto sócio histórico da região, sobretudo o que concerne à gênese de sua formação social. No âmbito das pesquisas que se desenvolvem à respeito da memória e identidade das populações negras, Ouro Preto se torna lócus privilegiado para a investigação dos discursos veiculados em torno da representação dos africanos e afrodescendentes que aqui foram trazidos e também dos que ocupam a região até os dias atuais. O estudo de caso possibilitou a análise do discurso veiculado pela instituição, bem como a percepção dos público do museu acerca do discurso, objetivo geral desse trabalho de monografia. O estudo está dividido em 4 capítulos, que delineiam a metodologia adotada, segundo os objetivos propostos. Visamos inserir a cidade de Ouro Preto no panorama dos estudos sobre a representação do negro nos museus brasileiros através da análise do discurso institucional veiculado e da recepção dos principais agentes envolvidos no processo de comunicação museológica da coleção de José Lucas Toledo. Através da aplicação de questionários híbridos, intenciona-se verificar o grau de influência do discurso analisado no processo de manutenção das desigualdades raciais no imaginário dos respondentes, a partir da análise do discurso que se manifesta nas amostras obtidas. Por fim, objetivamos refletir sobre a “encenação” da memória do trauma da escravidão no ambiente tomado como senzala, seus limites e implicações. Ou seja, visamos também invesigar em que medida o cenário da senzala influi para a naturalização da imagem da dor e do sofrimento do negro no período da escravidão no âmbito do imaginário coletivo. Quanto aos conteúdos abordados, no primeiro capítulo, trabalhamos conceitos relativos aos discursos que intermedeiam o estudo, tendo se debruçado de maneira mais acurada no discurso racial e sua trajetória na sociedade brasileira. O segundo capítulo se propõe a uma revisão bibliográfica dos estudos sobre a representação das populações negras nos museus brasileiros, para então abordar o contexto específico do museu estudado e a exposição que serve como estudo de caso. A análise do discurso da exposição é também um dos itens finais desse capítulo. O terceiro capítulo se debruça sobre a metodologia utilizada e desdobra as questões que compõem o questionário para colher dados para a análise da recepção do discurso, justificando a inserção de cada uma. Buscamos também trabalhar aspectos referentes à pesquisa de público em museus e à análise do discurso segundo Michel Foucault. 6

Para finalizar, o quarto capítulo traz os resultados da pesquisa empírica e a sistematização de dados obtidos com o questionário. A partir deles, foi possível realizar a análise da recepção do discurso bem como tecer as considerações finais em torno da pesquisa. Em anexos estão disponíveis gráficos percentuais e infográficos com nuvem de palavras que mais apareceram em algumas respostas do questionário aplicado, além de quadros com transcrição de algumas respostas que detalham o imaginário dos receptores do discurso em torno da história da Casa e da memória Afro-brasileira.

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CAPÍTULO I Os três discursos, o racismo científico e a ideia de nacionalismo nos museus 1.

Os três discursos e o racismo científico Este trabalho se intermedeia em três diferentes discursos, que se manifestam de maneira

díspar ao passo que representam diferentes segmentos sociais. Um dos discursos que se faz presente na atual abordagem é o discurso racial. Espinhoso, polêmico e controverso nos limites de seu próprio universo, o discurso racial assumiu uma forma particular ao longo da história da consolidação da sociedade brasileira. O discurso da história oficial é uma outra vertente que aparece aqui, ora entremeada e ora de maneira independente ao discurso museológico e museográfico da instituição estudada. Tal como o discurso histórico e o institucional do museu, o discurso racial também não se desprende em um contexto isolado ou pretensamente homogêneo. Como quaisquer conceitos, os que formam o discurso racial não podem ser destacados das teorias que inferem sobre a realidade. Como não poderia deixar de ser, esses conceitos acompanham sua carga histórica, inseridos em um tempo e espaço específicos. É certo então, que o discurso racial, tal como o conhecemos atualmente, é fruto de um processo histórico e social. O Brasil, nesse sentido, sempre fora lócus de destaque e atração para aplicação de pesquisas e estudos que pretendiam compreender a conformação de sua população e as relações raciais aqui estabelecidas ao longo de sua formação enquanto Estado Nacional. Muitos são os autores, que ao delinear o discurso racial tal como se manifesta atualmente, partem de um grande marco: as teorias do racismo científico no século XIX. Felizmente superadas como produção científica, essas teorias raciais foram largamente aceitas no Brasil, principalmente por conta de seu período de aparecimento. No auge do vigor das ideias imperialistas, surge uma corrente de naturalização que gira em torno da natureza do homem e sua organização em sociedade. O estrondoso sucesso de A Origem das Espécies, de Charles Darwin, publicado em 1859, dá abertura a um processo de popularização e publicização de termos científicos. Segundo a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz (1995), referência em estudos desse período, a ideia de um evolucionismo social, embora combatida nesse sentido por Darwin, começa a ser pensada pela comunidade científica em geral como meio de se justificar a sociedade estamental e a hegemonia da burguesia, que apenas estaria seguindo seu rumo natural, por ser mais apta no processo de evolução. Os determinismos – geográfico e racial -, trazem as discussões para o plano do grupo, nãomais do indivíduo. Seus pressupostos asseveravam a ideia de “raça” como fenômeno essencial; a relação entre os atributos internos e externos – a cor de pele, o tipo de cabelo determinariam a moral 8

dos grupos - ; o indivíduo como a soma de seu grupo rácio-cultural, e a prática da eugenia como política de intervenção e isolamento de determinadas “raças”. Como instrumentos de legitimação, o determinismo racial se utilizava da antropometria, uma espécie de classificação de evolução e inteligência dos homens e da frenologia, o estudo da conformação dos crânios. Havia também os atavismos, que se pautavam na classificação de padrões físicos e comportamentais supostamente indicando a delinquência dos indivíduos e seu teor de periculosidade. No contexto Brasileiro dos fins do século XIX, estava a transição de um sistema, do escravista para o de produção capitalista, o que tornava inviável a manutenção do primeiro, já ultrapassada internacionalmente. Esse cenário faz com que as teorias do determinismo racial ganhem espaço. Referência em miscigenação racial, o Brasil vinha sendo visto pejorativamente como “laboratório racial”, o que despertou o interesse dos “homens de sciencia”, suportados por instituições de produção de conhecimento como escolas de medicina e de direito, além de museus etnográficos e institutos históricos e geográficos nacionais. Schwarcz (1995), entretanto, nos lembra que essa corrente de pensamento no século XIX se apresenta como uma reelaboração semântica, ou seja, uma ressignificação das ideias e teorias que buscavam explicar, seja do ponto de vista do dominador, seja do colonizado, as diferenças entre os homens através dos séculos. O estranhamento das diferenças e a busca por compreendê-las ou tirar proveito delas é uma constante na humanidade. O racismo científico, nesse sentido, toma forma a partir dos avanços da burguesia e sua visão de progresso, rumo a um único sentido, o da civilização. Civilização essa que se pautava no modelo da Europa ocidental, que dispunha e expandia suas tecnologias de aceleração do tempo, tais como o avanço das linhas férreas e a manipulação do aço em larga escala. As tradicionais exposições universais que vigoraram no período serviram para a manutenção do discurso sobre a diferença. À manutenção das diferenças, justificadas por uma pretensa desumanização do outro e por sua classificação no plano do exótico, serviram às coleções que se formavam ao longo do século XVI, os chamados gabinetes de curiosidade e as cosmografias (SEYFERTH, 2002). Os museus como espaço de representação, refletem em sua trajetória rumo ao modelo que conhecemos atualmente, uma visão hierárquica da humanidade, se utilizando de suas diferenças. Não exploraremos com especificidade o conceito de representação, embora seja caro a esse projeto ao menos delinear o que entendemos por reprsentação e em quais autores nos referenciamos para trabalhar essa ideia. Utilizamos Stuart Hall (2000), como grande teórico de referencia para o tema, que nos permite concluir que a linguagem é a principal ferramenta na construção do conceito de representação, uma vez que “a linguagem opera como um sistema representacional” 1 (p.1). 1 Tradução nossa. Ver original: “Language is able to do this because it operates as a representional system.” 9

Representação seria, nesse sentido, a parte essencial do processo pelo qual o significado é produzido e interbambiado entre membros de uma cultura. Representação envolve o uso da linguagem, qua também se manifesta através de signos e imagens representativas. O processo de representação está longe de ser um processo simples, e envolve abordagens de outras áreas, como a Semiótica, proposta pelo linguísta francês Ferdinand de Saussure e a análise do discurso por Michel Foucault. Em suma, nossos sistemas de representação visam dar significado ao mundo, através dos mapas conceituais que formamos, individuais, que organizam em nossas ideias imagens, conceitos, signos e símbolos. A cultura está aí como elemento balizador da formação dos nossos mapas conceituais e do nosso sistema representacional.

1.2.

Gênese das coleções e a formação dos Estados Nacionais. Por mais que ainda se guardem reservas a respeito dos períodos - se na antiguidade clássica

com o “Mouseîon” em Alexandria, se no século XIX com o iluminismo -, considerados efetivamente como originários dos museus na contemporaneidade, sabemos por essência que as coleções, junto à intencionalidade de expor os objetos colecionados, são o protótipo embrionário dos museus (GONÇALVES, 2004). O que, entretanto, podemos entender por coleções? Teria sido atribuído o mesmo significado ao colecionismo e suas motivações teriam sido as mesmas através dos tempos? Segundo Hernández, Entendemos por “coleção” aquele conjunto de objetos que, mantidos temporária ou permanentemente fora da atividade econômica, se encontra sujeito a uma proteção especial com a finalidade de ser exposto ao olhar dos homens. (1944, p.13)2

Partindo do pressuposto de que as coleções são organizadas para serem exibidas, podemos inferir que as coleções, além de estarem imbricadas aos ideais de memória, identidade e pertencimento, possuem relação íntima com a ideia de poder. Para Hernández, o ato de reunir coleções seria tão antigo quanto a própria noção de propriedade individual, tornando claro que através dos tempos o centro do poder em cada sociedade e época, tal como o imperador, o faraó, o monarca ou a Igreja, ostentavam as maiores coleções institucionais. Foram os mecenas a partir do Renascimento, sobretudo, que incindiram uma ordem dita “mercadológica”, uma vez que a

Tradução nossa. Ver original: “Entendemos por “colección” aquel conjunto de objetos que, mantenido temporal o permanentemente fuera de la actividad económica, se encuentra sujeto a una protección especial con la finalidad de ser expuesto a la mirada de los hombres.” (HERNÁNDEZ, 1994, p.13) 2

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aquisição e a negociação de obras de arte e a formação de suas coleções estavam diretamente ligadas ao prestígio e ao poder. A abertura das possibilidades e fronteiras que conheciam os europeus com as grandes navegações, também descentraliza a cultura e a arte das dependências do clero e da nobreza, fazendo com que a Europa passe a ser atingida por uma nova onda de colecionismo, com os chamados “gabinetes de curiosidade”. Além de obras de arte, os gabinetes expunham objetos do mundo natural, objetos considerados raros, preciosos ou exóticos, que serviam à contemplação e à meditação. Segundo Gonçalves (2004), o marco do período é a “cultura da curiosidade”. Com a reunião desses objetos, se pretendia criar um “microcosmos do mundo”, mundo esse que conhecia uma nova ordem, tanto para a percepção dos europeus quanto para os nativos americanos. Ao mesmo tempo, pode-se verificar o crescimento do colecionismo chamado por Hernandez (1994) de eclético no século XVI, que se instalam nos grandes palácios. A autora considera esse século como tendo sido o período de formação dos patrimônios artísticos nacionais em torno dos Estados ainda em formação, sendo a gênese da formação dos grandes museus europeus. O século seguinte se caracteriza pelo envolvimento da burguesia no mercado de arte, que impulsiona, nesse sentido, o aparecimento das pinturas nos gabinetes de curiosidade, bem como o surgimento de galerias de arte, abertas a amigos e a outros colecionadores. Com essa movimentação, aumenta também o número de falsificações em torno da produção artística europeia, que ganha mercado internacional. No século XVIII, a autora pontua a importante transferência da arte cortesã para a arte burguesa, fruto da ruptura social ocasionada pela Revolução Francesa em 1789. Movimentos que caracterizam esse período são também a criação das Academias de Arte, o surgimento de outros grandes museus europeus e escavações arqueológicas de grande porte como a da cidade de Herculano (1738) que dariam origem a importantes coleções dessa tipologia. No interior do movimento de tornar públicas grandes coleções de monarquias, o museu serve como um espaço para a civilidade, uma instituição aberta ao público, que pensava a memória e vislumbrava o futuro em meio às projeções dos recentes Estados Nacionais. É só a partir do século XIX que são criados museus etnográficos, instituições dedicadas à coleção, preservação, exibição, estudo e interpretação de objetos materiais. A curiosidade renascentista que havia marcado a exploração do Novo Mundo e do oriente encontrava aconchego nesses estabelecimentos, que se firmavam enquanto lares institucionais de uma antropologia nascente. (SCHWARCZ, 2000, p.68)

Nesse sentido, o perfil dessas instituições, em franca expansão não somente na Europa, mas também no Brasil é de museus positivistas, que formavam suas coleções através de coletas e

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expedições, buscando compreender o homem como extensão da natureza, numa postura evolucionista e darwinista social. No Brasil, tiveram como função ainda, substituir o papel das universidades e instituições de pesquisa, inspirados nos modelos europeus, uma vez que ainda em construção, a noção de “nação brasileira” nesse contexto, servia apenas de campo de estudos para expedições estrangeiras, que coletavam materiais e amostras biológicas e também “vestígios” de culturas que julgavam estar em extinção. Os museus etnográficos brasileiros, que podem ser apontados como partilhadores de uma gênese comum, são o Museu Real, fundado em 1808, o Museu Paraense Emílio Goeldi, de 1866 e o Museu Paulista, de 1894. Schwarcz (2000), estudou publicações periódicas das três instituições em sua consolidação, fazendo uma análise dos temas pesquisados. A preponderância das pesquisas publicadas no periódico Archivos do Museu Nacional, apontam para preferências temáticas ligadas às ciências naturais. Vale ressaltar que a Antropologia era vista pelo museu como um ramo das ciências biológicas e naturais, tendo sido empenhados estudos de craniologia e frenologia, próprias do racismo científico produzido no Brasil nesse período. No Museu do Ypiranga, atual Museu Paulista, também predominavam pesquisas e coletas no ramo das ciências naturais. Percebe-se, assim como no Museu Real, atual Museu Nacional, que a Antropologia era vista segundo uma ordem biológica, não separada dos estudos botânicos e zoológicos.

. (...)É isso que sugere Von Ihering, que ao descrever a evolução dos moluscos do terciário concluía: “de fato, o que vale para os animais e no mundo da natureza vale também para os homens em sua evolução” (RMP, 1902). O suposto era que o modelo evolutivo da biologia servia de base para todos os seres vivos da terra e em especial para explicar a evolução da humanidade. Tratava-se, portanto, de uma interpretação evolucionista social, cuja base não era religiosa, mas científica e positiva (SCHWARCZ, 2000, p. 82)

Essas posições evolucionistas, longe de serem românticas ou paternalistas, afirmavam de maneira veemente que determinados grupos, vistos como degenerados e fadados ao extermínio, impediam o progresso e a civilização que se cristalizava nas grandes obras de infraestrutura urbana. Os museus desse período cumpriam funções acadêmicas de pesquisa e divulgação científica, que no formato de publicações periódicas, facilitavam o diálogo com a produção europeia e estadunidense, inserindo pesquisadores nacionais no âmbito da “sciencias” internacionais, além, é claro, de destacar pesquisadores estrangeiros em suas publicações. Mais do que espaços de representação do outro, os museus do período supriam a função classificatória, científica e cultural de que sentiam falta as elites do XIX. 12

No mesmo contexto, o Museu Paraense Emílio Goeldi, um museu amazônico, se viabiliza pelo desejo de tornar Belém do Pará uma metrópole, a partir do lucro advindo com a exploração da borracha na região. A instituição centra sua produção periódica nos seus primeiros anos, em espaços concedidos a pesquisadores estrangeiros que se interessavam sobretudo por amostras zoológicas e botânicas, dada a grande biodiversidade na região ainda pouco explorada no século XIX, representando o exótico e o desconhecido. Tendo seguido a mesma postura até meados da década de 1920, as três instituições se defrontam com situações que as centralizam definitivamente no âmbito das ciências naturais. Dentre os principais motivos estão a falta de recursos para manutenção das pesquisas e publicações, o baixo investimento público, a escassez de profissionais que para formar o corpo técnico das instituições necessitavam de dedicação exclusiva, e principalmente o crescente descrédito pelas teorias racistas. 1.3.

O discurso racial: Contexto racial no Brasil nascente afora os museus etnográficos. A formação de um Estado Nacional pressupõe uma tríade homogênea, uma espécie de

congruência entre Estado, povo e território. De imediato, já é possível chamar a atenção para as diferenças no âmbito dessa categoria povo. As minorias, sejam elas numéricas ou políticas, étnicas, raciais, culturais ou religiosas, são por excelência perturbadoras da homogeneidade imaginada para os Estados- Nações (ARENDT, 1996, apud SEYFERTH, 2002). Embora os ideais construídos no século XIX tenham se constituído como chave para a compreensão dos rumos das relações raciais no Brasil e seu cenário atual, para que possamos delinear melhor de quem se trata esse “negro” que é representado não somente no Museu Casa dos Contos mas em diversas outras coleções no Brasil afora, faz-se necessário delinear um pouco melhor as questões que estruturam o discurso racial. Seyferth (2002) chama a atenção para a importância do fenótipo nas acepções sobre a diferença entre os homens e sua consequente hierarquização, ainda no século XVI, quando segundo a autora, não existiam termos raciais utilizados para distinção, sendo as característica fenotípicas justificadas por interpretações teológicas no período. O discurso se aproxima mais da atribuição de um caráter biológico às "raças" ainda no século XVIII, quando a cor da pele, tradicionalmente um fator de diferenciação, se junta ao discurso evolucionista, esse também ligado ao determinismo geográfico. “Assim, as especulações sobre o lugar do homem na natureza levaram, invariavelmente, à barbarização daqueles que, pela aparência física e/ou pela cultura, eram diferentes dos brancos europeus.” (SEYFERTH, 2002, p.20). A

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noção de "raça", bem como o racismo científico se delineava nos oitocentos, embora ainda se pensasse mais em variedades de tipos humanos do que em "raças" propriamente ditas. Para ilustrar a experiência classificatória do período, Seyferth (2002) lembra do trabalho de Linnaeus, quem em 1735 classifica a espécie Homo sapiens em cinco “variedades”: Homo europaeus; Homo asiaticus; Homo americanus; Homo ferus e Homo monstruosus. Linnaeus divide as primeiras quatro categorias a partir de divisões geográficas e relativas à coloração da pele, se utilizando por causas morais e estéticas percebidas para fins de enquadramento. As duas últimas categorias dizem respeito aos “selvagens” e aos “anormais”. A classificação de Linneaus advém de uma grande organização taxonômica, tendo pensado a “variedade humana da mesma forma que a dos demais seres vivos” (idem, 2002, p.22). Esses pressupostos científicos vão ao encontro de um forte paradigma do século XIX – ainda que não o único – de que o homem, como parte da natureza, segue suas leis, bem como a vida em sociedade segue também as leis da natureza, tornando naturais as desigualdades entre os homens. O resultado é a noção das "raças". "Raças" seriam, nesse sentido, “uma explicação biológica para a diversidade cultural” (idem, ibidem). Surge também, nesse mesmo sentido, a ideia das “raças puras”, que, no âmbito dos determinismos raciais, tornava condenável a miscigenação, associada à degeneração. É sabido que essa ideia não era apenas veiculada em ambientes acadêmicos, mas sim teve vários meios de propagação popular e adentrou o senso comum através da mídia e de propagação ideológica. Percebemos, então, que a ideia de identidades raciais pode se delinear de maneira a justificar e manter dominações políticas, através da criação de categorias imaginadas que pressupõe diferenças psicológicas, intelectuais e morais inatas, tendo como aporte características físicas como a cor da pele, dos olhos e a textura dos cabelos. As teorias nacionalistas, unidas à divulgação científica do racismo colaboraram para uma institucionalização do racismo, onde "raça" e cultura eram entendidas como unidade. Observemos que, no contexto brasileiro o racialismo teve fundamental importância na constituição do ideal de nação em um primeiro momento; e na consolidação de fato do ideal nacional, posteriormente, o anti racialismo também se apresenta como fundamental. Dada essa interpretação, podemos pensar sobre a quem serviu a ideia de "raça", em qual contexto ela surge e quais os rumos dessa ideologia. Delinear o contexto brasileiro nos serve como estratégia para pensar uma cronologia mais ou menos abrangente do discurso racial no mundo ocidental, e também pensar uma trajetória do discurso racial ao longo do projeto e da consolidação do Brasil como nação, mas sobretudo, nos

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servirá para pontuar as persistências racistas que dão abertura para representações de subordinadas do negro no país. No Brasil pós abolição, ainda no âmbito do século XIX tratado acima, a história oficial nos ensina que a imigração em massa era incentivada e desejada como alternativa de mão de obra. Havia a necessidade de uma transição de sistema, uma vez que o escravocrata não acompanhava a acumulação e a produção de grandes estoques de excedentes como demandava o capitalismo. O Brasil do Império, cristalizado na figura de Dom Pedro II, destinava recursos para incentivar a imigração europeia, não apenas como meio de suprir a necessidade de colonização de áreas de fronteiras em disputa, mas principalmente tendo em vista um ideal de branqueamento da nação em formação. Mas os escolhidos para colonizar eram imigrantes brancos e não os nacionais. (…) Havia o entendimento de que as terras públicas deviam ser colonizadas com imigrantes europeus, alimentado pela crença de que a existência do regime escravista era empecilho para a implantação de uma economia liberal no país e a população de origem africana não se coadunava com os princípios da livre iniciativa. Nessa lógica evidentemente racista, negros e mestiços (e também os índios selvagens), podiam ser escravos, servos ou coadjuvantes, mas não se adequavam ao trabalho livre na condição de pequenos proprietários” (SEYFERTH, 2002, p.30-31)

Desse modo, pode-se perceber que o ideal de branqueamento sobrepunha-se ao de mestiçagem das “três raças”, como posteriormente se idealizaria. Ao mesmo tempo, o medo da mestiçagem predominava. As políticas de incentivo da imigração eram, dessa maneira, vistas como um meio para o branqueamento do povo brasileiro, uma vez que os não brancos, por serem considerados biologicamente desqualificados, passariam por um processo de seleção natural, sucumbindo mais facilmente a doenças e epidemias. Sua suscetibilidade, entretanto, não era associada à marginalidade imposta pela exclusão do trabalho e das oportunidades em um Estado pretensamente liberal. Tampouco às condições de moradia precárias, à falta de higiene ou saneamento público. Da mesma forma, a ancestralidade dessas populações e sua herança cultural africana era assimilada à inferioridade. Nesse sentido, a formação de uma população mestiça seguiu uma ordem hierárquica que condensa ideias e estruturas diferentes, tais como a de “cor”, e a de estrutura de classe, que estão intimamente entrelaçadas. Segundo Guimarães (2005) No Brasil o “branco” não se formou pela exclusiva mistura étnica de povos europeus, (…) ao contrário, como “branco”, contamos aqueles mestiços e mulatos claros que podem exibir os símbolos dominantes da europeidade; formação cristã e domínio das letras. (...) O significado da palavra “negro”, portanto, cristalizou a diferença absoluta, o não-europeu. Neste sentido, um “preto” verdadeiro não era um homem letrado, nem um cristão completo, pois carregaria sempre consigo algumas crenças e superstições animistas (...). Em consequência, nos meios e lugares mestiços do Brasil, somente aqueles com pele realmente escura sofrem inteiramente a discriminação e o preconceito, antes reservados ao negro africano. Aqueles que representam graus variados de mestiçagem podem usufruir, de acordo com seu grau de brancura (tanto cromá15

tica quanto cultural, posto que “branco” é um símbolo de “europeidade”), alguns dos privilégios reservados aos brancos. Anani Dzidzienyo notou essa peculiaridade das relações raciais no Brasil, quando caracterizou, em 1971, o que considerou o “marco da decantada 'democracia racial' brasileira”, como “a distorção de que branco é melhor e preto é pior, e que portanto, quanto mais próximo de branco melhor. A força desta opinião sobre a sociedade brasileira é completamente perversiva e abarca a totalidade dos estereótipos, dos papéis sociais, das oportunidades de emprego, dos estilos de vida e, o que é mais importante, serve como pedra de toque para a sempre observada 'etiqueta' das relações raciais no Brasil” (Dzidzienyo, 1971:3) (GUIMARÃES, 2005, p.50-51)

Não é difícil perceber que não se trata de exagero de Guimarães tratar o racismo no Brasil como pautado por um gradiente de cores onde o branco estaria num patamar de valoração e o preto em depreciação. No que diz respeito à linguagem, no Brasil, embora não seja uma exclusividade do idioma português, sabemos que quando algo não é correto, é “obscuro”, não está “claro”. O minidicionário da língua portuguesa Aurélio (FERREIRA, 2001, p.284) possui como definição de seu verbete “escuro”, tanto os termos “misterioso” e “escuso” - este último que é definido como “escondido”, “suspeito”, em um verbete a frente - quanto o sinônimo para as definições populares “preto” ou “mulato”. É sabido também, que as populações negras são as maiores vítimas de violência, tanto social quanto policial. Em 2005, o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) publicou o Relatório de Desenvolvimento Humano com o tema racismo, pobreza e violência. Logo em seu início, o documento pontua a desigualdade nos limites da violência: são os negros a grande maioria das vítimas de homicídio no país, mesmo considerando que na grande maioria dos Estados que compõem a nação, as populações negras não são a maioria da composição étnico-racial social. É certo que, segundo o documento, que analisou dados do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números que contabilizam os homicídios de jovens brancos, são por si só alarmantes. A taxa de homicídios de homens entre 20 a 24 anos era de 102,3 a cada cem mil habitantes. No caso dos jovens negros, os números conseguem ser ainda maiores: são 218, 5 assassinatos por 100 mil habitantes. O risco de morte é comparável ao de países em guerra civil. A maioria dos jovens que sofreram homicídio, viviam em áreas pobres como periferias e favelas. Os redatores do documento evidenciam que a Organização das Nações Unidas (ONU), responsável pelo PNUD, não trabalha com nenhum sistema de classificação racial, nem ao menos com aqueles que utilizam a concepção sociológica da ideia de "raça". No entanto, o relatório se utiliza do sistema de classificação adotado pelo Estado brasileiro, entendendo que em sociedades como a brasileira, onde se observa de maneira flagrante a desigualdade baseada em pressupostos étnico- raciais, faz-se necessário manter registros e classificações racialistas. 16

Nos limites das políticas de incentivo à imigração, chamado no PNUD de “fenômeno imigrantista”, tamanha a quantidade de imigrantes vindos ao Brasil a partir de 18803, Qual seria o futuro de um país evidentemente mestiço? A saída foi imaginar uma redescoberta da nação, digerir certas partes da teoria racial, com a evidente obliteração de outras. Nesse arranjo, a miscigenação, antes de ser um obstáculo intransponível ao avanço civilizatório, foi vista como um mecanismo redutor das contradições raciais e, ao mesmo tempo, instrumento de absorção da raça inferior pela superior, uma fórmula de superação da negritude e sua diluição pela mistura das raças. (p.33)

Embora o racismo se materialize de maneira explícita ao analisar dados e materiais do período, devemos ressaltar aspectos que contribuíram para que não se estabelecesse no país um cenário de ódio racial, já mencionado anteriormente. Um deles dialoga com o ideário de nação e homogeneidade do povo. A grande maioria da população das regiões Norte e Nordeste era de origem africana, tanto no período da colônia quanto no Brasil do século XIX, enquanto que no sul e no centro-sul do país, encontravam-se em números significativos brancos, embora miscigenados, é certo (PNUD, 2005, p.34). As consequências de uma possível adoção de medidas segregacionistas institucionalizadas, tal como ocorrera nos Estados Unidos e na África do Sul, teriam sido, provavelmente, uma ruptura da homogeneidade nacional. Somado a outros motivos, talvez essa mesma necessidade de manutenção da égide do nacional tenha criado um cenário de ampla aceitação a um antirracialismo no país a partir da segunda década do século XX. O que seria o racialismo? Apesar de estar atrelado ao racismo, não podemos tomar os termos como sinônimos. “A definição de racismo que me parece correta, terá, portanto, de ser derivada de uma doutrina racialista, isto é, de uma teoria das 'raças'”. (GUIMARÃES, 2005, p. 34). O racismo então, se utiliza do racialismo para estruturar uma ideologia hierárquica das "raças" humanas. Guimarães auxilia muito nesse processo de distinção, quando concordando com Kwame Anthony Appiah, define racialismo como uma doutrina, na qual se pressupõe que (...)há características hereditárias, partilhadas por membros de nossa espécie, que nos permitem dividi-la num pequeno número de raças, de tal modo que todos os membros de uma raça partilhem entre si certos traços e tendência que não são partilhados com membros de nenhuma outra raça. Esses traços e tendências característicos de uma raça constituem, na perspectiva racialista, uma espécie de essência racial; [essa essência] ultrapassa as características morfológicas visíveis – cor da pele, tipo de cabelo, feições faciais – com base nas quais fazemos nossas classificações formais. (APPIAH, 1992, p. 4 apud GUIMARÃES 2005, p.30)

O Museu Nacional, ainda que de maneira tímida, se opôs às teorias racistas a partir dos anos 1930, ainda fortemente influenciado por teorias eugenistas pautadas em pressupostos científicos, através da figura de seu então diretor, Edgar Roquete-Pinto, que chegou a defender publicamente a posição de que o “problema brasileiro seria uma questão de higiene e não de raça” (SCHWARCZ, 2000, p.96) 3

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Decerto, o racialismo não é mesmo que racismo. Mas por que ainda precisamos usar a ideia de "raça" se é ela que inevitavelmente leva ao racismo? Primeiramente vale ressaltar o que se define por racismo: “racismo diz respeito às práticas que usam a ideia de "raça" com o propósito de desqualificar socialmente e subordinar indivíduos ou grupos, influenciando as relações sociais.” (SEYFERTH, 2002, p. 28). Munanga (2004), ainda nos lembra que valores estéticos estão também a serviço da hierarquização dos tipos humanos e Guimarães (2005), pontua uma ordem dita natural, como fundamentadora do racismo. Se no século XIX os imigrantes europeus eram vistos como a esperança de branqueamento da nação, que assim poderia então se tornar “civilizada”, durante a Semana de Arte Moderna em 1922, as aspirações das elites intelectuais do período incluíam repensar a nação por meio de suas origens. O negro é então idealizado como símbolo da brasilidade, junto às duas outras raças formadoras da nação: a europeia e a indígena. Deve-se lembrar, entretanto, que apesar de se tratar de um movimento antirracista que se enquadra em certa medida no programa político do antirracismo ocidental, “no Brasil, esse programa, esposado por intelectuais brancos e de classe média, ignorou muitas vezes o antirracismo popular dos pretos e mulatos que denunciavam as barreiras intransponíveis do 'preconceito de cor' (GUIMARÃES, 2005, p.41). Talvez tenha sido Gilberto Freyre o expoente máximo da antropologia social a romper o ideário racista - ainda que de maneira muito criticada posteriormente -, com a publicação do grande sucesso Casa Grande & Senzala (1933). O destaque se dá pela obra ter sido aclamada e muito bem recebida pelos intelectuais e formadores de opinião do período, além de ter movido uma escola de estudos raciais. Esse trabalho, seguido por outros como os de Donald Pierson, Melville Herskovits, Franklin Frazier e Charles Wagley nas décadas de 1940 e 1950, assim como a contribuição da Semana de 1922, incitou uma nova percepção sobre o nacionalismo no Brasil, buscando dirimir o tal “complexo de vira-lata”, do qual falava Nelson Rodrigues nos anos 1950, sentimento em grande parte implantado pelo racismo científico europeu. Talvez essa tenha sido a maior falácia do mito da democracia racial, a imaginação de um paraíso racial onde imperaria a harmonia entre as “três raças”, que contribuíram para o universo cultural brasileiro conforme seu “potencial civilizatório” (GUIMARÃES, 2005, p. 56). Está aí, ainda que de maneira tímida, uma hierarquia das raças nas contribuições para a nação. A democracia racial tem por base a crença em um passado escravista paternalista e de relações benignas entre o senhor e o escravo. Nesse sentido, a miscigenação entre negros e brancos e os apadrinhamentos dos senhores aos escravos constituiriam exemplos incontestáveis de uma sociedade tolerante e avessa aos radicalismos raciais. A visão sobre a miscigenação se inverte: o prisma negativo dos deterministas biológicos dá lugar a seu oposto – ela é vista como um fenômeno positivo que explica a ausência do ódio racial e do próprio racismo no Brasil. Em síntese, os teóricos idealizavam uma simetria entre as raças por meio do conceito-síntese deno18

minado "democracia racial", na qual um cenário social e histórico é idealizado e em que índios, negros e brancos, cada um à sua maneira e conforme a sua cultura, participam da formação da nacionalidade brasileira. (PNUD, 2005, p.34)

Outro fator que coaduna com a assimilação da democracia racial no Brasil é o contexto perverso que se forma a partir da modernidade, em torno do conceito de "raça". O racismo científico, que possibilitou a divisão dos seres humanos em "raças" hierarquizadas, subdividindo qualidades morais, intelectuais

e

psicológicas

para

justificar

diferenças

entre

sociedades

e

populações,

sobreviveu aos estudos culturais, e ao desenvolvimento das Ciências Sociais para mostrar sua pior face nos genocídios, holocaustos e sistemas segregacionistas institucionalizados. Após os horrores da Segunda Guerra Mundial, há um esforço internacional e organizado para ir contra o termo "raça" em todo e qualquer sentido que ele pudesse ser utilizado. Afinal, se é o fenótipo, a morfologia, bem como a cor da pele, dos olhos e a textura dos cabelos que na modernidade pautam a noção das diferenças raciais, no pós-guerra já era sabido que a cor da pele é resultado de produção e concentração de melanina, onde a “raça” conhecida por “branca” possui a pele, olhos e cabelos claros pois não concentra melanina como a “raça negra”. Os chamados “amarelos” são o intermediário na escala de concentração de melanina. Mas a melanina nem é fator de tanta importância no genoma humano, já que “apenas menos de 1% dos genes que constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele, dos olhos e cabelos.” (MUNANGA, 2004, p.2-3). Os pressupostos da craniometria, que se pautavam no formato e no tamanho do crânio para classificar as "raças" também foram colocados por terra em 1912 por Franz Boas, que observou que a forma do crânio é mais influenciada pelo meio, ou seja, por fatores geográficos, assim como a concentração de melanina, do que por termos raciais. Outros estudos de geneticistas, biólogos moleculares e bioquímicos, chegaram à conclusão de que o patrimônio genético dos indivíduos não é semelhante a ponto de criar biologicamente “raças” estanques. Para tratar de grupos humanos mais isolados, com características partilhadas e costumes endogâmicos, alguns cientistas da área biológica propuseram o uso do termo “população”, em detrimento do termo “raça”. O termo manteria a ideia das diferenças dos tipos humanos, que são inatas, mas evitaria a já cunhada naturalização e hierarquização que acompanha "raça" há muito. De fato, o termo "raça" não seria um problema atualmente, não fosse a atribuição de valores às diferentes características físicas e morfológicas percebidas nos homens e mulheres. Embora a noção de "raça" baseada em traços fisionômicos, fenotípicos ou de genótipo não faça o menor sentido para a ciência contemporânea, não somos todos iguais, ao mesmo tempo em que é verdade que o povo brasileiro está além da tríade das "raças" fundadoras da nação. 19

Se as "raças" não existem para explicar biologicamente as diferenças, elas são, sem dúvida uma construção social, como vimos anteriormente, fruto da necessidade de classificação que possui o ser humano para compreender suas origens e sua realidade. Depois da guerra, portanto, para ser coerente com a genética pós-dawiniana, alguns cientistas sociais passaram a considerar “raça” “um grupo de pessoas que, numa dada sociedade é socialmente definido como diferente de outros em virtude de cetas diferenças físicas reais ou putativas” (Berghe, 1970:10). Ou seja, os fenótipos seriamuma espécie de matéria-prima física e ganhariam sentido social apenas por meio de crenças, valores e atitudes. Na ausência de marcas físicas, segundo alguns autores, esses grupos deveriam ser chamados, com maior propriedade, de étnicos. Apesar de a diferença entre grupos étnicos e grupos raciais ser sempre problemática. (GUIMARÃES, 2005, p.24)

Considerando a espinhosidade do conceito da diferenciação entre “raça” e “etnia”, buscamos primeiramente ressaltar que um não substitui o outro. Por possuírem um caráter de dominação política, é até perigoso que os dois termos se confundam. "Raça", como já vimos, pressupõe traços morfológicos inatos, ou seja, sua justificativa é sempre biológica. Etnia, por sua vez, abrange características socioculturais, psicológicas e sócio históricas. No limite das “categorias raciais”, podem existir diversas outras identidades. Mais tolerado no que diz respeito ao senso comum, até por conta de todo o histórico que vimos anteriormente, etnia é não raro, termo usado para substituir ""raça"". Por si só esse não é um ato perigoso, como nos lembra Munanga, pois a hierarquização dos tipos humanos, parte da gênese do racismo, não se altera com a mudança do termo. Para o autor, ambos os termos são utilizados por todos, sejam racistas ou antirracistas. O perigo está na utilização que se dá a eles. No limite, quando brancos e negros são agrupados em categorias sociais diferentes, independente de suas raízes culturais ou origem étnica, percebemos a persistência da ideologia racista, ainda que sutil. É justamente ao ir contra essa persistência que as identidades se reforçam, esse é o “efeito contrário” da globalização. “É a partir da tomada de consciência dessas culturas de resistência que se constroem as identidades culturais enquanto processos e jamais produtos acabados” (MUNANGA, 2004, p.14). O perigo está em tornar características identitárias culturais caracteres biológicos. Sendo assim, de quem tratamos quando nos referimos ao “negro”, representado no Museu

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Casa dos Contos? Estamos falando de negro como categoria identitária, de grande parcela da população afrodescendente, autodeclarada ou não4. Trabalhamos a categoria “negro” num sentido sociológico, onde a chamada “raça negra” toma certa etnicidade (GUIMARÃES, 2005, p.26). Desde os anos 1950 e principalmente a partir do final dos anos 1970, quando se retoma os trabalhos de duas escolas de “estudos raciais” surgidas nos anos 1950, proliferam-se estudos sobre as desigualdades raciais, que lançaram luz à falta de oportunidades legada aos negros no Brasil. O termo “raça” volta com força, porém como uma “categoria que expressa um modo de classificação baseado na ideia de raça.” (GUIMARÃES, 2008, p.77). Ou seja, "raça" não diz respeito a um conceito real, mas é de extrema importância para a compreensão da realidade social. Em suma, embora a categoria “raça” não exista, necessitamos da noção sociológica racialista, que considera as diferenças para diminuir as desigualdades de oportunidades, seja pela adoção de medidas políticas universalistas, seja pelas polêmicas medidas particularistas, que como já podemos observar, estão em curso, na tentativa de quebrar a “retórica da harmonia”, como pontua Seyferth (2005, p.39), rumo a uma sociedade pluriétnica e multiculturalizada de fato.

A questão da declaração por cor é intrigante, e inclusive está ligada ao momento da adoção do termo “negro” para designar a população afrodescendente pelas Ciências Sociais, que toma credibilidade também no discurso político. O IBGE mantém cinco categorias de autodeclaração: brancos, pretos pardos, amarelos ou indígenas. Guimarães (2008, p.76) pontua que Hasenbalg (1979) e Valle Silva (1980) analisaram os dados produzidos pelo instituto e descobriram que, embora os números de autodeclarados pretos seja diminuto (nunca foram maior do que 5%), a categoria parda não apresentava indicadores sociais significativamente diferentes, portanto, mostrouse conveniente agregar os dados das duas características. Guimarães conclui, assim, que “cor”, enquanto categoria no Brasil, não é objetiva, mas sim social. 4

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CAPÍTULO II 2.

Os estudos sobre a representação das populações negras nos museus brasileiros. Antes de tratarmos mais especificamente da exposição A Arte Afro-brasileira na coleção de

Toledo, que toma lugar no Museu Casa dos Contos, cabe a nós a contextualização do cenário dos estudos sobre a representação do negro nos museus brasileiros, com o qual intencionamos contribuir. O cenário atual é de grande responsabilização social dos museus e demais instituições culturais. O documento gerado pelo Seminário A Missão do Museu na América latina, realizado em 1992 em Caracas, na Venezuela, representou o marco do pensamento museológico mundial do momento, caracterizando os rumos e os anseios das instituições museais centro e sul-americanas. As instituições participantes visavam a transformação de monólogos em diálogos, e a “missão comprometida” se deslocaria da sociedade como conceito vago e abstrato, para abranger às comunidades em que os museus estão inseridos (MATTOS, 2010, p.73). Sabemos que a função social dos museus perpassa toda a sua cadeia operatória, exigindo uma equivalência das atividades desenvolvidas para com as demandas das comunidades nas quais atuam. Uma de suas atividades é a comunicação, por meio da qual os museus podem representar a comunidade e lhe servir como espaço de memória. Porém, essa representação nunca é definitiva, neutra ou livre de conflitos, já que o museu pressupõe um espaço de diálogos e debates. O mais acirrado e caloroso deles talvez tenha lugar nas disputas entre a memória e o esquecimento de determinados grupos. No caso de um país como o Brasil, podemos perceber esse movimento ainda mais saliente, uma vez que essa sociedade se formou a partir de diferentes movimentos, de diáspora, de imigração em massa, de êxodo e também de dizimação de povos, como já vimos. O produto dessa dinâmica é sem dúvida uma formação social multiétnica e plural, e um enorme desafio, o de assegurar a equidade entre os diversos segmentos dessa sociedade. Considerando que cerca de 80% dos museus brasileiros são públicos e financiados por instâncias governamentais (SANTOS, 2004), essas instituições servem ao Estado como ferramentas para a divulgação e fixação de uma identidade nacional comum. Os acervos museológicos e suas estratégias de comunicação auxiliam na construção de uma história oficial, do mesmo modo que os monumentos e os livros didáticos, apenas para citar exemplos mais explícitos. Os museus então, são responsáveis pelo processo de institucionalização da memória de determinadas culturas, musealizando seu patrimônio. Vimos anteriormente que o ideal de nação perpassa as narrativas construídas a partir do patrimônio simbólico, e que o valor dado aos objetos e artefatos, se reflete na valoração ou depreciação da cultura que os produz ou significa. Nesse 22

sentido, podemos inferir que o espaço legado às populações negras no país da “Ordem e Progresso” ideais positivistas por excelência -, sobretudo no que diz respeito ao período de vigência do racismo científico etnocêntrico como teoria auxiliar do discurso nacionalista, tenha sido o da exclusão e da inferiorização, uma vez que não se entendia o negro nem sequer como apto à sobrevivência, o que se dirá então sobre atributos e características heroicas, necessárias para a construção de um discurso nacional do período? Na impossibilidade de exclusão total das referências afro da cultura brasileira, estratégias diversas foram constituídas para dissimulá-las, como, por exemplo, a folclorização e fetichização da cultura de afrodescendentes no contexto da cultura brasileira. Sendo definidos lugares específicos para tais expressões culturais e ações dos seus agentes, sistematizando-se a cultura, estratificando-se indivíduos, manifestações e testemunhos, valorando-os a partir de padrões, paradigmas e estereótipos, também foram produzidas tipologias diferenciadas de locais de preservação, surgindo espaços alternativos para expressões consideradas à margem ou mesmo fora do nível que se pretende estabelecer para as qualidades da “cultura nacional”.(CUNHA, 2003, p.276)

Percebemos, então que a lógica por trás de conceitos como folclórico e etnográfico, surge com pressupostos de atribuição de valor, de hierarquização das culturas que compõe a sociedade brasileira. Os museus serviram, nesse processo, e ainda servem em grande medida, para a propagação de polaridades como as existentes entre o popular e o erudito, o escolarizado e o não escolarizado, entre a arte acadêmica e o artesanato, não como conceitos inerentes, mas sim como ideologia política de manutenção do status quo. Entretanto, esse processo de atribuição de lugares específicos para a representação do negro não foi explícito, à medida em que as relações raciais no Brasil se voltavam para uma política não racialista. A ideologia da democracia racial enquanto movimento político, difundido no país a partir dos anos 1930, por ter idealizado uma nação híbrida e mestiça sem racismo ou hierarquização racial, atrasou, segundo Munanga (2003), em muitos anos o debate a respeito da inserção de “ações afirmativas” e de uma abordagem multiculturalista no sistema de educação básica. Contudo, no interior dessa postura homogeneizante, percebe-se com clareza o tratamento racial nas representações da sociedade brasileira em instituições de memória, uma vez que o local ocupado pelo negro quase sempre remete ao drama da escravidão e à práticas populares tais como o samba, o carnaval e o futebol. A elite brasileira, em paralelo, é vinculada às artes, à política, ao investimento em estrutura, às indústrias e às demais profissões de prestígio no país. O que percebemos de maneira recorrente em grande parte das instituições, são representações etnocêntricas não racializadas. Tal como afirma Santos (2004), O silêncio sobre raça pode representar a predominância de um imaginário coletivo, comum, capaz de se impor ao conjunto de cidadãos, independente de cor, etnia ou nação. Cabe a nós, entretanto, investigar este imaginário comum e perceber em que 23

medida ele traz hierarquia de valores e elege padrões estéticos e produções culturais de um segmento populacional em detrimento de outro (p.7).

Os trabalhos desenvolvidos pela historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos (2004 e 2005) são grandes marcos no campo de estudos sobre a representação das populações negras nos museus brasileiros, e servem, junto com O Negro nos museus brasileiros (2005) do antropólogo Raul Lody, como referência para grande parte dos trabalhos publicados a esse respeito que se seguiram. Existem elementos basilares que motivam o fato. Um deles a ser ressaltado, é a estrutura do raciocínio de Santos, principalmente no primeiro artigo, publicado em 2004: Entre o Tronco e os Atabaques: A Representação do Negro nos Museus Brasileiros, por ocasião do Colóquio Internacional Projeto UNESCO no Brasil 50 Anos Depois. A historiadora aponta a tendência de um movimento crescente nos museus em busca pela construção de uma nova imagem do negro para o grande público. Como maior exemplo, Santos referencia a criação de dois museus afro-brasileiros de nova roupagem – o Museu Afro-Brasileiro 'MAFRO' em Salvador (1982) e o Museu Afro-Brasil em São Paulo (2003) – como parte do programa de uma agenda pública com interesses na implantação de ações afirmativas que objetivam o combate às desigualdades raciais. Podemos entender essa técnica, segundo a autora, como um “processo crescente de racialização da cultura brasileira” (2004, p.17.). Nesse sentido, a tendência dessas instituições passa pela criação de uma representação que se afaste da vitimização da população negra no Brasil, para ir além de uma memória que se encerre com a abolição, além de uma representação do negro como coadjuvante de sua história. Aliás, a própria criação dessas duas instituições é resultado de um longo processo de lutas do movimento negro, que vem conquistando apoio público para defender uma nova imagem, reescrever e preservar uma outra história social afro-brasileira, uma vez derrubado o mito da democracia racial. Podemos incluir também no mesmo patamar, a realidade de novos projetos políticos desenvolvidos na África do Sul como o memorial do Freedom Park5, que expõe o drama dos conflitos raciais do passado do país de maneira a conservar a memória das vítimas, mas sobretudo como meio de estabelecer uma “celebração coletiva da dor”, dando destaque às heroínas e aos heróis da luta contra o apartheid, e não ênfase à dor e ao luto como narrativa distante da realidade cotidiana. O Freedom Park, ou Parque da Liberdade em português, é um projeto sul-africano cultural dinâmico e multidimensional que conta a história da África do Sul do período pré-colonial até a atualidade. O projeto celebrará todos os que morreram durante a luta pela libertação e homenageará também a conquista da democracia e da liberdade. A intenção é proporcionar um maior entendimento coletivo do país e de seu povo. Composto por um memorial, um museu interativo e um jardim das recordações, o parque busca a abordagem de lacunas, distorções e preconceitos, fornecendo novas perspectivas sobre a tradição sul-africana e colocando em xeque visões tradicionais por meio de uma reinterpretação dos locais já existentes do patrimônio nacional. (ABRAHAMS, 2004) 5

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Em sua narrativa, Santos (2004) nos lembra de outras realidades, muito mais comuns à representação do negro em instituições de memória e chama atenção para a necessidade de superação desses modelos, principalmente em se tratando da representação do trauma da escravidão. No geral, as representações do negro nos museus brasileiros estão focalizadas ora no tronco, ora nos atabaques, como sugere o título escolhido pela autora. O que está nesse intermédio, toda uma história, de lutas e negociações, de suor e de resistência, é constantemente silenciado. Estamos acostumados a ver o negro representado por intermédio dos instrumentos utilizados para seu suplício no período escravocrata, instrumentos utilizados como forma de dominação e manutenção de uma ordem racial preestabelecida; ou então, nos acostumamos a ver a folclorização de sua religião, sua arte colocada à parte de uma história nacional e academicista, suas manifestações como fetichizadas ou encerradas nos limites dos estereótipos. A questão que se sobressai tenta compreender quais são os agentes beneficiados pela representação de um grande drama coletivo que define as estruturas de uma sociedade sem sua devida problematização. A quem serve a manutenção desse tipo de representação? No interior das disputas que envolvem diferentes grupos sociais e uma história nacional compartilhada, é comum e necessário o estabelecimento de marcos fundadores e de heróis. Santos exemplifica o “Dia da Consciência Negra”, data cunhada pelo movimento negro, como um dia símbolo da luta pelo seu protagonismo no período abolicionista. Ao invés de celebrar o dia em que a Princesa Isabel assina a Lei Áurea, o movimento insere Zumbi dos Palmares como herói da resistência à dominação, negando a abolição da escravidão como um “presente”. Junto à figura que reverte a passividade do negro, Zumbi traz também a ideia de uma nação constituída por diferenças étnicas e culturais. Por que então, não é comum que sejam valorizados heróis como Zumbi nas instituições museológicas em detrimento dos instrumentos de tortura, tão comuns às linguagens tradicionais quando tratam a História Oficial do Brasil? “No ambiente neutro em que são mostrados esses objetos, eles tendem a cumprir a função de banalizar os açoites, as chicotadas, o trabalho forçado, a separação de famílias e o aviltamento a que foram submetidos os escravos” (SANTOS, 2004, p. 13). Nos perguntamos, entretanto, quais são os limites para que esse ambiente deixe de ser neutro. Teria o Museu Casa dos Contos abandonado a neutralidade quando se utiliza de um espaço conhecido como senzala para estabelecer sua narrativa sobre o negro? Como se caracteriza o imaginário dos visitantes com relação a esse aspecto? A autora conclui que a história da escravidão não tem sido narrada e transmitida por intermédio de uma voz dos “escravizados”. Quem são seus autores? Há relatos de escravizados sobre a escravidão ou eles tornam-se “memória adquirida”? A memória de um trauma tem reverberado ao longo de gerações não familiarizadas a esse drama, ou ainda, gerações que não se identificam com a representação subalternizada desses povos. Afinal, qual é o impacto que a 25

história da diáspora africana e que a história da escravização dos africanos e afro-brasileiros ainda consegue causar nas gerações atuais? A história não teria se tornado parte de um passado distante, anterior à grande miscigenação das “raças” que formaram o povo brasileiro? Qual é o direito que o outro, ou seja, aquele que não sente os ecos da dor e do sofrimento causados pela escravidão de encená-la nos museus? “Mas o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal está o perigo?” (FOUCAULT, 2010, p.8.). Outros trabalhos também se preocupam com as mesmas questões e, principalmente buscam analisar de maneira crítica a velha estrutura comunicacional de museus que encerram a representação do negro no contexto do período escravista, sem incitar maiores reflexões ou questionamentos. A abordagem de autoras como Machado (2013), Barbosa (2012) e Mello (2013) nos permite uma visualização do contexto brasileiro como uma unidade relativamente comum. Machado faz a análise de dois museus no Rio Grande do Sul que possuem representações racializadas, embora abordagens distintas: o Museu Júlio de Castilhos, administrado pelo Estado do Rio Grande do Sul, criado no início do século XX, tendo adotado o modelo do Museu Histórico Nacional, se devotando às Ciência Naturais até a década de 1950, quando adota uma tipologia histórica com o objetivo de trabalhar a memória regional e oficial do Estado. A outra instituição estudada é o Museu de Percurso do Negro (MPN), criado no início do século XXI, a partir de uma demanda do Movimento Negro também em Poto Alegre, e possibilitado a partir da abertura gerada pela Nova Museologia. O MPN é um museu de território que trabalha marcos representativos da memória e da territorialidade negra espalhados pela capital gaúcha. A autora indica que o Museu Júlio de Castilhos concentra a maior parte de suas narrativas com relação aos povos negros em uma sala denominada “Período Escravista”, denotando com a própria seleção do nome uma também seleção temporal de desprivilegio do negro nos limites da exposição, onde “a homogeneização do ‘outro’ negro, o destaque à violência escravista e o silenciamento sobre a cultura afro-brasileira” (MACHADO, 2013, p.54) tomam lugar como estratégias de representação da instituição. Quando o visitante sai do “período escravista”, é como se o negro tivesse se convertido em “vestígio do passado”, no qual após sua abolição – onde não são mencionados seus protagonistas negros -, não houvesse mais história a ser contada. Já o Museu de Percurso do Negro, constitui-se numa tentativa de contestar as representações racializadas de vitimização, buscando a reprodução da cultura, memória e história dos povos negros de maneira positiva. Isso ocorre no destaque visual aos chamados “territórios negros urbanos”. A autora salienta que imagens positivadas como essas só puderam ser construídas a partir de um processo histórico de inversão da representação do “outro”, como pode-se observar no Museu Júlio 26

de Castilhos, pela “auto representação”, onde o próprio negro constrói e representa a imagem que deseja apresentar de si no museu. Barbosa (2012), estuda a característica cenográfica de dois museus mineiros, que segundo a atribuição da autora, muito se assemelham à atividade cênica, sobretudo quando constroem caracteres identitários nacionais. São eles o Museu da Inconfidência (1944) em Ouro Preto e o Museu do Ouro, em Sabará (1946). Segundo a autora, ambos museus fazem a seleção dos atores sociais que figuram como destaque no período em que querem representar – sumariamente o século XVIII -, tanto na área mineradora quanto na formação do imaginário nacional, privilegiando a etnicidade portuguesa. Para Barbosa, no período em que os dois museus foram idealizados, décadas de 1930 e 1940, coexistiam outros ideais de nação, que não figuram no discurso institucional, por não terem sido considerados pertinentes para a imaginação social. As exposições museológicas talvez sirvam de momento e lugar mais propícios para verificação da dualidade ausência/presença quando nos referimos a representação de negros em museus. Aquelas dos museus que ora estudamos parecem desconhecer as dinâmicas das relações sociais na diversidade brasileira desde o período colonial. (p.102)

A autora também entende que o que é comum em várias instituições quando representam culturas africanas diaspóricas através de suas exposições, também acontece nos museus estudados por ela, onde o tema da escravidão é utilizado como parte do contexto para narração de uma História Oficial, desencadeando na naturalização da condição de escravizado e do processo escravagista, com o uso ilustrativo de objetos que serviram como instrumento de suplício. Sendo assim, esses museus optam pela seleção de uma memória do trauma e do castigo em detrimento da memória que alude à descendência, à resistência e à etno-história. Mello (2013) nos lembra que os museus e seus profissionais devem atentar para o discurso que veiculam e seus sentidos, contextualizando e refletindo sobre as marcas que a escravidão legou a toda a sociedade brasileira. Nesse sentido, a historiadora atenta para os potenciais educativos dos museus, que segundo ela, “educa(m) por meio da tridimensionalidade”. Sendo assim, ressalta-se a responsabilidade dos técnicos que atuam nos museus e trabalham diretamente com seu acervo, que apresenta inúmeras possibilidades de narrativas. É necessário também que tenhamos em mente o potencial comunicador das exposições, onde o discurso pressupõe-se intercambiável, através do estabelecimento de um diálogo entre o emissor e o receptor. A dimensão dialógica propicia aos museus e às suas ações educativas densidade para discutir o pluralismo e o processo litigioso das memórias. É necessário prever, incluir e expor formas diferentes de perceber o tempo e a história, principalmente de povos que estiveram silenciados durante um longo período como os de matriz africana.” (p. 55) 27

Como também nos lembra Lima (2004), “o significado da cultura material não é fixo, nem estático, mas está constantemente sujeito a mudanças” (p.24). O formato que tomam os artefatos nas exposições museológicas, são manipuláveis, passíveis de ressignificação, atendendo aos interesses dos agentes sociais que participam das relações de poder constituídas nos museus. Um mesmo objeto, nesse sentido, pode ser utilizado para contar histórias e produzir narrativas sobre diversas perspectivas. O antroplólogo e museólogo Raúl Lody, quando publica O Negro nos Museus Brasileiros (2005), trata sobre seu estudo de coleções e documentos representativos das culturas afrodiaspóricas, em museus de oito diferentes estados brasileiros, traçando um panorama da cultura afro-brasileira musealizada, e inserida também em institutos históricos, acervos particulares, terreiros de candomblé e em mercados populares. O autor nos lembra que a constituição desses acervos está em sua maioria, distante das aquisições oficiais para a construção de narrativas no patamar do nacional. A formação de muitos acervos passa pela história da dominação, servindo como troféus de guerra, comprovação de uso de força militar ou econômica, e de dominação de territórios. “Fica nesses exemplos o museu apenas enquanto um depósito de espólio dos guerreiros vitoriosos na ocupação do mundo inculto”. (p.28). É inevitável que caiamos na problematização do direito ao patrimônio, e principalmente do direito à sua guarda e a seus usos. Sobretudo quando sabemos do processo de perseguição institucional e política a cultos, ritos, e manifestações artísticas e culturais de referência africana e/ou afro-brasileira. Segundo Lody, a partir da segunda década de século XX, pode-se verificar o aumento da repressão policial a essa categoria de manifestações, sobretudo as religiosas, de matriz africana e afro-brasileira nos Estados do Norte e Nordeste, onde a perseguição armada, de caráter punitivo e destruidor, perdurou até a quarta década do século XX. Esse cenário só vem a se diferenciar, conforme o autor, cerca de cinquenta anos após a imputação das repressões institucionalizadas, num certo movimento econômico, político e cultural, da criação de um ideário afro. Estético, cultural e artístico, as dimensões desse movimento chegam ao que chama Lody, de resultados “afro-abrasileirados”, gerando motivações para artistas plásticos, grupos de afoxé, blocos afro, músicos e escolas de samba (p.24). Contudo, o antropólogo não apresenta o mesmo posicionamento de Cunha (2003), referenciado anteriormente, em se tratando dos museus e laboratórios etnográficos e dos institutos históricos e geográficos. Parte dos acervos estudados pelo autor, advém de um “salvamento” realizado por estudiosos e pesquisadores desses institutos, ainda que o autor pontue que essa motivação, por vezes esteja ligada ao entendimento dos artefatos como exóticos, portanto dignos de guarda e exposição.

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O autor ressalta também a falta de conhecimento sobre os acervos apreendidos, e sobretudo a dificuldade de atribuir significação a objetos que possuem forte carga simbólica nos cultos, rituais e nas comunidades de onde foram expropriados. Quando o objeto é isolado de seu criador, de seu usuário, adquire valoração, num primeiro momento exclusivamente material; e, interpretado, poderá readquirir conceitos morais e étnicos que lhe conferem seu valor simbolizador, ora de autores, ora de grupos sociais, de um determinado momento da história, de aspecto da vida cultural de populações. (p.27)

Ou seja: qual a função de um objeto quando isolado de suas funções sociais? Como podemos, enquanto técnicos e profissionais de museus tentar diminuir os prejuízos causados por esse tipo de repressão étnico cultural, violência e desapropriação de bens? Essa é uma questão que está longe de ter uma resposta simples, mas Lody aponta um caminho também nada fácil de ser concretizado: através de um amplo processo de educação patrimonial, que atinja às diferentes populações e regiões do país. O caminho para a construção de uma memória negra mais democrática, entretanto, não passa pelo silenciamento do trauma da escravidão. Esse drama coletivo, ainda que extremamente doloroso, é elemento constitutivo da identidade nacional, e sem dúvida é assunto a ser abordado nos museus. Como ressalta Abrahams (2007) “Ao tratarmos do tema da escravidão, podemos reconhecer e reafirmar a identidade de um grupo, bem como evitar que novos abusos venham a ocorrer” (p.92). Ainda segundo o autor, é necessário pensar os museus como lugares em que é possível não somente a manifestação das identidades, mas local em que podemos desconstruí-las se necessário, contestá-las se assim julgarmos coerente. Essa necessidade se faz ainda mais latente quando pensamos no momento em que vivemos, globalizado, de rápida mudança social, em que a busca pelas raízes e a renovação dos laços comunitários, étnicos, familiares e religiosos, surge como resposta ao medo da efemeridade. É preciso, contudo ponderar como a memória dos grandes dramas será veiculada. Há necessidade de uma política e sobretudo de reflexão institucional. Afinal, o drama coletivo da escravidão é um elemento histórico que possui efeito direto sob a paisagem social, econômica, política, cultural e histórica do Brasil. 2.1.

A exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo: A Casa e a coleção. A coleção da qual pretendemos tratar, exposta sob a forte chamada A Arte Afro-brasileira na

Coleção de Toledo, é de propriedade particular da família Toledo, conhecida por ser empresária do ramo de antiguidades há anos na cidade de Ouro Preto. Os objetos estão dispostos no espaço conhecido como senzala do Museu Casa dos Contos, exposição essa que servirá como laboratório 29

para compreensão da representação e recepção da memória do trauma coletivo da escravidão e da memória dos povos negros em geral no Brasil. A exposição pode ser considerada como um módulo fisicamente isolado dos demais que compõem o circuito do museu e é composta por objetos que vão desde exemplares de louça inglesa a instrumentos de tortura, registro de compra de escravizados e pistolas.. 2.1.2. O Museu Casa dos Contos O prédio que abriga atualmente o Museu Casa dos Contos foi construído por João Rodrigues de Macedo, entre 1782 e 1784, tendo sido considerado o maior banqueiro do século XVIII. “Seus detalhes arquitetônicos, amplos salões decorados – agora se descobrem outros forros pintados – senzala, quartos de hóspede e demais dependências, indicam a importância de seu proprietário” (Ferraz, 2007). Nesse período, a casa além de lhe servir de residência, também funcionava como Casa de Contratos, e de arremate da Arrecadação Tributária das Entradas e Dízimos. No período que ficou conhecido como o da Inconfidência Mineira, o prédio serviu de abrigo para as tropas do vice-rei e de prisão temporária para os envolvidos no movimento. Em 1792, devido a dívidas contraídas por seu proprietário, passa a funcionar mediante aluguel a Administração e Contabilidade Pública da Capitania de Minas Gerais, denominada de Casa dos Contos, nome que permanece até a atualidade. No ano de 1803, a inadimplência do contratador junto à coroa fez com que a casa fosse transferida aos bens da Coroa Portuguesa. O prédio sofreu diversas alterações em sua estrutura, tendo sido sua primeira reforma de expansão datada de 1820. Em 1824, uma nova reforma adaptou o prédio para receber a Casa de Fundição do Ouro e da Moeda, já justificando a sua administração atual pelo Ministério da Fazenda. Com a transferência da capital de Minas Gerais para a planejada Belo Horizonte, o prédio passa a abrigar simultaneamente os Correios e a Caixa Econômica. Em 1970, a Prefeitura ocupou o prédio, que somente em 1973 é retomado pelo Ministério da Fazenda, tendo sido inaugurado ali o Centro de Estudos do Ciclo do Ouro (Ceco). O Ceco foi criado com a finalidade de abrigar as microfilmagens dos documentos econômico-fiscais relacionados ao Ciclo do Ouro, e o chamado Arquivo da Casa dos Contos e a Biblioteca Luiz Camillo de Oliveira Netto. O prédio sofreu restaurações para abrigar o acervo referente à história econômico fiscal do país. O Museu Casa dos Contos hoje, possui espaços para exposições de longa e curta duração, que se organizam entre os três pisos do edifício e o subsolo conhecido por “senzala”, esse último, que abriga a exposição que serve como objeto de estudo. 30

2.1.3. A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo O circuito deste módulo da exposição começa com a descida ao subsolo, onde está disposta uma escadaria de ferro, em adição à original, em piso “pé-de-moleque”, construído a partir de pedras extraídas nos leitos dos rios. De imediato o visitante se depara com um banner que contém o seguinte texto diagramado junto a uma fotografia de José Lucas Toledo, já falecido, aquiridor da coleção. A Arte Afro-Brasileira na Coleção de Toledo Construtores de Minas e do Brasil, os africanos e seus descendentes constituem um dos mais vigorosos pilares da historia de Ouro Preto. Eles chegaram ao longo dos séculos XVIII e XIX, submetidos à condição servil, trazendo quase em segredo, uma rica tradição cultural. Nos meandros do sincretismo, sua contribuição floresceu intensamente e deixou raízes. A saga de Chico Rei traduz exatamente a mobilidade dos africanos no espaço social assim como o prestigio do Aleijadinho e de Lobo de Mesquita testemunha a escalada dos afro-descendentes, pela via das artes na primeira sociedade urbana do Brasil. Essa inclusão no processo cultural do pais passa pelos conhecimentos de que dispunham em campos como a mineração e a geologia, para chegar à culinária, usos e costumes, bem como ao enriquecimento da língua e a originalidade da produção artística. Daí o imenso acervo afro-brasileiro, do qual oferece admiráveis exemplares o conjunto reunido pelo colecionador ouro-pretano José Lucas Toledo. Ainda menino, habilidoso aprendiz de sapateiro, Toledo deixou-se encantar pelos tesouros de sua cidade e, pouco a pouco, firmou-se a si mesmo como notável conhecedor das artes plásticas e do mobiliário dos períodos colonial e imperial. Para si, igualmente, reservou peças significativas entre as que foi recolhendo, e nesse contexto destacam-se as de origem afro-brasileira. Com sensibilidade e pertinência, ele compôs um repertorio de obras de arte, objetos e utensílios que narram a vida dos africanos na antiga Vila Rica de minas de ouro. Trata-se de elenco de testemunhos materiais que, na esfera domestica e no espaço publico, ilustram, de maneira impactante, a historia da mentalidade e do comportamento dos africanos no quadro em que se configurou o Brasil. Instrumentos de tortura, de que não se deve esquecer, integram a coleção tanto quanto peças representativas da vida cotidiana e das diversas vertentes. Ao franquear ao publico parte do acervo, nesta exposição organizada pelo artista Roberto Sussuca, José Lucas Toledo, presta mais um serviço a sua comunidade e à cidade que muito lhe deve pelo cuidado com o patrimônio e amor às artes. (Ângelo Oswaldo de Araújo Santos6) - (Anexo 1)

Ângelo Oswaldo de Araújo Santos é atual Presidente do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) – Mandato com início em 2013. Nascido em Belo Horizonte (MG), em 1947, é escritor, curador de arte, jornalista profissional, advogado e gestor público. Formou-se em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1971, e cursou o Instituto Francês de Imprensa, em Paris (1973-1975). Foi crítico literário do Diário de Minas e editor do Suplemento Literário de Minas Gerais. Como gestor público, foi secretário de Turismo e Cultura da Prefeitura Municipal de Ouro Preto (1977-83), prefeito de Ouro Preto por três mandatos (1993-1996; 20052008; 2009-2012), secretário de Estado da Cultura de Minas Gerais (1999-2002), presidente do Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura (2002) e ministro interino de Estado da Cultura do Brasil (1986 e 1987), na gestão do ministro Celso Furtado. 6

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O espaço físico da exposição de divide em dois, sendo uma sala ao fundo e um grande salão no início do circuito onde estão dispostas vitrines e objetos de grande porte acomodados sob o piso irregular revestido por pedras. Segue abaixo, um arrolamento dos objetos dispostos no ambiente: Três (3) ex-votos esculpidos em madeira, sendo o primeiro datado de 1795, o segundo de 1771 e o terceiro sem data repreenta uma mão; Duas (2) imagens religiosas de pequeno porte; Onze (11) peças de cerâmica, sendo identificadas como potes, pratos e um cuscuzeiro; Trinta de dois (32) pares de equipamentos para montaria: Estribos e caçambas de uso masculino em madeira, metal dourado e alpaca, datados dos séculos XVIII e XIX e estribos de uso feminino em metal datados de fins do seculo XVII; Um (1) tear em madeira, com datação identificada do século XIX; Duas (2) Rocas; Duas (2) cadeiras em madeira, sendo uma delas identificada como “Cadeira de idosos enfermos”; 1 (um) cinturão de sinos de tropa, em couro com sinos em metal; Um (1) arreio de couro e tecido; Quatro (4) espadas em prata, ouro, couro e madeira, e uma (1) adaga, datados dos séculos XVIII e XIX; Um (1) porta livro em madeira Um (1) instrumento em madeira usado para expor e imobilizar escravizados, dividido em duas peças de madeira sobrepostas, com seis pares de buracos utilizados para prender mebros inferiores e superiores, com duas alças nas laterais. Quatro (4) baús, um deles em madeira, dois em couro com detalhes em metal e madeira, e o último em couro, madeira e ferro, com a seguinte identificação “Arca de Noiva – Madeira século XVIII”; Oito (8) folhas de documentos, sendo uma delas o registro de compra de escravizados datada de 1872, outra uma página do jornal “Monitor Campista”, de 1869 noticiando um leilão de escravizados e recompensa para captura de fugitivos escravizados, uma carta de alforria, dada pela “Sra. Anna Augusta de Jesus à escrava Tereza” sem data, um registro de posse de escravizados do século XIX, proveniente do Rio de Janeiro e por último carta de registro de aquisição de escravizados sem data; Duas (2) moedas; Uma (1) pistola; Uma (1) cadeira de dentista; Um (1) instrumento museical identificado como Caxambú, em madeira e couro; Três (3) pilões, sendo um de Madeira e dois de aço; 32

Oito (8) dobradiças e dezesseis (16) cravos identificados como “conjunto de dobradiças e cravos”; Uma (1) prensa de óstia, identificada; Uma (1) armadilha em madeira para capturar peixes em córregos; Duas (2) armadilhas indentificadas por “armadilhas de mato - utilizada para capturar escravos fujões”; Uma (1) bigorna de ferro; Seis (6) ferramentas usadas para fundição de metais; Uma (1) forma de modelar queijos em madeira, datada do século XIX; Duas (2) chaleiras, sendo uma em ferro e outra em alumínio, ambas datadas do século XIX; Quatro (4) chaves de metal; Dois (2) cachimbos em terracota datados do século XVII e XIX; Uma (1) roda d'água de madeira; Sete (7) recipientes de pedra-sabão, sendo panelas, tachos, armazéns e um escoamento de bica d'água; Um (1) moedor de grãos em madeira, de grande porte; Um (1) tacho de cobre com escumadeira também em cobre; Duas (2) balanças de ouro, datadas do século XIX; Uma (1) balança de metal; Dois (2) instrumentos de medida em metal; Três (3) bigornas de ferro; Duas (2) batéias em madeira; Uma (1) balança de mercado, de grande porte em madeira e ferro, com datação do século XIX; Quatro (4) cerâmicas, sendo dois pratos, uma sopeira e uma jarra; Um (1) pote de louça, identificada como louça de Limogène, região da França, com datação do século XIX; Doze (12) utensílios de carpintaria, sendo identificados como plainas, compasso, furadeira, chave de fenda, graminho, encho e golvete; Seis (6) pesos de balança esculpidos em pedra-sabão; Dois (2) serrotes de ferro; Três (3) aquarelas em papel assinadas por “Luciomar”, datadas de 2005, representando o uso de gargalheiras, algemas e ferro de marcar a pele de escravizados; Três (3) desenhos a lápis grafite em papel representando o uso de bolas de ferro em escravizados. Dois deles também assinados por “Luciomar”; Uma (1) reprodução emoldurada de desenho aquarela de viajantes naturalistas com assinatura não legíel, representando o cotidiano da vida colonial em uma praça; 33

Um (1) instrumento identificado por “anjinho”, ou “viramundo, instrumento de tortura em ferro, datado do século XVIII; Doze (12) ferros de passar datados do séculos XIII a XX, todos em metal; Dezoito (18) ferramentas de mineração de ouro em metal, datadas do século XVIII; Três (3) pistolas de “pederneira”, em madeira, ferro e alpaca, dos séculos XVIII e XIX; Um (1) “Polvarino” de fins do século XVIII; Um (1) alambique de pedra-sabão; Cinco (5) candeias em ferro, cobre e metal dos séculos XVIII e XIX; Dois (2) moedores de café com balde de recolha. Os técnicos da instituição não possuem registros senão o contrato de comodato da coleção, em que constam os deveres e direitos da instituição e do proprietário da coleção Edson Toledo, documento que não tivemos acesso. Segundo os colaboradores do museu, a exposição que ocupava o espaço anteriormente à Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo tinha temática afro-brasileira, e teria sido organizada pelo artista ouropretano conhecido por “Chiquitão”. No entanto, a instituição não guarda registros oficiais dessa mostra, desmontada há pelo menos oito anos, quando a atual toma lugar. Algumas modificações foram realizadas ao longo do período em que a exposição foi aberta ao público. Anteriormente, a mostra contava com um maior número de objetos que já retornaram ao colecionador, segundo colaboradores.

2.2.

Análise do Discurso Uma vez que o texto de abertura é o principal elemento balizador da narrativa expográfica,

na presente análise do discurso ele terá um forte peso. Antes de se deparar com o texto, no entanto, o visitante, após indicado por funcionários, pode perceber na descida para a sala de exposição, a sinalização em três idiomas indicando que abaixo encontrará uma antiga senzala. Não cabe a este trabalho investigar o fato de o local referido se tratar ou não de uma senzala. É certo que surgem dúvidas até mesmo institucionais que cercam o fato, e entremeiam argumentos de historiadores que apontam que o tratamento desumanizado dado ao negro escravizado, não propriedade onerosa ao senhor, não convinha àquele espaço insalubre, de grande umidade por conta do rio que passa por detrás da casa, propenso à proliferação de doenças infecto contagiosas. Para o senhor, perder um "escravo" significava perder além dos prováveis lucros que viria a ter com a 34

força de seu trabalho, perder ainda parte de sua propriedade. Outra parte da argumentação gira em torno de que a antiga casa de fundição de ouro não demandava atividades em larga escalade produção, como exemplo as atividades de extração de minério, como o ouro. Essas atividades tinham lugar em espaços relativamente distantes dos centros urbanos, característica que já possuía Vila Rica no auge da “Casa dos Contos”. Quando então o enunciatário do discurso desce ao patamar da sala, se depara diretamente com o sistema de escoamento de esgoto da Casa, já que o ambiente expositivo está ao lado de um córrego que atravessa a cidade. À frente do visitante, também está disposto um banner com o texto de abertura acima transcrito. Tendo escolhido fazer a leitura ou não, o visitante visualiza a fotografia de José Lucas Toledo, que recebe grande destaque na narrativa do texto de abertura. A primeira parte do texto, que evidencia aos africanos e seus descendentes como destaque da representação da exposição, menciona também o controverso sincretismo, e a mobilidade e escalada social dos povos negros. Quando trata de prestigiadas figuras históricas, e de certa maneira mitológicas – a saber: Aleijadinho e Chico Rei – o texto busca trabalhar o fato de que embora estejam expostos instrumentos de tortura, mencionados adiante, existiram exceções à regra da realidade servil. No entanto, é importante pensar se a possibilidade de “mobilidade social” abordada no texto é explorada na narrativa construída através dos objetos. A coleção, é tida como um conjunto de objetos que narra a vida dos africanos na pretérita Vila Rica. Não há, porém, maneira de isolar a vida dos escravizados do contexto social do período, uma vez que não foram trazidos na condição servil por opção, mas sim sob a égide de um sistema escravocrata coadministrado por muitos, inclusive outros africanos. Instrumentos de extração de minério dizem tanto respeito a quem os manipulava quanto a quem comandava seu uso. Utensílios de cozinha podem igualmente representar a quem fazia o preparo dos alimentos quanto aos que eram servidos. Nesse sentido, a escolha de vincular os objetos expostos aos africanos e seus descendentes no texto, é uma vertente de representação. Uma escolha dos organizadores. Contudo, são escolhas representativas como a exibição de desenhos que ilustram os usos dos instrumentos de tortura que aproximam a representação da ótica dos que empunhavam os instrumentos. A disposição de uma pistola ao lado de documentos de posse de escravizados constitui outro elemento que desloca a narrativa visual do eixo proposto pelo texto. Ou seja, ainda que no mesmo ambiente estejam dispostos cachimbos de terracota, utilizados em momentos de prazer individual ou coletivo por escravizados, é a religião Católica dominante nos séculos XVIII e XIX

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representados pelos oratórios, ex-votos e imagens, que se faz presente como elemento que diz respeito à fé no período. Dito isso, sabemos que outra escolha de grande impacto para dar ênfase ao Africano ou afrodescendente como cativo do sistema escravocrata, distanciando-o da mencionada mobilidade social, é adoção da “senzala” como espaço expositivo. Uma vez que esse espaço representa a privação da liberdade e de todo e qualquer direito dos negros, o ponto de vista da representação é sem dúvida canalizado para a ótica do branco, do colonizador, do escravocrata. A arte do preparo culinário, do domínio das técnicas de extração de minerais preciosos, de uso da terra, é ofuscada pelo ambiente, que nos recorda a todo momento que a liberdade para praticar, para exercer à arte, não era “cedida” junto às ferramentas. 2.3.

O Colecionador Edson Toledo herdou do pai a coleção e a administração do negócio de antiguidades.

Tentamos contato com ele para entender melhor o interesse da família no colecionismo, sobretudo no que diz respeito a peças que remontam a trajetória afro-brasileira em Minas Gerais. No entanto, após quatro diferentes tentativas não tivemos sucesso em contatá-lo. O fator nos leva a refletir sobre as diversas instâncias que dão forma ao cenário patrimonial brasileiro. Uma coleção privada tem acesso público até certo ponto, uma vez que as informações que dizem respeito à musealidade dos objetos, ou seja, ao seu potencial de se tornar um objeto de museu, a ser guardado e preservado em um sentido amplo, em que também se preservam as suas informações intrínsecas e extrínsecas, ficam em posse do colecionador. Bem como é do colecionador a autorização de uso e veiculação de imagem. Como não pudemos ter acesso ao colecionador também não tivemos acesso às imagens referentes à coleção.

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CAPÍTULO III Metodologia e Apresentação do Questionário. 3.

Metodologia A Metodologia adotada para nos possibilitar a análise tanto do discurso quanto da recepção

do mesmo nos limites da exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo passou primeiramente por um levantamento bibliográfico e documental mais amplo e abrangente, o que resultou na produção dos primeiros dois capítulos, tendo sido o primeiro uma breve explanação dos discursos que caracterizam estudos de representação do negro, principalmente em instituições de memória. O levantamento possibilitou evidenciar e aprimorar os limites de alguns conceitos, estruturas de pensamento e termos que são recorrentes nesse trabalho. O capítulo seguinte, também fruto de uma revisão bibliográfica, contemplou uma aproximação do contexto dos estudos já existentes de representação das populações negras nos museus brasileiros. E como não poderia deixar de ter sido, o capítulo tem seu final voltado ao museu Casa dos Contos e à exposição que nos serve como objeto de estudo. Nos registros do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, o CECO, núcleo de pesquisas da Casa que serve de espaço para a memória arquivística e documental do museu e do período da exploração aurífera, não foram encontrados materiais de referência sobre a exposição. O museu mantém registrado apenas documentos técnicos que garantem a validade do comodato da coleção de propriedade de Edson Toledo. Com o intuito de remontar a estrutura do discurso da exposição e seus limites, buscamos contato com o Sr. Toledo em quatro diferentes tentativas, mas não obtivemos sucesso. Esses fatores nos levaram a centrar a análise sobre a elaboração do discurso nos objetos escolhidos para compor a exposição, na narrativa que se centra na disposição dos mesmos e nos elementos auxiliares do discurso como pro exemplo as gravuras que ilustram o uso dos instrumentos de suplício utilizados no período escravocrata e o texto de abertura, e principalmente na narrativa que envolve a escolha do espaço. Faz-se necessário que explanemos o que entendemos por análise do discurso para produção desse estudo. Silva (2005), define que a Análise do discurso busca apreender como a ideologia se materializa no discurso e como o discurso se materializa na língua, de modo a entender como o sujeito, atravessado pela ideologia de seu tempo, de seu lugar social, lança mão da língua para significar(-se) (p.17)

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Em adição a essa concepção de discurso, seguimos alguns preceitos de Michael Foucault (idem, 2005), como a ideia de que o discurso se conforma como um jogo estratégico, por vezes polêmico, onde os poderes são negociados, junto ao saber, que está em constante articulação com o poder. O discurso, para Foucault é elemento gerador de poder e assim seleciona, organiza e redistribui certos procedimentos que garantem a estabilidade de seu poder. No que diz respeito ao método utilizado para realizar a análise do discurso proposto pela exposição A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo compreendemos a leitura do discurso para “além de suas aparências”, ou seja, para além do texto de abertura e disposição e seleção dos objetos representativos da Coleção de Toledo. Fazer esse tipo de leitura é além de tudo, remontar as condições de produção de um discurso (SILVA, 2005, p.36). É perceber também, os elementos inconscientes e ideológicos no interior da produção desse discurso. O que temos em mente, entretanto, é que a análise do discurso é apenas uma dentre as quase infinitas possibilidades de interpretação e abordagem da linguagem. “Questões diferentes, postas para diversos analistas, conduzem a resultados distintos para 'um mesmo' objeto” (idem, p.37). Do mesmo modo em que o sujeito, quando elabora seu discurso, se adapta à sua tipologia de público, ao seu ouvinte, quando o analista do discurso verifica seus dados coletados, ele também os direciona segundo a sua interpretação. Sendo a nossa uma interpretação específica e limitada, trazemos também a interpretação de outros agentes envolvidos nos limites do discurso. Quanto aos objetivos analíticos da recepção do discurso, foi elaborado um questionário híbrido, destinado a visitantes locais e turistas, funcionários da instituição envolvidos diretamente ou não com as atividades de mediação e a professores e responsáveis pelo público escolar. O intuito da aplicação de um único questionário a todos os agentes ligados à estrutura de comunicação (discurso e recepção) aqui estudados, é perceber como se dão as diferenças de apreensão desse discurso, nos diversos graus de envolvimento do agentes. Não há a intenção de se estabelecer padrões para os grupos entrevistados, mas sim, colocar todos no lugar de receptores do discurso, mesmo aqueles que tiveram envolvimento indireto na elaboração do mesmo. A aplicação dos questionários visa, em última instância, a afirmação ou refutação da hipótese de que a representação do negro na sala senzala do Museu Casa dos Contos, através de seu discurso expositivo colabora para reforçar estereótipos da população negra, e manter as estruturas de poder que implicam na inferiorização do negro e na manutenção de preconceitos. A importância dessa ação se dá, à medida em que os museus, como instituições de enorme carga política, assumem o papel representativo da sociedade brasileira. Uma vez que nossa

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sociedade é multiétnica e plural, e se considerarmos as disputas que acontecem em torno da memória, podemos pensar melhor como tem se desenvolvido as políticas de promoção da igualdade – ou de redução de danos causados pela negação da diversidade étnica – nas instituições museológicas. 3.1.

Elaboração e estruturação do questionário. Entendemos a exposição como parte do processo comunicacional das instituições

museológicas. É por essa instância que o museu media o homem e a cultura material, agentes do fato museológico7. Para Cury (2005), passamos por transformações ao longo dos anos no que diz respeito a esse processo de comunicação. Em um primeiro momento,

as exposições eram

concebidas de maneira hermética (p.368), sem espaço para reflexões, bem como a ciência outrora fora, centrada numa organização taxonômica sem espaços para uma participação do público que não fosse passiva. Com a abertura e a renovação da ciência, que adquire uma postura explicativa, os museus reconhecem seu caráter pedagógico, fazendo surgir exposições interativas, comprometidas com a participação cognitiva do público. Atualmente, a autora chama a atenção para as exposições de última geração, nas quais o público é parte do processo criativo, que não se encerra na inauguração da mostra. Sendo assim, Cury entende que os papéis antes definidos do museu como enunciador (agente que comunica e elabora o discurso) e do público como enunciatário (aquele que recebe o discurso) se sobrepõe no momento em que vivemos, uma vez que o público recebe a mensagem, mas a reelabora a partir de suas percepções, contextualiza os múltiplos discursos sociais. É nesse sentido que a autora chama a atenção para as pesquisas de recepção, que se fazem fundamentais à medida em que possibilitam a captação do discurso reelaborado pelo público enunciatáio/enunciador. Ciente dessa dinâmica, o museu pode criar a unicidade do discurso, no momento em que percebe se esse é equivalente ao do seu público-alvo ou não. O processo comunicacional então, não se encerra em si, uma vez que os agentes “negociam o significado da mensagem”. O emissor e o receptor existem, mas ambos são enunciadores e enunciatários, indivíduos e sujeitos, posto que cada uma das partes, a seu tempo, apropria-se de discursos que circulam em seu meio, reelabora-os e então cria os seus próprios discursos. (CURY, 2005, p.370)

Fato museológico é um conceito definido pela museóloga paulista Waldisa Rússio Camargo Guarnieri primeiramente apresentada em 1981 no Encontro do ICOFOM/ICOM em Estocolmo. A autora entende a Museologia como estudo do fato museológico que “é a relação profunda entre o Homem, sujeito que conhece, e o Objeto, parte da Realidade a qual o Homem também pertence e sobre a qual tem o poder de agir, relação esta que se processa num cenário institucionalizado, ou o museu” (CURY, 2005, p.366) 7

39

A seguir, explanaremos cada questão, justificando sua inserção para fins de estruturação do questionário, tendo em vista os objetivos deste estudo7. Os primeiros campos, não numerados, destacados em negrito, visam a identificação dos respondentes do questionário, e contém dados de interesse para serem quantificados ao final da aplicação. São eles o nome completo do entrevistado, único campo não quantitativo, a idade, que nos dará uma noção da faixa etária dos respondentes; a origem, ou seja, a cidade e o Estado de moradia do entrevistado, e o grupo de aplicação a que pertence, se turista, morador de Ouro Preto, funcionário, guia de turismo ou escolar. 1. O que você achou mais interessante/ mais gostou na exposição? 2. Houve algo que lhe desagradou? Se sim, o que? As duas primeiras questões que se seguem visam uma aproximação primária do respondente com o questionário, tratando de seus interesses, identificações com os objetos expostos e, em oposição, aos aspectos desagradáveis, caso o visitante tenha se sentido incomodado por algo. As duas questões, em sua abrangência, buscam aspectos gerais, referentes ao espaço físico, aos objetos da coleção, à narrativa empregada, à iluminação, à mobilidade, e assim por diante, pois todos os aspectos mencionados foram considerados, uma vez que consideramos o espaço expositivo como parte da narrativa. Elencando os elementos da exposição com referência em seu gosto, o visitante faz um exercício de rememoração do que foi visto, se preparando para responder às questões seguintes, relativas à narrativa de maneira mais geral. 3. Você leu/reparou no texto de abertura?

( ) SIM

( ) NÃO

A terceira questão se refere ao texto de abertura. Como o empregamos como um meio de análise do discurso, buscamos saber se o respondente repara e lê o texto de abertura que nomeia a exposição, de autoria de Ângelo Oswaldo. Essa questão é colocada de maneira fechada, tendo como opção a leitura ou não do texto. 4. A quem você acredita que a exposição pretende representar? Como quarta questão, buscamos saber a respeito da interpretação do entrevistado. Para ele, quem estaria sendo representado naquela exposição? Seria um grupo específico? Uma pessoa? A 7

Veja em anexos o modelo de questionário aplicado. 40

quem a exposição pretenderia representar? A pergunta é aberta, o que possibilita a objetividade ou não do respondente a partir de sua interpretação da narrativa. A questão dá abertura para respostas que circulem em torno do negro como objeto de representação, mesmo que de maneira indireta, pois optamos por não fazer menção ao período escravocrata ou mesmo aos povos escravizados. 5. Você achou essa representação bem sucedida? PARTE

( ) SIM

( )

NÃO (

)

EM

A quinta questão é fechada, e se refere à questão anterior. O respondente deverá indicar se achou a representação indicada por ele anteriormente como bem ou mal sucedida, ou ainda, se por um aspecto a representação é bem sucedida em parte. Partimos do pressuposto aqui de que os representados são os povos negros, que aparecem referenciados no título da exposição, em gravuras específicas e em diversos outros objetos que constroem a narrativa. Buscamos saber então, se essa representação se faz perceptível ou evidente para visitantes e colaboradores da instituição. 6. Como você imagina a vida aqui na casa na época da Colônia? A próxima e sexta questão busca o que está no imaginário das pessoas no que diz respeito à história da Casa dos Contos, que se vincula diretamente ao período colonial, escravocrata. Como a exposição tem lugar em um dos espaços da casa, outrora em uso diferente do atual, buscamos perceber qual a relação que os entrevistados fazem com aquele espaço conhecido como senzala e os demais espaços em outros pavimentos da Casa, quando incitados a pensar em um período anterior àquele, no qual os agentes sociais, bem como a própria estrutura social possuíam outra configuração. Buscamos aqui perceber também o que está no imaginário do entrevistado no que diz respeito ao drama da escravidão e as estruturas de poder que regiam a vida social na Casa. 7. Você percebe conexão entre essa exposição e o restante das exposições da Casa dos Contos? ( ) SIM ( ) NÃO A sétima questão busca perceber se os entrevistados entendem o que está exposto nos demais pavimentos como parte de uma mesma narrativa, onde a memória fiscal e monetária do país tem lugar nos pavimentos superiores, naturalmente o espaço de pertença e atuação dos proprietários e manejadores do capital, enquanto o pavimento inferior é relativizado as espaço dos também inferiorizados.

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8. Você percebe a Arte Afro-brasileira nessa coleção? Se sim em qual ou quais objetos?

( ) SIM

( ) NÃO.

A questão de número oito procura evidenciar se, de alguma maneira ou visitantes e colaboradores do museu concordam com a nomenclatura proposta para a exposição. Se há Arte afro-brasileira, em qual ou quais objetos ela pode ser identificada nos limites da coleção? Como os visitantes percebem a proposta do título e os valores que ele carrega? O museu é percebido como ambiente de neutralidade, em qual medida? 9. Você acredita que esse espaço é um local adequado para a exposição dessa coleção? ( ) SIM ( )NÃO ( ) EM PARTE Por quê? De que maneira os visitantes e colaboradores percebem que a representação ali proposta é influenciada pelo espaço em que está disposta? Em que medida a escolha do espaço influencia a percepção dos visitantes? É possível que o espaço esteja sendo tomado como neutro por se tratar de um espaço museológico? O complemento da pergunta nos auxilia a pensar essas repostas e seus possíveis desdobramentos. 10. Você acredita que a exposição concorda com a História Oficial ensinada nas escolas? ( ) SIM ( ) NÃO A décima questão vem no sentido de perceber se o entrevistado visualiza equivalências nas duas narrativas, a veiculada pelo museu e o que se aprende e ensina nas escolas. O intuito é também verificar como o entrevistado percebeu sua formação escolar no que diz respeito à história do período escravocrata e quais relações são feitas pela maioria. 11. Por fim, gostaríamos de saber como você se declara, segundo a classificação do IBGE? ( ) BRANCO/A ( )NEGRO/A ( )PARDO ( ) AMARELO ( ) INDÍGENA ( ) OUTRO (especifique) A última questão vem no sentido de propor a visualização da nossa amostragem a partir da percepção que possui sobre si mesma, mas além disso essa questão se coloca no sentido de tentar provocar uma autoanálise no respondente, que questiona sua “cor”, “raça” ou “etnia”, no caso de não possuir uma autodefinição imediata, já formada por causas ideológicas. Essa é uma questão de cunho polêmico no interior desse estudo, no entanto, a inserção de questões como essa se justifica à medida em que as nossas relações raciais são conflituosas e complexas. Seguimos, portanto, padrões já utilizados nacionalmente pelo IBGE. Julgamos de grande 42

importância essa postura, uma vez que a captação de dados censitários, sobretudo no que diz respeito à etnia, nacionalidade e aparência física, varia de acordo com cada sociedade e o desenrolar das relações raciais no interior da mesma. Cabe primeiramente salientar que ao longo da história, a existência de quesitos que remontem às identidades coletivas no interior dos sistemas censitários ou amostrais somente pode decorrer do uso específico que se queira dar às respostas, especialmente por parte dos Estados nacionais. O mesmo vale para a sua não inclusão. (CARVANO & PAIXÃO, 2008, p. 32).

Os termos utilizados pelas nações são regidos pela especificidades históricas, demográficas e políticas de cada país. Segundo Carvano e Paixão (2008), no caso do Brasil, as pesquisas amostrais e censitárias que incluem as categorias “raça”, “cor”, ou “etnia”, como campos, tiveram início em 1870, ano em que é considerada a aplicação do primeiro censo moderno no país. As categorias que apareciam nesse período, ainda de transição do sistema escravocrata para o capitalista, são “Brancos” “Pretos”, “Pardos” e “Caboclos”. A questão proposta visava a identificação da “raça” a que pertencia o entrevistado. O próximo levantamento, já na República, aparece em 1890, seguindo as mesmas opções terminológicas, porém passando a se classificar como “Pardos” todos aqueles que eram considerados mestiços, e que não se encaixavam em nenhum outro padrão racial preestabelecido. Nos censos realizados em 1900 e 1920, não foi coletada a variável "raça", com a justificativa de que era demasiada a quantidade de mestiços no país, e portanto imprecisa a sua classificação. Em 1940, dois anos após a fundação do IBGE, retorna-se a investigação das categorias raciais, mas agora com o emprego da variável “cor”. Eram oferecidas as seguintes opções “Branca”, “Preta”, “Amarela” (instituída por conta do aumento da imigração de origem oriental), e “Pardos”, que categorizavam todos os indivíduos que não se adequariam às características físicas previstas pelas terminologias anteriores. Em 1950 passa-se a abranger também os indígenas na categoria “Pardo”, além dos mestiços. Na década de 1960, há novamente a coleta da variável cor, diferentemente da década seguinte, quando as decisões políticas abandonam novamente essa variável no recenseamento, tomadas pelos autores como uma estratégia de perseguição ao Movimento Negro no período da ditadura militar. Contudo, nos anos 1980, retomam-se os padrões da década de 1960, seguindo agora os parâmetros de auto classificação de “cor”, como resultado da demanda do Movimento Negro resistente. Apenas no ano de 1991 é inclusa a categoria “Indígena” como terminologia de classificação, além da retomada à variável “raça”, que na pergunta vinha acompanhada da “cor” de identificação do indivíduo. No geral, o Brasil segue os mesmos parâmetros até o recenseamento do ano de 2000, quando a pergunta utilizada passa a ser “a sua cor ou raça é?”. Segundo os autores,

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Futuros progressos conceituais acerca do modo pela qual a variável étnico-racial é investigada, no mundo e em nosso país, dependerão de novos avanços no campo da pesquisa demográfica, antropológica e sociológica que favoreçam à superação daqueles tantos óbices. Parece evidente que tal questão igualmente dialoga com a evoução da percepção da população sobre o tema em termos culturais e políticos. Mais especificamente abordando a realidade brasileira, tais progressos dependerão dos rumos do debate sobre as relações raciais, com especial relevância para o modo pelo qual as populações historicamente discriminadas (negros, indígenas e os mestiços de diversas matizes), passarão a se inserir em múltiplos níveis em nossa sociedade (…) talvez mesmo revelando uma verdade no momento implícita, qual seja, que nosso país é formado por uma imensa maioria afrodescendente. (CARVANO & PAIXÃO, 2008, p. 54-55)

3.2.

Amostragem A quantidade da amostragem foi determinada a partir do exame do número de visitantes no

mês de junho de 2013, uma vez que os questionários foram inteiramente aplicados no mês de junho de 2014. O número de visitantes é contabilizado pelo Museu Casa dos Contos para fins de controle interno e do Sistema de Museus de Ouro Preto e apresentou 10.472 visitantes no mesmo mês do ano anterior. Optamos por coletar uma amostragem equivalente a um por cento (1%) desse número, sendo aplicados cento e cinco (105) questionários no total. A princípio, priorizamos que no mínimo sessenta por cento (60%) dessa amostragem seria aplicada com turistas, a maioria em frequência nos grupos de aplicação predeterminados, não especificando a percentagem para os demais grupos.

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CAPÍTULO IV Resultado da pesquisa empírica, sistematização de dados e conclusões sobre a recepção do discurso. 4.

Resultado da Pesquisa Empírica Antes de iniciar a apuração dos questionários e a análise do discurso extraído a partir dos

dados coletados, cabe, primeiramente, explanar as condições em que foram aplicados os questionários, justificados no capítulo anterior. Os cento e seis questionários foram aplicados entre os dias 11 e 25 do mês de junho passado, durante o período regular de visitação do museu9. Os visitantes espontâneos foram abordados na saída da sala de exposição conhecida institucionalmente como “senzala”, sendo pedido para que eles realizassem o preenchimento dos questionários. Para que a pesquisa não fosse confundida com a pesquisa de satisfação institucional, a aplicadora se apresentou como estudante da Universidade Federal de Ouro Preto e pediu aos respondentes que auxiliassem em sua pesquisa de monografia, respondendo às questões que se referiam apenas àquela exposição, que tinha acabado de ser vista, a partir de suas impressões e de sua interpretação pessoal. Alguns, entretanto, pediam à aplicadora, por motivos diversos, para serem entrevistados e terem o questionário preenchido pela mesma. Vale ressaltar que esse fator não causa diferenciação na mostra, uma vez que houve a preocupação em confirmar com os respondentes a inserção das respostas definitivas no formulário. Os colaboradores da instituição, por sua vez, foram abordados a partir do aval da administração do museu, em momentos propícios nos quais não estivessem atendendo ao público. Os que puderam, preencheram suas respostas, e alguns foram entrevistados e tiveram o questionário preenchido pela entrevistadora, seguindo os mesmos padrões relatados anteriormente. Foi pedido aos funcionários entrevistados que, na medida do possível, respondessem às questões sem valorar seu vínculo institucional. Não obtivemos mostra referente aos guias de turismo, uma vez que nenhum profissional abordado se dispôs a responder ao questionário. Por ter sido o mês de início dos jogos da Copa do Mundo 2014, no Brasil, e considerando Ouro Preto como uma cidade de alto fluxo de turistas, o número de visitantes estrangeiros, já regularmente alto na instituição, aumentou consideravelmente, tendo sido abordados turistas estrangeiros que falassem os idiomas inglês, espanhol ou francês. Para esses entrevistados, as 9

O museu está aberto à visitação todos os dias e obedece aos seguintes horários: segunda-feira,

das 14h às 18h; terça- feira a sábado das 10h às 17h; domingo e feriado das 10h às 15h. 45

questões eram traduzidas em seu idioma pela aplicadora, e eles faziam o preenchimento das respostas também em seu idioma. 4.2.

Sistematização de dados

4.2.1. Perfil geral dos respondentes Os primeiros dados a serem sistematizados são os dados identificatórios e pessoais dos respondentes, o que nos dá a possibilidade de traçar um perfil. Foram 52 respondentes identificados pelo gênero masculino e 53 pelo gênero feminino (figura 1) e um sem identificação, uma vez que o gênero foi identificado através do nome declarado pelo entrevistado, apenas para termos uma breve noção. Em 104 de 106 questionários os respondentes declararam sua idade, tendo sido predominante a faixa etária de 21 a 30 anos, seguida pela faixa de 31 a 40 anos (figura 2). Recebemos respostas de pessoas entre 18 a 66 anos de idade. Quanto à origem dos entrevistados, a maioria se declarou proveniente do Estado de Minas Gerais (46 pessoas), sendo 11 respondentes de Ouro Preto e 2 da cidade de Mariana. Em seguida temos o empate de visitantes originados de São Paulo, Rio de janeiro e de origem estrangeira, tendo sido 12 respondentes de cada origem (quadro 1). Foram entrevistados em sua maioria turistas, bem como previsto anteriormente à aplicação, seguidos por colaboradores da instituição, escolares e moradores de Ouro Preto, não tendo sido possível coletar a amostragem de nenhum guia de turismo. 4.2.2. Sistematização de respostas Quando perguntados qual ou quais elementos mais interessaram aos entrevistados, as respostas podem ser divididas nos seguintes padrões: 1. Objetos específicos: Algumas respostas citam objetos específicos, em sua maioria também recorrentes em outros questionários de outros respondentes. Os documentos escritos expostos, tais como jornais da época que relatavam fugas de escravizados oferecendo recompensas para captura e os documentos de posse de cativos africanos ou afrodescendentes são mencionados em 13 diferentes questionários como elemento de maior apreciação. Em seguida, vem o piso do tipo “pé-de-moleque” e os utensílios de cozinha como objetos específicos mais citados, 3 vezes cada um. As armas em

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exposição também aparecem mais de uma vez, bem como o tear de madeira, além de terem sido citados também os desenhos representando os escravizados em momentos de tortura e privação de liberdade, a cadeira de dentista e os objetos de carpintaria. 2. Senzala e generalizações. A senzala é citada como elemento de maior apreciação em 26 diferentes questionários. Respostas que incluem a arquitetura do local como elemento de identificação são recorrentes em 3 respostas. 14 das menções também se referem a toda a casa e 5 fazem menções a elementos no geral. Em duas respostas os respondentes se identificaram com o ambiente “sombrio”. 3. Instrumentos de suplício. Objetos utilizados na tortura de escravizados aparecem em 14 diferentes respostas como elementos de maior interesse ou identificação dentre os objetos expostos. 4. Institucionais e elementos de outras exposições. Elementos que dizem respeito a aspectos institucionais, tais como elogio ao atendimento, ao estado de conservação do acervo, à organização dos objetos, e outros aspectos da Casa dos Contos aparecem em seis diferentes respostas. Foram recorrentes também, respostas sem relação aos elementos da senzala, mas a outros objetos da casa, ou a outras exposições, como a exposição referente à evolução das moedas e do dinheiro no Brasil (5 recorrências). Elementos históricos foram mencionados 4 diferentes vezes. 5. Coisa Alguma 3 respostas dizem não ter se identificado ou gostado de coisa alguma na exposição. Os termos que mais aparecem nas respostas foram compilados em uma nuvem de palavras, que podem ser observadas nos anexos, dando um perfil visual às respostas do questionário. (figura 3) No que diz respeito aos elementos que desagradaram aos entrevistados, encontramos os seguintes padrões de respostas (figura 4): 1. Nenhum elemento A maioria das respostas (65) não indica nenhum elemento de desagrado na exposição.

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2. Ambiente e instrumentos de suplício 9 respostas fizeram menção a elementos relacionados ao ambiente para designar seu desagrado. Andar no chão de pedra teve duas recorrências, enquanto o fato do espaço ser uma senzala, do mesmo modo que aparece como elemento de agrado também aparace aqui como elemento de incômodo mais de uma vez. Quatros respostas estiveram centradas no mal estar que os respondentes sentiram quando estiveram no espaço. O fato de ser um ambiente frio e fechado também aparece mais de uma vez nas respostas. Os objetos de suplício aparecem como elemento de incômodo em 8 respostas. 3. Representação e organização Elementos ligados à representação e à organização incomodaram a alguns visitantes e aparecem mencionados nas respostas. Algumas respostas (6) pontuaram sentir tristeza, vergonha ou até mesmo se sentirem chocados com a forma de tratamento dada aos escravizados, ali representada. Alguns questionários (3) citaram seu desagrado com o que entenderam como “falta de diálogo com as outras exposições do museu” e o fato de haver “objetos que não faziam referência à senzala” expostos no mesmo ambiente e à exposição de “uma visão reduzida da condição de vida dos escravizados”. 4. Institucionais/ elementos pontuais. Bem como na questão anterior, alguns respondentes citaram elementos vinculados à instituição, ainda que a aplicadora tenha tido o cuidado de se identificar como estudante da Universidade, sem vínculo formal com a instituição. Elementos como a proibição da fotografia no espaço aparecem em 6 respostas, a falta de explicação em outras línguas aparecem em 3 questionários. Queixas a respeito da iluminação, postura de um funcionário, a falta de etiquetas de identificação de acervo e a falta de interatividade e elementos audiovisuais aparecem pontualmente.

Com relação ao texto de abertura, elemento principal utilizado para a análise do discurso da instituição, descobrimos números acirrados, já que 56 dos respondentes disseram ter lido/ reparado no questionário e 50 deles não leram ou repararam (figura 5). A quarta questão buscava perceber a interpretação dos visitantes no que diz respeito à representação da exposição, ou seja, a qual ou quais grupos visa a exposição representar. Tivemos 9 abstenções. Das respostas sistematizadas reunimos os seguintes padrões (figura 6):

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1. Cultura/ História/ Contexto de uma época, citando ou não agentes 25 respondentes entenderam a representação da exposição como algo mais abrangente, fazendo menções não precisas à história, ou à cultura de uma maneira geral. Ao mesmo tempo, 16 respostas vieram no mesmo sentido, se referindo à cultura, história e memória, mas citando os agentes relacionados ao período e/ou o período em específico. Nesse sentido, a História da Escravidão no Brasil aparece 14 vezes, a “importância dos negros para a história no Brasil”, aparece pontualmente em uma resposta. A interpretação da representação como sendo relativa aos escravos ou aos escravizados aparece 16 vezes de maneira direta, tendo algumas respostas se dirigido à condição de vida dos escravizados (4), ou ao dia a dia do escravizado (3), de maneira indireta, ainda que citando os mesmos agentes. 2. Generalizações e o poder Algumas generalizações de interpretação aparecem em recorrência, tais como “ao povo” (3), e “à diversos períodos da história”, que aparece pontualmente, caracterizando uma tipologia de respostas para essa questão. 7 respostas se centraram no poder como representativo da exposição, sendo que quatro delas pontuam a representação da exposição como voltada tanto aos “escravos” quanto a seus “donos”. 3. Aos brancos. 6 entrevistados indicam a representação como sendo aos “brancos”, ou aos “senhores de engenho”, ou mesmo aos “colonizadores”. Destacamos uma das respostas, bem específica “Definitivamente não representa os escravos, somente o sofrimento deles, desta forma representa no máximo os senhores dos escravos”. 4. Diversos Agrupadas em “diversos” estão respostas que se relacionam à outras exposições da casa (3). Outras respostas abrangidas por essa categoria foram pontuais e seguem transcritas aqui: “A quem não tem noção de como foi a época da escravidão”; “Não está focalizada em nenhum grupo” e; “Um pouco da exposição possui interesse econômico em coisas antigas”. A quinta questão visa saber se o entrevistado entende a representação como bem sucedida ou não. 69 entrevistados acreditam que sim, apenas 1 declara que não foi bem sucedida a representação e 29 respondentes afirmam que a representação é bem ou mal sucedida em parte. (figura 7) 49

No que se refere à sexta questão, as narrativas a respeito da vida cotidiana na casa no período colonial, segundo a imaginação dos entrevistados se dividem em 3 grupos: 1. Discorrem sobre a bipolaridade entre sofrimento e riqueza/ poder; 2. Narrativas centralizadas no sofrimento; 3. Narrativas com ausência de sofrimento. As narrativas são de grande interesse para nossa análise, e portanto foram transcritas em três quadros (quadros 2, 3 e 4) e podem ser lidas nos anexos. 4 entrevistados se abstiveram de responder à questão. Como sétima questão perguntada visamos descobrir se o entrevistado percebe a “Arte Afrobrasileira”, conforme o título da exposição, na Coleção de Toledo. 61 respostas foram positivas e 41 negativas (figura 8). Quanto à menção dos objetos representativos da arte Afro-brasileira requerida pela questão, o número de abstenções foi grande, uma vez que muitos entrevistados acreditavam ser uma exposição sobre arte pois assim indicara o título, mas não se questionavam o que representaria a arte nos limites da coleção. Os que preencheram a questão, indicaram objetos diversos. Os mais mencionados foram os utensílios de cozinha (14), seguidos dos objetos de manufatura (11), tais como o tear (4), os cachimbos (2), e os pontuais como as espadas e as telhas moldadas nas coxas dos cativos. Infelizmente, os instrumentos utilizados para tortura aparecem 9 vezes nas respostas dos entrevistados. O instrumento musical de percussão em exposição, indicado pelos funcionários como sendo um “caxambu”, aparece em 6 respostas. A senzala em si aparece 4 vezes. Outros elementos relacionados ao trabalho também aparecem, como as ferramentas de mineração (2), os objetos de carpintaria (3) e até mesmo os objetos de montaria, de maneira pontual. Outras respostas foram genéricas ou não concisas, como “todos” ou “muitos” (5) e “pelos trabalhos realizados e objetos de escravidão” e “utensílios de fabricação da moeda”. (figura 9) A oitava questão visa descobrir se o respondente visualiza conexão entre a exposição a que se refere o estudo e as demais dispostas na Casa dos Contos. 64 disseram que sim, enquanto 32 afirmam que não. (figura 10)

Quando perguntados se acreditavam que aquele seria um espaço adequado para a exposição daquela coleção, 81 respondentes declararam que sim, apenas 2 que não, e 18 marcaram em parte (figura 11). A questão vinha acompanhada de um por quê, e também resultou em muitas abstenções de 50

resposta, tendo 21 respostas deixadas em branco. As respostas que aparecem podem ser divididas nos seguintes padrões: 1. Por ter sido realmente uma senzala/ Por representar o passado Afro-brasileiro 37 respondentes indicam em suas respostas que aquele seria um local adequado para exposição da coleção por ter sido realmente uma senzala, o que demonstra a credibilidade do museu para seus visitantes, além da visão cristalizada de que os museus são locais fiéis ao passado, locais dedicado à reconstrução fidedigna desse passado. Narrativas como “Porque era o ambiente dos negros. Acho que tem uma ligação que facilita os visitantes voltarem ao passado, apesar de a exposição apresentar objetos que ficam deslocados, se o foco for a vivência dos negros na senzala”, nos ajudam a perceber que o local ganha legitimidade por sua posição, que é dentro do museu, lugar da “verdade”, e da “neutralidade” por excelência no imaginário do senso comum. 20 respostas fazem relação ao local com o passado Afro-brasileiro, indicando que o local possui referenciais históricos e arquitetônicos que justificam a disposição da coleção no mesmo, e que o espaço ajuda a divulgar a vida dos escravizados por ser um local que remonta à sua “origem”. 2. Ambiente e objetos 7 respostas indicam o local como adequado para a exposição dos objetos por servir como um ambiente de contextualização do uso dos mesmos. Algumas (8) mencionam a arquitetura do local como um elemento que justificaria a disposição da coleção no ambiente. Para ilustrar, transcrevemos uma das respostas que se encaixa nessa categoria: “O ambiente difícil da sala (sala, luz...) ajuda para entender mais as condições dos escravos”. 3. Diversos (narrativas neutras, positivas ou negativas) O agrupamento dessas respostas diz respeito à comentários sem um padrão definido. A maioria das menções neutras ou positivas se centraliza na justificativa da inserção do espaço no contexto institucional no âmbito das narrativas das outras exposições nos pisos acima. 2 respostas afirmam que o local é adequado por ser bem localizado com relação à cidade. Quanto aos comentários negativos, há também o padrão de vinculação das outras exposições à exposição estudada, de maneira crítica, na qual a maioria dos respondentes não percebe conexão entre as exposições da instituição. Outras respostas (5) se centram no fato de os objetos expostos não se referirem apenas ao “passado Afro-brasileiro”, mas também a outros contextos. Houveram também respostas que demonstram insatisfação com relação à representação da exposição. Dentre elas destacamos duas: 51

“No sentido de reafirmar a hegemonia branca sobre os negros, visto os instrumentos de tortura e os objetos de utilização da classe branca (dominante). Nada que caracterize de fato uma cultura advinda do povo afro-brasileiro, sua cultura e seus costumes”; “Porque só mostra o lado ruim da história (tortura, etc), poderia mostrar cultura, arte, dos negros”. A décima primeira questão busca a relação que os respondentes fazem entre o ensino formal de história e a exposição. 68 respostas afirmam perceber uma relação entre a representação da exposição e a História Oficial que se aprende e ensina nas escolas, enquanto 30 respostas são negativas. (figura 12) A última questão, relativa à autodeclaração de “raça”, “cor” ou “etnia” dos entrevistados, conforme os padrões do IBGE, mostrou uma maioria de autodeclarados brancos (57), seguidos de pardos (29), negros (8), amarelos (2) e nenhum autodeclarado indígena. Os termos que aparecem no campo “outros (especifique)” foram 7, e são: “Latino”, “Morena escuro”, “Caucásico”, “Caboclo” “Negro e indígena” “Indiano”, “Brasileiro, uma grande mistura”. (figura 13) As observações e comentários opcionais podem se dividir nas seguintes categorias: 1. Institucional/ Pontuais ou pontuais elogiosos São comentários relativos à instituição e sua estrutura, abaixo transcritos: “A exposição é importante e extremamente necessária, deve ser muito bem divulgada. Gostei da organização, dos monitores, que me esclareceram muito e do vídeo inicial”; “Se há vídeo sobre moeda (contas públicas) porque não há sobre a senzala?”; “1. Deveria ficar aberto por mais tempo 2. Ótima escolha não cobrar taxa de entrada 3. A passagem para o parque deveria ser aberta assim que possível” (tradução nossa); Comentários pontuais elogiosos: “Interessante”; “Adorei a exposição”

52

2. Representação Tratam-se de comentários que fazem referência à representação da exposição: “Creio que a senzala é um local que proporciona ao visitante imaginar como era o cotidiano dos negros que viveram no local e as condições a que eles eram submetidos. Porém, no meio da senzala, o organizador da exposição se preocupa em expor objetos do cotidiano das famílias do período e isso eu achei confuso, pois estão fora do contexto inicial que a exposição tenta nos proporcionar”; “Importante questionar o uso do prédio e a apropriação de acervo da senzala”; “Creio que os objetos expostos assim como o espaço cedido não representam a realidade da época.”; “Tem muita coisa nada a ver com a escravidão. Parece mistura entre colonização e escravidão. Tem poucas coisas sobre a escravidão.”; “Todos deveriam ter acesso a verdadeira história da escravidão aqui no Brasil afinal é a nossa origem que é contada pela metade”. 3. Fazem referência à questão de número 11 “Caucásico é um termo para designar as pessoas entre indígena e branco. Não reconheço o termo pardo para me designar.”; “Não há distinção de raça, somos todos iguais.”.

4.3.

Análise da Recepção O discurso expositivo se centra na justaposição de objetos representativos do cotidiano dos

séculos XVIII e XIX e de objetos de suplício de cativos africanos ou afrodescendentes. Entretanto, o que é possível perceber a partir da leitura dos dados sistematizados, é que os instrumentos usados para torturar as pessoas escravizadas sobressaem aos olhos dos visitantes e funcionários. Ora, se concluímos que pouco mais da metade da mostra coletada diz ter lido o texto de abertura - sendo que esse número pode ser ainda menor, uma vez que a pergunta dá abertura para que o respondente tenha apenas reparado e não lido o texto de fato-, podemos inferir que o discurso institucional não necessariamente baliza a interpretação dos que visitam a sala de exposição. Os dados recolhidos não nos permitem afirmar que os enunciatários dessa exposição percebem seu conteúdo enunciado como a celebração a um povo, ou celebração a uma época, tal como o texto nos permite perceber, mas sim ao contrário, podemos verificar que as respostas se centralizam demasiadamente no sofrimento e nas dificuldades em se viver no período. Cria-se então 53

uma espécie de anacronismo, percebido sobretudo nas narrativas extraídas do imaginário dos entrevistados a respeito da vida na época colonial. Como se estivéssemos muito distantes em relação aos nossos antepassados. Como se fôssemos muito diferentes em capacidade intelectual que os homens e mulheres que viveram na colônia. Esse mesmo distanciamento provocado pela acepção de passado como distante de nossa realidade faz com que se entenda os horrores do período escravocrata como algo sem relação com os dias atuais. Os instrumentos de suplício chocam, as condições precárias de subsistência também, mas o distanciamento coloca tudo em um patamar relativo ao passado, um passado distante, ultrapassado. O racismo, de repente, se transforma em uma fábula de outrora, afinal, as condições de vida já não são como as do período exposto. Os objetos de tortura aparecem com a mesma frequência e relevância em respostas a questões que buscam a identificação dos entrevistados com relação à exposição, que buscam seus incômodos e a questão a respeito da arte Afro-brasileira. Aliás, aparecem de maneira mais expressiva na questão que se refere aos objetos de interesse e identificação. Ao mesmo tempo em que não nos identificamos como herdeiros desse passado também é difícil a identificação racial da população negra, o que justifica o pequeno número de autodeclarados negros com relação a mostra. A construção de uma identidade afro-brasileira ainda é polêmica em um país que não se identifica em termos raciais, mas sim a partir de um imenso conjunto de elementos relacionados à cor da pele e a características físicas. Não obstante a diversidade identitária, é incontestável a associação existente entre sinais negativos e indívíduos mais próximos de seus ascendentes africanos. O preconceito opera desqualificando o indivíduo estigmatizado de várias formas, inclusive ao dificultar seu acesso aos recursos públicos (…).Nesse contexto, a valorização das memórias dos afro-descendentes, notadamente quando o Estado brasileiro promove políticas públicas de inclusão afirmativa em diferentes setores da sociedade civil, torna-se fundamental no âmbito da luta contra o preconceito racial no país. Sabemos que esse é um processo contínuo e em andamento e que precisa ganhar espaço entre as iniciativas de preservação da memória existentes no país. (SANTOS, 2010, p.5-6)

Além das relações raciais à primeira vista cordiais em nosso país, a dificuldade de se identificar enquanto negro vem também da representação legada ao negro. A memória do trauma está ali exposta de maneira tal que aquele momento não consegue angariar testemunhas. Segundo Santos (2004), vivências de um trauma destroem o ego individual, bem como a capacidade de ação e reação das pessoas. A autora defende que os escravizados não deixaram seus testemunhos a respeito da escravidão não apenas por não terem tido acesso formal à escrita, ou pela sua privação de um espaço ou veículo para tanto, mas também porque carregaram junto ao trauma da escravidão, a incapacidade de transmitir os horrores vividos. Nesse sentido, a questão que se coloca é quem narra a experiência dos horrores desse período? E sobretudo, quem se identifica com uma memória 54

de um grupo torturado e fragilizado como sendo seus antepassados? Não vimos anteriormente que os museus tendem a celebrar marcos e heróis na construção da nação e de uma memória coletiva? A autodeclaração de "raça" ou cor no momento atual é altamente veiculada às políticas públicas de ação afirmativa para acesso principalmente ao ensino superior. Mas ainda não é comum que ocorram debates abertos a respeito de nossa identidade racial no plano individual. A inserção da questão de número 12 acabou por servir como um incentivo a esse debate. Boa parte dos respondentes questionava a outras pessoas, quando acompanhados, a respeito de como se percebiam e como eram percebidos. Alguns até mesmo questionavam à própria aplicadora sobre qual termo deveriam se declarar, que sempre se mostrava neutra, indicando ser uma classificação individual e subjetiva. Uma das entrevistadas, que teve o questionário preenchido pela aplicadora se declarou negra. Ao fim da entrevista a respondente diz que seu filho se considera branco, mas que ao pleitear uma vaga em uma universidade pública, declarou-se como pardo para que tivesse mais chances. Sabemos que a identidade racial é uma construção histórica e que no Brasil ela é sobretudo situacional. No momento de preenchimento do questionário, a muitos coube uma autodeclaração enquanto pardo, fator que os distancia em certa medida de um passado traumático. A narrativa percebida tanto no plano institucional quanto nos entrevistados nos concede um panorama de uma estrutura de poder unívoca, centralizada, “onipotente” e “onipresente”, onde não existem negociações, ou mobilidade. Essa estrutura é contestada por Michael Foucault, que apesar de não se declarar um teórico dessa temática, traz análises que desconstroem nossa visão tradicional sobre poder em quase a totalidade de suas obras (MARINHO, 2008). O poder não é onipotente, onisciente, pelo contrário! Se as relações de poder produziram formas de inquérito, análises dos modelos de saber, é precisamente porque o poder não era onisciente, mas que ele era cego, porque ele se encontrava dentro de um impasse. Se a gente assistiu ao desenvolvimento de tantas formas de vigilância, é precisamente porque o poder continuava impotente (FOUCAULT, 2001, p. 629 apud MARINHO, 2008).

Esse é um dos aspectos centrais dos quais pretendemos tratar, uma vez que as noções de poder que temos, em sua maioria construídas e legitimadas pela História Oficial, nos remetem a algo que vem “de cima para baixo”, a uma estrutura preestabelecida e estável. Mas se essa estrutura de poder que imaginamos e reforçamos fosse realmente onipotente, não haveria a necessidade de criar estruturas de vigilância sistematizadas, o que mostra a vulnerabilidade dos sistemas de dominação tradicional que conhecemos, pois afinal, sabemos quem explora, sabemos quem detém o lucro e conhecemos também os intermediários que se beneficiam desse lucro. No entanto seriam eles mesmos os “titulares” do poder? Numa relação de dominação como a escravidão, por exemplo, sabemos quem detinha os meios de produção e o capital, mas quem dominava a técnica? Qual era a 55

mão que servia, a mão que preparava, que alimentava a criança? A relação é bem mais complexa do que a noção estática de poder que temos. Havia sim negociação e havia resistência, num contexto em que o poder se faz presente nas relações de maneira multidimensional. Para marinho,o, Foucault acreditava que as instituições eram as grandes responsáveis pela manutenção da falsa ideia de poder, pois poderiam, valendo-se do seu campo de influência, manter o status quo, sobrevivendo como um monstro invencível, representantes do sujeito absoluto, que é a falsa ideia de poder. (MARINHO, 2008, p. 8)

Se tomamos essa interpretação como factual, não podemos deixar de incluir os museus na lista das instituições que legitimam a estrutura social vigente, uma vez que em muitos podemos ver representações de poder estáticas e indeléveis, de maneira a nos fazer acreditar que não possuímos ferramentas para lutar contra. Não é possível acreditar que as 9 diferentes pessoas que percebem a arte Afro-brasileira nos instrumentos de suplício estivessem realmente atentas a suas respostas, ou que elas tenham sido fruto de alguma reflexão. O que nos leva a concluir que esses objetos são os que mais se destacam nos limites da recepção do discurso. Sobretudo pelos desenhos representativos de seu uso, onde podemos encontrar a dramatização de um período histórico. Algumas respostas trouxeram reivindicações a respeito da organização dos objetos. Entendiam que peças de louça francesa não combinava com a narrativa referente à história da escravidão. Outros entenderam que sim, a louça possuía toda a relação com a escravidão, já que essa história estaria sendo narrada segundo a perspectiva do homem branco, dono dos meios de produção, dono das ferramentas expostas, dos utensílios de cozinha, inclusive “dono” no plano legal dos próprios escravizados. Se existe arte nesses objetos, ela está em sobreviver à condição servil. A questão que se coloca é se os objetos de uso cotidiano dos proprietários do período seriam identificados como objetos artísticos sem estranhamento. Os museus de “arte acadêmica”, de “Belas Artes”, ou de “Arte Europeia” cristalizam a imagem do que consideramos como arte em nossa sociedade. De maneira oposta ao artesanato ou às manufaturas, a arte é alçada ao patamar do belo – por mais controverso que esse conceito venha a ser -, ao sublime. Não estaríamos diminuindo aqui o potencial da Arte Afro-brasileira? O cotidiano é tido como artístico aqui por ser o cotidiano de um povo fragilizado e inferiorizado pela narrativa? Os entrevistados realmente pensam dessa maneira ou estariam com medo de contrariar às propostas institucionais? Afinal o museu, lugar do sagrado, lugar de guarda do passado, não passaria informações não incongruentes a seus visitantes. Desse modo, para eles, a arte estaria presente em todos os objetos daquela coleção. Enquanto não repensarmos as formas de representar o nosso passado não nos identificaremos com ele, não aprenderemos com ele e o que é pior, não seremos capazes de 56

desconstruir as desigualdades estruturais de nossa sociedade. Garantir igualdade de oportunidades e de tratamento não significa equalizar as nossas diferenças. Não somos todos iguais, somos diversos, e é a nossa diversidade que significa a nossa riqueza. O amadurecimento das lutas contra práticas discriminatórias tem mostrado que a mera inversão de valores não combate a intolerância seja ela racial, cultural ou sexual. Entre as ações mais eficazes, estão aquelas que procuram valorizar positivamente aspectos antes desqualificados aumentando o leque de opções de reconhecimento mútuo entre indivíduos. Luta- se para neutralizar a reação contra a diferença, qualquer que seja ela. (SANTOS, 2010, p.5)

O uso do espaço como “senzala”, ainda que sem comprovação documental é uma escolha institucional, não necessariamente uma escolha ruim. A falta de problematização dessa escolha representa uma fraqueza, e sobretudo o apoio da narrativa em um único texto, sem a utilização de outros elementos expográficos ou suportes para o discurso, traz à tona interpretações pautadas no sofrimento e na vitimização, em grande medida reforçadas pelo imaginário do senso comum, pelas concepções preexistentes e pela História Oficial. Nesse sentido, a representação não colabora para uma sensibilização crítica a respeito dos horrores do período escravocrata, mas sim reforça o ideal de poder bipolarizado, o qual nos sentimos impotentes para lutar contra e tem como consequência o afastamento de um passado que parece não dizer respeito a nós.

57

5.

Considerações finais. Ouro Preto é sem dúvida uma cidade construída e resignificada e vivenciada pela população

afrodescendente. Para além dos números de autodeclarados, caminhar pela cidade é perceber a grande composição dessa população no comércio, nos serviços, nas atividades públicas e a cada vez mais nos Institutos Federais de Ensino Superior. Lugares de memória em tempos de identidades híbridas e globalização são fundamentais para os processos de resistência, (re) construção e afirmação de identidades esmaecidas e esquecidas que se percebe emergir nos últimos tempos. Junto às políticas que pretendem ampliar o currículo escolar formal para a diversidade cultural, racial, social e econômica, os museus fazem parte desse processo de formação de uma sociedade tolerante à multiculturalidade. A identidade racial não é formada pelos traços fenotípicos, a cor da pele ou a aparência física. Trata-se da interpretação social sobre esses elementos, que é balizada em grande medida pelas representações que fazemos, recebemos, percebemos, interpretamos e questionamos.

58

ANEXOS Anexo 1: transcrição do texto de abertura da exposição “A Arte Afro-brasileira na Coleção de Toledo”.

A Arte Afro-Brasileira na Coleção de Toledo Construtores de Minas e do Brasil, os africanos e seus descendentes constituem um dos mais vigorosos pilares da historia de Ouro Preto. Eles chegaram ao longo dos séculos XVIII e XIX, submetidos à condição servil, trazendo quase em segredo, uma rica tradição cultural. Nos meandros do sincretismo, sua contribuição floresceu intensamente e deixou raízes. A saga de Chico Rei traduz exatamente a mobilidade dos africanos no espaço social assim como o prestigio do Aleijadinho e de Lobo de Mesquita testemunha a escalada dos afro-descendentes, pela via das artes na primeira sociedade urbana do Brasil. Essa inclusão no processo cultural do pais passa pelos conhecimentos de que dispunham em campos como a mineração e a geologia, para chegar à culinária, usos e costumes, bem como ao enriquecimento da língua e a originalidade da produção artística. Daí o imenso acervo afro-brasileiro, do qual oferece admiráveis exemplares o conjunto reunido pelo colecionador ouro-pretano José Lucas Toledo. Ainda menino, habilidoso aprendiz de sapateiro, Toledo deixou-se encantar pelos tesouros de sua cidade e, pouco a pouco, firmou-se a si mesmo como notável conhecedor das artes plásticas e do mobiliário dos períodos colonial e imperial. Para si, igualmente, reservou peças significativas entre as que foi recolhendo, e nesse contexto destacam-se as de origem afro-brasileira. Com sensibilidade e pertinência, ele compôs um repertorio de obras de arte, objetos e utensílios que narram a vida dos africanos na antiga Vila Rica de minas de ouro. Trata-se de elenco de testemunhos materiais que, na esfera domestica e no espaço publico, ilustram, de maneira impactante, a historia da mentalidade e do comportamento dos africanos no quadro em que se configurou o Brasil. Instrumentos de tortura, de que não se deve esquecer, integram a coleção tanto quanto peças representativas da vida cotidiana e das diversas vertentes. Ao franquear ao publico parte do acervo, nesta exposição organizada pelo artista Roberto Sussuca, José Lucas Toledo, presta mais um serviço a sua comunidade e à cidade que muito lhe deve pelo cuidado com o patrimônio e amor às artes. (Ângelo Oswaldo de Araújo Santos)

59

Figura 1- Gráfico de quantidade de entrevistados por gênero.

Figura 2 – Faixa etária dos entrevistados e percentagem

60

Quadro 1 - Origem dos entrevistados.

Minas Gerais

Sudeste

São Paulo

Contagem (2) Uberlândia Belo Horizonte (16) Juiz de Fora Ouro Preto (11) Itaúna Pratápolis Patos de Minas Paracatú Caxambú (2) Barra Longa Itabira (3) Sabará (2) Cláudio Mariana (2)

São Paulo Osasco Santa Cruz do Rio Pardo Piraju Limeira Botucatu (2) São José dos Campos (2) Atibaia (2)

Ceará

Nordeste

Rio de Janeiro Rio de Janeiro (10) Angra dos Reis (2)

Paraíba

Fortaleza (4)

Salvador (2) Feira de Santana

Natal

Manaus Distrito Federal

Ceres Goiânia

Brasília Rio Grande do Sul

Estrangeiros

Rio Grande do Norte

Amazonas Goiás

Sul

Venda Nova do Imigrante (2) Serra Vitória

Bahia

João Pessoa (2)

Norte Centro-Oeste

Espírito Santo

Paraná

Porto Alegre (2) Triunfo

Curitiba (2) Toledo

América do Sul Colômbia (3) Argentina

Europa Grécia França (3) Holanda Portugal Reino Unido

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Oceania Austrália

Figura 3 – Nuvem de palavras sobre questão 1. Identificação/ interesse dos entrevistados sobre os objetos da exposição.

Figura 4 – Nuvem de palavras sobre questão 2. Incômodos e desagrados dos entrevistados na exposição

62

Figura 5 – Gráfico referente à questão 3. Entrevistados que leram/repararam no texto de abertura (percentagem).

Figura 6 – Nuvem de palavras sobre questão 4. Interpretação dos respondentes sobre representação na exposição.

63

Figura 7 - Gráfico referente à questão 5. Interpretação dos respondentes sobre representação na exposição (percentagem).

64

Quadro 2 – Transcrição das respostas referentes à primeira categoria da questão 6.

Fica bem forte a vida que os escravos levavam. Foi uma época de muito sofrimento onde poucas pessoas detinham o poder nas mãos

A vida burguesa dos nobres e o grande sofrimento dos escravos (4)

Aos escravos a resignação para sobrevivência. Aos senhores feudais a busca do poder, mas mesmo assim contribuíram para o crescimento econômico

Uma mistura de pujança e pobreza/crueldade

Muito luxo para os brancos e um lugar singelo com aposentos muito desagradável, parece que houve muito sofrimento como conta a história

Comparada aos dias atuais muito difícil mas, para a época deveria ser o que tinha de melhor para os senhores. Coitados dos escravos.

De muita regalia para uns e sofrimento para outros (escravos e negros)

Fácil para quem tinha dinheiro, difícil e sofrida para quem não.

Bipolaridade entre sofrimento e riqueza/poder

Por parte da classe mais favorecida, a vida era mais confortável do que a classe menos favorecida e escrava. A dos escravos parecia mais violenta e agressiva

Pelos instrumentos apresentados Muito poder dos grandes, percebe-se uma vida difícil para muita submissão. Sofrimento. o cidadão e pior ainda para quem é escravo

Muita orgia e muita repressão ao mesmo tempo. Para os escravos repressão, e festas para os donos do poder.

Uma vida boa para uns e difícil para outros

Confortável para os senhores da época e terrivelmente frio e desumano para os escravos = sombrio

Muito dinheiro, ouro, e o que vem com isso, a ambição, a cobiça, a abundância, e coisas horríveis que aconteciam com os escravos. Morte/submissão/mal-cheiro

Dos escravos árdua e a vida dos senhores boa

Depende de quem você fosse. Muito boa se você era o chefe da casa. Muito difícil se você fosse um escravo.

Para os donos “maravilhosa”, para os negros “horror”

Uma vida de muito trabalho, grande influência cultural e com algum sofrimento

Apartada entre senhores e escravizados, com pouco ou nenhum contato entre essas duas realidades. Sabemos contudo, que não era bem assim.

Na Casa dos Contos, movimentado pelo fato de ser Muita alegria para os senhores um órgão do governo; na senzala, um ambiente e uma tristeza para os escravos opressor e desumano.

Quem tinha boa vida aqui era só o contratador e seus capangas, os escravos só apanhavam

Depende de quem esteja em evidência. Os senhores deviam viver bem ´para a época; os escravos mal.

Condicionada a cobrança de tributos. A relação entre os membros da Coroa e o povo escravocrata era uma relação quase desumana Com muita ostentação na parte de cima e muito sofrimento na parte de baixo, na senzala

O proprietário dá a entender que possuía um ar de Imagino uma vida de luxúria por parte dos donos (proprietários) e superioridade e os escravos, quando vemos a talvez sofrimento pelos escravos da casa. A casa representa o senzala imaginamos o sofrimento deles. poder dos colonizadores.

65

Quadro 3 - Transcrição das respostas referentes à segunda categoria da questão 6.

Narrativas centralizadas no sofrimento

Somente menção aos escravos (8)

Sofrimento sem menção aos agentes (6)

Bem difícil se comparada com os dias atuais de hoje, apesar de ser nostalgia

Triste para os negros

Uma vida bem sofrida e triste para os escravos

Bem difícil. A senzala é um local complicado de se viver. Os negros tinham contato com o mau cheiro da casa, o local é frio, sem nenhuma boa condição

Muito difícil, quase sem condições

Incrivelmente difícil e triste

Triste, com pessoas rudes que tratavam escravos como “não pessoas”, nem animais tratam-se de tal forma

Muito sofrimento, dor, frio, doença

Uma vida sem direitos

Imagino uma vida sofrida, limitada e curta para o escravo. Sofrida e de muito trabalho Não sabia que ficavam no subsolo. E ver algum dos duro – em péssimas instrumentos de tortura são imagens fortes, que fazem ser condições de alimentação e uma experiência marcante. espaço físico

Sofrida, sufocante e aterrorizante

Realmente difícil, muito desapontamento. O tratamento injusto a alguns seres humanos foi uma página negra para a humanidade (tradução nossa)

Cruel, muito sofrida e repugnante

O período de sofrimento, a dominação e o tratamento irreal entre os humanos

A vida no período colonial era o retrato da ignorância, maldade e sede do ser humano pelo poder, em que a imensa maioria da população vivia de forma degradante

O que visitei, que foi a senzala me chocou

Terríveis as condições, deveria faltar higiene, conforto

Os elementos apresentados não permitem de se fazer uma boa representação da vida da época, mas com certeza que as condições eram horríveis, precárias...

Cruel, desumana

Difícil, precária, sem condições de bem-estar

Falta de liberdade; falta de reconhecimento do processo de miscigenação, segregação, postura etnocêntrica

Terrível, com condições precárias em todos os sentidos

A estrutura social era altamente elitista e desigual

Um período difícil com muitas privações, preconceitos contra as minorias, transporte e comunicações escassos.

Muita tristeza, aflição, angústia.

Retrata a teoria aprendida na escola. Sentimos a unidade, desconforto...

Difícil!

Muita maldade e ambição

Quadro 4 - Transcrição das respostas referentes à terceira categoria da questão 6.

Narrativas com ausência de sofrimento

Ouro

Agradável com muito trabalho

Imagino que era uma casa de muito luxo para a época e que aconteceu coisas muito importantes para o país

Simples comparada às facilidades dos dias atuais

Muito agitada, com muita vida

Muita ostentação, tudo regado a ouro, muitas regras a serem seguidas e os escravos realizando todos os serviços que eram demandados a eles.

Para poucos

Complexa e diversificada, permeada com segredos

Por parte de quem? Dos negros escravizados? Ou dos brancos ricos que moravam aqui enquanto foi permitido ao contratador?

Luxuosa e interessante

Sinceramente não gostaria de viver naquela época

Muita coisa foi representada nesta exposição. Refere a vivência dos senhores com os seus servos. É possível fazer uma referência fotográfica com os acervos expostos

Imagino que os escravos dormiam na senzala havia grandes festas pois, o contratador morava sozinho

Imagino uma casa muito movimentada, com colonizadores e escravos

Imagino um ambiente requintado e luxuoso, com várias pessoas circulando diariamente

Sistema militarismo e produção total para

Uma vida de luxo, com muitos empregados/escravos

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exportação A vida do contratador era boa, os comerciantes que vinham aqui lucravam, e viviam bem

Interessante, algo meio difícil de imaginar de como seria viver nessa época

Mais calma

Imagino uma vida rica para a ocasião, porém com muitas limitações comparando com a vida atual (progresso)

Muito frequentada por ser uma espécie de “banco” da época

Fria

Figura 8 – Gráfico referente à questão 7. Percentagem de entrevistados que percebem a arte Afro-brasileira na coleção

67

Figura 9 – Nuvem de palavras referente à questão 8. Em quais objetos se percebe a arte Afrobrasileira.

Figura 10 – Gráfico Referente à questão 9. Conexão entre as exposições da Casa (percentagem).

68

Figura 11 – Gráfico Referente à questão 10. Respostas a respeito do adequamento do espaço para receber a coleção (percentagem).

Figura 12 – Gráfico Referente à questão 11. Percentagem de respostas que vinculam a narrativa da exposição com a História Oficial.

69

Figura 13 – Gráfico Referente à questão 12. Percentagem de autodeclaração de cor/raça/etnia.

70

Anexo2: Modelo de questionário aplicado

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO ESCOLA DE DIREITO, TURISMO E MUSEOLOGIA CURSO DE MUSEOLOGIA

Questionário aplicado para o trabalho de monografia OS CONTOS DA SENZALA: ANÁLISE DO DISCURSO E RECEPÇÃO NO MUSEU CASA DOS CONTOS

Nome Completo:_________________________________________________________________ Idade:_________anos Origem:__________________________(cidade/UF) Grupo de aplicação: Turista ( )

1.

Visitante de Ouro Preto ( )

Funcionário ( )

Guia de Turismo ( )

O que você achou mais interessante/ mais gostou na exposição?

_______________________________________________________________ 2.

Houve algo que lhe desagradou? Se sim, o que?

________________________________________________________________ 3. Você leu/reparou no texto de abertura? SIM ( ) NÃO ( ) 4.

A quem você acredita que a exposição pretende representar?

_________________________________________________________________ 5. Você achou essa representação bem sucedida? SIM ( ) NÃO ( ) EM PARTE ( )

71

6.

Como você imagina a vida aqui na casa na época da Colônia?

________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 7. Você percebe conexão entre essa exposição e o restante das exposições da Casa dos Contos? SIM ( ) NÃO( ) 8. Você percebe a Arte Afro-brasileira nessa coleção? SIM ( ) NÃO ( ) Se sim, em qual ou quais objetos? _______________________________________________________________________________ 9. Você acredita que esse espaço é um local adequado para a exposição dessa coleção? SIM ( ) NÃO ( ) EM PARTE ( ) Por quê? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 10. Você acredita que a exposição concorda com a História Oficial ensinada nas escolas? SIM ( ) NÃO ( ) 11. Por fim, gostaríamos de saber como você se declara, segundo a classificação do IBGE? BRANCO/A ( ) NEGRO/A ( ) PARDO/A ( ) AMARELO/A ( ) INDÍGENA ( )

OUTRO (especifique)____________________________________

Observações ou comentários (opcional):

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