Os Cultos Afro-Brasileiros - Contexto Histórico

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Didier Lahori, "O Tráfico Negreiro Transatlântico: sécs. XVI-XIX", "Escravatura e Tráfico em África" in Catálogo da Exposição, Os Negros em Portugal – sécs. XV a XIX, Ana Maria Rodrigues (coord.), Mosteiro dos Jerónimos (23 de setembro de 1999 a 24 de janeiro de 2000), Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, pp. 53-68.
Cfr. "Comércio de Escravos" in Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD's].
Idem.
Ibidem.
Cfr. Irineu Wilges, Cultura Religiosa – As Religiões no Mundo, Petrópolis, Editora Vozes, 2000, pp. 120 – 123.
Adaptado de "Cultura e Sociedade – Religião – Religiões ameríndias" in Navegar, [CD-ROM], Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al, Paris, Editions Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de Portugal, Expo'98 / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.
Adaptado de "Cultura e Sociedade – Religião – Religiões africanas" in Navegar, op. cit.
Adaptado de "Cultura e Sociedade – Sociedade – Evangelização no Brasil" in Navegar, op. cit.
Eugénio dos Santos, Universidade do Porto, "A Civilização dos Índios do Brasil na transição das Luzes para o Liberalismo: uma proposta concreta" in Revista Mare Liberum, [CD-ROM], Anabela Mourato et al (coordenação executiva), João Paulo Salvado (coordenação CD-ROM), Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, nºs 1 a 13.


Pedro Borges Morán, Misión y Civilización en América. Alhambra, Madrid, 1986, p. 24 apud Eugénio dos Santos, op. cit.

Cfr. Katia M. de Queirós Mattoso, To Be a Slave in Brazil – 1550-1888, Arthur Goldhammer (translation), Stuart B. Schwartz (foreword), New Brunswick (USA), Rutgers University Press, 1991, p. 222.
Idem, pp. 31, 32.
Katia M. de Queirós Mattoso, op. cit., pp. 34, 35.
Idem, p. 40.
Ibidem, p. 31.
Cultura Portuguesa na Terra de Santa Cruz, Histórias de Portugal nº 14, Maria Beatriz Nizza da Silva (coord.), Lisboa, Editorial Estampa, 1995, p. 155.
Katia M. de Queirós Mattoso, op. cit., p. 90.
Idem, pp. 90, 91.
Ibidem, p. 91.
Irineu Wilges, op. cit., pp. 120, 121.
Vide supra, n. 20.
Cfr. Irineu Wilges, op. cit., p. 122; http://www.olorum-axe.com.br/home.htm
Morwyn, Magic from Brazil – Recipes, Spells & Rituals, St. Paul (MN, USA), Llewellyn Publications, 2001, p. 1.
Idem.
Idem, p. 2.
Idem.
Irineu Wilges, op. cit., pp. 122, 123.
Vide supra, n. 23.
Em 1977 a Assembleia-geral de Bispos da Igreja Católica Brasileira reunida em Itaicí implementou mudanças na sua liturgia, concretizadas na Diretoria para Missa com Grupos Populares. Apud Morwyn, op. cit., cap. 1, n. 2, p. 19.
Morwyn, op. cit., p. 4.
Vide supra, n. 29.
Morwyn, op. cit., p. 5.
Cfr. Morwyn, op. cit., pp. 6–8.
N.A.: Espiritistas – Membros de um grupo religioso que surgiu proeminente no séc. XIX. Acreditam que os mortos podem comunicar com os vivos através de médiuns psíquicos durante sessões. O médium ora comunica diretamente usando a voz do falecido ou retransmite informação através de escrita ou desenho automáticos. O grande objetivo dos Espiritistas, existentes ainda na atualidade com sede em Londres, na Inglaterra, sempre foi o de provar que a vida após a morte realmente existe. Cfr. Morwyn, op. cit., cap. 1, n. 4, p. 19.
Cfr. Morwyn, op. cit., pp. 9–12.
José Ribeiro, Cerimônias da Umbanda e do Candomblé, Rio de Janeiro, Editora Eco, 1974, p. 35 apud Morwyn, op. cit., p. 9.
Cfr. Morwyn, op. cit., pp. 13–15.
Fernandes Portugal, Axé: Poder dos Deuses Africanos, Rio de Janeiro, Editora Eco, s.d. apud Morwyn, op. cit., p. 14.
Cfr. Morwyn, op. cit., pp. 15, 16.
Vide supra, n. 38.
Cfr. Morwyn, op. cit., pp. 16–18.
Morwyn, op. cit., pp. 23–51.
Herny Domingues Filho, Oráculo dos Deuses Africanos, Norma Blum (pref.), São Paulo, Madras Livraria e Editora, Lda., 1996, pp. 17–115.
Cfr. http://www.nativa.etc.br/aumbhandan/espelho.htm

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Os Cultos Afro-Brasileiros: Contexto Histórico.



Fig. 1 – As Três Damas, simbolizando as raízes africana, ameríndia e heleno-semita (cristã) dos cultos afro-brasileiros.
Extraída de http://www.nativa.etc.br/aumbhandan/espelho.htm




ÍNDICE

Nota Prévia
Pág. 02
Introdução
Pág. 03
1- Principais grupos africanos no Brasil
Pág. 04
2- Manifestações de religiosidade
Pág. 12
3- Aculturação, assimilação, imposição
Pág. 15
4- Nascimento de um culto afro-brasileiro
 Pág. 20
5- Formas atuais
 Pág. 24
6- Orixás e suas caraterísticas
Pág. 35
Conclusão
Pág. 52
Bibliografia
Pág. 53
Anexo I – Umbanda Zodiacal
 Pág. 55
Anexo II – Ilustrações
Pág. 57








NOTA PRÉVIA
Pretendeu-se com este trabalho, lançar um olhar sobre os cultos afro-brasileiros desde os seus primórdios até às formas atuais, privilegiando o contexto histórico em detrimento da análise dos conceitos teológicos e/ou mitológicos, mais adequada no âmbito da Ciência das Religiões. Porém, inevitável se tornou abordar, ainda que de forma algo superficial, as crenças em que estes cultos se apoiam de modo a ilustrar a importância que ainda detêm na sociedade brasileira da atualidade.

As gravuras constantes do capítulo 6 foram extraídas da Internet há alguns anos atrás, numa época em que o autor nem sequer punha a hipótese de enveredar por um curso universitário, apenas as recolhendo como parte do seu hobby de colecionar… zodíacos; daí que não tenha havido o cuidado de anotar os endereços eletrónicos donde provieram e não seja agora possível citá-los, pois após exaustiva busca não foram encontrados uma vez que a Net está em constante mudança.

A autora referenciada como Morwyn, cuja obra Magic from Brazil: Recipes, Spells & Rituals é citada ao longo dos capítulos 5 e 6, tem outros títulos publicados sob o nome de Carol L. Dow, sendo detentora de Doutoramento (PhD) em Estudos Luso-Brasileiros.




INTRODUÇÃO
No Brasil atual, a par com o cristianismo, existe uma outra religiosidade de cariz africano que tem sido preservada como parte da herança cultural dos grupos étnicos que constituíram o povo brasileiro. Nomeadamente na região da Bahia e Rio de Janeiro, formas de culto como o Candomblé e a Umbanda têm forte expressão entre as classes populares.

Mas como surgiram esses cultos? Serão completamente africanos, representando aquilo que restou dos cultos originais ou o resultado de um sincretismo entre as crenças dos escravos trazidos de África para trabalhar nas plantações de açúcar e o cristianismo imposto pelos missionários e pelos patrões? Tiveram os cultos ameríndios alguma influência na formação desta religiosidade?

Para responder a estas questões, há que recuar até ao início da exploração económica do território brasileiro e compreender qual o sistema de crenças dos grupos étnicos que seriam a componente principal da escravatura no Brasil, provenientes da região africana abaixo do deserto do Sahara, assim como de que forma esses grupos conseguiram ou não manter as suas tradições.

Neste trabalho, pretende-se estudar a forma como a religiosidade africana se misturou com as crenças dos índios nativos brasileiros e com o cristianismo dando origem aos cultos da atualidade, os quais subsistem a par com a religião oficial.


1- PRINCIPAIS GRUPOS AFRICANOS NO BRASIL
Consequência do processo de expansão português e espanhol, a escravatura da época moderna, em particular a das populações do continente africano, tal como o comércio atlântico e transatlântico a ela ligados, começaram progressivamente a ganhar forma entre a segunda metade do séc. XV e as primeiras décadas do séc. XVI. O processo iniciou-se com a descoberta dos arquipélagos atlânticos – Canárias, Madeira, Açores, Cabo Verde –, sua ocupação e subsequente exploração. Prosseguiu com a exploração das costas africanas pelos Portugueses e a descoberta das ilhas de São Tomé e do Príncipe e do reino do Congo. Mas foi a descoberta das Antilhas – na sequência da primeira viagem de Cristóvão Colombo – e, alguns anos mais tarde, a do continente americano que, ao cabo de algumas décadas, iriam decidir a amplitude do duplo drama humano que ligou para sempre a América e a África: a redução à escravatura e consequente destruição de milhares de comunidades indígenas da América e a deportação de milhões de africanos para as terras recém-conquistadas. Mas os primeiríssimos escravos negros, que desembarcaram na América, eram oriundos da Península Ibérica onde, desde há várias décadas, o seu número não cessava de aumentar.

No séc. XVI, após ter descoberto o Brasil, mas muito antes de se interessar abertamente pelo território e de nele introduzir escravos negros em grande número, Portugal, que possuía o monopólio do comércio nas costas africanas desde a bula papal de 1455 e do tratado de Tordesilhas, começou a organizar o tráfico de escravos em direção à América espanhola. Em 1534, D. João III autorizava a exportação direta de escravos para as Índias Ocidentais a partir de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde. Mais tarde, por ocasião da reunião das duas coroas, entre 1580 e 1640, no âmbito do Assiento, a Espanha preservava o monopólio português do tráfico negreiro e confiou-lhe a tarefa de abastecer as suas colónias americanas.

Após a separação das duas coroas, em 1640, Portugal perdeu progressivamente a maioria das suas posições privilegiadas nas costas africanas em proveito de outras nações europeias.

Em 1637, os Holandeses apoderaram-se da fortaleza de São Jorge da Mina. A partir desta base, implantaram-se solidamente na região do golfo da Guiné, tornando-se o tráfico negreiro, um dos mais importantes pilares da economia holandesa até ao fim do séc. XVIII. Na mesma época, a Inglaterra e a França, cuja presença se fazia sentir há muito, passaram a ter um papel cada vez mais ativo neste tráfico, até à sua extinção no séc. XIX.

Entre os finais do séc. XV e o séc. XIX o tráfico transatlântico conheceu várias fases de desenvolvimento, em termos geográficos e numéricos. Entre 1450 e a primeira metade do séc. XVII, ou seja no decurso dos dois primeiros séculos, foram deportados cerca de um milhão de africanos. Os maiores contingentes provinham dos postos de tráfico situados entre Arguim e a Serra Leoa, de Angola e, em menor número, da Costa dos Escravos e do golfo de Benim. Numa segunda fase, que se estendeu até aos anos sessenta do séc. XVIII, a percentagem oriunda da Baixa-Guiné e de Angola aumentou consideravelmente, em proporções sensivelmente equivalentes. Mas foi entre 1760 e 1830 que o tráfico atingiu o seu auge.

Segundo especialistas na matéria, entre o séc. XVI e o séc. XIX, o número de africanos deportados para o Novo Mundo estimar-se-ia entre os 12 e os 14 milhões. Mais de metade (52%) foram-no durante o séc. XVIII e menos de 20% antes, sobretudo no séc. XVII. Mas, por cada cativo embarcado, vários – dois, três ou talvez mais – morriam durante as campanhas violentas de captura ou durante a deslocação, em longas caravanas, a caminho das «feiras» do interior ou dos portos onde eram embarcados. Aí eram batizados e muitas vezes marcados com um ferro em brasa, que os identificava como pertencendo ao rei, a uma companhia ou a um proprietário.

No séc. XVII, as nações europeias entregavam-se a uma concorrência económica e política crescentes, através das suas colónias americanas, cujas terras iam ganhando cada vez maior valor graças à importação crescente de mão-de-obra escrava. Mais ou menos ricas, todas criaram a partir do séc. XVII – e algumas até antes – as suas companhias comerciais e de tráfico de escravos.

A partir de 1588, os ingleses constituíram a Senegals Adventurers, a que se seguiram outras, a mais conhecida das quais – a Royal African Company (RAC) – deteve o monopólio do tráfico inglês no último quartel do séc. XVII.
Os holandeses, por seu lado, fundaram a West lndische Company que manteve o seu monopólio entre 1621 e 1737.

Quanto à França, no séc. XVII, acumula companhias que se desfazem, afundam ou vão à falência. É o caso da Companhia das Índias, fundada em 1664 e dissolvida 10 anos mais tarde. Após o fracasso das companhias francesas, os investidores privados mantiveram-se hesitantes e foi na segunda metade deste século que o tráfico negreiro francês atingiu o máximo das suas expedições. Mais de um terço deste no séc. XVIII, teve lugar entre 1783 e 1793. Só a cidade de Nantes, «capital negreira da França», concentrou 42% das 3.341 expedições francesas dos sécs. XVIII e XIX.

Em Portugal, a Companhia da Costa da Guiné foi a primeira a ser criada, em 1664. Uma outra, a Companhia de Cacheu, Rios e Comércio da Guiné viu a luz do dia em 1676, sendo substituída em 1690 pela Companhia de Cacheu e Cabo Verde. Esta última, destinada principalmente a abastecer as ilhas espanholas das Antilhas, embarcava também escravos com destino ao Brasil – Pará e Maranhão. A Companhia do Corisco, cujas atividades se desenvolviam na costa do Gabão e na ilha de São Tomé, sob a égide do francês Jean Dessaint, foi criada em 1724. Finalmente, a criação das Companhias Pombalinas do Grão-Pará e Maranhão e Geral de Pernambuco e Paraíba, em 1755 e 1759, respetivamente, inscreviam-se na preocupação, já antiga, de desenvolver estas regiões do Brasil.

A lei de 1761, que põe fim à entrada de novos escravos em Portugal, revelou-se, assim, um meio de facilitar o abastecimento da colónia em mão de obra escrava desviando, em seu proveito, o tráfico originalmente destinado à Metrópole. Assim, o tráfico negreiro para Portugal terminou, precisamente, na altura em que mais se intensificava.

Ignora-se ainda, com exatidão, quantos escravos foram deportados para a Península Ibérica, e para Portugal em particular, no decurso dos 320 anos (1441-1761) que durou o tráfico para a Metrópole. Num documento datado de 1801, Pina Manique avança o número anual impressionante de 4000 escravos de ambos os sexos, durante os anos que precederam a lei de 1761. Embora seja difícil confirmar a veracidade desta cifra, parece todavia um pouco excessiva. Corresponderia, de facto, a cerca de duas vezes e meia o número médio anual (1491) de escravos transportados pela Companhia do Grão-Pará e Maranhão para o Brasil, entre 1757 e 1778. Ao avançar este número, Pina Manique parecia, apesar de tudo, confirmar que o "tão extraordinário número de escravos pretos que se transporta anualmente da África, América e Ásia para estes Reinos", referido na lei de 1761, não era uma afirmação sem fundamento. Apesar das dúvidas, pode, contudo, arriscar-se que terão entrado na Metrópole, no espaço de tempo referido, um mínimo de 300 a 350 mil escravos africanos, ou seja, uma média anual de 937 a 1094 indivíduos. Uma estimativa que, tendo em conta a dimensão de Portugal, vale a pena ser comparada aos 400 ou 500 mil, calculados pelos especialistas em relação aos Estados esclavagistas da América do Norte.

Como acontece na maioria das sociedades do mundo inteiro, numa altura ou noutra da sua história, a escravatura em África era uma instituição antiga e aceite muito antes dos Europeus, através dos Portugueses, terem posto o pé no continente negro. Mas, paralelamente a esta escravatura «doméstica» existia também, há muitos séculos, um tráfico transariano de cativos orientado para os países do atual Magreb, do Médio Oriente e mesmo do Oriente. Este tráfico teria envolvido perto de 5 milhões de indivíduos, no período compreendido entre os anos 650 e 1600.

Dai que a época durante a qual a razia constituiu o único meio dos navegadores portugueses obterem cativos tenha, rapidamente, cedido lugar à prática comercial de trocar homens por mercadorias. Com efeito, desde 1455 que Alvise Cadamosto, um veneziano que traficava sob a bandeira portuguesa, trocava, a sul do rio Senegal, escravos por cavalos, mantas de lã e tecidos de seda. Alguns anos mais tarde, o flamengo Eustache de la Fosse, sob a bandeira espanhola, praticava o comércio de escravos com as populações ao longo da costa que a até ao forte de São Jorge da Mina, atual Gana. Ao construírem o forte da Mina, os portugueses tinham em vista o ouro existente nessas paragens, mas acabaram por descobrir um importante e regular comércio de escravos entre o reino do Benim e as populações africanas da Mina. Estas iam comprar escravos ao Benim, que transportavam em pirogas até à Mina; ali, estes eram revendidos às populações do interior, cujas jazidas de ouro eram exploradas por estrangeiros, em virtude do perigo que representava a extração do mineral. Graças à superioridade técnica dos seus navios à vela, os Portugueses passaram a dominar o comércio lucrativo de escravos juntamente com o do ouro.

Até à extinção do tráfico transatlântico, o comércio de cativos nunca poderia ter alcançado as proporções que atingiu, em todos os locais onde se desenvolveu, sem a estreita colaboração, cumplicidade e interesse dos poderes africanos locais. Pois que, se a procura era europeia, a «produção de cativos» não poderia ter tido lugar sem o apoio das autoridades africanas e dos seus representantes. Uns e outros utilizavam, frequentemente, os serviços dos lançados, tangomãos ou pombeiros. Estes brancos ou mestiços, que viviam no meio dos africanos e adotavam a sua maneira de viver, como os escravos de confiança no caso dos pombeiros de Angola, serviam de intermediários entre as autoridades africanas e os negreiros, e iam buscar os cativos a localidades bem para o interior, onde os Europeus não se atreviam a penetrar. Estes últimos raramente detinham o controlo da oferta e, sobretudo a partir do séc. XVIII, os representantes dos reinos africanos, implicados no tráfico, tiravam muitas vezes partido da concorrência renhida entre os países europeus. Foi precisamente o que aconteceu na Alta-Guiné e no golfo de Benim.

Portugal possuía algumas fortalezas no interior de Angola, situadas perto das importantes feiras tradicionais africanas, onde era possível negociar diretamente os escravos. O forte de Massangana, por exemplo, é um dos que, desde o início do séc. XVII, mais vezes aparecem referenciados como lugar de origem dos escravos vendidos em Portugal.

Dependendo das regiões e das épocas, os cativos podiam pertencer à mesma etnia dos que os vendiam aos mercadores. Tratava-se, nestes casos, muitas vezes de indivíduos condenados à morte pelas razões mais fúteis e cuja pena era comutada para serem vendidos aos traficantes. Acontecia até que um representante do poder local podia ser, por engano, embarcado como escravo. Quando isso se verificava, as autoridades africanas e os traficantes conseguiam, geralmente, fazer que recuperasse a liberdade. São numerosos os exemplos desta situação.

Certos reinos protegiam os seus naturais; outros, pelo contrário, não hesitavam em recrutar contingentes de indivíduos entre as suas próprias populações. De qualquer forma, estes eram métodos marginais de angariação de escravos, uma vez que não podiam satisfazer as «necessidades» do mercado sem pôr em perigo o equilíbrio interno da sociedade. Na imensa maioria dos casos, os cativos provinham de povos vizinhos ou afastados, servindo alguns de autênticos «reservatórios de escravos».

As duas principais fontes que alimentaram o tráfico atlântico foram, pois, a razia e as guerras entre clãs, reinos ou estados vizinhos. As razias atingiam, geralmente, os povos «estrangeiros», geograficamente afastados e de língua diferente. As guerras entre clãs, reinos ou estados assentavam em fatores económicos e políticos, que nem sempre tinham por objetivo a produção de cativos destinados ao tráfico, mas esta revelava-se uma excelente forma de «escoar» os prisioneiros de guerra.

Em resumo, onde quer que o tráfico se tenha desenvolvido, os lucros retirados deste comércio, pelos povos africanos, só vieram reforçar ou multiplicar os conflitos entre povos e reinos tradicionalmente hostis entre si. Foi o que aconteceu na zona compreendida entre o rio Senegal e a costa da Serra Leoa, donde proveio, até às primeiras décadas do séc. XVI, a maior parte dos escravos embarcados para a América e Europa. A maioria dos povos que viviam nesta região foi, num ou noutro momento da sua história, vítima do tráfico.

Observa-se um fenómeno sensivelmente idêntico, sobretudo a partir da segunda metade do séc. XVII, na região da Mina e em toda a zona que se estende da Costa dos Escravos até ao golfo do Benim, que se torna, nessa época, uma importantíssima zona de tráfico. Umas vezes para se libertarem da tutela de um Estado mais poderoso; outras por desejo de expansão territorial; outras ainda para participarem nos lucros do comércio com os Europeus, ou mesmo para se apoderarem do seu controlo, o certo é que os reinos do interior e do litoral se entregaram a lutas sangrentas e constantes, na sequência das quais alguns dos vencidos, eram vendidos aos negreiros.

Todavia, nesta região, as guerras nem sempre foram fomentadas pelas nações europeias.

Se, por um lado, os negreiros lucravam com os conflitos, por outro, as guerras e a insegurança desorganizavam ou interrompiam, ao longo de meses, toda a rede comercial indispensável ao encaminhamento regular dos cativos para a costa. Os navios chegavam a estar semanas seguidas, ou mesmo meses, sem conseguirem completar as suas cargas. Foi esta uma das razões, entre outras, que levaram um número cada vez maior de navios negreiros a abandonarem esta parte da Baixa-Guiné e a deslocarem-se para o sul, na direção da costa angolana.

No século XVI, no apogeu do Império Português do Oriente, os escravos eram a terceira mais importante mercadoria, depois das especiarias e do ouro. Encontravam-se em toda a costa de África, tanto no Atlântico como no Índico, mas os da Guiné e do Congo/Angola eram os que ocupavam maior percentagem no tráfico. Os destinos eram a Madeira, Cabo Verde, S. Tomé e Brasil, esta colónia a que acabaria por ser o maior sorvedouro desta mão de obra à escala planetária, onde a escravatura foi um dos alicerces da sua economia e desenvolvimento a todos os níveis. Na Ásia, a procura de escravos era também assinalável, mas estes obtinham-se quase sempre em várias regiões daquele continente, principalmente em Java, noutras ilhas da Insulíndia, na Indochina e pontualmente em certas regiões da Índia meridional. Mas a maior parte destes escravos asiáticos ficavam principalmente na Índia Portuguesa e noutros entrepostos lusos na Ásia, como Malaca ou Macau, já que as autoridades desencorajavam o seu tráfico para a Europa, que foi reduzido.

O século XVI foi o século de maior afluência de escravos a Portugal. Na centúria seguinte, o número de escravos importados baixou sensivelmente na Metrópole (dado o seu preço ser elevadíssimo, ainda que o seu número fosse apreciável, incluindo africanos, asiáticos e mouros), em oposição ao que se passava no Brasil, onde cresceu sempre até ao século XVIII, incentivado pelos ciclos económicos sucessivos e que exigiam grandes quantidades de mão-de-obra, já que a indígena se revelou insuficiente e sem capacidade física. O açúcar, depois o ouro e os diamantes, os três grandes ciclos brasileiros, ditaram um dos maiores movimentos migratórios (forçados, claro) da história da Humanidade, da África para o Brasil, durante quase três séculos para as minas e para as fazendas, para as casas senhoriais e para as cidades. Como sucedeu também noutros lugares, como S. Tomé e Príncipe, numa escala mais reduzida, cujas ilhas foram colonizadas por escravos angolanos. Idênticos fluxos esclavagistas demandavam, a partir da costa da Guiné, do Congo/Angola (depois de 1660, também de Moçambique) para a América espanhola, as Antilhas Holandesas, Francesas e Inglesas e a América do Norte, que ombreou com o Brasil na atração de mão-de-obra africana. Calcula-se que terão aportado ao Brasil mais de meio milhão de escravos entre 1570 e 1670. Com o ouro e os diamantes, este número disparou ainda mais. Em finais do século XVII, a média anual rondaria os 20.000 escravos por ano. Entre 1700 e 1820, calculam-se mais de dois milhões de escravos entrados no Brasil.

Todo este lucrativo tráfico fez com que os negreiros descurassem o mercado europeu, que não pagava tão bem quanto os das colónias nem necessitava de levas constantes de tantos efetivos transportados, para além de sucessivos decretos tentarem interromper a vinda para Portugal de mão de obra escrava. De recordar-se, entretanto, que no século XVII, existiam ainda escravos mouros em Portugal, embora a sua importação estivesse interditada desde finais do século XVI. Em Portugal, a importação de escravos diminuiu sempre até quase assumir proporções insignificantes por altura do governo de Pombal, a meio do século XVIII, começando o problema da condição humana dos escravos a invadir as mentalidades e a cultura da época, fortemente iluminada pela Razão e pelos direitos humanos em alguns setores importantes da sociedade, alguns já antiesclavagistas.

Geralmente agrupam-se os escravos vindos de África em duas categorias: sudaneses e bantos. Os primeiros provinham do Daomé (atual Benim), da Nigéria e do Sudão, pertencendo maioritariamente às tribos nagô ou yoruba, gêge, fanti-ashanti ou negros-mina e haussás de culto islamizado. A sua cultura era, grosso modo, superior à do outro grupo, os bantos, que provinha do Congo, de Angola, de Moçambique e de Quelimane. Eram misturados uns com os outros à chegada aos portos brasileiros, tendo como resultado um cruzamento biológico e cultural.


2- MANIFESTAÇÕES DE RELIGIOSIDADE
Aqui, há que distinguir as várias vertentes da religiosidade: a das sociedades ameríndias, a dos africanos trazidos como escravos e a imposta pela evangelização dos missionários. Considerando que os cultos afro-brasileiros, tema do trabalho que ora se apresenta, derivam da fusão daquelas três vertentes, justifica-se uma breve caracterização das mesmas para uma melhor compreensão deste fenómeno.

Assim, a religiosidade ameríndia tem por base as sociedades iniciáticas indígenas da América do Sul, estruturadas em grupos etários aos quais se tem acesso através de ritos de passagem obedecendo ao esquema: separação – transição – integração. Deste modo, o indivíduo iniciado começa por ser separado do grupo, sendo mantido num retiro ou local simbólico; num segundo momento recebe os saberes «secretos» ou os conhecimentos específicos que asseguram a possibilidade de transição; por fim, é integrado no seu novo grupo ou entre os adultos por ocasião das cerimónias. Os três momentos são pontuados por sequências rituais fortes como jejuns, meditações estáticas que conduzem a «visões claras», sevícias rituais como a incisão das jovens Tupinambás, danças mascaradas, transes, possessões. Por outro lado, a maioria das sociedades ameríndias têm xamãs, especialistas em atividades simbólicas destinadas a lutar contra a doença e os infortúnios e a comunicar com entes sobrenaturais. Este sistema tem por base uma conceção do corpo em que este é uma imagem do cosmos e em que o equilíbrio da vida reside na harmonia entre o macrocosmo e o microcosmo corporal. O xamã é aquele que repõe este equilíbrio quando rompido. Os seus meios de ação são variados: acredita-se que pode viajar fora do seu corpo para contactar com as entidades sobrenaturais ou metamorfosear-se em animal para adquirir os conhecimentos de que necessita para combater as forças malignas; pode ainda entrar em transe ou utilizar substâncias que lhe permitam alterar o seu estado de consciência. Os indivíduos tornam-se xamãs por dons inatos, por aprendizagem com um mestre, por descendência, por acidente (doença) ou por uma particularidade especial (deformação congénita).

A religiosidade africana, por seu lado, é agrupada de forma algo superficial sob a designação de «animismo», resultado de um conceito forjado pelo monoteísmo ocidental. No entanto, este termo vago não dá uma ideia rigorosa da realidade das teologias e das liturgias que floresceram em África. Contrariamente ao judaísmo, ao cristianismo e ao islamismo, as religiões africanas não possuem textos sagrados como a Torah, a Bíblia ou o Corão. Contudo, todas elas têm uma tendência monoteísta, estando presente a ideia de um deus primordial, criador e regulador do Cosmos, inacessível aos homens. A multiplicidade de nomes com que surge nas diversas tradições regionais é que acaba por induzir em cristãos e muçulmanos a ideia de um politeísmo africano multiforme. Além disso, em quase todas as religiões africanas é negado o contacto direto entre os homens e a divindade, sendo necessário recorrer a outros seres ou forças naturais como intermediários. É desta inacessibilidade e necessidade de intermediação que resulta o desenvolvimento de rituais mais ou menos complexos que os ocidentais tomaram, erradamente, como dirigidos a diferentes deuses, quando apenas procuram sensibilizar os potenciais intermediários (espíritos, antepassados) na relação com o divino. As cerimónias podem desenvolver-se em espaços privados ou públicos e o calendário litúrgico é mais ou menos longo, conforme siga o ciclo agrícola (sementeiras, colheitas), o ciclo da vida humana (cultos de fecundidade e rituais de iniciação) ou a vida política (cultos de legitimação ou de celebração do poder).

Quanto à evangelização, as primeiras tentativas começam logo após a descoberta do Brasil e são conduzidas por frades franciscanos. No entanto, e até à criação do Governo-geral, a atuação desses frades é esporádica e não apresenta resultados significativos. Em 1549, chegam ao Brasil os primeiros jesuítas chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega, que irão concentrar os seus esforços na luta contra a escravatura dos índios, frequente entre os colonos portugueses. Desta forma, avançam com pedidos ao rei para que este defina medidas legais que proíbam a situação, esforço que irá ser bem-sucedido: em 1570, o monarca português proíbe a escravização dos índios, com exceção dos casos em que ela seja consequência de uma «guerra justa» ou quando se trate de indígenas que pratiquem o canibalismo. A atuação dos Jesuítas na defesa dos índios não é bem aceite no Brasil, depressa provocando conflitos com os colonos brancos, isto porque uma das primeiras medidas dos missionários foi a de isolar os indígenas dos contactos com os colonos brancos, para os defenderem de possíveis tentativas de escravização. Assim, optaram pela criação de pequenas aldeias, nas quais era proibida a presença de europeus, e onde os índios eram evangelizados. Quando se constituíam várias aldeias numa mesma região, formavam-se as chamadas «reduções», onde, para além dos ensinamentos da doutrina cristã, os Jesuítas procuravam ensinar aos seus discípulos um conjunto de tarefas para que estes pudessem sobreviver profissionalmente, preparando-os também para que se conseguissem defender dos ataques externos. Desta forma, as aldeias favoreceram os interesses económicos dos Jesuítas, mas transformaram-se em obstáculos ao expansionismo dos colonos, que se queixavam de elas lhes roubarem mão de obra indispensável, e, não raras vezes, foram organizadas expedições militares que destruíram as povoações, escravizando os índios. A cristianização dos índios mostrou-se relativamente fácil no início, embora os missionários rapidamente se apercebessem que a aceitação da doutrina cristã não levava ao abandono de práticas tradicionais contrárias aos novos princípios religiosos como a poligamia, o canibalismo, a feitiçaria e a nudez. Os Jesuítas adotaram a princípio uma postura de diálogo e persuasão, evitando a proibição pura e simples desses comportamentos, que poderia conduzir a um afastamento dos indígenas. Mas os fracos resultados conseguidos obrigaram os missionários a socorrer-se do rei, pedindo-lhe que legislasse no sentido de impedir tais práticas. Para além destes obstáculos, os missionários seriam confrontados com a organização social nómada existente em muitas tribos, o que dificultou as tarefas de evangelização na medida em que os indígenas pouco tempo permaneciam no mesmo local. Daí o esforço no sentido de os fixar em aldeias.


3- ACULTURAÇÃO, ASSIMILAÇÃO, IMPOSIÇÃO
A necessidade urgente de civilizar os índios do Brasil e a tentativa de encontrar um método seguro e eficaz para alcançar esse objetivo foram uma constante ao longo de todo o tempo da presença portuguesa na América. A noção de que era indispensável e urgente proceder à civilização do índio surge bem vincada desde a primeira hora. Talvez não seja surpresa que essa ideia da civilização se encontre indissoluvelmente ligada à de cristianização ou evangelização, desde os alvores do século XVI. Porém, que esta interdependência do fenómeno de aculturação (ou de inculturação) se mantenha intimamente ligada ao apoio da religião ainda nos fins do século XVIII, isso, sim, já poderá, de algum modo, surpreender.

É praticamente inútil buscar referências à civilização dos índios brasileiros sem as encontrar estritamente ligadas à sua respetiva cristianização. E isso não é exclusivo dos textos procedentes da pena dos eclesiásticos, especialmente dos Jesuítas. Todos os outros autores de descrições, informações, tratados sobre a terra e os seus naturais, ao abordarem a necessidade urgente de afeiçoar os índios à presença dos europeus no Brasil, pressupõem a sua evangelização e cristianização, a curto prazo. Essa seria a forma mais rápida e eficaz de os civilizar. É que não se tratava apenas de aderir a uma religião, para os que não tinham nenhuma, ou de adotar uma outra, mas sim de um aperfeiçoamento da pessoa humana, sobretudo exigindo uma radical mudança de comportamentos, os quais deixariam de ser bárbaros e selvagens para se tornarem polidos e conformes com o direito natural. Cristianizar era, pois, na mente e no discurso dos europeus que trabalhavam na América, sinónimo de polir e de civilizar, acabando com o constante errar pelos matos, convivendo lá e confundindo-se, por vezes, com as feras neles existentes.

Civilização era também, pois, sinónimo de vida organizada em povoados. O cristianismo aparecia aos olhos dos colonizadores como um meio eficientíssimo de ir apagando os aspetos de barbárie, que muitos teimavam em manter, a despeito da sua imitação do estilo de vida dos europeus. Fé e costumes civilizados eram, portanto, solidários e complementares. Humanizar o índio era prepará-lo para poder receber em pleno a mensagem cristã. Por isso, para ser cristão era necessário proceder como um homem e este só o era, verdadeiramente, se fosse civilizado. Esta convicção foi comum a missionários, juristas, administradores, governantes, fossem eles eclesiásticos ou seculares. Em época de Reformas (católica e protestante) ninguém poderia aceitar um conjunto de práticas e uma moral que não se submetessem aos princípios dos Evangelhos. O grande obstáculo à conversão dos indígenas não era a sua religião (ou a falta dela), mas sim a sua incapacidade para compreender e aceitar os valores pressupostos pela religião dos europeus. Quem não capta o alcance das leis humanas nunca poderá compreender e apreciar a profundidade dos mandamentos divinos. A barbárie e ferocidade dos primitivos, sinónimo da sua falta de civilização, impediam-nos de penetrar nos valores exigidos pelo cristianismo. Para que um índio pudesse ser considerado um verdadeiro homem era necessário que se comportasse como tal, longe, pois, dos hábitos das feras e da sua insensibilidade. Para civilizar era, portanto, necessário trabalhar a natureza bruta, usando para isso a convicção e, se fosse preciso, até a força. Cristianizar e civilizar tornaram-se, por isso, atos de vontade explícita, exigindo esforço e método porfiados.

Eis a razão pela qual os missionários, sendo homens cultos, analisaram e descreveram os índios "(…) de todos os pontos de vista: intelectual, moral, psicológico, religioso, nos seus costumes, na sua linguagem, nas suas tradições (…)". Também o P.e Fernão Cardim, na sua obra Tratados da Terra e Gentes do Brasil, nunca pôs em causa a condição humana dos aborígenes, apesar do seu horrendo hábito de comerem carne humana. Nem o fez o seu contemporâneo P.e Manuel da Nóbrega, o qual, ao referir-se à capacidade de entendimento dos aborígenes, afirmava no Diálogo Sobre a Conversão do Gentio: "Mas que estes, por não terem essa polícia (isto é, esse aperfeiçoamento ou cultura), fiquem de menos entendimento para receberem a fé, que os que a têm, me não provareis vós, nem todas as razões acima ditas". O índio, apesar de bárbaro, é um ser racional e, portanto, passível de ser aperfeiçoado. Ao promover-se a sua humanização progressiva, ele avançará rumo à civilização.

O modelo de tal desenvolvimento não podia deixar de ser o europeu. A Europa, referência primordial de todo o avanço humanístico, surgia aos olhos dos colonos que trabalhavam na América como a mãe e reserva dos valores a imitar. Por isso mesmo quanto mais aproximado dos europeus fosse o comportamento dos índios, mais longe estariam estes da barbárie ou do estado selvagem. Para os espanhóis o ideal era conseguir que os seus súbditos americanos vivessem à espanhola, enquanto os portugueses imaginavam os seus índios vivendo algum dia à maneira dos camponeses do interior de Portugal. As autoridades que para eles aconselhavam eram idênticas às que conheciam na velha metrópole. A «lusitanização» do território brasileiro e das suas numerosas gentes coincidia com o ideal colonizador. Civilizar assimilava-se, por esse modo, a cristianizar o índio, organizando-lhe toda a vida pública à portuguesa: obrigando-o a viver em aldeias e vilas, vestindo-o, ensinando-lhe uma ocupação produtiva e rentável, casando-o segundo o Evangelho, moderando-lhe os hábitos, construindo casas, utensílios, igrejas, exigindo-lhe respeito pelas autoridades constituídas. Assim se conseguiria uma sociabilização mais alargada do que a única que muitos até então conheciam: a da tribo. Quanto mais se avançou no tempo tanto mais a noção de república, de estado, se foi impondo e mais as autoridades coloniais se convenceram de que viver civilizadamente era sinónimo de residir em povoados, convenientemente organizados. Assim, o conceito de civilização podia assumir em simultâneo várias cambiantes, como afastamento de costumes primitivos, vivência segundo as regras da humanidade e, por último, agrupamento em povoações organizadas. A «lusitanização» dos indígenas mostrou-se inviável, desde muito cedo. Por isso, civilizar também podia significar transmitir um estilo de vida superior, à europeia ou à ocidental. É que se verificou que nunca se conseguia transformar inteiramente um índio americano num europeu, nem um europeu num americano, mesmo que este tivesse vivido muitos anos na América. A miscigenação de influências veio a tornar-se inevitável. E os homens cultos do século XVIII sabiam-no.

Como sabiam também desde há muito que a melhor forma de obter domínio sobre os escravos vindos de África era arrancar-lhes a personalidade, construindo uma outra por cima. Os escravos eram rudimentarmente batizados e catequizados nos navios que os traziam para o Brasil por missionários jesuítas ou franciscanos, ou então feitos cristãos à força nos portos de desembarque. A religião e a vigilância eram as melhores formas de domar os cativos; acima de tudo, os negreiros consideravam bastante útil o Cristianismo com a sua promessa de um mundo melhor do outro lado do Atlântico. Era proibido o embarque de negros não batizados, pelo que eram organizados batismos em grupo dirigidos por um padre nos quais cada cativo recebia um nome cristão, ao mesmo tempo que lhe era colocado um pouco de sal na língua. À chegada a um porto brasileiro ou a uma plantação, estes ritos batismais eram frequentemente repetidos, pois sabia-se muito bem que capitães apressados muitas vezes embarcavam escravos não batizados; inclusivamente, uma lei de 1620 ordenava que fossem trazidos capelães a bordo para catequizar os negros durante a travessia. Naturalmente, estas ordens eram o mais das vezes ignoradas e os africanos que partiam pagãos de África chegavam pagãos ao Brasil, mesmo no séc. XIX. Em todo o caso, quando eram realizados batismos, o intérprete do padre, geralmente um ladino – ou escravo que falava Português, conhecia alguma coisa da religião cristã e havia adquirido os rudimentos de um ofício –, tinha um discurso similar a este, datado do séc. XVII: "Saibam que são agora filhos de Deus. Vão partir para as terras dos Portugueses, onde aprenderão o significado da fé sagrada. Não pensem mais nas terras onde nasceram, nem comam cães, ratos ou cavalos. Sejam felizes."

Assim despojados de toda a sua individualidade, os africanos viam chegar demasiado depressa o dia em que seriam embarcados para o desconhecido para eles preparado pelos seus captores. Vendidos uma vez e destinados a serem novamente vendidos, eram embarcados numa viagem que duraria, se tudo corresse bem, trinta e cinco dias de Angola até Pernambuco, 40 dias até Bahia, 50 até ao Rio de Janeiro. Se o navio apanhasse calmaria, poderiam ser muitos mais dias, a transformarem-se em meses, em que os marinheiros seriam tão prisioneiros como os seus cativos. Estes eram embarcados em número de largas centenas e dispostos da seguinte forma: os homens eram empilhados na coberta inferior e acorrentados por receio de se rebelarem e matarem todos os brancos a bordo; as mulheres eram colocadas na coberta acima, e as que estavam grávidas agrupadas na cabine de popa; as crianças eram amontoadas na coberta superior como arenques num barril e, se tentassem dormir, cairiam umas em cima das outras. Havia baldes para as necessidades fisiológicas, mas como muitos tinham receio de perderem o seu lugar, aliviavam-se onde quer que estivessem, particularmente os homens que se encontravam cruelmente acorrentados; o calor e o fedor deveriam ser insuportáveis. A bordo do navio negreiro, o escravo estava exposto a todos os tipos de riscos e indefeso perante a morte. A sua alimentação mudava subitamente. Faltava-lhe exercício físico, ainda que fosse obrigado a subir e a andar ou dançar no convés durante a viagem. A promiscuidade no porão era intolerável. O medo e o desespero apossavam-se do seu coração. A higiene a bordo era geralmente sofrível. As noites eram passadas em apinhadíssimas cobertas, onde o ar era dificilmente respirável. Durante o dia tinha alguma liberdade de se mexer, mas os seus movimentos eram cuidadosamente vigiados e dependiam das condições atmosféricas, da quantidade de cativos embarcados e, sobretudo, da perceção que os tripulantes tinham do moral dos prisioneiros, sendo constante a preocupação em acautelar rebeliões ou motins a bordo.

Tudo isto fazia parte da subjugação dos escravos africanos. Numa primeira fase as suas reações não iriam além da paralisia e do medo, do desespero e do terror perante o desconhecido, a dura disciplina e tudo o mais que lhes era completamente estranho; porém, gradual e dolorosamente, iam aprendendo a existência num novo e totalmente diferente mundo. Habituados a viver numa sociedade organizada que se havia tornado parte das suas personalidades, encontravam-se agora praticamente anónimos, perdidos numa massa de indivíduos em que um se distinguia do outro apenas pelo sexo, idade, aparência física e atitude face ao desconhecido. Os novos amos eram estudados e os seus gestos examinados. Havia resistência ativa e passiva. Contudo, rapidamente se compreendia que a sobrevivência era a coisa mais importante e a vontade de suicídio ou rebelião seria gradualmente superada pela disciplina imposta pelos europeus.

Desta forma, existia no Brasil colonial uma complexa rede de formas de religiosidade. Por um lado, as crenças dos ameríndios quando da chegada dos portugueses ao território, assim como as mudanças dessas crenças ocorridas com a colonização e evangelização; por outro, a fé dos europeus, tal como descrita pela Igreja Católica, que constituía a religião popular dos brancos, a qual, por sua vez, se misturava com as «crendices» africanas condenadas pela Igreja.


4- NASCIMENTO DE UM CULTO AFRO-BRASILEIRO
Numa relação entre adaptação e inadaptação, ressocialização e resistência, um importante papel era desempenhado pelos escravos «seniores». Os recém-chegados tinham de ser integrados não apenas na cultura e sociedade dos novos senhores mas também na comunidade de escravos, sendo ambos os processos importantes para a conquista de uma nova identidade. Tão difícil era a adaptação à comunidade de escravos como à sociedade dos amos.

Embora fosse recebido por um grupo de homens com a mesma cor de pele, o cativo era metodicamente misturado pelo seu senhor com outros de tribos e até de comunidades diferentes, tendo em vista prevenir rebeliões, muitas vezes colocando escravos de uma tribo a supervisionar o trabalho de tribos rivais. O costume e a família eram os elos de ligação nas sociedades africanas. No Brasil, porém, entre os cativos, os homens eram em maior número que as mulheres e os seus senhores não encorajavam as uniões entre eles. Assim, os elos de ligação tiveram de ser forjados entre vizinhos, companheiros de trabalho ou de atividades de lazer. No entanto, para essa relação ter êxito, a comunidade tinha de aceitar o recém-chegado e este tinha também de o querer, o que não era fácil pois levantavam-se problemas de língua e de religião, diferentes de tribo para tribo.

Todavia, os problemas religiosos acabariam por se revelar mais fáceis de superar que aqueles relacionados com a língua (em que se tinha de aprender o Português para ter uma base comum para a comunicação), pois os escravos no território brasileiro depressa criaram um sincretismo aceitável para quase todos os africanos, incorporando elementos das religiões Bantu, Ioruba, Fon e Católica. Apenas o Islão, que de qualquer das formas somente tinha expressão nas cidades da primeira metade do séc. XIX entre uma «elite negra» geralmente tão odiada como temida pelos outros negros, foi deixado de fora desta síntese que abarcou a grande maioria da população escrava.

Coube aos escravos «seniores», alguns deles babalawo ou babaoge, líderes religiosos rotulados como "feiticeiros" pelos brancos, serem fiéis depositários da tradição religiosa oral africana e incorporá-la nas novas comunidades. Por outro lado, desde o reinado de D. João VI (1816-1826) que o índio era exaltado como representação material da nacionalidade brasileira; o negro aceitaria essa posição, levando-o para as suas crenças sob a figura do caboclo. Deste modo, a religião africana fundiu-se com a dos ameríndios.

Se os sudaneses (Ioruba) conheciam uma divindade suprema – Olorun, o céu, que não era objeto de culto – e mais uns 400 orixás (voduns entre os gêges) – intermediários que comandam os atos da vida humana –, os ameríndios admitiam um Princípio Superior Pessoal – Tupã – e uma infinidade de outros deuses menores. Os gêges ou daomeanos, denominavam os orixás voduns, sendo os principais Namã (divindade do mar), Dã (a cobra) e Egbá (correspondente a Exu); os bantos não tinham o culto dos orixás, mas sim das almas (eguns) e, acima delas, um Deus Supremo – Zambi –, sendo as almas dos mortos, que vagueiam, denominadas zambis (ou zumbis).

Os principais orixás para os sudaneses eram:

Obatalá ou Orixalá (o grande Orixá, o firmamento);
Odudua (a terra).
Destes dois nasceram:
Aganju (a terra firme);
Iemanjá (a água).
Destes dois nasceu:
Orungan (o ar).
Do amor incestuoso deste por sua mãe, Iemanjá, nasceram:
Xangô (personificação do raio);
Ogum (personificação da guerra);
Oxalá (orixá dos lagos);
Dadá (orixá dos vegetais);
Oxôsse (orixá da caça);
Omulu ou Obaluayê (orixá das doenças);
Olokum (orixá do mar);
Ajexaluka (orixá da saúde).

Existem ainda outros orixás que não são filhos de Iemanjá:
Exu (mensageiro entre os homens e os orixás, identificando-se primeiro com a fecundidade e, depois, com o prazer sexual);
Ifá (orixá da adivinhação);
Ibêji (protetor dos gémeos).

Por seu turno, os ameríndios tinham a sua corte de deuses:
Yara ou Uayara (divindade da água e dos rios, protetora dos peixes);
Jurupari (espírito mau que viria a ser identificado com o demónio);
Curupira (protetor das florestas e dos animais);
Anhangá;
Boitatá;
Caipora;
Saci-pererê (que mete medo às crianças).

Os povos tupi receavam muito as almas dos falecidos e acreditavam piamente que elas voltavam em forma de animais, vagueando principalmente à noite. Os Pajés eram conselheiros e orientadores que ensinavam à comunidade ameríndia como afastar as almas dos falecidos e o Jurupari, sendo também curandeiros.

Dado que os novos senhores não toleravam as práticas religiosas dos negros, por recearem algo que lhes trouxesse um sentimento de unidade e a propensão à revolta, mas também porque esses cultos africanos vinham desviar as almas da «verdadeira fé» personificada pela Igreja Católica, os escravos sentiram a necessidade de disfarçar os seus deuses identificando-os com santos católicos de modo a evitarem perseguições. Desta forma:

Oxalá – Senhor do saber e da inteligência, o maior e mais velho dos orixás, pai da humanidade – seria identificado com Jesus Cristo;
Iemanjá – a Mãe, Senhora dos mares e dos pensamentos – identificada com a Virgem Maria;
Xangô – Senhor da Justiça, do raio e do trovão – identificado com S. Jerónimo;
Oxôsse – o Caçador, Senhor da selva virgem – identificado com S. Sebastião;
Ogum – o Ferreiro, Senhor das árvores e da tecnologia, orixá da guerra, artes manuais e do ferro – identificado com S. Jorge;
Iansã – Senhora do ar e das tempestades – identificada com Santa Bárbara;
Omulu ou Obaluayê – o Senhor da morte e Rei dos espíritos – identificado com S. Lázaro, S. Roque ou S. Bento;
Oxum – a Fecundação, Senhora dos pássaros, do ouro, da riqueza e das águas doces – identificada com S. Bartolomeu;
Nanã Bukuru – Senhora da vida e da morte e da sabedoria – identificada com Santa Ana;
Ibêji – Protetor dos gémeos – identificado com S. Cosme e S. Damião;
Obá – Senhora da guerra, orixá feminino muito forte e enérgico – identificada com Santa Joana d'Arc;
Ifá com o Espírito Santo;
Exu com o demónio, etc.


5- FORMAS ATUAIS
"O tráfego prossegue o seu caminho ao longo da larga Avenida Atlântica que acompanha a Praia de Copacabana. Totalmente alheia ao frenético movimento à sua volta, uma jovem elegantemente vestida ajoelha em oração defronte de duas velas, sete rosas vermelhas, um cigarro e uma garrafa aberta de licor, tudo cuidadosamente arranjado sobre um pano. Depois de meditar um pouco, ergue-se e deixa o altar improvisado sem olhar para trás."

"Num cemitério próximo, à luz tremeluzente de um círculo de velas, uma silhueta com a cara de chacal debruça-se sobre um homem amarrado firmemente a uma sepultura e sopra-lhe fumo para a cara."

"Numa barraca decrépita da favela, dançarinos vestidos de forma ornamental evoluem num chão marcado a giz ao som constante da batida do tambor."

"Na espaçosa sala de estar de um luxuoso apartamento no elegante bairro da Barra da Tijuca, um grupo de pessoas de todas as idades e proveniências reúne-se num círculo. Dando as mãos, entoam sílabas numa língua desconhecida à medida que uma delas ajoelha compenetradamente defronte de um simples copo de água e cuidadosamente coloca pétalas de rosa à volta."

Estes excertos documentam a crença bastante presente no povo brasileiro nestes cultos.

De facto, ainda que a religião oficial do Brasil seja a da Igreja Católica de Roma, uma atitude geral de tolerância prevalece em relação ao Judaísmo e ao Protestantismo. Além disso, uma grande parte dos brasileiros é discípula ou, pelo menos, crente num outro grupo de religiões consoante a região do país. É assim que existe o culto Pajelança, no Amazonas e Pará; o da Casa da Mina, no Maranhão; o Catimbó, do Piauí ao Rio Grande do Norte; o de Xangô, da Paraíba ao Sergipe; o Candomblé, na Bahia; a Macumba ou Quimbanda e Umbanda, no Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo; o Batuque, no Rio Grande do Sul.

Estes cultos tocam todos os aspetos da sociedade e cultura brasileiras. Fontes governamentais e eclesiásticas calculam que estes ritos sejam seguidos em cerca de 300.000 centros, embora esta seja uma estimativa que peca por defeito, dado ser muitas vezes difícil localizar tais centros. Calcula-se ainda que aproximadamente 1/3 dos 170 milhões de habitantes que tem o Brasil sejam participantes ativos nestes rituais mágicos.

É tal a influência destas crenças que, na década de 1970, a Igreja Católica foi forçada a mudar algumas das suas políticas e agora permite práticas «pagãs» como o beijar de imagens; o uso de tambores, sinos e outros instrumentos musicais para engrandecer as cerimónias; dançar energicamente em procissões para aumentar o empenhamento dos fiéis, além de criar ornamentações especiais para os altares.

A Umbanda, que se crê o mais disseminado destes cultos, tem estado ativa na política local e estadual desde 1960, altura em que Atila Nunes foi eleito deputado ao Congresso e conseguiu que o rito fosse legalizado. Acresce ainda o facto de se pensar que muitos líderes políticos e militares tenham abraçado a fé Umbandista ou o Espiritismo.

Duma forma ou de outra, estas crenças derramam-se sobre a sociedade brasileira e refletem-se na música, na arte e na literatura. Jorge Amado, por exemplo, na sua novela Dona Flor e Seus Dois Maridos, usa uma cena de uma cerimónia de Candomblé como ponto fulcral da ação e estas religiões populares têm papel predominante em várias das suas obras. A música brasileira contemporânea também incorpora temas e cânticos de Umbanda e Candomblé e nomes como Gilberto Gil, Caetano Velloso, Jorge Bem ou Milton Nascimento, utilizam instrumentos tradicionais na sua música.

Mas em que consistem então essas crenças?
Podem organizar-se estes cultos em cinco religiões principais, cada uma com os seus dogmas definidos: Espiritismo, Umbanda, Candomblé, Macumba/Quimbanda e tradições Ameríndias.

Espiritismo
Apesar de não se tratar de um culto afro-brasileiro na verdadeira aceção da palavra, a verdade é que esta doutrina religiosa teve grande influência na formação de todas as restantes. Foi fundada a partir das doutrinas do médico e filósofo francês Denizard Hippolite-León Rivail (1804-1869) ou Allan Kardec, como se autodenominava, que estava convencido da existência de espíritos do além, incluindo as almas dos mortos e mestres de outros planos de existência. Defendia que estas entidades constantemente se empenhavam em contactar as pessoas para lhes trazer mensagens de conforto e conduzi-las pelo caminho da iluminação espiritual. Acreditava que o contacto com os espíritos podia ser feito através de médiuns cuja solene responsabilidade era preparar o corpo e a mente para receber estas mensagens e curar outros com os poderes neles investidos por seres do outro mundo.

O Espiritismo chegaria ao Brasil com os médicos espiritistas e homeopatas na última metade do séc. XIX, sendo apadrinhado pelo Imperador D. Pedro II e o seu ministro José Bonifácio. Uma certa tolerância oficial desta religião pelas autoridades atuais tem feito muito para espalhar a sua influência.

Os serviços religiosos espíritas são elegantes na sua simplicidade. São usualmente realizadas numa singela sala ou capela perante um altar coberto com uma peça de pano de seda lavrada branca, consistindo os ornamentos em duas simples velas acesas. Os médiuns vestem roupas simples, brancas, e, ao contrário dos coloridos rituais dos cultos adiante descritos, não existem tambores ou danças. Há sempre um sermão e, por vezes, entoam-se cânticos para equilibrar energias positivas e negativas. Os médiuns recebem os espíritos e levam a cabo curas psíquicas. Num ramo apropriadamente denominado Espiritismo de Mesa, os médiuns reúnem-se em volta de uma mesa para receber os espíritos como numa sessão espírita. Na Umbanda, a tradição espírita ou «linha», como é chamada, foi profundamente afetada pela doutrina do Espiritismo, embora os seus praticantes usem tambores, roupas enfeitadas e rituais de estilo africano nos seus serviços.

Um dos mais atrativos aspetos desta doutrina é o facto de, para os Espíritas, não existir a morte; o indivíduo apenas transita para um mais elevado e espiritual plano de existência. Assim, o Espiritismo é uma doutrina de esperança.

Ler auras é uma parte desta confissão religiosa, uma vez que os estados físico, mental e espiritual do indivíduo, interpretados a partir da cor da aura, são reflexo do seu progresso no caminho da iluminação. Enquanto que a cor representa um importante elemento nas outras tradições brasileiras, como visto nos brilhantes e nos colares de contas e vestimentas dos devotos, no Espiritismo é limitada à leitura das auras; defende-se que as cores atraem e transmitem certas energias cósmicas.

A explicação Espírita para as cores da aura e seu significado é a seguinte:

Azul – espírito.
Laranja – ambição, orgulho.
Vermelho – paixão, sensualidade. Vermelho-escuro ou Rosa – amor, amizade.
Verde – traição. Verde-escuro – inveja, cupidez. Verde-claro – tranquilidade.
Cinzento – depressão, egotismo. Cinzento-escuro – engano, mentira, hipocrisia. Cinzento claro – dúvidas, medos.
Preto – amargura, desejo de vingança.

Embora os Espíritas não acreditem necessariamente no panteão de deuses e deusas que formam a base dos cultos afro-brasileiros, os princípios filosóficos do Espiritismo tiveram profunda influência nas religiões emergentes como a Umbanda, Macumba e Quimbanda, além de ter operado incursões nas fés mais tradicionais como o Candomblé e as tradições ameríndias.



Umbanda
Será talvez o mais conhecido destes cultos afro-brasileiros. José Ribeiro, autor brasileiro estudioso do tema, refere que o nome deste culto é originário de Angola onde, por volta do séc. XIX, significava:

A arte de consultar os espíritos dos mortos;
O poder dos espíritos para curar;
A arte de coagir os espíritos a influenciar os vivos;
Um tipo de fetiche que servia de ponto de contacto entre os vivos e os mortos.

Outros insistem que o termo é derivado da palavra em Sânscrito aum-bandhu que significa "unidade na trindade" e "o limite do ilimitado" ou princípio divino. Outros ainda apontam para uma possível origem na palavra africana kimbanda, que significa "sacerdote", "médico", "adivinho" e "mago". Para os brasileiros, acabou por significar a "união de todas as bandas" ou de todos os grupos ou ritos.

Além destas definições etimológicas, é difícil caracterizar este culto. Atribuir-lhe a origem num cumular de Espiritismo, Catolicismo Romano, Bruxaria Europeia e Religiões Orientais, Africanas e Ameríndias torna-se algo indefinido, embora certamente tenha elementos de todos estes ritos. A própria complexidade, individualidade de interpretação e ambiguidade da Umbanda marcam uma distinção de características.

Este culto faria a sua aparição nos princípios do séc. XX. A Tenda Espírita de Nossa Senhora da Piedade foi fundada no Rio de Janeiro em 1908 por Zélio de Morais, um seguidor de Allan Kardec. Durante uma das sessões, o líder recebeu o espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas que o instruiu para abrir mais sete casas de culto com princípios filosóficos algo diferentes, os quais iriam eventualmente evoluir para o que é hoje a Umbanda. Este evento marca o princípio oficial do movimento.

O teólogo João de Freitas escreveu o primeiro livro da religião em 1939 e, no mesmo ano, foi formada a Federação Espírita de Umbanda, que mudaria o seu nome para União Espírita de Umbanda no Brasil oito anos mais tarde. O primeiro Congresso de Umbanda teve lugar no Rio de Janeiro em 1941, e os congressistas procuraram definir os dogmas e uniformizar os rituais do culto, mas não seriam totalmente bem-sucedidos. Dada a grande variedade de crenças e práticas que existe na atualidade, este movimento dividiu-se em várias tradições, denominadas 'linhas'.

Se bem que, como referido, os detalhes da doutrina variem, a maioria dos umbandistas partilham uma crença comum num deus criador a que chamam Zambi; os deuses seguintes, de segundo nível, são os Orixás. 'Linhas' diferentes cultuam diferentes Orixás, mas em geral os umbandistas cultuam menos divindades que outros cultos igualmente importantes, como o Candomblé. Cada Orixá comanda uma «linha de vibração» ou foco de energia cósmica subdividido em legiões e falanges, as quais são governadas por espíritos de menor grau de evolução que os Orixás mas que estão mais adiantados na escala evolucionária que os seres humanos. As oferendas são feitas a estas entidades, as quais se apossam dos corpos dos médiuns através de um processo chamado incorporação.

Acreditam também em espíritos guias e protetores, em seres elementais, na imortalidade do espírito e na reencarnação, na lei do carma e no ato do ritual como uma expressão mágica e de disciplina. Os líderes umbandistas têm escrito guias para os médiuns que cuidadosamente esquematizam uma específica e restrita série de deveres, responsabilidades e proibições. Os praticantes concordam que aqueles que se tornam médiuns estão obrigados à prática de atos de caridade quer cerimonial quer nas suas vidas diárias, para mitigar o sofrimento. Assim, Umbanda significa uma via de amor, dedicação, benevolência e renuncia ao mundo material.

Existem sete mandamentos da Lei de Umbanda que devem ser memorizados por todos os devotos:

Não faças ao teu vizinho o que não desejas que ele te faça.
Não cobices o que não é teu.
Ajuda os necessitados sem fazer perguntas.
Respeita todas as religiões porque provêm de Deus.
Não critiques o que não entendes.
Cumpre a tua missão ainda que isso signifique sacrifício pessoal.
Defende-te dos praticantes do mal e resiste ao mal.

Além destes sete mandamentos para os médiuns, os filhos-de-santo (seguidores do culto) devem estar presentes em todas as cerimónias. São ainda obrigados a inclinar-se perante os seus superiores, com as cabeças tocando o chão num gesto de obediência destinado a ensinar a humildade (chamado bater cabeça), a auxiliar os líderes e os seus assistentes e a usar sempre roupa apropriada e limpa.

Os médiuns devem comportar-se de forma digna, não comer refeições pesadas, não consumir carne desde Quinta-feira à noite até Sexta-feira, confiar nos seus espíritos guias e nos seus superiores terrenos, não partilhar os seus conhecimentos ou frequentar outros centros e nunca executar um serviço para alguém externo ao seu próprio local de culto.

As penalidades por quebrar as regras são severamente impostas por um quadro administrativo e podem incluir suspensão por um certo número de dias ou semanas, expulsão ou o temido tombo ou perda de mediunidade. Neste último caso, a carta laminada com a foto do prevaricador e a lista de entidades com que o médium comunica é retirada do seu lugar na parede do centro e destruída.
Os culpados frequentemente castigam-se a si próprios ou, do seu ponto de vista, são maltratados pelos espíritos guias. Após a suspensão da prática ativa, um antigo médium pode ainda participar nas cerimónias e incorporar a entidade com que comunica; a entidade (não a congregação) então força a pessoa, em transe, a atirar-se violentamente contra as paredes, o chão ou a mobília. Os espíritos guias podem ainda decidir fechar a cabeça, ou seja, impedir o transgressor de alguma vez voltar a incorporar uma entidade.

Umbanda é geralmente uma religião de classe média, mas pessoas de todas as idades, setores da sociedade e grupos raciais participam. Depois dos anos de 1920 e 1930, em que os umbandistas foram perseguidos e regularmente encarcerados, a Umbanda foi legalizada e, como resultado, é atualmente uma religião institucionalizada. O Conselho Deliberativo de Umbanda, uma agência coordenadora, e a Federação de Umbanda na qual muitos dos centros estão inscritos, foram criados para fiscalizar o trabalho das casas de culto.

A influência da institucionalização é também detetável na hierarquia de cada um dos templos. As figuras mais importantes, que são os líderes espirituais e, frequentemente, também os líderes administrativos, incluem o sacerdote, o Babalorixá, e a sacerdotisa, a Ialorixá.

Candomblé
O termo Candomblé combina duas palavras da língua africana Kikongo, ka e ndonbé, que juntas significam "costume da gente negra". As seitas de Candomblé no Brasil, concentradas mas não limitadas à região da Bahia, são consideradas como seguidoras dos rituais das suas raízes africanas ou nações, como são denominadas.

As tradições religiosas do povo africano Ioruba (chamado Nagô no Brasil) são de longe as mais influentes sobre as tradições Gegê, Keto, Oyó e ameríndias dos Caboclos. Mesmo o povo Banto, que criou os Candomblés de Angola e do Congo, sentiu a influência Ioruba quer nas suas terras natais quer no Brasil. O povo Ioruba é proveniente do que atualmente é a Nigéria e pensa-se que a sua influência tenha perdurado principalmente devido à sua superioridade numérica e cultural e à sua altamente desenvolvida linguagem. Muitos termos africanos aplicados aos cultos afro-brasileiros são daí provenientes.

De acordo com a tradição oral, três sacerdotisas do Orixá Xangô, Iyá Kalá, Iyá Detá e Iyá Nassó, foram transportadas por navios negreiros da África para a Bahia em 1830, onde fundariam o primeiro terreiro de Candomblé – a Casa Branca do Moinho Velho – de onde provieram todas as grandes casas de Candomblé de Salvador, Bahia.

O Candomblé sempre foi considerado mais 'puro' nas suas práticas por os seus seguidores tentarem imitar pormenorizadamente as tradições africanas. Se, na verdade, é mais ou menos genuíno que outros cultos mais recentes como a Umbanda, será uma questão de opinião.

Para um estranho, os ritos deste culto poderão parecer primitivos e prejudicados por uma excessiva atenção aos detalhes. Segundo Fernandes Portugal, autor brasileiro que se debruça sobre as tradições afro-brasileiras, «O mundo do Candomblé é muito secreto e nele uma pessoa somente entra a pouco e pouco… através de uma série de iniciações progressivas e cerimónias especializadas abertas apenas àqueles que são chamados pelos deuses.»

Os mitos dos Orixás, a música, os cantos, a linguagem, o vestuário, os ritos e as celebrações públicas, tudo se combina para tornar o Candomblé uma entusiasmante e profundamente emocional via de desenvolvimento espiritual.

As diferenças entre este rito e a Umbanda, dependem do indivíduo e podem ser vastas ou quase indistinguíveis. De um modo geral, os seguidores do Candomblé preferem aderir aos rituais de uma nação em particular em vez de abraçarem um dogma eclético como os umbandistas. As línguas africanas são preferidas ao Português nas cerimónias e muita da doutrina permanece secreta. São cultuados mais Orixás do que na Umbanda e alguns dos nomes das divindades diferem; o líder espiritual poderá usufruir de algum poder pessoal quando lida com os Orixás em vez da completa submissão à sua (deles) vontade como acontece na Umbanda. É dada menor atenção aos Pretos Velhos e Caboclos; Exú é apenas um mensageiro dos deuses, ao invés de um praticante do mal.

A preparação para a Iniciação poderá ser um lento e complicado processo em que os discípulos terão de suportar semanas de dura privação psíquica, embora esta prática esteja a mudar devido à influência de outras seitas e às necessidades da vida moderna. Um altar reservado aos Orixás é sempre erigido nos recônditos do terreiro. Finalmente, os sacrifícios de animais de quatro patas e de pássaros ocorrem com maior frequência no Candomblé que na Umbanda.

Macumba/Quimbanda
Transfiram-se os cultos do Candomblé para o Rio de Janeiro e outras cidades do Sul, adicione-se um pouco de culto aos ancestrais e pitadas de influência Ameríndia, Católica Romana, Ocultista Europeia e Espiritista e tem-se a Macumba. Praticantes das outras religiões têm por hábito denegrir os 'macumbeiros' ou devotos da Macumba por estes se concentrarem nos Exús e Pombas Giras (espíritos do mal) e desenvolverem feitiços quer para o bem quer para o mal. Fernandes Portugal refere que a Macumba reflete a unidade cultural mínima necessária para que um povo demonstre através da sua religião um sentimento de solidariedade contra um governo corrupto e terríveis condições sociais; refere ainda que este culto perverteu a sua intenção original, perdendo todo o seu valor religioso e transformando-se num espetáculo de magia negra.

Por seu lado, os defensores da Macumba/Quimbanda argumentam que estas religiões desafiam os valores culturais da Umbanda 'capitalista branca', defendendo a genuína libertação dos oprimidos afro-americanos. Assim, os sacerdotes e sacerdotisas da Umbanda ter-se-iam tornado agentes indiretos da integração social e política, no que teriam sido apoiados pelos líderes militares durante os tempos da ditadura (1964-1985). Além disso, professam que a sua doutrina é moral e politicamente mais liberal que a Umbanda e que os valores morais «brancos» estão ausentes dela, que tem, por isso, maior efeito mágico.

Numa visão mais objetiva, poderá afirmar-se que a Umbanda e a Macumba/Quimbanda são essencialmente o mesmo fenómeno, apenas visto de polos opostos.

Tradições Ameríndias
As tribos indígenas que os portugueses encontraram no território que se tornaria o Brasil, diferiam significativamente das altamente desenvolvidas civilizações dos Incas, no Peru, e dos Aztecas, no México, encontradas pelos espanhóis. A escassamente povoada floresta tropical do Brasil era habitada por caçadores-recolectores cujos sistemas de crenças correspondiam, de muitas formas, aos das altamente desenvolvidas culturas africanas cujos povos seriam mais tarde importados como escravos para trabalhar nas plantações. Por exemplo, os ameríndios brasileiros adoravam um deus supremo/criador/protetor como os africanos. Acreditavam em espíritos evoluídos, cujas características eram, grosso modo, análogas às dos Orixás, que protegiam as florestas e ribeiros. Admitiam também entidades inferiores como Exús, Pombas Giras ou Eguns, e espíritos obcecados. Tal como os africanos, acreditavam que alguns dos seus líderes poderiam voltar à terra depois da morte e lançar maldições sobre os vivos.

No entanto, contrariamente aos africanos, não possuíam quaisquer manifestações visíveis de adoração, como altares, vestuário especial ou imagens sagradas. Contactavam os seus espíritos através de danças selváticas e fumando tabaco ou outras substâncias durante as cerimónias dirigidas pelo Pajé, o líder espiritual, que era também um xamã que curava com ervas como o fazia o curandero da tradição hispânica. Nestes ritos, os participantes caíam em transe e recebiam os encantados ou espíritos. Os ameríndios desenvolveram a sua própria coleção de talismãs, amuletos e fetiches e praticavam defumações ou aromatizações com tabaco e incenso como forma de expulsar espíritos maus do corpo. Praticavam magia «simpática» em bonecos feitos à imagem da pessoa visada, isto é, atuavam sobre o boneco tendo em vista um resultado sobre a pessoa visada pela imagem, e adivinhavam o futuro pela observação de fenómenos como a flora, a fauna ou o clima.

Ao longo dos séculos, as crenças nativas fundiram-se, em maior ou menor grau, com o sistema afro-brasileiro produzindo algumas tradições definíveis. As seitas principais são:

Os Pajelanças nos estados nortenhos do Pará, Amazónia, Maranhão e Piauí – de modo geral uma fusão de crenças ameríndias e africanas com alguma fraca influência Espiritista/Católica.
Os Xangôs de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Sergipe – maioritariamente africanas com alguma influência ameríndia/portuguesa.
Os Catimbós de toda a região Nordeste – construídas a partir de uma mistura de bruxaria europeia e tradições populares portuguesas, com alguns elementos ameríndios misturados com crenças angolanas e congolesas e ainda xamanismo de diversas proveniências.

A influência ameríndia surge na Umbanda nalguns dos instrumentos musicais e danças e também no hábito da purificação com tabaco através de defumações e o culto dos espíritos da floresta, dos Caboclos e de outros ancestrais. A crença nos poderes dos espíritos de animais como cobras ou crocodilos também tiveram impacto nalgumas seitas de Umbanda.

Em todos os cultos descritos, a música, a dança e as invocações produzidas durante os rituais são destinadas a invocar guias espirituais e Orixás, que os médiuns incorporam.


6– ORIXÁS E SUAS CARATERÍSTICAS
No mito africano, quando o Grande Pai, Olórun, acabou de criar o mundo e tudo o que nele se contém, retirou-se para o Seu elevado reino para um merecido descanso. No Seu lugar deixou certos ajudantes que executavam a Sua vontade no plano material. Estes intermediários divinos entre Deus e o Homem são chamados Orixás, razão pela qual, na língua Ioruba, este nome significa "deuses menores", isto é, uma potência secundária em relação à vontade do Grande Pai.

Na verdade, os Orixás representam a poderosa vibração das forças da natureza como o vento, o trovão, o relâmpago, a chuva ou o terramoto. São laços espirituais de um plano evolucionário superior. Os seus poderes podem ser cultuados e, em virtude da sua consciência e inteligência superiores, podem atender as preces dos fiéis.

O seu poder dinâmico, denominado axé, pode ser capturado e focado em certos objetos por processos naturais, como plantas ou formações naturais na paisagem, como a água dos rios. Os fiéis podem também, mediante rituais especiais que têm por base sacrifícios, invocação e oração, dirigir a energia vibratória para certas pedras e metais. Estes objetos assim carregados, denominados assentamentos, são enterrados sob o poste central que suporta o terreiro de modo que a força vital dos Orixás continue a proteger e a dar energia ao templo.

Os Orixás, senhores supremos dos elementos da natureza, exercem influência direta no Homem, a quem são capazes de proteger ou infligir castigos. Os seus poderes podem ser manipulados através da obediência, oferendas e incorporação (possessão através de um médium). Embora os poderes destes delegados estejam subordinados ao exercício da vontade do Supremo Criador através do Seu filho Oxalá, os Orixás são tremendamente influentes por governarem o desenrolar da vida humana à sua descrição. Cada um deles possui um lado positivo e um negativo, tal como os seres humanos, e tal como os humanos podem comportar-se bem ou mal; matam e curam, protegem e punem, amam e odeiam. São cultuados através de símbolos, cores, modos de vestir, colares de contas representativos, estilos de dança, ritmos de tambor, cânticos sagrados, pedras e saudações. São temidos e respeitados, mas também amados pelos seus devotos.

A música e a dança, explosivas, que acontecem durante uma sessão mediúnica ajudam a invocar o Orixá e o espírito guia para que entrem no corpo do médium para a transmissão de cura e conhecimento. Os devotos não creem que seja o próprio Orixá a incorporar no médium, mas que apenas uma fração dos poderes da divindade é transmitida através de um espírito menos evoluído que trabalha para o Orixá.

A primeira vez que um iniciado é possuído, ele ou ela recebe um espírito guia e, posteriormente, uma entidade de quem o médium passará a ser filho-de-santo ou devoto. Nalguns cultos, somente os chefes do templo podem ser possuídos por todas as entidades; a maioria dos médiuns, na Umbanda e na Macumba, comunica com uma a três entidades, enquanto que no Candomblé só é permitido trabalhar com uma. Embora o comportamento de uma entidade varie de acordo com a personalidade individual do médium, as mudanças são insignificantes e uma determinada entidade é facilmente reconhecível independentemente do médium ou da tradição.

Não é preciso ser-se um iniciado para «pertencer» a um Orixá, isto é, receber a proteção da divindade. Muitos brasileiros acreditam que todo o ser humano, desde a nascença, é colocado sob a asa protetora de um ou mais Orixás. Assim, as suas características essenciais poderão ser denominadas arquétipos que resultam em traços da personalidade do indivíduo, que pode ou não reconhecê-las, e que provêm deste modelo primordial. Seguidamente se descrevem os principais Orixás, cultuados na maior parte dos terreiros, assim como os seus arquétipos.

Exú – Òrìsà Èsù
Entidade do bem e do mal. Um ser controverso, polémico, polivalente, antagónico, irascível. Traçar o perfil de Exú torna-se tarefa árdua dado ter diversas facetas, e em cada qual uma personalidade e aspeto distintos. Quem é Exú e porque é tão ardentemente cultuado no Brasil?
Fig. 2 – Exú.
Pergunte-se a dez brasileiros, seguidores ou não das tradições africanas; todos saberão de quem se trata e darão provavelmente dez respostas diferentes. Alguns dirão que Exú faz parte da magia negra, outros que desfaz feitiços maléficos; outros ainda poderão referi-lo não como Orixá mas como mensageiro ou como o agente universal da magia.

Todas estas interpretações são válidas. Exú representa um conceito vasto e profundo nas crenças afro-brasileiras. É o paradigma do equilíbrio, representando o eixo de estabilidade entre os humanos e os seus deuses.

Na roda dos orixás, ele tem muito prestígio e é muito bem conceituado pelos deuses e pelo homem, pois é ele quem faz a ponte de ligação entre homens e deuses. Como na Africa as aldeias têm Exú como guardião dos segredos, dos portões de entrada e de suas vidas, nada se faz sem o consultar. No Brasil também presta este serviço, e é por este motivo que a ele são sempre rendidas as primeiras homenagens e oferendas, para garantir sucesso em qualquer instância, quer seja de ordem festiva, fúnebre ou mesmo assuntos corriqueiros. Pode ser classificado como deus da liberdade e da alegria. Embora tenha sido associado à imagem do diabo católico, que lhe trouxe o estigma do mal, não é, a priori, do bem ou do mal, tudo dependendo da forma como se utiliza esta energia, da vibração do momento, do médium que com ele se comunica, do templo onde é cultuado e até mesmo dos pedidos de seus adeptos. Pois Exú pode passar-se por escravo pronto a atender os pedidos dos seus senhores. É um espírito que pode auxiliar a trilhar o caminho da evolução ou da decadência espiritual, conforme a sua energia é usada para o bem ou para o mal.

Arquétipo
Fig. 3 – Exú.
No mundo em que estamos vivendo prolifera o arquétipo de Exú. Normalmente são pessoas de caráter ambivalente, pessoas que são boas, mas de temperamento forte, mais voltadas para o mundo material. São vingativas e rancorosas quando rejeitadas, mas, no entanto, estão sempre prontas a auxiliar os que necessitam, esperando algo em troca. Buscam sempre as melhores posições, mesmo que para isso tenham de passar por cima dos outros. Quando declaram amizade, são fiéis ao extremo, mas não gostam de ficar em terceiro plano, exigem prioridade. São astutas, verdadeiros lobos sob a pele de cordeiro. Sabem que devido a sua personalidade e temperamento fortes devem mostrar-se agradáveis para alcançarem os seus objetivos, usando de diplomacia quando necessário e da política da boa vizinhança. Não são sempre más, são alegres, comunicativas, ousadas e destemidas. Encaram a vida como uma arena em que se disputa o melhor lugar ao Sol.

Ogum – Òrìsà Ògún
Fig. 4 – Ogum.
Filho mais velho de Iemanjá e Odùduà. Guerreiro, obcecado pela guerra, rude, temperamento irascível, irrequieto, não se prende a nada nem a ninguém, não gosta de ser governado e muito menos de governar. O seu prazer é o da conquista e sempre incita à guerra, para mostrar poder, aumentar seus bens, sem nunca descansar sobre as suas glórias. Quando amigo, torna-se pai e irmão e tudo perdoa, mas, quando inimigo, somente sobra ódio, perseguição e enquanto não destruir aqueles que ousaram enfrentá-lo, não sossega, pois Ogum não tem meias medidas. É considerado deus da forja, do ferro fundido, e, feliz como artesão, confeciona suas espadas para o próximo combate. Elegante, sensual, teve muitas mulheres, mas amou aquela que lhe seria mais tarde sua própria inimiga Oyá. Mas Ogum não é somente um rasto de destruição, pois a ele cabe também romper barreiras, abrir novos caminhos, como um trator, não permitindo que força opositora o impeça de realizar novos empreendimentos. É o homem guerreiro buscando novos horizontes.

Arquétipo
Fig. 5 – Ogum.
O arquétipo das pessoas de Ogum é mutável. Por não agirem pela razão, são impulsivas, coléricas e prepotentes. Não gostam de ser contrariadas e são rebeldes, revolucionárias, idealistas, trabalhadoras, renovadoras, não desistindo facilmente dos seus objetivos. São dadas a explosões de raiva, passando logo em seguida para um estado calmo, quase letárgico. Não é difícil fazer amizade com elas, pois são extrovertidas, faladoras, galanteadoras. Quando se tornam amigos ou amantes, estes indivíduos dificilmente trairão. Mas, sentindo-se traídos, tornam-se inimigos cruéis, não conseguem lidar com o sentimento de rejeição e o de perdão é-lhes estranho. Embora possuidores de temperamento forte e arrogante, são donos de uma franqueza sem limites, pelo que dificilmente serão odiados.

Oxóssi – Òrìsà Òsoosì
Fig. 6 – Oxóssi.
Considerado o guarda e protetor da flora e da fauna. Somente mata animais para o seu sustento e o de sua família, que sente-se na obrigação de alimentar por ser considerado o melhor caçador de sua aldeia e até aclamado como "Caçador de uma flecha só". Apesar destes atributos, prefere viver distante de seus entes queridos, conservando assim seu individualismo. Oxóssi é austero, solitário, mas não faz da solidão uma tortura, mas sim um refúgio para manter seu equilíbrio e concentração. Não sente falta do burburinho da aldeia, basta-se para si próprio por ser irrequieto. Viver isolado do mundo permite-lhe encontrar a paz e até a felicidade. Oxóssi necessita de calma e silêncio para se concentrar nas suas caçadas e por isso é um deus calado, observador e taciturno, mas também ágil, rápido e esperto. Divide este bem-estar somente com Ossain, que, como ele, também aprecia a quietude da floresta para poder estudar melhor as folhas. Oxóssi, por ser rei de uma nação (Ketô) poderia vestir-se com ostentação e luxo, mas é totalmente desapegado de bens materiais, no que é diferente de seu irmão Ogum, que luta para ter glórias e terras através de suas batalhas. Por viver na floresta é sempre confundido com os índios, tornando-se até, na Umbanda, o rei dos caboclos.

Arquétipo
Fig. 7 – Oxóssi.
O arquétipo dos filhos de Oxóssi será sempre fácil de perceber: são ligeiros, envolventes sedutores. Normalmente são elegantes, bonitos, não chegando a ter um corpo atlético mas sim bem modelado. Sendo tímidos nas questões sentimentais, seus olhos, no entanto, mostrarão sempre que estão interessados em determinadas pessoas. Por serem muito ativos, estarão sempre em busca de coisas novas. São responsáveis para com a família e para com os amigos. Organizados, práticos, quando estão estabilizados, primam pela disciplina e ordem. São verdadeiros anfitriões, hospitaleiros e bondosos, mas preferem receber poucos amigos que alegremente farão com que se sintam em casa. O difícil é tornar o filho de Oxóssi sedentário e mesmo fixo em algum lugar, pois estão sempre mudando de casa, de emprego ou de parceiros. Não que queiram ser assim eternamente, mas só até encontrarem o lugar onde possam ter harmonia, paz e liberdade para ir e voltar sem que tenham de dar satisfações a ninguém.

Ossain – Òrìsà Òssanyìn
Fig. 8 – Ossain.
É um deus exigente, de temperamento e comportamento estranhos, totalmente diferente dos outros deuses, que adoram participar em festas. Taciturno, vive enfiado nas florestas, raramente avistado pela comunidade. A sua vida é estudar as ervas, as folhas e as suas alquimias estranhas, mas necessárias ao ser humano. Nada no ritual dos orixás pode ser feito sem o auxílio de Ossain, que é detentor do axé (àse ou força, poder, mistério das folhas sagradas). O candomblé é forte, poderosamente forte, devido aos segredos das folhas e outros elementos. O forte suco verde-escuro das folhas é considerado o sangue destas. Ossain cede suas folhas aos outros orixás, mas somente ensina seu valor litúrgico a verdadeiros sacerdotes, que realmente saibam o nome certo de cada folha e dias e horários certos para sua colheita e que também saibam recompensá-lo. Pois Ossain é o médico da natureza e exige respeito em seus domínios. Aroni, um anãozinho, que é comparado ao Saci-pererê, e Oxóssi, são companheiros inseparáveis deste deus metódico e estudioso. Por esta ligação com o anãozinho, nalguns lugares Ossain é considerado como o próprio Saci-pererê, montado em uma perna só, pequeno gorro vermelho na cabeça e um engraçado cachimbo pendurado na boca.

Arquétipo
Fig. 9 – Ossain.
O arquétipo dos filhos de Ossain mostra sempre pessoas de bom e equilibrado caráter. São seguras de si, que sabem desempenhar bem seu papel dentro da sociedade, jamais deixando que suas emoções interfiram nas suas decisões. São sérias nas suas atitudes, que, uma vez tomadas, não voltam atrás. Normalmente não são flexíveis, mas não a ponto de serem totalmente radicais. Não veem o sentido da moral e da justiça de uma forma convencional. Devido à sua maneira passiva, terão facilidade em alcançar os seus objetivos. Sabem ser amigas, conselheiras e fiéis, mas magoam-se com facilidade; não chegam a extremos pois não são violentas, resolvendo tudo com bastante diplomacia, falando baixo e seus modos sendo os mais educados possíveis. Estarão sempre envolvidas na área da cura e do bem-estar social, mas não gostam que suas boas ações sejam motivo de sensacionalismo. É considerado o mentor espiritual da medicina homeopática.

Xangô – Òrìsà Sangò
Fig. 10 – Xangô.
Rápido, inteligente, vaidoso, viril, justiceiro, detesta quem mente e quem rouba. O seu sentido comercial vai além do entendimento humano. Temperamento explosivo e imperioso, homem decidido e que com certeza veio para o planeta para governar, para ter e poder exercer a sua força sobre aqueles que estiverem sob sua custódia. Xangô, na fase adulta, morou pouco tempo com seus pais; decidiu morar longe deles justamente por desejar a individualidade e a conquista. Saiu sem destino e sem se importar com o que ficaria para trás. Não que não goste de laços familiares, pelo contrário, gosta muito da presença da família; necessita, contudo, de liberdade para atingir seus ideais, pensando sempre que – mais dia, menos dia – poderá reunir seus entes queridos nos lugares onde conseguiu triunfar. Foi morar em Kossô (Kàso) mas devido a seu temperamento forte, os habitantes desta aldeia não o receberam de braços abertos. Mas, obstinado como era, agregou vários guerreiros para iniciar seu exército. E assim, com o passar do tempo, os habitantes ao verem tudo prosperar na aldeia, decidiram aceitá-lo, mesmo por que Xangô já estava vencendo pela força física e psicológica. Xangô, no Brasil, é aclamado como o deus da justiça e da verdade.
Arquétipo
Fig. 11 – Xangô.
O arquétipo dos filhos de Xangô é o das pessoas que nasceram marcadas para triunfar. São enérgicas, voluntariosas, orgulhosas, altivas, excelentes administradores, vaidosas, tendo perfeita noção da sua real importância no mundo. Não admitem ser contrariadas e ao serem-no passam por crises de violenta cólera. Não conseguem controlar o excesso de temperamento violento, sendo duras nas negociações e querendo sempre estar por cima. Não admitem o fracasso e por isso lutam com todas as armas para não perderem o seu trono, mas quando percebem que não há solução, retiram-se em exílio, para meditar, tramar novas maneiras de conquista, e quando voltam, triunfam sobre quem usurpou o seu lugar. Na vida social, são indivíduos elegantes, sedutores que não se fazem de rogados para conquistar o sexo oposto, porém sempre usando sensibilidade e tato para conduzir os flirts. Todavia, quando usam o seu charme ou a sua sensualidade, devem tomar cuidado, para não serem interpretados como sedutores vulgares, caindo assim no descrédito. Os filhos de Xangô têm um elevado sentimento de amor ao próximo, são dignos de confiança, pois pendem para o lado positivo da balança. Mas não deixam de ser severos, mesmo que seja uma severidade dentro de sua benevolência. Enveredando pela vida espiritual, tornam-se ótimos e dedicados sacerdotes.

Omulu/Obaluaê – Òrìsà Obàluáyê
Fig. 12 – Omulu/Obaluaê.
Existem várias controvérsias a respeito da dualidade de Omulu/Obaluaê. Há quem refira serem dois deuses distintos de temperamento, personalidade, vestuário e modo de dançar, totalmente distintos. Um dança ereto e com movimentos de jovem e só em algumas cantigas deixava seu corpo cair, como se fosse entrar em estado de desmaio; o outro, que já dançava curvado, durante a dança curvava-se ainda mais, encostando o peito aos joelhos, dançando com extrema dificuldade, como se fosse desfalecer, mostrando até uma leve senilidade. Assim, diferenciam-se apenas na idade, como se fossem passado e presente, o novo e o velho. Mostrar Obaluaê jovem, suas andanças, suas conquistas, seu temperamento combativo e tudo o que aprendeu nas suas viagens, buscando saber da existência de outros seres ao seu redor e acumulando saber através de outras culturas. Esta bagagem de conhecimentos o tornou famoso na habilidade de curar as pessoas, já velho e morando em outra região em que tinha nascido. Ficou a ser chamado Omulu – o nome Obaluaê tornou-se proibido, pois a ele foram atribuídas doenças como a peste, a varíola e outras epidemias – sendo considerado o médico dos pobres.



Arquétipo
Fig. 13 – Omulu/Obaluaê.
O arquétipo de Omulu é o das pessoas que normalmente são desapegadas dos bens materiais. Rigorosas, introvertidas, de personalidade mutável, extremistas, insatisfeitas e descontentes com os trabalhos que realizam, nunca se sentem felizes ou completas nas suas tarefas quotidianas. São solitárias, podendo estar numa grande festa e cercadas por pessoas alegres, que continuarão a sentir-se sós. Tudo isto pelo facto de serem extremamente inibidas e de não conseguirem mostrar os seus verdadeiros sentimentos. São trabalhadoras e de boa índole. Levam a vida a exibir as suas mazelas, como se o seu sofrimento fosse maior que o do seu vizinho. Podem estar a viver o melhor momento da sua vida, que mesmo assim não lhe darão valor e continuarão a queixar-se das suas dores. São humanitárias com as pessoas, esquecendo-se até de si próprias para auxiliarem a quem lhes peça socorro. Podem atingir cargos de prestígio dentro de sua função, mas para isso terão de anular o seu sentimento de negativismo e de autocrítica exacerbada.

O arquétipo de Obaluaê são as pessoas desconfiadas, metódicas, mal-humoradas e que têm uma incontrolável tendência para o masoquismo. Costumam ver desgraças onde não há, mas, por outro lado, sabem ser amigos leais. Também costumam ser «pau para toda obra», mas ao sentirem-se humilhados ou rejeitados, tornam-se cruéis e vingativos. Mas se alguém precisar de seus favores estarão prontos a estender a mão a quem quer que seja. Podem exercer altos cargos nas suas profissões, mas têm de deixar o pessimismo de lado e encarar as verdades de frente. Por não terem muitas limitações de aprendizagem podem tornar-se ótimos professores, mas em tudo terão de aprender a libertarem-se dos seus complexos e dos seus ciúmes desmedidos.

Iansã – Òrìsà Ynhansã
Iansã é considerada a deusa dos ventos, dos raios (embora os raios sejam de domínio de Xangô, ele deixa-a usá-los nas suas necessidades) e temporais, comanda as águas do rio Níger. Ela foi a primeira esposa do rei Xangô, impetuosa, guerreira, mas de um forte temperamento ardente e amoroso; é tida como a deusa que quando ama sabe amar de corpo e alma. Antes de se casar com Xangô teve um romance com o valente e guerreiro Ogum. Ao conhecer Xangô, elegante, garboso, sedutor e tão viril, passou a compará-lo ao seu companheiro Ogum, que também era um homem bonito, trabalhador, um verdadeiro guerreiro. Mas não tinha o porte sedutor de Xangô, sempre muito rude, compenetrado em suas batalhas e em outras mulheres, não dava a devida atenção à guerreira e fogosa Iansã, que se perdeu de amores pelo deus do trovão e, decidida, fugiu para viver com ele. Ogum ficou irado com a traição e decidiu guerrear os dois traidores. Mas Xangô, sempre muito habilidoso, decidiu apelar a Oludomaré, e este por sua vez aconselhou ao deus da guerra e do ferro que ponderasse, pois como Orixá mais velho que Xangô deveria dar-lhe o exemplo de como se deve comportar um verdadeiro homem. Ogum não perdoou, e passou a perseguir a mulher infiel, até que se encontraram frente a frente e bateram-se em duelo, de vida ou morte; Ogum mais experiente em batalhas e no manuseio de espada, derrotou-a cortando-a em nove pedaços.

Arquétipo
Fig. 14 – Iansã.
O arquétipo de Iansã é o das pessoas destemidas, batalhadoras, daquelas que não esperam que alguém faça algo por elas, pois desde cedo se empenham. Costumam ser individualistas, e são dadas a rompantes, hoje estão aqui, amanhã não se sabe onde estarão. São o próprio vento e indivíduos dramáticos, instáveis e exageradamente francos. Seus ataques de cólera não escolhem hora ou lugar para se manifestarem. As ruturas nas suas vidas acontecem por não darem tempo para as pessoas se explicarem. Quando estão alegres, querem que todos participem de sua felicidade, mas quando tristes não querem ver ninguém, preferindo a solidão, para não terem de discutir com quem se atreva a questioná-los do porquê do seu estado. Sabem amar, mas, geralmente por terem personalidade independente, fogosa e colérica, acabam por intimidar os pretendentes. Quando se sentem infelizes no relacionamento a dois, não pensam duas vezes em trocar de parceiro. Quando acreditam que certas pessoas sejam seus inimigos, normalmente as perseguirão, e sempre que puderem usarão de falsidade para as atingir, ainda que afirmando a maior sinceridade. Não medem esforços para ajudar a quem os procura, mas para isso exigem fidelidade em todos aspetos. Têm boa vida sexual, pois são voluptuosos e extremamente carentes de amor, passando a vida em busca do par perfeito.

Oxum – Òrìsà Òsun
Fig. 15 – Oxum.
É considerada a deusa da fertilidade, da beleza, do arrebique e da alegria. É uma deusa muito querida do Candomblé. Sendo considerada como uma mulher vaidosa, maliciosa e coquete, na realidade usa de todos os artifícios para alcançar seus objetivos e pelo prazer em ver outros deuses tombarem aos seus pés. Por ser uma das mulheres mais belas do panteão africano, não haveria necessidade de nenhum argumento para que vários deuses se apaixonassem por ela. Oxum tem prazer pelo ouro, poder, por joias e por tudo que é caro, mas existe nisso o conceito de ter para exibir.
Embora seja exibicionista, tem prazer em ser admirada, e quando não o é, faz tudo para chamar a atenção. Feminina, sensual, provocante, gosta da cor amarelo ouro, porque simplesmente ofusca a visão de quem a cobiça. Mas numa visão mais ocidental, dentro do culto aos Orixás esta preferência pelo amarelo ouro representa a gema do ovo, a gestação, o próprio feto a quem Oxum protege desde a sua fecundação. Em sua comida predileta (omolukum) usam-se os ovos, simbolizando a gestação. Uma outra comida ofertada a ela é tida como a própria placenta. Tudo que lhe é oferecido está ligado a um nascimento: de uma criança, de um novo projeto e até mesmo de novos valores. Mas Oxum não se detém somente na sedução e no luxo: quando necessário vai à luta, guerreia muitíssimo bem, principalmente quando se trata de defender o seu rebanho. Oxum não gosta de ser esquecida por seus filhos; quando isto acontece seu lado de mãe/madrasta surge como um furacão. Não pune os filhos com a mesma intransigência de Nanã ou mesmo de Iansã; não deixa de aplicar os castigos merecidos, mas basta os filhos darem um gemido de dor, lá está ela a socorrê-los.
Arquétipo
Fig. 16 – Oxum.
O arquétipo de Oxum é o das pessoas risonhas, comunicativas, elegantes (que devem cuidar-se, pois têm leve tendência para engordar). Gostam de fartura, de joias, perfumes importados, e tudo o que for do bom e do melhor. São galanteadores, e conquistadores incorrigíveis, até os 30 anos ou até encontrarem a sua alma gémea. São amantes do luxo, do sexo, quando bem praticado e com maior dose de suavidade, do romantismo e, quando o amor for em maior dose, será bem trabalhado. Difícil é achar um filho de Oxum feio, parece que a deusa tem preferência por pessoas bonitas (quando não são fisicamente bonitos, mantêm a elegância impecável, trazendo sempre no olhar uma pitada de mistério e muito charme). Mesmo com idade avançada eles continuam a mostrar traços da beleza do passado. A faixa etária pode estar avançada, mas continuam joviais, alegres e amantes do luxo e do requinte. Os filhos de Oxum costumam sair-se muito bem nas artes, na vida pública, na administração de empresas, na publicidade e principalmente no jornalismo, pois sempre querem saber o que está a acontecer por detrás dos bastidores. Quando conseguem lidar com a doença ou o sangue, poderão dar-se bem na área da medicina (embora seja muito raro encontrar um filho de Oxum nesta profissão; por preferirem trabalhos mais relacionados com a vida, não gostam de se aproximar dos assuntos relacionados com a morte). Na vida religiosa tornam-se ótimos sacerdotes, mas completamente diferentes dos filhos de Iemanjá e Oxalá, pois tendem a ser exigentes ao extremo.

Iemanjá – Òrìsà Yemoja
Fig. 17 – Iemanjá.
Ao se olhar para a figura de mãe extremosa, simples e prática, e a comparar a outros deuses, ter-se-á a impressão de que Iemanjá não faz parte deste clã. Ela não gosta de guerra, de brigas e muito menos de ter uma vida ou fazer da vida dos que a cercam um mar de conflitos. Embora não seja sempre passiva, prefere a paz, pois é mãe, dona do lar, mulher para o quer der e vier, e tudo ela saberá enfrentar de forma prática. Se puder evitar a guerra ela o fará, sem pestanejar, mas, caso contrário saberá guerrear para garantir sua integridade e a das pessoas que viverem sob a sua custódia. Iemanjá é simbolizada pelos seios majestosos e volumosos, sendo considerada "mãe das mamas chorosas". Ela é a mãe que dá à luz os filhos e os cria, mas só aparece nas literaturas envolvida com os filhos já na fase adulta. É mãe carinhosa, preocupada com o bem-estar dos filhos, mas não deixa de exercer seu lado de matrona e exigir respeito, amor e principalmente o conceito de hierarquia. É uma das deusas mais homenageadas no Brasil por ser "A grande Mãe", é padroeira da Umbanda, dos marinheiros e de todos os homens. Iemanjá é vista como mãe/amante, é esposa de Oxalá, e reina entre os dois reinos, céu e mar.

Arquétipo
Fig. 18 – Iemanjá.
O arquétipo de lemanjá é semelhante ao dos filhos de Oxum, pois também gostam de luxo, fartura, joias caras, bons perfumes e de muito bom gosto em suas roupas. Mesmo que em épocas difíceis não possam dar-se ao luxo em ter, encontrarão uma solução para conservar as que têm, e é lógico que ao sobrar um pouco de dinheiro investirão em seus desejos. Na moradia, mesmo que não tenham posses, pode observar-se que mantêm a casa sempre muito limpa, organizada e um pouco sofisticada. Mas não costumam ser tão vaidosos como os filhos de Oxum; gostam do luxo, mas são simples no modo de viver. São mais rigorosos, decididos e lutam para se tornarem responsáveis, se bem que, como são distraídos, podem até cometer atos irresponsáveis. Para obter credibilidade, usam de chantagem emocional, mas nada que possa prejudicar; este é o seu lado infantil e inseguro. Não gostam de solidão, gostam. de sempre de estar rodeados pelas pessoas a quem amam. Na vida profissional, preferem trabalhos que possam desenvolver com paciência, pois gostam de executar tudo com muita minúcia. Se puderem trabalhar em casa, terão preferência, pois poderão conciliar a vida doméstica com o trabalho profissional. São altivos, orgulhosos, rigorosos e quando se sentem magoados, tornam-se impetuosos e petulantes. Vivem às voltas com os problemas da família e amigos, esquecendo-se dos seus próprios problemas.

Obá – Òrìsà Obà
A divindade do rio deste nome, foi a terceira esposa de Xangô. É austera, mais enérgica que Iansã, tem muita garra e em determinadas questões é mais forte que um homem e a muitos declarou guerra. Obá não é o protótipo do perfil feminino, pois vive ocupada em manter o amor de Xangô, sem se preocupar com a vaidade e galanteria de Oxum. E considerada a filha mais amarga de Iemanjá, as águas do rio Obá não mostram a calma aparente do rio Oxum, são águas revoltas digladiando com as próprias ondas, como que a mostrar a personalidade angustiante, amarga, combativa da deusa Obá. Esta deusa é composta de paixão, é a esposa que ama com profundidade o seu homem, podendo ter uma prole de filhos que também amará com desmesurado carinho, embora a maior parte do seu amor seja para aquele a quem ela escolheu para companheiro. Mas até no amor ela precisa mostrar seu sofrimento e, mesmo sendo submissa, vivendo intensamente este amor, é mal interpretada e sempre rejeitada. Obá é insegura, carente e com poucos atrativos físicos, não sendo o tipo de mulher que leva um homem à loucura. De caráter forte, transparente, não sabe comunicar-se com as outras pessoas, é dura e inflexível. Quando toma certas atitudes (mesmo que erradas) não volta atrás para mostrar seu arrependimento. Enfrenta qualquer tipo de trabalho, na ânsia de não depender de ninguém.
Fig. 19 – Obá.


Arquétipo
Fig. 20 – Obá.
O arquétipo de Obá é facilmente reconhecido, pois embora os ciúmes existam em todo ser humano, em alguns só se manifestam ao se sentirem traídos ou ao perceberem que estão sendo deixados para trás. Já nos filhos de Obá os ciúmes estão estampados em suas faces retesadas. Por serem muito francos, são diretos nos seus assuntos, tornando-se austeros e agressivos e com isto quase sempre fazem muitos inimigos, que não gostam de ser confrontados com suas próprias verdades. Por não saberem usar de diplomacia e cordialidade, geralmente perdem amizades, amores, boas oportunidades de trabalho. O desejo de vencer é muito grande, mas como não conseguem fingir em certas situações nem serem gentis, atrapalham-se, acabando por perder as suas batalhas. Mas como são decididos, não entrarão em depressão com facilidade e logo estarão em busca de outros caminhos. Quando encontrarem o verdadeiro amor e finalmente se sentirem amados, todo o sentimento cultivado negativamente, irá tornar-se positivo e forte, será feliz fazendo feliz a pessoa amada. Por sofrerem muitas deceções amorosas, tendem a mergulhar de cabeça na profissão, o que lhes garantirá sucesso, glórias e um futuro sossegado.

Nanã – Òrìsà Nànà
Fig. 21 – Nanã.
Nanã Buruku, é o Orixá mais antigo do panteão africano. Alguns levantam a hipótese de que ela e sua família real já estavam instaladas no mundo quando da chegada de todos os outros Orixás. Nanã, como dizem, parece ter-se submetido a ficar quase no anonimato devido a ter cometido alguns erros em relação a não aceitar seus filhos. Tornou-se cruel, agressiva e até mesmo perigosa e por isso teria perdido a maior parte de seus poderes. Governa as águas da chuva. Ao contrário de Iemanjá e Oxum, que lidam com as águas em movimento, ela se fixa nas águas paradas e lodosas das lagoas que se estendem apenas em círculo, como se fosse a grande placenta do mundo. Símbolo da morte, a ela é associado devido a ser a deusa das águas mais velha, mostrando que o velho já é a própria passagem para o outro mundo. Em determinados momentos é fria, austera e implacável, mas também pode ser extremamente carinhosa, mãe generosa, fértil, meiga, submissa e companheira. Isto mostra a humildade de um deus que através do arrependimento recupera suas funções de matriarca e torna a ocupar-se com a maternidade do próprio mundo.

Arquétipo
Fig. 22 – Nanã.
O arquétipo de Nanã é o das pessoas que pensam que têm a vida inteira para terminarem as suas obrigações. São calmas, benevolentes, humildes, de grande sensibilidade, podendo magoar-se facilmente. Por terem bom caráter, nunca aceitam o mau feitio de outros. A dignidade, sabedoria e gentileza são marcas de que eles, por mais que sofram, não desistem. São indivíduos extremamente justos nas suas decisões, sabem como separar o trigo do joio com maior facilidade que os filhos de Xangô. Fascinados pelo mundo infantil, amam e são amados por crianças e velhos; tendem a dar carinho em demasia, mas faz parte da sua missão. Suas reações são as mais equilibradas possíveis. São majestosos no andar, no vestir e no falar. Encontramos os filhos de Nanã em lugares de ensino, creches, asilos e sempre empenhados em movimentos caritativos, apreciando muito serem voluntários em hospitais que tenham de dar tempo às pessoas para readquirirem seus movimentos normais.

Oxalá – Òrìsà Ossala
Fig. 23 – Oxalá.
Mais do que um Orixá, Oxalá é considerado o pai dos deuses. Possui duas formas distintas: Oxaguiã, como jovem e Oxalufã, como velho. É um dos deuses mais velhos e mais sábios, considerado como Orixá Funfun (deus do giz e do pano branco). É um deus muito querido e respeitado pela sua bondade, sabedoria, retidão e humildade. Oxaguiã é tido como guerreiro, mas não possui a agilidade, audácia e desejo mórbido pela guerra como o deus Ogum. Ele luta para conquistar aldeias e territórios para ali se instalar e fazer tudo prosperar. Sabe comandar e por onde passar deixará sempre a marca do progresso. Fiel às suas tradições, respeita as hierarquias e os preceitos que ele mesmo impõe ao seu povo, utilizando-os para si próprio. Sábio, calmo, mas não ao ponto de passividade nos assuntos que tiver de resolver. É o deus que luta todo de branco e evita manchar sua roupa de sangue. No Brasil Oxalufã torna-se Oxalá, o maior dos deuses, tão venerado por seus devotos que estes se vestem de branco nos rituais e principalmente às sextas-feiras. Na roda dos Orixás é ele quem encerra as festividades, e, quando se cantam seus louvores, todos entram na roda para o reverenciar, homens e deuses dançam ao som do tambor para glorificar o deus da pureza.

Arquétipo
O arquétipo de Oxaguiã é o das pessoas tranquilas, risonhas, prestativas, sempre às voltas com auxiliar o próximo. São inteligentes, elegantes, falantes, cercados de carisma. Fazem questão de disciplina, de justiça e necessitam sentirem-se amados. Os filhos de Oxaguiã optam por trabalhos relacionados com mudanças, como derrubar um imóvel velho e construir um outro bem mais moderno; são ótimos desenhadores, arquitetos e até publicitários. Quando são religiosos, são fiéis cumpridores de seus juramentos e caridosos ao extremo. Também podem ser encontrados em hospitais, como médicos, ou enfermeiros. Quando médicos optarão por clínica geral, pois dificilmente conseguirão ser cirurgiões, por terem horror ao sangue.
Fig. 24 – Oxalá.
O arquétipo de Oxalufã é o das pessoas extremamente sérias, compenetradas e que impõem respeito só com o olhar. Mas não é um olhar para ser temido e sim um olhar de pai. São indivíduos amáveis, generosos, caridosos e educados. Mas também sabem ser autoritários. São políticos, gostam de manipular as pessoas para que fiquem ao seu redor, mas não com a intenção de as subjugar ou mesmo subestimar a sua inteligência, mas sim porque são prático e organizados e gostam de centralizar tudo ao seu redor. Não suportam ver-se sozinhos, temem a solidão e por este motivo tentam monopolizar os outros. São orgulhosos e teimosos nos seus ideais, não há quem os demova da sua forma de pensar e agir. Devem ter atenção para não quererem ser os donos da verdade ao atingirem posições de destaque. Costumam ser rabugentos e intolerantes; normalmente as suas atitudes são calmas, seus atos são lentos, mas tornam-se rápidos em suas atitudes de teimosia. Pensam muito antes de realizarem um projeto, acabando assim por perder oportunidades devido à sua indecisão. São ótimos administradores de empresas, mas devem agir mais com a razão que com o coração. São considerados os filhos mais friorentos da roda dos Orixás, pois ao soprar a menor brisa já estão a vestir camisola de lã. Não são o protótipo do homem musculoso, mas têm o corpo bem distribuído e definido em sua altura razoável, sendo elegantes.


CONCLUSÃO
Muito mais haveria a expor sobre este tema. Existe uma tão grande e variada coleção de elementos relacionados com os Orixás, desde as comidas preferidas até aos objetos de assentamento, que seria necessário um volume de páginas no mínimo igual ao que ora se apresenta para os apresentar convenientemente. Todavia, isso seria enveredar por aspetos teológicos ou mitológicos que não são o objeto deste trabalho, que procurou apenas apresentar a evolução dos cultos afro-brasileiros como a fusão de culturas que esteve na base da formação do Brasil.

Estes cultos constituem ainda hoje parte importante da cultura brasileira, sendo seguidos por cerca de 56 milhões de pessoas (1/3 dos 170 milhões de habitantes). Nascidos nos princípios do séc. XX, poderão parecer algo estranhos, numa primeira impressão, mas, considerando que mergulham as suas raízes em diversas culturas, pode notar-se uma certa ressonância quer com o Catolicismo quer com outras doutrinas religiosas ocidentais, combinando Umbanda, Candomblé, Macumba, Espiritismo e as tradições Ameríndias com a religiosidade europeia, levando mais longe o contacto com a divindade, tornando-o evidente para o devoto.

Como terá ficado demonstrado, a necessidade de Deus é comum a todos os povos e, mesmo que se pretenda canalizar essa necessidade para formas «civilizadas», a verdade é que as formas de devoção intrínsecas a esses povos continuarão a subsistir, adaptando-se ou mascarando-se – certamente –, mas sempre presentes na sua cultura.


BIBLIOGRAFIA

FILHO, Herny Domingues, Oráculo dos Deuses Africanos, Norma Blun (pref.), São Paulo, Madras Livraria e Editora, Lda., 1996.

FREYRE, Gilberto, Casa Grande e Sanzala, Lisboa, Edição "Livros do Brasil", s.d.

MATTOSO, Katia M. de Queirós, To Be a Slave in Brazil – 1550-1888, Arthur Goldhammer (translation), Stuart B. Schwartz (foreword), New Brunswick (USA), Rutgers University Press, 1991.

MESSADIÉ, Gerald, História Geral de Deus, Mem-Martins, Publicações Europa-América, 2001.

MESSADIÉ, Gerald, História Geral do Diabo, Mem-Martins, Publicações Europa-América, 2001.

MORWYN, Magic from Brazil – Recipes, Spells & Rituals, St. Paul (MN., USA), Llewellyn Publications, 2001.

WILGES, Irineu, As Religiões no Mundo, Petrópolis, Editora Vozes, 2000, 11ª edição.

As Grandes Religiões do Mundo, Jean Delumeau (dir.), Lisboa, Editorial Presença, 1999, 2ª edição.

Camões – Revista de Letras e Culturas Lusófonas n.º 8, Terra Brasilis, Jorge Couto (dir.), Lisboa, Instituto Camões, 2000.

Catálogo da Exposição Os Negros em Portugal – sécs. XV a XIX, Ana Maria Rodrigues (coord.), Mosteiro dos Jerónimos (23 de setembro de 1999 a 24 de janeiro de 2000), Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999.

Cultura Portuguesa na Terra de Santa Cruz, Histórias de Portugal nº 14, Maria Beatriz Nizza da Silva (coord.), Lisboa, Editorial Estampa, 1995.

Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coord.), Lisboa, Publicações Alfa, 1991, 2 vols.

Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD's].

Navegar, [CD-ROM], Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al, Paris, Editions Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de Portugal, Expo'98 / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.

Revista Mare Liberum, [CD-ROM], Anabela Mourato et al (coordenação executiva), João Paulo Salvado (coordenação CD-ROM), Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, nºs 1 a 13.

Revista Oceanos nº 40, A Formação Territorial do Brasil, Joaquim Romero Magalhães (dir.), Lisboa, Bertrand / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999.


Webliografia

http://planeta.terra.terra.com.br/arte/candomblé/index 2.html
http://www.olorum-axe.com.br/home.htm
http://www.umbanda.org
http://www.nativa.etc.br/aumbhandan/espelho.htm






































ANEXO I – Umbanda Zodiacal
O conhecimento do movimento dos astros na Abóbada Celeste sempre foi comum a todos os povos da Antiguidade. Séculos de observações celestes fizeram-nos constatar que certas estrelas eram fixas, enquanto outras se moviam. Além disso, de um ponto de observação fixo na Terra, o Sol parece deslocar-se pelo Espaço num movimento circular, passando sempre pelos mesmos grupos estelares, os quais, para serem memorizados, foram sendo agrupados em 'desenhos' hipotéticos que receberam significativos nomes, tão bem escolhidos, que ainda hoje perduram:

Carneiro, Touro, Gémeos, Caranguejo, Leão, Virgem, Balança, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes.

Como a maioria desses 'desenhos' lembram seres animados – Carneiro, Leão, Touro, Capricórnio, Gémeos, etc. – os Gregos chamaram a todo esse conjunto ZOÉ, significando Vida ou Existência e, assim, a cultura greco-latina cunhou a palavra ZODÍACO. Mas, em razão dessa aparente viagem do Sol e seu séquito de planetas por esse círculo de constelações fixas, já os anteriores Vedas Indianos a chamaram de Estrada dos Anjos, ou seja, KEJA-DEVA e que resultou em nossa língua, passando antes pela língua árabe, em CALENDÁRIO.
Por aparentar ser circular, esta Estrada dos Anjos e da Vida foi dividida, grosso modo, em 12 (doze) partes iguais, correspondendo a cada constelação 30 graus ou trinta dias do ano, começando no dia 21 de março, o qual marca o Ano Novo Esotérico em todo o mundo. Também por marcarem um determinado espaço do Calendário, cada uma dessas Constelações passou a ser conhecida como o seu símbolo particular, ou seja, o seu SIGNO ZODIACAL.
Assim, esquematizando, tem-se a Umbanda Zodiacal.

QUALIDADE POLARIDADE
Positivos
Carneiro
Gémeos
Leão
Balança
Sagitário
Aquário
Negativos
Touro
Câncer
Virgem
Escorpião
Capricórnio
Peixes
















QUALIDADE ELEMENTOS

Positivos
AR
Gémeos
Balança
Aquário


FOGO
Carneiro
Leão
Sagitário

Negativos
ÁGUA
Câncer
Escorpião
Peixes


TERRA
Touro
Virgem
Capricórnio









QUALIDADE MOVIMENTO

CARDINAIS
Carneiro
Câncer
Balança
Capricórnio

(iniciação)





FIXOS
Touro
Leão
Escorpião
Aquário

(consolidação)





MUTÁVEIS
Gémeos
Virgem
Sagitário
Peixes

(renovação)











VIBRAÇÕES ORIGINAIS

Oxalá
Senhor da Vibração Original
Espiritual

Yemanjá
Senhor da Vibração Original
Mental

Ibeji
Senhor da Vibração Original
Etérea

Oxosse
Senhor da Vibração Original
Eólica

Xangô
Senhor da Vibração Original
Ígnea

Ogum
Senhor da Vibração Original
Hídrica

Obaluaê
Senhor da Vibração Original
Telúrica







CALENDÁRIO
Sol
é o símbolo da sua parcela
Espiritual
Lua
é o símbolo da sua parcela
Mental
Mercúrio
é o símbolo da sua parcela
Etérea
Vénus
é o símbolo da sua parcela
Eólica/Telúrica
Júpiter
é o símbolo da sua parcela
Ígnea/Hídrica
Marte
é o símbolo da sua parcela
Hídrica/Ígnea
Saturno
é o símbolo da sua parcela
Telúrica/Eólica






RELAÇÃO ORIXÁ – SIGNO ZODIACAL
Oxalá
Espiritual
Sol
Leão
Yemanjá
Mental
Lua
Câncer
Ibeji
Etérea
Mercúrio
Gémeos e Virgem
Oxosse
Eólica/Telúrica
Vénus
Balança e Touro
Xangô
Ígnea/Hídrica
Júpiter
Sagitário e Peixes
Ogum
Hídrica/Ígnea
Marte
Escorpião e Carneiro
Obaluaê
Telúrica/Eólica
Saturno
Capricórnio e Aquário



ANEXO II – Ilustrações


Fig. 25 – "Banquete e dança selvagem" in André Thevet, La Cosmographie Universelle, 1575. Service Historique de la Marine, Vincennes.

As orgias dos índios da Amazónia, nomeadamente aquelas à base de cerveja de mandioca, impressionaram os Europeus que viram nelas as antigas ágapes ou refeições de caráter religioso dos primeiros cristãos. Cfr. "Cultura e Sociedade – Religião – Religiões Ameríndias" in Navegar, op. cit.




















































Fig. 26 – "Figura com pregos", Congo, antes de 1892, utilizando madeira, pregos, tecido, plumas, fibras, espelho. Musée de l'Homme, Paris.

Esta figura tinha funções de proteção e medicinais. O prego espetado no olho, tão profundamente que provocou uma fenda, visava proteger contra qualquer acidente ocular. Cfr. "Cultura e Sociedade – Religiões – Religiões Africanas" in Navegar, op. cit.



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