Os desafios da docência perante o recuo dos direitos da cidadania

August 9, 2017 | Autor: João Castela Cravo | Categoria: Pedagogy, Desarrollo profesional docente, Pedagogia, Docencia
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Os Desafios da Docência Perante o Recuo dos Direitos da Cidadania Lisboa, 05-06.02.2015 Sindicato dos Professores da Grande Lisboa

Relatório Crítico João Manuel Castela Cravo, sócio nº 052037

Apesar do quase jogo de palavras, difícil será iniciar este relatório fugindo ao início, i.e., à conferência inicial de António Sampaio da Nóvoa1. Não só pela organização da nossa estrutura de pensamento, como pelo impacto dessa comunicação. De facto, “professores somos”! E se professores somos, assumamos o nosso “desassossego” para podermos dar conta da nossa “consciência da contemporaneidade”. Essa consciência, esse estado consciente, revela-nos hodiernamente um recuo óbvio dos direitos da cidadania. O recuo revelado acima, implica a necessidade de se lutar contra ele. É que, o que está em causa, não é apenas a profissão docente (embora também) é a própria Democracia. Assim não devemos, não podemos acatar os discursos vazios de que “as coisas agora são diferentes” e (depois, borbulhada na boca dos arautos de um universo todo2) “que não se pode escapar ao caminhar da História”, como se a História não fossem os Homens mas os sistemas. Voltando ao desassossego a que Nóvoa nos convidou, convoque-se agora Pessoa, ou melhor, Bernardo Soares3, o seu “quase” heterónimo: “Caras que via habitualmente nas minhas ruas habituaes – se deixo de vel-as entristeço; e não me foram nada, a não ser o symbolo4 de toda a vida.” (Pessoa, 1990, p.55). Antes, o mesmo autor referia que precisava monotonizar a sua existência para que ela não fosse monótona (op. Cit., p.54). Ora, pegando nessa ideia, para mim, necessário se torna monotonizar a democracia5, para que ela seja (e permaneça) o garante de uma escola inclusiva, de promoção do sucesso integral do aluno – uma

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António Sampaio da Nóvoa, A Igualdade de Oportunidades Reforça a Democracia. Refiro-me aos arautos de um sistema global, universalista e universalizante - “Ele [o capitalismo] não universaliza, longe disso. Antes segrega as mais gritantes disparidades e exclusões, entre povos e regiões, entre Centro e periferia (…). Mas ele estendeu um mercado universal (…) o mercado é a forma de universalidade do capitalismo.” (Dias, 1998, pp.6-7). 3 N’O Livro do Desassossego. 4 Escusado será aqui fazer grandes referências à validade do pensamento simbólico. Atente-se, por exemplo em Durand, 1989, especialmente a pp. 24-30. 5 Torná-la segura, torna-la regra e nunca excepção. 2

escola, pública obviamente, enquanto meio de redistribuição de poderes, como refere Carlinda Leite na sua comunicação6. Transversal às quatro conferências, para além de diversas outras intervenções que foram feitas, nota-se alguma angústia profissional docente, provocada por questões económicas (não só mas sobretudo). Para além das duas já referidas, na última7 esse aspecto torna-se óbvio, até pelo tema. Quanto à de Manuela Esteves8, (conferência bem inspiradora), a questão económica esteve presente, quase que pela ausência – poderá haver autonomia verdadeira, havendo problemas económicos? (e não falo apenas de questões salariais). Com grande acuidade, Carlinda Leite coloca o dedo na ferida, quando faz depender o recuo da cidadania do recuo do investimento. Tentarei muito rapidamente analisar a questão, através da teoria política. Numa obra póstuma, Foucault (2010), faz implicar duas noções que obrigatoriamente farão parte (entre outras, naturalmente) de uma crítica a esta angústia – refiro-me à noção de capital humano e à decorrente noção de Homo Oeconomicus. Com a primeira noção, que o autor remete para os neoliberalismos alemão, francês e americano, a Escola obviamente se tornará, não num local de Formação de Homens, mas de Capital – “Essa teoria representa (…) a possibilidade de reinterpretar (…) em termos (…) económicos todo o domínio (…) até então (…) não económico” (Foucault, 2010, p.279). Quanto ao Homo Oeconomicus, há um reportar a investigação (mas também a vida) para uma grelha (uma hermenêutica) em que quase todos os fenómenos se tornam económicos9. Ora, quando há um nítido recuo do investimento por, necessariamente, vontade de uma entidade quase abstracta (também por vontade própria de quem o integra), conhecida por Mercado, há um recuo dos direitos de cidadania, melhor, há o por em causa esses direitos adquiridos e haverá, também necessariamente, uma excentralização da própria Escola relativamente ao interesse do Estado. Bibliografia Utilizada Dias, Sousa, 1998. Estética do Conceito. Coimbra: Pé de Página Editora. Durand, Gilbert, 1998 (1980). As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Lisboa: Editorial Presença. Foucault, Michel, 2010 (2004). Nascimento da Biopolítica. Lisboa: Edições 70. Pessoa, Fernando, 1990. Obras. Vol. X. Lisboa: Multilar.

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Carlinda Leite, Que fazer com a Escolaridade Obrigatória até aos 18 anos. Alan Stoleroff, Que Novos Rumos para o Sindicalismo Docente. 8 Manuela esteves, Autonomia e Conteúdo Funcional da Docência. 9 O autor faz mesmo referência (ou análise economista, como prefere) a três domínios antes fora da economia – casamento, educação e criminalidade (Foucault, 2010, pp.303-332, p.ex.). 7

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