Os desafios da esquerda e a \"primavera secundarista\"

June 5, 2017 | Autor: M. Pereira | Categoria: History from Below, Movimentos sociais
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07/03/2016

Os desafios da esquerda e a “primavera secundarista” – Brasil em 5



Brasil em 5 A conjuntura em 5 minutos

Os desafios da esquerda e a “primavera secundarista” 06/03/201606/03/2016 João Telésforo Entrevista concedida por Guilherme Boulos a Marco Antônio Machado Lima Pereira* Num  artigo  publicado  em  agosto  de  2015  no  Le  Monde  Diplomatique  Brasil,  intitulado  “Uma frente  para  disputar  as  ruas”,  Guilherme  Boulos  assinalou  que  com  o  avanço  das  pautas conservadoras  (ampliação  das  terceirizações,  contrarreforma  política,  redução  da  maioridade penal,  entre  outras  medidas)  somado  à  crise  do  governo  petista,  “unir  forças  tornou‑se  uma questão de sobrevivência para a esquerda brasileira”. Na entrevista a seguir, Boulos reiterou a necessidade  da  formação  de  uma  frente  que  seja  capaz  de  mobilizar  as  forças  populares, “fazendo das ruas palco principal de um projeto político de esquerda”. O entrevistado também destacou a importância do movimento secundarista na conjuntura política atual, sem deixar de situá‑lo num contexto mais amplo de ascensão das lutas populares no país. Confira a entrevista. 1.  Que  papel  os  movimentos  sociais  de  esquerda  como  Movimento  Passe  Livre  (MPL)  e Movimento  dos  Trabalhadores  Sem‑Teto  (MTST)  têm  desempenhado  nesse  contexto  de governos voltados para a espoliação dos direitos dos trabalhadores? GB – Está colocado um desafio para os movimentos sociais no Brasil atual, que é o de construir um novo ciclo de mobilizações. Um ciclo que dê base social para um projeto de esquerda no país. O ciclo petista que se inicia nos anos 80 e chega ao governo em 2002 está esgotado. Não representa mais qualquer potencial de transformação popular no país. Ao contrário, incorpora de  modo  crescente  as  pautas  conservadoras  e  assume  o  papel  de  aplicar  reformas antipopulares, como no caso da Previdência. Mas reconhecer isso não basta. Precisamos criar condições para uma alternativa de esquerda com base social, reconstruir um ascenso na luta de massas. Caso contrário, a esquerda brasileira estará relegada ao ostracismo. 2.  O  historiador  inglês  Eric  Hobsbawm  assinalou  no  livro  Estratégias  para  uma  esquerda racional que os setores mais conservadores preferem que os revolucionários se isolem, isto é,  quanto  mais  sectário  o  espírito,  melhor!  Historicamente  essa  não  tem  sido  a  principal dificuldade das esquerdas no Brasil, sair do isolamento e ganhar capilaridade social? 1/4 GB  –  Sem  dúvida.  Podemos  dizer  que  a  esquerda  tem  dois  vícios  opostos,  mas  que  se

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GB  –  Sem  dúvida.  Podemos  dizer  que  a  esquerda  tem  dois  vícios  opostos,  mas  que  se retroalimentam. De um lado, um campo que em nome das exigências da realidade, abre mão dos princípios e incorpora o projeto da classe dominante. De outro, um campo que em nome da necessidade legítima de enfrentar este descaminho, abre mão do contato com a realidade e de  fazer  política  para  a  massa.  Uma  esquerda  que  passa  a  fazer  política  para  as  outras organizações de esquerda, em geral muito pequenas. Posicionam‑se para incidir na posição do outro,  com  ataques  despropositados  entre  si.  Uma  política  ensimesmada,  distante  da  base popular  e  com  pouca  capacidade  de  mobilização.  Cria‑se  uma  bolha,  com  os  mesmos  de sempre, com dialeto próprio e tudo mais, que não consegue se relacionar com os trabalhadores. 3. Você concorda com a afirmação do geógrafo David Harvey de que os partidos tradicionais de esquerda tornaram‑se incapazes de enfrentar o capitalismo? GB – Os partidos se desgastaram muito nas últimas décadas, não apenas os de esquerda. Há uma tendência mundial de rechaço à chamada “velha política”, aos “mesmos de sempre”. Nem sempre  este  rechaço  toma  caminhos  de  esquerda,  basta  ver  o  fenômeno  da  Rede Sustentabilidade  por  aqui.  Ou  de  Beppe  Grillo  na  Itália.  Em  outros  lugares  este  sentimento contra o sistema político foi capitaneado pela esquerda, como o Podemos. Acho que, mais do que os partidos, há um desgaste fortíssimo do sistema político representativo em seu formato capitalista.  Daí  o  fortalecimento  de  alternativas  de  organização  de  luta  direta,  por  fora  da institucionalidade. 4.  Levando  em  conta  a  distribuição  das  forças  políticas  do  país,  você  considera  possível viabilizar  a  formação  de  uma  frente  de  esquerda  que  congregue  partidos  políticos  e movimentos  sociais?  Na  conjuntura  política  atual,  quais  seriam  os  principais  obstáculos  a um projeto político como esse? GB  –  Não  é  possível  construir  uma  alternativa  política  a  frio,  sem  sustentação  popular.  As principais organizações políticas dos trabalhadores surgiram de processos importantes de luta de massas, a quente. Por isso, entendo que o principal desafio é a construção de uma frente de movimentos  sociais,  focada  na  retomada  de  amplas  mobilizações  e  atenta  aos  movimentos espontâneos da classe. Um espaço capaz de agregar setores organizados, dialogar com os não organizados  e  apontar  uma  perspectiva  de  saída  pela  esquerda  para  a  crise  do  capitalismo. Sem sectarismos nem atrelamento a governos. Este é o caminho que temos buscado construir com a frente Povo Sem Medo, que tem protagonizado mobilizações importantes desde o ano passado. 5.  Como  você  vê  os  desdobramentos  dessa  discussão  sobre  o  impeachment  de  Dilma Rousseff? Você concorda com a tese de que há algo em comum entre os que advogam pelo impedimento  e  os  que  encampam  sua  defesa,  a  saber,  a  continuidade  do  sistema empresarial‑oligárquico que rege o país? GB – O MTST é contra o impeachment. Não por termos qualquer ilusão com o governo Dilma, que tem atacado duramente os trabalhadores com um ajuste fiscal desastroso. Mas porque uma saída com Temer, arquitetada por Eduardo Cunha e por este Congresso Nacional, seria ainda mais antipopular e carente de legitimidade. Evidentemente há pontos comuns entre a política do  PT,  PMDB  e  PSDB,  aliás  cada  vez  maiores.  O  governo  Dilma  tem  inclusive  se  esforçado para  aproximar  ainda  mais  estas  perspectivas.  Mas  há  também  um  contexto  de  ofensiva  da direita  mais  tradicional  e  atrasada  –  que  se  volta  contra  o  próprio  governo  petista,  apesar  de suas  políticas  pró‑capital  –  e  que  atinge  direitos  sociais  de  forma  geral.  Basta  ver  a  pauta 2/4 parlamentar  do  país  em  2015,  que  deve  ser  continuada  neste  ano.  Basta  ver  o  perfil  das

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parlamentar  do  país  em  2015,  que  deve  ser  continuada  neste  ano.  Basta  ver  o  perfil  das manifestações de rua convocadas por esses setores, um desfile reacionário como há muito não se via. Essa dimensão também precisa ser considerada para o posicionamento na conjuntura. 6. Gostaríamos de saber seu posicionamento sobre uma Assembleia Constituinte autônoma e  extraparlamentar  que  poderia  criar  mecanismos  de  participação  popular.  Ou  seja,  é possível  vislumbrar  a  criação  de  uma  democracia  direta  entre  nós?  Mas  como  garantir  um regime  democrático  real  (poder  popular)  se  os  imperativos  do  ganho  e  da  acumulação  do capital ditam as condições mais básicas da vida social? GB – Evidentemente é preciso transformar o sistema político brasileiro. Eliminar a hegemonia dos  interesses  privados,  ampliar  os  canais  de  participação,  definir  regras  para  aumento  da participação  das  mulheres  e  negros  no  parlamento,  por  exemplo.  No  entanto  é  temerário levantar hoje a bandeira de uma Assembleia Constituinte como saída imediata para a crise. Se ocorresse  uma  Constituinte  hoje,  nas  regras  atuais  do  sistema  político,  a  tendência  seria  uma Constituição ainda mais atrasada que a de 1988 e um sistema político mais fechado. A não ser que  este  processo  seja  resultado  de  ampla  mobilização  popular,  aí  sim.  Mas  nas  condições atuais reproduziria a composição do Congresso nacional. 7.  E  o  projeto  de  lei  do  deputado  Rogério  Marinho  (PSDB‑RN)  que  visa  enquadrar professores que estimulam o pensamento crítico como “crime de doutrinação ideológica”? GB – É mais uma excrescência da ofensiva ultraconservadora. Abriram a caixa, saiu tudo o que não  presta,  que  muitos  deles  guardavam  cuidadosamente  há  muito  tempo  esperando  uma ocasião favorável. Projetos como este precisam ser combatidos decididamente pelo conjunto da esquerda e dos movimentos populares. 8.  O  que  as  ocupações  e  a  experiência  de  autogestão  dentro  das  escolas  públicas  podem oferecer em termos de estratégias de luta para os movimentos sociais e, igualmente, para as instituições de ensino superior que também estão sofrendo com os cortes e, igualmente, com as políticas de ajuste fiscal? GB – Experiências como a das ocupações das escolas fazem parte de um conjunto de iniciativas radicais em defesa do espaço público, do direito à cidade e de enfrentamento ao Estado. Nesta mesma direção estão lutas importantes contra a especulação imobiliária, como o Ocupe Estelita em  Recife  e  as  ocupações  de  trabalhadores  sem‑teto  pelo  país.  No  caso  das  ocupações  das escolas,  os  jovens  secundaristas  deram  um  dinamismo  fundamental  para  a  luta  e  tiveram capacidade de angariar amplo apoio social. Certamente, as iniciativas de autogestão nas escolas ocupadas foram fundamentais para a disputa do apoio social, demonstrando os reais objetivos do  movimento.  A  popularidade  do  Alckmin  caiu.  A  legitimidade  da  luta  forçou  o  governo  a recuar. Este é um exemplo importante para motivar novas lutas. 9.  Você  acredita  que  a  “primavera  secundarista”  (sobretudo  em  São  Paulo  e  em  Goiânia) poderá  abrir  um  novo  período  de  lutas  propositivas  em  prol  dos  direitos  sociais  e  da educação pública e gratuita? GB  –  Sem  dúvida,  aponta  um  horizonte.  Mas  acho  que  o  que  vimos  até  aqui  é  apenas  um ensaio do que poderá vir nos próximos anos. O país está numa das maiores recessões de sua história, o desemprego aumenta e os serviços públicos estão perto do colapso. Há atores que 3/4 ainda não entraram em cena com toda força. As periferias urbanas já têm dado demonstrações

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ainda não entraram em cena com toda força. As periferias urbanas já têm dado demonstrações de insatisfação e mobilização. Isso deve se acentuar no próximo período, abrindo caminho para lutas ainda mais fortes e contundentes.

(https://brasilem5.files.wordpress.com/2016/03/imagem‑post.jpg) *Marco  Antônio  Machado  Lima  Pereira  é  Professor  de  História  Contemporânea  na Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranaguá. Sobre estes anúncios (https://wordpress.com/about­these­ads/)

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