Os desafios da Política Industrial Brasileira Uma contribuição da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (organizador)

June 7, 2017 | Autor: Jackson De Toni | Categoria: Industrial policy
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Os desafios da Política Industrial Brasileira Uma contribuição da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) 2004 • 2014

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

República Federativa do Brasil Dilma Rousseff Presidenta Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Armando Monteiro Ministro

Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI Alessandro Teixeira Presidente Maria Luisa Campos Machado Leal Diretora Miguel Antônio Cedraz Nery Diretor Charles Capella de Abreu Chefe de Gabinete Jackson De Toni Gerente de Planejamento

Coordenadora de Comunicação Bruna de Castro Projeto Gráfico Juliano Cappadocio Batalha Diagramação Marcelo Bastos | CDN Comunicação Corporativa

Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial SBN Quadra 1 - Bloco B - Ed. CNC - 12º, 13º e 14º andar Brasília/DF - Brasil - CEP: 70041-902 +55 61 3962-8700 [email protected]

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Dedicatória

Este livro é dedicado ao jornalista (in memoriam). Gerente de Comunicação da ABDI entre 2012 e 2015, Buarim será lembrado pelo profissionalismo, pela militância por uma sociedade mais justa e pelo companheirismo e amizade. Graças a sua inspiração e incentivo, obras como essas se tornaram realidade.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Os desafios da Política Industrial Brasileira, uma contribuição da Agência de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Brasilia: ABDI, 2016 v. 1 ( 708 p.): grafs. Color. Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-61323-40-0 1. Economia 2. Política Industrial 3. Indústria Brasileira 4. Inovação 5. Desenvolvimento Brasileiro 6. Governo Federal 7. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial; Organização: Jackson De Toni // Revisão: José Ângelo Orlando e Cid Cunha da Silva CDD 378.013

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Introdução Alessandro Teixeira // Presidente da ABDI

Há tempos, especialistas do governo federal, setor privado e academia debatem sobre os fatores que podem levar o Brasil a retomar o desenvolvimento industrial. De modo geral, o que se vê é uma deterioração dos indicadores desde a crise mundial de 2008. As diversas formas de cálculo da evolução da produtividade total de fatores (PTF) mostram uma estagnação. Contudo, um olhar mais atento deve distinguir a crise conjuntural das tendências de mais longo prazo. Nossa indústria tem sólidas raízes e soube transformar ao longo da história as crises em oportunidades de modernização. Este livro debate exatamente a complexidade desses desafios, as oportunidades para a nova indústria e a urgência de uma nova estratégia de desenvolvimento de longo prazo. A primeira observação é sobre a reconstrução das capacidades estatais para formulação e implementação de políticas de desenvolvimento produtivo. Em convergência com os caminhos adotados nos países avançados que retomaram as politicas ativas para a indústria, o Governo brasileiro, desde o início da década passada, reposicionou a política industrial no centro das ações do Estado, para viabilizar um maior dinamismo do setor, alicerçado em um novo paradigma tecnológico e um novo perfil de sua estrutura produtiva.

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A primeira experiência do século XXI, a “Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior” ousou ao propor iniciativas de modernização industrial, desenvolvimento tecnológico e aumento da inserção externa. A PITCE buscou agregar valor às exportações brasileiras por meio do fortalecimento da base institu cional da inovação (com a criação de agências, como a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI e a modernização da legislação). Entre 2008 e 2010, esteve em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP, que deu continuidade à estratégia de desenvolvimento industrial, dando ênfase à competitividade setorial. Ao ser lançada, esperava-se que a PDP daria dinamismo e sustentabilidade ao ciclo de expansão da economia que o país vivia no período. A PDP trouxe instrumentos inovadores, como a criação do Programa de Sustentação dos Investimentos (PSI), pelo BNDES, dos regimes tributários especiais, da melhoria no modelo de integração das ações governamentais e a interlocução com o setor privado. Entretanto, a crise financeira de 2008 obrigou o governo a priorizar medidas anti-crise de curto prazo, diminui eficácia da politica industrial. O Plano Brasil Maior (PBM), em vigor durante 2011 e 2014, foi um avanço em relação à PDP. Ele foi formulado e implementado em um período extremamente delicado para a economia brasileira, particularmente para a indústria, por causa da extensão da crise financeira mundial e seus efeitos negativos nos países emergentes. O PBM acabou se tornando uma política anticíclica em função da permanência da crise internacional. Não obstante a conjuntura adversa, a indústria brasileira continua mais do que nunca como um dos pilares de um projeto nacional de desenvolvimento. É na indústria que são geradas as inovações e os empregos mais qualificados, além de agregar valor às exportações nacionais. Sem dúvida a retomada do crescimento econômico vigoroso passa também por uma nova politica industrial que aposte na produtividade, na competitividade e na inovação. Uma nova institucionalidade deverá ser coletivamente construída, em que governo, empresariado e trabalhadores sejam capazes de pactuar novas diretrizes, num ambiente de cooperação e diálogo. Essa estratégia deve ser capaz de dar o salto de produtividade que precisamos para atingir o padrão mundial de competitividade. Este livro reune contribuições diversas da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial sobre os temas tratados nos parágrafos anteriores. A própria ABDI criada em meados da décda passada, ela mesma resultado deste esforço de

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reconstrução das capacidades estatais, é o testemunho institucional mais vigoroso das conquistas do passado e dos desafios a percorrer. Os artigos do corpo técnico da agência são organizados em quatro blocos. O primeiro de dimensão histórica, ressalta a importância da PITCE em 2004 para a retomada a agenda estatal e de uma política industrial moderna e abrangente. O segundo bloco apresenta uma coletânea estrutura de projetos setoriais da ABDI nas áreas estratégicas do setor produtivo. O terceiro bloco sistematiza o conjunto de dispositivos relacionados à governança, ao planejamento e ao monitoramento das políticas públicas, fatores essenciais de modernização da ação estatal. Por fim, o último bloco é composto por temas selecionados de natureza transversal e horizontal, sinalizando o quanto as novas políticas de apoio à indústria tem em complexidade e inter-conexão com a formulação e implementação das demais políticas públicas. O papel desta obra é duplo. Ela registra o esforço desenvolvido pelos técnicos da agência e testemunha os avanços e a qualidade da sua contribuição para a implementação de projetos para a indústria brasileira. Esperamos que sua leitura seja útil e produtiva a todos agentes públicos e privados, gestores, acadêmicos, o público em geral e todos os interessados na consolidação de um modelo de desenvolvimento produtivo inovador e competitivo.

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Apresentação Um livro de quem não desiste Glauco Arbix // Professor Titular da USP

Tornou-se quase um mantra no Brasil dos últimos anos afirmar que não há nem haverá país forte sem uma indústria forte. Uma indústria capaz de competir no cenário internacional e de oferecer bens e empregos de qualidade, que ajudam a elevar a produtividade e a sustentar o crescimento da nossa economia. As chamadas políticas industriais buscam exatamente esse fortalecimento industrial. Com foco na inovação e na tecnologia, se dispõem a fazer o que os mercados por si não conseguem: pretendem elevar o patamar da nossa indústria, diversificando, modernizando e globalizando o sistema produtivo de modo a aumentar de forma consistente a produtividade da economia. Não á toa, o termo inovação passou a integrar com destaque documentos de governo pelo menos desde 2003.

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Nem sempre foi assim, porém. A retomada das políticas industriais em 2004, após de um quase exílio de mais de 20 anos, esteve longe de ser tranquila. Não somente pela controvérsia que suscitavam, mas também pelas resistências no meio empresarial, acadêmico e mesmo no interior das instituições públicas e órgãos de governo. O lançamento da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) estimulou um vivo debate dentro e fora do ambiente público naquele começo de século. E permitiu que a debilidade e mesmo despreparo da máquina estatal brasileira e de grande parte dos agentes econômicos privados se tornasse flagrante desde os primeiros passos na direção de políticas que ajudassem na superação de deformações estruturais profundas. Não se tratava apenas de recuperar ou retomar o fio de continuidade de uma linhagem de políticas industriais que haviam florescido no período do nacional desenvolvimentismo. As políticas industriais contemporâneas, se quiserem ser efetivas, precisam apresentar-se claramente como distintas das anteriores. Não somente porque o funcionamento da economia mostra-se muito diferente dos anos 50, 60 e 70. Mas fundamentalmente porque o Brasil, com todos os problemas, é outro. Somos um país mais aberto, democrático, poroso às novas tendências internacionais, em que os fluxos de conhecimento passaram a fazer parte dos sistemas produtivos em constante mudança. No início dos anos 2000, tratava-se, como hoje, do desafio de elaborar políticas para um ambiente mais complexo, com atores novos, condicionantes inéditos e nem sempre bem conhecidos, em meio a cadeias de valor globais que inexistiam no período anterior, em que o rápido crescimento da nossa economia era fruto do esforço da industrialização. O Brasil conseguiu criar um parque industrial heterogêneo, diversificado, articulado. O passo seguinte, o da sofisticação, da qualidade, da tecnologia, inovação e alta produtividade, configurou-se como um alvo ainda distante, que permanece sem desenlace positivo desde o esgotamento do desenvolvimentismo. Em 2004, o mundo industrial precisava de um choque de inovação. Hoje, em 2015, esse desafio continua presente. Muitos avanços foram realizados, claro. Novas instituições surgiram. Leis de impacto, que viabilizaram novas iniciativas para

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transformar nossa indústria. E também muitas mentes, impregnadas por uma cultura avessa à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. Como não há mágica nem receita prévia, a partir de 2004 inaugurou-se um período de intenso esforço de capacitação e aprendizagem de planejadores públicos, de articulação com a iniciativa privada, entre empresas, universidades e centros de pesquisa. A malha de novos relacionamentos, de diálogo, conversação e intercâmbio envolveu agentes do mundo da indústria, do próprio governo e suas instituições. Aprender a aprender tornou-se regra obrigatória. E conectar-se com o futuro, uma necessidade. Para isso, a identificação clara da herança a ser superada – o protecionismo, o enclausuramento da economia, a visão setorial restritiva, a separação rígida entre indústria e serviços, a falta de ambição tecnológica, os hábitos dos pequenos projetos, a ausência de foco nos complexos portadores de futuro – exigiu um esforço institucional inédito. Não foi à toa que uma nova agência surgiu nesse período, a ABDI, como promessa de um ponto de apoio institucional para uma indústria de um novo tempo. De um prisma histórico-institucional, a ABDI vive ainda em sua infância ou na préadolescência. Porém, mesmo nessa condição, conseguiu mostrar disposição de aprender e de conviver com a nova era aberta pela revolução da microelectrônica e do universo digital, que atingiu diretamente a economia brasileira, e expôs a fragilidade da nossa indústria e de nossas empresas. A atuação da ABDI ajudou a explicitar que o baixo desempenho industrial tem fontes circunstanciais mas, essencialmente, alimenta-se de vícios estruturais. Décadas de uma economia fechada dificultaram o florescimento de uma cultura empresarial avançada, pautada pela boa gestão, tecnologia e inovação. De fato, o Brasil ficou distante das grandes transformações do século XX. Se não corrigir a rota, de modo a ajudar a indústria a se reinventar, a ciência e a tecnologia a desabrocharem e a inovação a se enraizar no coração das empresas, o Brasil corre o risco de estagnar nas margens do século. Os poucos países que se desenvolveram construíram uma base de infraestrutura, massificaram a educação e investiram amplamente em Ciência e Tecnologia.

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O mundo mudou e o conhecimento tornou-se peça chave para qualquer projeto nacional de futuro. A indústria não pode mais se contentar com mudanças cosméticas. O surgimento de um mercado de consumo de massa, no Brasil e no mundo emergente, é o substrato para novas iniciativas, públicas e privadas, voltadas para o aumento de produtividade. A obrigatória disputa pelo mercado internacional exigirá que as empresas reorientem suas estratégias de modo a acompanhar a revolução da manufatura que avança pelo mundo. Para isso, mais do que nunca, o Brasil preciso avançar rumo a uma economia amigável à inovação. Mesmo tendo muito a consertar, nos anima saber que o Brasil não perdeu a bússola. E que esse Norte é definido com a ajuda de agências como a ABDI, que sempre se dispôs a estimular as empresas a buscarem maior competitividade. A indústria brasileira precisa de instituições desse tipo, que não baixam a guarda nem desistem diante do primeiro obstáculo, aquelas que procuram insistentemente novos caminhos e soluções para alterar a estrutura industrial. Esse foi o modelo de construção e consolidação escolhido pela ABDI, que envolve ensaios, tentativas, acertos e erros. São os caminhos de aprendizagem que dão musculatura para uma instituição séria, que a cada passo tenta compreender seus limites, para avançar. Não há mágica nem receita prévia, mas dedicação, empenho e muita persistência. A incorporação da Tecnologia e da Inovação nas estratégias corporativas e mesmo nos planos de governo, tem ocorrido, de fato, de forma lenta e nem sempre equilibrada. Em que pesem a sucessão de políticas, de novos programas de incentivo e do aumento do investimento em Inovação, o país demonstra que ainda tem dificuldades para transformar conhecimento em tecnologia, de modo a provocar impacto real na atividade econômica. Exatamente por isso, em que pesem os esforços dos últimos anos – e não foram poucos – a realidade atual da nossa indústria é crítica e continua exigindo cuidados especiais. A ABDI é uma das agências que tem condições de oferecer esses cuidados e de contribuir para destravar essa situação.

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Os trabalhos deste livro, produzidos por técnicos da casa, são pequena expressão do grande potencial da agência. Tocam em temas avançados e nas áreas grávidas de futuro. Cobrem o grande arco da Inovação, que permeia os avanços de hoje nas redes inteligentes e nos micro satélites, nas energias limpas, na química sustentável e nas TICs. Abordam os desafios que o país precisa enfrentar para que suas cidades não fiquem perambulando pelas ruelas da ignorância, da violência, do amontoado habitacional. É preciso qualidade de vida e sustentabilidade, anunciam os textos. Mesmo quando abordam as trajetórias de gestão da ABDI, das relações entre universidade-empresa e dos esforços para interligar a inteligência brasileira no exterior, como no projeto Diáspora, o que se narra é sempre Brasil. Como convém aos valores democráticos, a diversidade foi a marca de seus capítulos, que escolheram como pano de fundo a indústria, seus vícios e virtudes. A narrativa exposta reflete uma instituição jovem, nascida do mesmo ventre que pariu a PITCE, e que nunca deixou de participar ativamente de todas as políticas, planos e programas de governo que se voltaram para fazer do Brasil um país melhor.

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BLOCO 1 - A HISTÓRIA DA POLÍTICA INDUSTRIAL

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A retomada da política industrial na agenda federal: a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, a PITCE

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BLOCO 2 - OS PROJETOS E INICIATIVAS SETORIAIS DA ABDI

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As Cidades Inteligentes, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e a Internet das Coisas (IoT): oportunidades para o Brasil

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O Desenvolvimento de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) para as Redes Elétricas Inteligentes (REI) O mercado brasileiro de micro e nanossatélites

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A cooperação tecnológica universidade-empresa: motivações e gargalos e um estudo de caso da cadeia produtiva aeronáutica

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A cadeia produtiva da indústria nacional em energia eólica: identificação de gargalos produtivos e oportunidades.

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O Desenvolvimento da Nanotecnologia no Complexo Industrial da Saúde no Brasil

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Desafios para a Indústria de Insumos Químicos no Segmento de HPPC

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Estratégias de política industrial para o setor de Petróleo, Gás e Naval

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A Microeletrônica como fator de Competitividade da Indústria de TIC

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Sustentabilidade ambiental na indústria da construção civil no Brasil: oportunidades para a indústria

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A política industrial brasileira para o setor automotivo: desafios & perspectivas

BLOCO 3 - CONSTRUINDO O MODELO DE GOVERNANÇA FOCADO EM RESULTADOS O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial durante os governos de Lula: participação e coordenação O Modelo de Gestão da ABDI ABDI: Uma Agência Intensiva em Conhecimento O Planejamento Estratégico da ABDI: foco em resultados

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O Monitoramento e a Avaliação da Política Industrial Brasileira: lições da experiência recente

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BLOCO 4 - OS TEMAS TRANSVERSAIS DA POLÍTICA INDUSTRIAL

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Política Industrial no Brasil e as Cadeias Globais de Valor

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Conteúdo Local como instrumento de política industrial

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Empresariado Industrial como Ator Político: Uma análise da ação coletiva e da intermediação de interesses no Brasil

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A Importância do Design como Estratégia de Inovação para a Competitividade da Indústria

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Mercado de Bens e Serviços Ambientais no Brasil

O Fenômeno das Diásporas Tecnológicas e seu Impacto sobre o Desenvolvimento

Em busca da decodificação da competitividade nacional

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BIOGRAFIA RESUMIDA DOS AUTORES

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Comércio Internacional e Política Industrial no Brasil

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Bloco 1 A HISTÓRIA DA POLÍTICA INDUSTRIAL

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A retomada da política industrial na agenda federal: a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, a PITCE

Jackson De Toni

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RESUMO No início do governo Lula, em 2004, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, a PITCE, recolocou o tema da indústria na agenda nacional. Apesar da desproporção entre instrumentos disponíveis e estratégias definidas, a PITCE tem o mérito de recuperar esse debate e resultar de uma inovação institucional, focada em temas de fronteira tecnológica, mais seletiva e avançada. O artigo registra a lógica de funcionamento da política, seus antecedentes e seu legado para concluir sobre a importância de seu pioneirismo e sobre os temas por ela colocados, quase todos ainda na ordem do dia da política industrial contemporânea. Palavras-chave: PITCE. Política industrial. Governo Lula.

INTRODUÇÃO Para que um problema entre na pauta das arenas, no processo competitivo de agenda-setting (KINGDON, 2011), além da clara percepção pelos atores de que determinado tema é de fato um problema que não pode ser mais postergado, a existência de soluções viáveis é uma variável imprescindível para o estabelecimento da agenda. Para Kingdon (2011), os fluxos de problemas, as soluções e a política são independentes, mas em nosso caso de estudo é impossível separá-los. A policy community da política industrial, formada por líderes da indústria, trabalhadores do setor1, pesquisadores acadêmicos e os think tanks mais importantes (CEPAL, IPEA e IEDI, por exemplo) e os gestores públicos (em especial do MDIC e do MCT), já havia desenvolvido uma convergência importante de valores e ideias sobre o que deveria ser a nova política, seus custos e sua viabilidade dede a campanha de 2002. Parcela importante dos gestores públicos que discutiram as políticas no início do governo Lula já havia participado de debates e iniciativas heterodoxas nesta área a partir da academia ou assessorando instituições privadas desde os anos 1990. A própria imagem (policy image) de Lula, uma liderança que havia emergido do Brasil “industrial e urbano”, metáfora de mobilidade social, funcionava

1 Os trabalhadores, apesar de relativa capacidade de mobilização, sempre atuaram pontualmente no tema da política industrial, focando assuntos de interesse imediato como a redução da jornada de trabalho, a participação nos resultados ou questões previdenciárias, sem contudo intervir com propostas mais globais de política industrial, stricto sensu. No plano geral a posição da CUT e das demais centrais foi favorável às políticas industriais do governo Lula. O DIEESE, principal órgão de assessoria sindical, nas Notas Técnicas elaboradas (NOTA TÉCNICA DO DIEESE, 2005; 2008), recomenda apoio aos planos com ressalvas. No caso da PITCE, a maior crítica foi a pouca ênfase na geração de empregos e o restrito número de setores apoiados, em especial aqueles de intensidade tecnológica (setores portadores de futuro).

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como uma esperança de que o tema da “crise da indústria” deveria ser enfrentado com políticas explícitas e coordenadas. As políticas industriais dos governos de Lula foram construídas, sobretudo, naquilo que Baumgartner e Jones (1995) chamam de valence issues, ou seja, conceitos-chave que representam verdades naturais e aceitas universalmente, que não são facilmente “questionáveis”, como “aumentar a inovação”, “gerar empregos qualificados”, “proteger a indústria da concorrência predatória”, “aumentar a produtividade”, etc. Este recurso funciona na apresentação da política como uma estratégia para neutralizar ou eliminar a possibilidade de posições contrárias. De fato, quando do seu anúncio, a política não foi objeto de crítica da oposição política ao governo, dentro ou fora do Congresso Nacional. Elas só vão surgir no detalhamento das medidas, num estágio inferior de decisão e influência. Outro recurso de estratégia foi o recurso à generalidade das medidas, evitando críticas mais efetivas e garantindo margem para manobra na sua execução pelo Governo. A política industrial lulista também tentou se apoiar na trajetória dos colegiados tripartites setoriais, que vinham existindo desde o governo Sarney, na segunda metade dos anos 1980. Em tese a ideia fazia sentido e dialogava com o discurso participacionista e (neo)desenvolvimentista do governo. Quanto menos interventora e distante dos modelos desenvolvimentistas clássicos ficava a política industrial, mais necessárias e úteis estas arenas se tornaram e menor a resistência “liberal” à política industrial. Não só como arenas “quase-participativas”, que de fato “alargam” os “negócios do estado” para públicos maiores, mas como arenas de argumentação, convencimento e coordenação de medidas, como um “campo de teste” para soluções potenciais que dependem, em última instância, da aderência voluntária dos atores: de empresários, como proprietários do capital, e dos trabalhadores que detêm recursos políticos como capacidade de mobilização de suas bases. Uma das novidades do governo Lula foi a sofisticação do modelo, ao criar uma “arena superior”, a “arena das arenas”, materializada num grande conselho nacional com os dirigentes máximos do governo e da indústria, o CNDI. Por fim, um grande “fluxo” neste campo foi a consolidação e disseminação de um ideário discursivo que tentou preencher o vazio teórico “pós-liberal”, contrapondo-se ao nacional-desenvolvimentismo “antigo” e ao mesmo tempo ao discurso pró-mercado do período anterior. O neodesenvolvimentismo, surgindo simultaneamente em diversos atores da policy community, funcionará como um novo mainstream lulista, justificando o ativismo estatal e sobretudo a convivência ambígua entre medidas

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estatizantes com a política econômica mais ortodoxa (superávit primário, câmbio apreciado e juros altos).

AS ORIGENS DA PITCE O governo Lula manteve a mesma orientação macroeconômica do seu antecessor, mas inovou no estilo político e na ênfase aos programas sociais de natureza distributiva. Em relação ao estilo político, havia uma orientação clara de aumentar e qualificar as interfaces societais, em especial com as várias clientelas de programas governamentais, e potencializar a dinâmica do mercado interno. A política industrial era um destes programas, assumido explicitamente logo no primeiro ano, com a circulação interna dos primeiros textos (já havia uma referência explícita no programa eleitoral de 2002). A perda de dinamismo da indústria era um dos critérios justificadores da política industrial. Ao contrário do senso comum, a política industrial foi uma tarefa de governo assumida desde o início como algo complementar à política econômica e não oposta ou antagônica a ela, ainda que a elaboração inicial tenha passado por tensões internas entre o IPEA e a burocracia intermediária do Ministério da Fazenda. Como afirmou um dirigente do Ministério da Fazenda, a política deveria ser integrada aos princípios da política econômica, o que implicaria “começar do zero” (ENTREVISTA AO AUTOR, em 19 jun. 2012). As bases da política industrial do governo Lula foram divulgadas em junho de 2003 através do texto Roteiro para Agenda de Desenvolvimento2, ainda rudimentar, praticamente mapeando os principais pontos. O “crescimento sustentável” é o primeiro objetivo da agenda, com redução de juros e consolidação da estabilidade econômica, sinalizando um conjunto de reformas microeconômicas e institucionais. O segundo objetivo é o aumento do comércio exterior; o terceiro, o aumento da eficiência da estrutura produtiva e a capacidade de inovação. Nada muito diferente dos documentos e dos PPAs do período Cardoso. Logo depois (em novembro de 2003), um Grupo de Trabalho3 específico começa a se reunir com dirigentes do IPEA, do Ministério da Fazenda e da Casa Civil para produzir o documento chamado Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, divulgado

2 O texto foi resultado do trabalho de um Grupo Interministerial sobre a Agenda de Desenvolvimento, criado em 25 de junho de 2003 (um ano antes, portanto), sob a direção da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, subordinado à Câmara de Política Econômica da Casa Civil da Presidência da República (KUPFER, 2013). 3 Participavam deste grupo: Antonio Martins e Carlos Gastaldoni, do MDIC; Glauco Arbix e Mario Salerno, do IPEA; Alessandro Teixeira, da APEX; Bernardo Apy e Edmundo de Oliveira, da Fazenda; Fabio Erber, do BNDES; Tereza Campello e Adelmar Torres, da Casa Civil.

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publicamente em março de 2004, tratado aqui simplesmente como “Diretrizes”. O documento está assinado pela Casa Civil da Presidência da República; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ministério da Fazenda; Ministério do Planejamento; Ministério da Ciência e Tecnologia; Instituto de Pesquisa Aplicada; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; Financiadora de Estudos e Projetos; e Agência de Promoção das Exportações.4 A construção da política dependeu de intensa articulação interna no governo, como confirmou Alessandro Teixeira em março de 2005: No início, a articulação era feita através de um grupo de trabalho, no qual eu representava a Apex. Depois, o grupo se institucionalizou como uma coordenação. Tornei-me o coordenador-executivo; Mário Salerno, do Ipea, e Edmundo de Oliveira, da Fazenda, eram também os coordenadores. Aí se iniciou todo o trabalho: fomos construindo com o setor privado e com o governo políticas voltadas para a indústria, de modo que se alavancasse a indústria brasileira, segundo alguns objetivos. (INOVAÇÃO UNICAMP. Disponível em: . Publicado em 3 mar. 2003. Grifo nosso). A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, tratada aqui como PITCE, foi anunciada publicamente somente em março de 2004, em solenidade na Confederação Nacional da Indústria, em Brasília, com a presença do Presidente da República e de vários ministros da área. O documento é simples e direto, apresenta uma caracterização conceitual da política industrial, define suas características básicas e detalha mais a implementação dos programas e ações5. Além dos temas corriqueiros na agenda das políticas anteriores, chama a atenção a ênfase nos temas de tecnologia, inovação e P&D, anunciando o que seria o foco permanente das políticas doravante praticadas. Além disso, o documento coloca pela primeira vez a necessidade de escolher setores e empresas líderes em segmentos selecionados para desenvolver ações específicas, inclusive naqueles campos onde

4 Há frequentes equívocos superestimando o papel do BNDES na formulação da PITCE. Na elaboração da PITCE, Fabio Erber, economista da UFRJ e assessor de Carlos Lessa, participou do Grupo de Trabalho, mas o banco institucionalmente influenciou pouquíssimo na formulação estratégica, concentrando-se mais na operação de linhas compatíveis com suas diretrizes. Na PDP, sob direção de Coutinho e Ferraz, o banco engajou-se mais institucionalmente, inclusive na dimensão estratégica. 5 Um ano após este evento, a Confederação Nacional da Indústria lançou o Mapa Estratégico da Indústria 20072015 (CNI, 2005), com total convergência às propostas do governo Lula. No capítulo 2, “Ambientes Institucional e Regulatório”, a ênfase é colocada em aspectos convencionais da melhoria do ambiente de investimentos e da produção de bens públicos ou meritórios.

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a fronteira tecnológica é mais complexa. Esta última característica o distingue das formulações de todos os governos anteriores. O governo Lula desenvolveu ainda duas outras ações relevantes, que se relacionam com a retomada do debate nacional sobre política industrial. A primeira delas foi uma iniciativa do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o CDES, que instituiu um Grupo de Trabalho em 2003 intitulado Fundamentos Estratégicos do Desenvolvimento6. Os resultados debatidos no conselho apontaram a necessidade de uma Agenda Nacional de Desenvolvimento, identificando uma visão de futuro, valores orientadores e âmbitos problemáticos a serem enfrentados. A AND, como veremos adiante, reforçou os princípios da política industrial vigente. A outra iniciativa foi o projeto chamado Brasil em 3 Tempos (BR3T), elaborado pelo Núcleo de Estudos Estratégicos (NAE), vinculado à Presidência da República. Tais iniciativas, embora ainda tímidas em relação aos seus próprios objetivos, contribuíram para fomentar o debate e o diálogo entre os atores com capacidade de formulação estratégica no setor público e privado. Os debates sobre temas próximos de uma agenda industrial levados a cabo quase simultaneamente pelo CDES, pelo CNDI e pelo NAE no projeto Brasil em 3 Tempos criaram uma densidade política e um volume de debates e informações não desprezível, para que o tema entrasse na agenda de governo nos primeiros anos do período Lula. O texto Diretrizes instituiu inicialmente que a estabilização das variáveis macroeconômicas, a redução das taxas de juros, a retomada do crédito interno e externo e a redução do “risco Brasil” (incorporando esta expressão clássica do empresariado) seriam os “aspectos centrais para a retomada do investimento privado e do crescimento econômico” (p.  1). Entre as iniciativas que caberiam ao Governo estariam: 1) o aprimoramento dos diversos marcos regulatórios dos setores de infraestruturas; 2) medidas de “isonomia competitiva” como as desonerações tributárias para exportações, dos bens de capital e do custo do crédito; 3) a viabilização dos instrumentos para expansão do comércio exterior, objetivando a redução da razão dívida/exportações e logo a vulnerabilidade externa. O foco da política industrial do primeiro governo Lula foi a criação de condições para aumento da competitividade sistêmica, definida como aumento da eficiência

6 O CDES foi criado em 2003 como órgão de assessoramento da Presidência da República, priorizou o debate das desigualdades econômicas e sociais e produziu duas Agendas Nacionais para o Desenvolvimento, a primeira em 2005 e a segunda finalizada em setembro de 2010. Dirigido diretamente pelo Presidente da República, o CDES foi composto por 104 cidadãos nomeados para um mandato, renovável de dois anos, incluindo 14 ministros de Estado.

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econômica e melhoria da competição no comércio internacional. Outra sinalização importante foi o link estabelecido com a política de infraestrutura e de desenvolvimento regional, este último abordado como fator-chave para integração físico-econômica do território, aspecto particularmente importante em um país que ainda concentra quase metade do seu PIB industrial em menos de 3% do território (São Paulo). Para coordenar o conjunto de ações, a PITCE previa também a criação de uma agência paraestatal e de uma instância de diálogo permanente com a sociedade civil, como um conselho ou câmara colegiada, sob coordenação do MDIC. O documento Diretrizes, ao abordar quais seriam as funções da política industrial, inequivocamente colocava no centro das atenções o tema da inovação como elemento-chave para o crescimento da competitividade7. Os principais instrumentos da política respondiam a esta premissa: direcionamento dos fundos públicos para projetos com conteúdo de inovação tecnológica (foi o caso dos Fundos Setoriais de C&T), a criação de marcos regulatórios adequados (como foi o caso da Lei de Inovação ou do Projeto de Lei que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de topografias de circuitos integrados) e a reorganização das linhas de crédito de bancos oficiais (o FUNTEC/ BNDES, por exemplo). Daí decorrem repetidas sinalizações para a importância do estímulo aos novos processos, à conjuntura mundial que demanda produtos de baixo custo, diferenciados e com qualidade e a necessidade de estimular pesquisa & desenvolvimento. O texto constatava que a indústria brasileira não se modernizou, nem aumentou sua competitividade nos anos 1990 para ampliar sua base exportadora (a participação na corrente de comércio teria caído de 1,39% para 0,79%). A política propunha-se – sem usar a expressão “desindustrialização” – a enfrentar o fenômeno conhecido como “especialização regressiva” ou “primarização da pauta exportadora”. Tais setores, nomeados pelo documento como “opções estratégicas”, foram priorizados porque constituem áreas representativas dos novos negócios associados à “economia do conhecimento” (tecnologia da informação, semicondutores, fármacos, software) e bens de capital, mas sobretudo porque representam elevados déficits na balança comercial. Outros setores, nominados “portadores de futuro”, foram escolhidos porque representam “janelas de oportunidade” de médio e longo prazo, tais como a nanotecnologia ou a biotecnologia8. É importante assinalar que o documento

7 Em recente estudo o IPEA demonstrou que as empresas que inovam e diferenciam produto têm probabilidade 16% maior de exportarem (DE NEGRI; SALERNO, 2005). Em um país em que menos de 2% das empresas inovam, a pauta de exportação é dominada por commodities e produtos de baixa tecnologia e quase não há pesquisa no setor privado, esta constatação adquire dramaticidade evidente. 8 Na PITCE de 2004, a priorização de setores “estratégicos” não era propriamente novidade daquele governo. Em 1988 (Decretos-Lei nº 2.433 e nº 2.434), o governo Sarney já promovia uma reforma tarifária para proteger alguns setores (informática), criando a figura dos Programas Setoriais Integrados e os Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTIS). No governo Collor, o eixo da política industrial desloca-se definitivamente da preocupação em expandir a capacidade produtiva para o tema da competitividade (GUIMARÃES, 1996). A PITCE, entretanto, escolhia os mesmos fins, mas mudava completamente os meios: não se trata mais de isenções fiscais, mas um conjunto articulado de medidas centradas no crédito, no fomento de P&D e na melhoria do ambiente institucional e da governança.

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observava a importância de constituir grandes grupos empresariais com inserção internacional, capazes de liderar o processo de modernização industrial nacional9. Além disso, registrava que a construção de espaços de negociação permanente com todos os atores envolvidos é uma exigência da própria natureza das políticas públicas que trabalham com a inovação, com redes permanentes de cooperação e construção coletiva do conhecimento. A retomada da política industrial recolocou, à época, o debate sobre um projeto autônomo de desenvolvimento, como foi lembrado recentemente por Luciano Coutinho, Presidente do BNDES desde 2007: Nós resgatamos a capacidade de ter um projeto nacional de desenvolvimento, só que agora isso pressupõe uma relação cooperativa entre o setor público e o setor privado. No caso das grandes infraestruturas, que exigem planejamento de longo prazo, é fundamental ter uma modelagem privada pró-investimento, com estruturas adequadas de incentivo [...]. O BNDES tem sido o principal esteio disso. Caso contrário, o financiamento em moeda estrangeira descasa e deixaria todo o sistema de infraestruturas vulnerável ao risco cambial. (Entrevista com Luciano Coutinho, “Cadernos do Desenvolvimento”, 2011. Grifo nosso.) Resumindo, as características gerais da PITCE foram a orientação para aumentar a capacidade de inovação das empresas, particularmente naquelas cadeias produtivas e setores voltados para exportação. Seus quesitos principais são: 1) estímulo à competitividade voltada para o mercado externo e geração de saldos superavitários na balança comercial; 2) abordagem seletiva de cadeias produtivas e setores específicos com alto conteúdo tecnológico (abordagem vertical); 3) combinação de incentivos fiscais e tributários para setores específicos e medidas regulamentadoras, segurança jurídica dos contratos e melhoria do ambiente de negócios (abordagem horizontal); e 4) contribuição para o desenvolvimento regional.

9 Apesar da relativa imprecisão sobre meios e instrumentos para promover esta diretriz, ficava evidente que os exemplos da Petrobras, Gerdau, CVRD, Embraer e Marcopolo produziram transbordamentos com ganhos de aprendizagem, especialização e escala que ultrapassaram muito seus mercados específicos. Somente em setembro de 2005, o BNDES, após mudar seu estatuto, aprovou a primeira operação (a Friboi, que comprou a Swift Armour argentina, em um empréstimo de US$80 milhões). A avaliação de desempenho estava condicionada ao incremento das exportações líquidas da empresa beneficiada. Outra operação neste mesmo foco foi a compra da empresa Brasil Telecom pela Oi em 2008.

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AS DIRETRIZES ESTRATÉGICAS DA PITCE O escopo da PITCE foi definido a partir de uma compreensão que a abordagem correta de uma nova política industrial deveria ser desenhada considerando os grandes sistemas industriais ou os complexos produtivos, incorporando o conceito de uma abordagem transversal às cadeias produtivas. Isso já era um avanço conceitual, pois superava a visão restrita e clássica da manufatura isolada dos serviços, por exemplo, ou de políticas meramente setoriais e verticalizadas. As linhas de ação definidas pela PITCE foram: Inovação e Desenvolvimento Tecnológico: a proposta foi consolidar um Sistema Nacional de Inovação capaz de articular organicamente empresas, universidades e centros de pesquisa. A estratégia passava por recompor a base legal, garantir fluxos orçamentários e o setor privado, reestruturar institutos de pesquisa, organizar conferências periódicas sobre temas estratégicos (produzir consenso nacional) e aumentar a transparência do processo decisório governamental. Principais ações nesta linha: 1) a Lei de Inovação para aprofundar a relação entre institutos de pesquisas e empresas privadas, que foi aprovada pelo Congresso Nacional em 11 nov. 2004 (mais tarde o governo federal regulamentou os incentivos previstos na lei)10; 2) reestruturação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial para agilizar a concessão de marcas e patentes11; 3) modernização e implantação de laboratórios (Metrologia Química, Metrologia de Materiais) para pesquisa em áreas estratégicas como o Centro de Nanociência e Nanotecnologia em estudo; e 4) apoio às Empresas de Base Tecnológica (EBT) com o desenvolvimento do setor de venture capital (capital de risco). Inserção Externa: a PITCE defendia a ampliação sustentada das exportações e ampliação da base exportadora pela incorporação de novos produtos, empresas e negócios. A gama de ações era variada, desde a desoneração tributária até a criação de centros logísticos no exterior, passando pela consolidação de marca associada ao país nos mercados compradores. O documento governamental fazia referência

10 Em 2009, 600 empresas utilizaram o benefício fiscal desta lei para investir em P&D no Brasil, representando um volume de recursos de R$8,3 bilhões (DE NEGRI, 2012). 11 Segundo a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) e a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), havia 500 mil pedidos de registro de marcas e 24 mil pedidos de registro de patentes aguardando aprovação do INPI até 2004. No Brasil a espera para obtenção de marca é de quatro anos e de patente chega a sete anos, enquanto no plano internacional os prazos são um e três anos respectivamente (Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2004).

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particular ao dinamismo de agronegócio onde o Brasil já lidera as exportações em diversos mercados. Modernização Industrial: este tema foi tratado a partir de três abordagens combinadas. A primeira delas orientava a ação governamental para ações de capacitação produtiva. A segunda era a prioridade para arranjos produtivos locais em direção ao adensamento do tecido produtivo. A terceira foi a orientação para evitar a atomização empresarial, atuando de forma concentrada espacialmente. Até março de 2005, houve redução do Imposto de Importação para 335 produtos, incluindo as áreas de informática e telecomunicações; apoio aos arranjos produtivos locais (APL), focando em extensão empresarial para exportação (Programa PEIEX/ MDIC), certificação de consórcios, incentivo tecnológico (via fundos setoriais da FINEP); e operação dos fundos constitucionais para o desenvolvimento regional, gerenciados pelo Ministério da Integração Nacional para o Centro-Oeste (operado pelo Banco do Brasil), para o Norte (operado pelo Banco da Amazônia) e para o Nordeste (operado pelo Banco do Nordeste). Capacidade e escala produtiva: o objetivo aqui foi atacar especificamente o problema de limitação da capacidade instalada dos setores mais intensivos em capital, cujo gap entre a decisão de investimento e a retomada da produção é relativamente longo. Colocava-se o problema das fontes de financiamento, da mudança do perfil das garantias, da promoção de consórcios e de novos arranjos competitivos e estímulo à fusão de empresas. As principais ações implementadas na época foram: 1) desoneração tributária: ampliação do prazo de arrecadação e redução do IPI e depreciação acelerada para bens de capital, modernização portuária (REPORTO), desoneração de impostos federais para empresas exportadoras, incentivos fiscais à inovação (dedução das despesas no imposto de renda); 2) medidas de incentivo ao investimento, poupança e crédito: estímulo ao crédito consignado e microcrédito, estudo sobre a criação de um “cadastro positivo”, novos instrumentos de crédito para a agroindústria, inclusão bancária (contas simplificadas); 3) melhoria do marco legal: nova Lei de Falências (Lei nº 11.101), reforma do Código de Processo Civil, reforma do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência12, parceria público-privada (Lei nº 11.079), aprimoramento das Agências Reguladoras (PL nº 3.337/04), Lei de

12 Uma política de defesa da concorrência compatível com políticas industriais de raiz neoschumpeteriana é viável, desde que não se encare, por exemplo, o estímulo à cooperação interempresarial para aprendizagem coletiva como abdicação do controle sobre condutas nocivas anticoncorrenciais. Na área de P&D, talvez seja necessária a criação de “zonas de exceção” para setores industriais prioritários com regras mais flexíveis de prevenção e controle.

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Inovações (Lei nº 10.973), reforma do mercado de resseguros; 4) melhoria do ambiente de negócios: projeto-lei para simplificação de registro e fechamento de empresas, em consulta pública no site da Presidência da República durante o mês de junho13; 5) diversos projetos na área de infraestrutura portuária, de transportes, energia e telecomunicações; e 6) criação de uma Sala do Investidor ligada diretamente à Presidência da República para coordenar institucionalmente a atração de investimentos nacionais e externos. Opções estratégicas: as opções estratégicas foram escolhidas pelo potencial de dinamismo, capacidade de atração de investimentos, novas oportunidades de negócios, intensivas em inovação, adensamento do tecido produtivo; e apresentam vantagens comparativas dinâmicas. Nesses requisitos estão os setores de semicondutores, software, fármacos e medicamentos e bens de capital. Sinalizase a clara relação entre essas prioridades e políticas públicas setoriais, como são as políticas de saúde relacionadas com o tema dos fármacos. A pesquisa agropecuária foi lembrada como causa central da competitividade do agronegócio como exemplo de conexão entre o investimento em P&D e o impacto em políticas públicas. As principais ações efetivadas nesta linha referiam-se a incentivos ao setor de semicondutores (a balança comercial neste setor apresenta déficit de US$6 bilhões/ano em média), software (BNDES), bens de capital (Modermaq e Finame do BNDES) e fármacos (Profarma do BNDES). Além dos setores ditos “estratégicos”, a política sinalizava para os setores “portadores de futuros”, cuja realidade na cadeia produtiva ainda era precária, o que apresentava as maiores tendências de alteração de processos e produtos. Eram eles: a nanotecnologia e a biotecnologia.14 Pode-se ver que a PITCE apresentava um volume muito grande de medidas em diversas áreas do governo. Algumas delas não tinham sido elaboradas nos marcos da política industrial, mas eram incorporadas a posteriori. Foi notável o engajamento do BNDES, operando linhas que viabilizaram as escolhas da política industrial (setores prioritários). A seguir um quadro-síntese das principais medidas da PITCE.

13 Nos estudos Doing Business (Disponível em: ), o Banco Mundial demonstrou que em média se gastam 150 dias para abrir uma empresa no Brasil. Além disso, outros fatores como a regulamentação trabalhista, a eficiência do Judiciário, o acesso ao crédito e o processo de falência contribuem para a baixa eficiência empresarial no país. 14 No caso da PITCE, os incentivos eram de natureza creditícia ou em P&D, não havia qualquer tentativa de reeditar as práticas de “reservas de mercado” dos anos 1980 ou uma política de subsídios que seria insustentável no âmbito da OMC. Além disso, o critériochave de elegibilidade, além da escala e do potencial de inovação, era a redução seletiva dos déficits na balança de pagamentos.

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Tabela 1 – Síntese das Diretrizes da PITCE

Inovação e Desenvolvimento Tecnológico Sistema nacional e sistemas setoriais de inovação.

Ampliação da Capacidade Produtiva e da Escala da Produção

Elevação da Inserção Externa

Modernização Industrial

Financiamento e desoneração das exportações.

Modernização de equipamentos, gestão e design.

Estímulo à fusão de empresas.

Promoção

Apoio ao registro

Financiamento

Redefinição dos elos entre empresas e entidades de pesquisa.

comercial.

de patentes.

Centros de distribuição no exterior.

Programas setoriais.

de consórcios de empresas, notadamente na produção de intermediários.

Reestruturação e criação dos institutos de pesquisa.

Inserção da produção brasileira nas cadeias de suprimentos internacionais.

Conferências nacionais periódicas sobre temas estratégicos.

Setores Estratégicos

Semicondutores Fármacos e medicamentos.

Software.

Bens de capital.

Apoio aos arranjos produtivos locais. Ações concentradas espacialmente.

Marca Brasil.

Fonte: ABDI (2008)

A tabela demonstra uma predominância clara de medidas e iniciativas relacionadas à inovação tecnológica e ao incremento de Pesquisa & Desenvolvimento nos setores estratégicos selecionados.

O PROBLEMA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA INDUSTRIAL O escopo da proposta de política industrial apresentada pelo governo federal durante o primeiro governo Lula propunha-se a ser capaz de associar ações horizontais (ou transversais) com ações verticais (industrial targeting), exigindo ampla coalizão de forças políticas para ser executada. Como em toda coalizão, que supõe convergência de interesses materiais e uma compreensão comum das tarefas e uma visão de

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futuro, o papel do governo é crítico e fundamental. O governo federal deveria ser capaz de estimular a formação desta coalizão e garantir sua virtuosidade, isto é, fazer a mediação entre interesses particulares potencialmente divergentes – de setores que perdem e outros que ganham, entre as cadeias produtivas – e constituir, afinal, os interesses nacionais de um projeto de desenvolvimento mobilizador. A interação de múltiplos atores em cenários de grande incerteza requer persistência e perseverança, como lembra Gadelha (2001). O primeiro e mais grave problema residiu na construção de “capacidade de governo”15 para gestar a política nesta nova conjuntura, radicalmente diferente do ciclo desenvolvimentista dos anos 1970, quando a solução mais simples teria sido elaborar um clássico plano de desenvolvimento, resolvendo problemas de pesquisa operacional e programação econômica, quiçá encomendado pelo Presidente da República ao ministro do Planejamento ou à direção do IPEA. Conforme relatou recentemente o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o pano de fundo sobre a institucionalidade de uma política industrial remete-nos ao debate sobre o papel do Estado: [...] O velho modelo nacional-desenvolvimentista estruturado nos anos 1950 e 1960 era paternalista, tinha um regime de empresas públicas dominantes nos setores e, além disso, dependia de um componente extremamente importante para a indústria privada, que era a alta proteção tarifária. Hoje esses elementos não estão mais presentes. O papel do Estado é hoje mais desafiador no sentido de que ele é mais complexo, mais sofisticado e requer planejamento e regulação indutora de uma qualidade distinta do passado. Se o Estado não deslocar por decisão política a matriz de incentivos, criando “distorções” próinvestimento nas regiões menos desenvolvidas, induzindo o mercado para o investimento migrar para lá, seria praticamente impossível promover a redução da desigualdade entre as regiões. (Entrevista com Luciano Coutinho, Cadernos do Desenvolvimento, 2011. Grifo nosso.) Destoando da visão expressada pelo dirigente do BNDES, a administração dos instrumentos de política industrial quase sempre foi partilhada de modo caótico e descoordenado entre os vários ministérios, sem falar nas agruras de um pacto federativo precário e fragilizado pela desproporção na distribuição da carga tributária

15 O conceito de “capacidade de governo” utilizado aqui é aquele derivado de Matus (1993; 2000): um conjunto de habilidades e perícias da direção das organizações, que depende do grau de governabilidade e da exigência em recursos imposta pela natureza do seu projeto de governo, ou seja, uma complexa relação entre governabilidade e ambição do projeto político. A capacidade de governo define-se pela condição de funcionamento de sistemas de planejamento e gestão estratégica, capaz de garantir a efetiva transformação da realidade.

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e dos encargos federativos. Para exemplificar e ilustrar o problema, havia no passado recente (até meados dos anos 1990), uma divisão de funções entre o então MDIC (Ministério da Indústria e Comércio), que administrava a política de incentivos, o INPI e INMETRO, administrando a política de transferência de tecnologia e normatização, o Ministério da Fazenda, cuidando da política de comércio exterior (CACEX) e o de controle de preços (CIP). Em 1985, a política tecnológica passou para o MCT, o Ministério do Interior administrava os incentivos regionais e o BNDES vinculava-se à Secretaria do Planejamento da Presidência da República, que ainda não era ministério. Esse mosaico de atribuições e burocracias em curto-circuito continua mudando de tempos em tempos, é praticamente um padrão institucionalizado. A superposição anárquica das várias reformas administrativas – quase todas inconclusas – mudou constantemente o lugar institucional dos instrumentos de política industrial. O que parece ser constante é o despreparo das agências governamentais envolvidas, pela falta de quadros e inteligência estratégica, pela carência material, pela confusão do quadro legal e finalmente pela baixa autoridade política e capacidade de liderança. Este problema não é novo, já no governo Sarney, na segunda metade dos anos 1980, a multiplicidade das agências burocráticas envolvidas e os conflitos gerados produziram de maneira ambígua a política industrial. O MIC assumia como seu objetivo primeiro incentivar a indústria, tendo que desembolsar, para tanto, volumosos recursos financeiros. Este curso de ação, todavia, contrariava a prioridade do MF, de controle do meio circulante e de redução do déficit público. Já o MME insistia em restringir quaisquer projetos de abertura do mercado que não estabelecessem claras garantias de incentivo à indústria nacional, pois temia que as empresas estatais fossem prejudicadas pela competição externa descontrolada. (RUA; AGUIAR, 1995, p. 255) Resumindo, o quadro caótico da institucionalidade da política industrial e a dificuldade de construir consensos e de impor coerência ao conjunto das decisões, indicando a ausência de um espaço institucional de caráter político com regras claras para resolver os conflitos de opinião, foram os traços marcantes da política industrial nos primeiros governos pós-regime militar, Sarney e Collor, atingindo também o governo Cardoso. Uma das causas desta dificuldade foi a completa ausência de pactuação com os setores sociais e a baixa participação da comunidade científica. A PITCE já nasceu com um arranjo institucional diferenciado, mais uma inovação institucional necessária, ainda que insuficiente. Sua elaboração foi determinada

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coletivamente dentro do governo e com aval do núcleo duro do Planalto. Através de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), no âmbito da Câmara de Política Econômica (uma das várias Câmaras do “Conselho de Governo”, ligadas diretamente à Presidência da República), ou seja, sob a tutela do Palácio do Planalto, e não como resultado de uma disputa interburocrática qualquer. As soluções ad hoc têm sido usadas na história da república para superar a fricção burocrática e a existência de múltiplos veto players. Deve-se ressaltar que o Ministério da Fazenda protagonizou o trabalho de elaboração do texto-base com o mesmo empenho e compromisso que os demais ministérios16. Entre os fatores responsáveis pela maior aceitação do tema pela Fazenda estavam com certeza a relação de confiança pessoal entre um conjunto de “empreendedores políticos” governamentais, como Glauco Arbix, Antonio Palocci e Edmundo Oliveira, que já tinham sólidas relações de confiança pessoal e política muito antes do governo Lula, na militância partidária no PT de São Paulo. Palocci, três anos depois, assim se referiu à PITCE: Outro avanço no período foi a adoção de uma nova política industrial e tecnológica [...]. Apesar de todas as dificuldades, inclusive em função das visões muito diferentes sobre o tema mesmo dentro do governo, conseguimos chegar a um consenso e lançar o documento com as Diretrizes de Política Industrial e de Comércio Exterior (PITCE), que passou a orientar a ação dos ministérios. Foi criado um Conselho Nacional de Política Industrial [o CNDI], com participação de governo, empresários e trabalhadores, que funcionou com regularidade e deu impulso a uma pauta interessante na área tributária e de ciência e tecnologia. (PALOCCI, 2007, p. 171) A afirmação de Palocci, em tese, confirma a ideia de que aparentemente havia no governo Lula uma aproximação maior entre o “bloco fiscalista”, liderado pelo Ministério da Fazenda, e o bloco “desenvolvimentista”, liderado pelo MDIC, em torno de princípios básicos de uma política industrial mais moderna. Este ambiente de colaboração interna, dificilmente viável no governo Cardoso se considerado o grau de divergência interna e as críticas dos empresários à política econômica de então, foi determinante para que a PITCE se legitimasse entre os ministérios-chave da coalização política lulista. Desde o início, o conceito que presidiu a construção

16 Não há evidências de que a elaboração da PITCE tenha sofrido algum tipo de “consulta participativa” com as clientelas envolvidas (empresários e trabalhadores), ao contrário da disposição inicial de fazer um debate mais público: “Depois de 20 anos sem política industrial, o Estado não pode ser o único responsável. Só empresários de cultura atrasada querem o Estado mandando em tudo. Não é nossa intenção. A política industrial tem de ser definida em debate público com a sociedade. Se assim não for, nossa margem de erro nas escolhas será enorme”, Glauco Arbix. (O Estado de S. Paulo, 31/12/2003)

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institucional da proposta foi a necessidade de articulação e coordenação dos vários projetos e ações propostas, sabendo-se já que a experiência histórica de dispersão e fragmentação das várias organizações federais explicam, em parte, a quase totalidade dos insucessos nesta área. A PITCE propôs uma solução institucional para combater o problema da fragmentação administrativa e a desintegração das políticas na forma de uma nova agência, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a ABDI.17 Figura 1 – Esquema de governança da PITCE

A busca de sinergia e efeitos horizontais capazes de unificar e dar potência à ação governamental – priorizando áreas, hierarquizando elementos de um sistema

17 A Câmara de Política Econômica da Presidência da República (colegiado informal reunindo os ministros da área) teria discutido a ideia de criar uma “Embrapa industrial” em janeiro de 2004, doze meses antes da criação legal da ABDI. A ideia era integrar os vários centros de excelência em pesquisa industrial (os laboratórios do MCT, por exemplo) existentes no país, em uma única empresa, descentralizada e voltada para a produção tecnológica. Na época, Glauco Arbix, que coordenava o grupo de trabalho sobre política industrial, afirmou que a nova empresa deveria dar racionalidade ao sistema e diminuir a dependência tecnológica do país (O Estado de S. Paulo, 19 jan. 2004). Esta ideia foi abandonada em favor do formato adotado pela ABDI. O conceito de uma “Embrapa industrial” só foi retomado em 2012, oito anos depois, através da criação da “Embrapii”, Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação, uma parceria entre o MCTI e a CNI, com apoio da Finep.

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a ser consolidado, criando ambientes institucionais para geração de consensos duradouros (dentro do governo e com o setor privado), enfim, evitando a volatilidade das regras – foi internalizada como categorias básicas para construir uma nova política pública para a indústria brasileira. Este foi o desafio proposto pela PITCE, mas há na literatura registros menos otimistas, como em Morais e Lima Jr. (2010): Faltou também uma agenda do governo federal para transformar em ações reais o que estava previsto no discurso da PITCE, bem como não se conseguiu autonomia suficiente das estruturas de Estado em relação aos interesses privados. Isso por sua vez decorre de problemas de coordenação entre os diversos ministérios responsáveis pela sua implementação e controle, devido ao grande número de instituições e à multiplicidade de interrelações e sobreposições estabelecidas. Portanto, a PITCE não conseguiu articular as diversas instâncias públicas que concorreriam com seu êxito e não empolgou a iniciativa privada. O seu legado mais significativo foi a instituição de alguns marcos legais, tais como: Lei da Inovação (10.973/2004), Lei do Bem (11.196/2005), Lei da Biossegurança (11.105/2005) e Política de Desenvolvimento da Biotecnologia (6.041/2007). (p. 15. Grifo nosso) Ainda que os mesmos autores lembrem que o processo de elaboração da política industrial, durante o governo Lula, teve o mérito de recuperar uma agenda que estava esquecida desde o final da década de 1970, conforme eles: Deve-se levar em conta que, após duas décadas sem qualquer tentativa mais arrojada de se fazer política industrial no Brasil, as dificuldades enfrentadas pelo Governo Federal para estruturar o planejamento, a implementação e o monitoramento das ações de fomento não podem ser subestimadas. O que por sua vez implica que as medidas anunciadas não possam ser agrupadas num conjunto articulado e acabado. Juntamente com as armadilhas trazidas pela política macroeconômica, que impedem que a política industrial brasileira possa se antecipar e viabilizar as transformações necessárias para um projeto nacional de desenvolvimento. (MORAIS; LIMA JR., p. 16. Grifo nosso) O novo arranjo institucional da PITCE foi capaz de propor uma articulação, em tese funcional, entre os setores público e privado, com mecanismos de consulta, retroalimentação e processos decisórios definidos. Para este resultado, o CNDI, como será detalhado adiante, desempenhou papel decisivo. A PITCE tentou reativar uma lógica de articulação público-privada, que é marca distintiva das políticas

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industriais contemporâneas, condição de seu sucesso e conceito estruturador da sua estratégia de induzir a convergência de interesses.

A REAÇÃO DOS EMPRESÁRIOS À PITCE A reação dos empresários industriais à divulgação da primeira política industrial do governo Lula foi de apoio imediato, porém cauteloso. Em geral, as manifestações foram de apoio às medidas, embora sinalizando sua insuficiência e pouca amplitude18. O Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec), da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp/Decomtec, 2005), chega mesmo a se posicionar quanto ao papel da nova estrutura institucional criada, a ABDI, de maneira bastante crítica. [...] nova agência não tem poderes para definir ou executar a política industrial, devendo se restringir a propor medidas para o governo federal, o qual pode ou não acatá-las [...] Como uma instituição “privada” poderia coordenar essas ações? Essa limitação reduz bastante a importância e frustra as expectativas criadas em torno do novo marco institucional para a PITCE. (FIESP/DECOMTEC, 2005, p. 20. Grifo nosso) Além disso, a FIESP registrava claramente na época que a baixa institucionalização do modelo de governança da política industrial poderia repercutir na política industrial, prejudicando ao mesmo tempo sua abrangência e consistência. Na relação com o setor público, o documento reforça um problema já conhecido da complexidade de interlocutores: O ideal é que houvesse um interlocutor único do governo para o setor empresarial, com autoridade para negociar com diversas agências públicas [...] Em primeiro lugar, porque são conselhos muito grandes, difíceis de ser coordenados. Em segundo lugar, porque a prática desses conselhos é de homologação de decisões previamente tomadas pelo governo federal. De outra parte, não resta dúvida de que os empresários devam ser ouvidos sobre a PITCE, porque a diversidade de situações enfrentadas pelo setor

18 Em que pese a melhoria de diversos indicadores naquele período, entre 2002 e 2006, as exportações aumentaram em 128,3%, contra 16,1% no mesmo período anterior. As exportações industriais cresceram 127,3% e o PIB industrial cresceu 140,78% no mesmo período. A Formação Bruta de Capital Fixo chegou a 18,8%, o maior patamar desde 1994. Os gastos com inovação, entretanto, caem de 0,9% do PIB para 0,8%.

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industrial impede que uma única instituição tenha condições de assumir tarefa tão abrangente. (FIESP/DECOMTEC, 2005, p. 21. Grifo nosso) Aqui surgem vários argumentos combinados, mas fica evidente que a complexidade do tema, aliada ao grande número de interlocutores numa situação de baixa coordenação interna do governo, representava um obstáculo à eficácia do modelo institucional. Outro argumento relevante é a percepção de que a tradição de fóruns de participação é de natureza “homologatória” dos interesses do governo, reduzindo dramaticamente a própria importância decisória destas instâncias. Apesar disso, o mesmo documento reitera que a parceria entre o setor público e privado é especialmente relevante na política industrial. O tema da complexidade e da dificuldade de coordenação também aparece em análises muito críticas da academia, mesmo daqueles setores que teoricamente estão alinhados com políticas industriais schumpeterianas e evolucionistas, como é o caso dos economistas Wilson Suzigan e João Furtado. Nosso ponto de vista é que as atuais instituições da área não atuam de forma sistêmica ou articulada; estão em grande parte envelhecidas, marcadas por suas missões do passado e, por isso, têm dificuldades para responder aos desafios impostos pela dinâmica do crescimento econômico impulsionado por inovações; constituem um conjunto extremamente complexo, fragmentado, com grande dispersão de instrumentos que, por vezes, geram conflitos de competências; operam com quadros técnicos que ainda não têm todas as capacitações requeridas por missões mais qualitativas e sofisticadas de política industrial e tecnológica; geram grandes dificuldades em termos de articulação de instrumentos e da política industrial com outras políticas e com o setor privado e, sobretudo, têm um frágil comando político e uma séria deficiência de coordenação. (SUZIGAN; FURTADO, 2007, p. 20. Grifo nosso) O primeiro problema seria o próprio funcionamento das instituições que não atuam de forma sistêmica, harmônica ou sinérgica, com sobreposição e missões institucionais. A falta de sincronia só teria duas exceções na história da política industrial: o Plano de Metas nos anos 1960 e o II Plano Nacional de Desenvolvimento nos anos 1970. A causa central desta “malformação” institucional seria a falta de uma “visão unificada” sobre metas e objetivos estratégicos. O problema estaria no campo das ideias, na ausência de um consenso mais ou menos estável sobre os grandes objetivos nacionais, capaz de unificar as diversas forças políticas envolvidas

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na produção de políticas públicas. A complexidade das instituições – em termos qualitativos, mas também seu grande número –, a maioria das quais criadas nos anos 1980, cria um problema de processo decisório e ação coletiva, que envolve uma grande quantidade de veto players, assimetrias informacionais, desequilíbrios funcionais, recursos de poder desigualmente distribuídos (orçamentos, acesso ao Presidente, relações com a mídia, etc.).

CONCLUSÕES A observação deste período em perspectiva histórica necessariamente aponta para um período de início (ou retomada) de um novo padrão de crescimento da economia brasileira, só comparável ao longo ciclo de crescimento verificado na fase “desenvolvimentista” entre a década de 1950 e o início dos anos 1980. Naquele período, a economia cresceu em média a 7% ao ano. A trajetória ascendente iniciada em 2004 só foi interrompida na crise de 2008, e mesmo assim o ano de 2010 teve um PIB de 7,5%, evidenciando uma rápida recuperação, com a taxa de investimento sobre o PIB de 19,6%. Há praticamente um consenso sobre os principais fatores causais do boom industrial e da assim chamada “recuperação em V”: a estabilidade macroeconômica, a crescente atração de investimento externo direto, os seguidos superávits comerciais (ainda que com dominância de commodities), a ativação do mercado interno (demanda agregada, relacionada à expansão do crédito, aumentos reais do salário mínimo e programas de renda mínima) e políticas industriais ativas (PAC e PITCE). Os empresários industriais, como de hábito, foram muito mais críticos e rigorosos na avaliação. Algumas instituições de representação de interesses do setor industrial, como a FIESP, fizeram avaliações muito duras sobre os resultados da política industrial (DECOMTEC, 2011). A FIESP inicia a avaliação declarando de pronto que, apesar do mérito da iniciativa, os instrumentos foram pouco ousados, pontuais e anulados pelos efeitos da política macroeconômica vigente, em especial a política monetária de juros positivos e a valorização cambial. No segundo mandato de Lula, as metas a que o governo se propôs não foram atingidas, basicamente pela crise financeira que eclodiu a partir da falência do banco Lehman Brothers no final de 200819. Além disso, a perda de competitividade

19 “Em síntese, a crise financeira e, posteriormente, o agravamento da tendência de valorização cambial e aumento de taxa de juros afetaram profundamente a competitividade da indústria nacional, no mercado internacional e, crescentemente, também no mercado interno. Isto se expressou em crescimento das vendas da indústria manufatureira aquém do crescimento do consumo, amplo crescimento da penetração de produtos importados no mercado doméstico e deterioração das exportações. Nesse contexto, a realização de inversões ficou bastante desestimulada, a despeito dos instrumentos para fomento do investimento criados pela PDP, que, portanto, se mostraram pouco efetivos.” (DECOMTEC, 2011, p. 6. Grifo nosso)

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dos produtos industriais brasileiros se manifestava na perda de mercados internos para concorrentes externos, sobretudo asiáticos. O centro das críticas girava em torno da valorização cambial – que persistia desde o Plano Real em 1994 –, que ao mesmo tempo retirava competitividade dos exportadores, diminuindo a receita de amplos setores industriais, estimulando o consumo de manufaturados produzidos no exterior. Neste quadro, os estímulos da política industrial da PITCE (e depois da PDP, em 2008) teriam sido completamente insuficientes para estimular a retomada do investimento do setor industrial. Se não há demanda futura que motive a investir, o problema está também no custo de produção brasileiro visà-vis aquele encontrado nos concorrentes externos. Fica como conclusão o fato indiscutível de que o maior mérito da política industrial, tecnológica e de comércio exterior foi ter recolocado na agenda pública federal a necessidade de defender e modernizar nosso parque industrial. Uma inovação institucional além de seu tempo, que necessitava de instrumentos não disponíveis para seu pleno êxito, a PITCE corretamente demonstrou ser uma política industrial moderna, mais horizontal, mais seletiva e focada em poucos setores, voltada para mudanças estruturais em áreas de fronteira e centrada no processo de catching up do país.

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CNI. Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015. 2005. DE NEGRI, F. Elementos para a análise da baixa inovatividade brasileira e o papel das políticas públicas. Revista USP, São Paulo, n. 93, 2012. DECOMTEC – Departamento de Competitividade e Tecnologia. A Competitividade e o Desenvolvimento Econômico, algumas questões para reflexão. São Paulo: FIESP, 2005. ______. Avaliação da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). São Paulo: FIESP, 2011. GADELHA, C. Política Industrial: uma visão neo-schumpeteriana sistêmica e estrutural. Revista de Economia Política, v. 21, n. 4, 2001. KINGDON, J. Agendas, Alternatives and Public Policies [updated second edition, foreword by James Thurber]. Longman, 2011. KUPFER, D. Dez anos de Política Industrial. Jornal O Valor, 8 jul. 2013. MORAIS, J.; LIMA JÚNIOR, F. Política industrial do governo Lula: desenvolvimentista ou corretiva de falhas de mercado. In: XVI Fórum Banco do Nordeste do Brasil de Desenvolvimento. Fortaleza, 2010. PALOCCI, A. Sobre formigas e cigarras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. SUZIGAN, W; FURTADO, J. Instituições e políticas industriais: problemas de implementação – reflexões a partir da experiência do Brasil. Santiago, Chile: CEPAL, 2007. (Série Desarrollo Productivo).

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Bloco 2 OS PROJETOS E INICIATIVAS SETORIAIS DA ABDI

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As Cidades Inteligentes, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e a Internet das Coisas (IoT): oportunidades para o Brasil

Carlos Venícius Frees Isabela Mendes Gaya Lopes dos Santos

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Resumo

As cidades inteligentes (smart cities) são o novo paradigma urbano e procuram responder ou reduzir os principais problemas enfrentados nos espaços urbanos ao mesmo tempo em que procuram alavancar o desenvolvimento social pela inovação tecnológica. Diversos programas e projetos estão surgindo em todo o mundo, tendo como gênese a utilização de tecnologias de informação e comunicação para promover a competitividade econômica, a sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida dos cidadãos. Este estudo vem ao encontro da necessidade de esclarecer a importância de desenvolver as cidades inteligentes pela aplicação da internet das coisas no mundo atual, verificar algumas iniciativas que estão sendo realizadas no Brasil e identificar desafios para o desenvolvimento industrial no país, de forma a transformar esse potencial em realidade, gerando tecnologia, renda e emprego. Iniciativas tanto das cidades e empresas quanto de governo foram identificadas, e ao final foram apresentadas reflexões do ponto de vista da política industrial para o setor. Palavras-Chave: Cidades inteligentes. Tecnologia de informação e comunicação.

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INTRODUÇÃO As cidades inteligentes procuram responder ou reduzir os principais problemas enfrentados nos espaços urbanos, ao mesmo tempo em que procuram alavancar o desenvolvimento social pela inovação tecnológica alinhada à implantação de soluções tecnológicas. Neste contexto aplica-se o conceito internet das coisas (internet of things – IoT) – uma ampla rede criada a partir da conexão de objetos que contêm tecnologias embarcadas que os tornam capazes de se comunicar e interagir entre si, sem a interferência humana – podendo ser aplicado a diversas indústrias. Alguns exemplos do uso de IOT em cidades inteligentes incluem aplicações, por exemplo, no setor de energia, por meio da telemedição de energia elétrica nas residências e telecomando dos ativos da rede de distribuição; na mobilidade urbana, por meio do gerenciamento do trânsito, sinalizadores de vagas, rastreamento de veículos; e na área de saúde, por meio da realização da telemedicina, entre outros. Há estimativas internacionais que apontam para a criação de US$14,4 trilhões de valor nos próximos dez anos no mundo, no campo da Internet das Coisas. O mercado para suprir cidades com sistemas “inteligentes” deve chegar a US$57 bilhões até 2014, havendo previsões de investimento de US$37 trilhões para modernizar e expandir a infraestrutura das cidades. Várias empresas no mundo já estão desenvolvendo tecnologia no setor, e um grande número de projetos de demonstração está em desenvolvimento em países como Espanha, Japão, Coreia do Sul, Holanda, China, EUA, entre outros. Muito esforço de pesquisa, tecnologia e inovação ainda deve ser empreendido. Um planejamento consistente e estruturado faz-se necessário, para que sejam assegurados investimentos em infraestrutura de banda larga, componentes estratégicos, sistemas e serviços. Neste sentido, este estudo busca identificar a importância de desenvolver as cidades inteligentes pela aplicação da internet das coisas no mundo atual, verificar algumas iniciativas que estão sendo realizadas no Brasil e sinalizar os desafios para o desenvolvimento industrial no país, de modo a transformar esse potencial em realidade, gerando tecnologia, renda e emprego.

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Por certo, as tecnologias para transformação das cidades em cidades inteligentes e a IoT estarão presentes nas inovações tecnológicas de todos os setores da economia, e por isso o acompanhamento da sua implementação deve ser alvo das discussões de maneira transversal no âmbito das políticas industriais do país.

INTERNET DAS COISAS A internet das coisas constitui-se em uma ampla rede criada a partir da conexão de objetos com tecnologias embarcadas que se comunicam e interagem entre si, sem que haja interferência humana. A IoT abrange o uso de sensores/atuadores/tags, rede de telecomunicação, sistemas de comunicação, de análise de dados, de gestão, big data, cloud computing, entre outros. A Figura 1 representa, de maneira resumida, o principal objetivo da IoT. Por um lado as raízes da árvore com um conjunto restrito de protocolos de comunicação e tecnologias de dispositivos, enquanto por outro lado as flores/folhas da árvore representam todo o conjunto de aplicações da internet das coisas, que pode ser construído a partir da seiva (informação/conhecimento), que vem desde as raízes. O tronco da árvore representaria o modelo de referência de arquitetura, com o conjunto de modelos, diretrizes, opiniões, perspectivas e opções de design que podem ser usados para a construção de arquiteturas totalmente interoperáveis concretas específicas de domínio da internet das coisas - e, portanto, de sistemas (IOT-A, 2014). Figura 1: Árvore da IOT

Fonte: IoT-A, 2014.

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Há relatos de que o termo surgiu em 1999, com Kevin Ashton, cofundador e exdiretor executivo do MIT. Segundo ele, hoje computadores e, portanto, a internet são quase totalmente dependentes de seres humanos para obter informações. Quase todos os cerca de 50 petabytes (um petabyte é igual a 1.024 terabytes) de dados disponíveis na internet foram capturados e criados por seres humanos, digitando, apertando um botão de gravação, tirando uma foto digital ou pela digitalização de um código de barras. A internet tem evoluído ao longo do tempo. Sua criação ocorreu a partir de pesquisas militares nos períodos da Guerra Fria, na década de 1960. Posteriormente, teve sua evolução com a criação dos web browsers e email, na década de 1980; com a criação do comércio eletrônico e de novos dispositivos móveis (smartphones) com diversos aplicativos conectados à internet, na década de 1990; evoluindo para o atual conceito da IoT, em que não apenas pessoas se conectam entre si, mas também objetos. Segundo o autor, se tivermos computadores que saibam tudo sobre as coisas (através dos dados coletados), seremos capazes de monitorar e contar tudo, de modo a reduzir o desperdício, a perda e o custo. Poderemos saber – por exemplo – quando as coisas precisariam de substituição, reparo ou tivessem um recall, e ainda quando as frutas estariam frescas ou passadas. A ideia é capacitar os computadores com os seus próprios meios de capturar informação para que eles vejam, ouçam e sintam o mundo por si mesmos (RFID Journal, 2014). Hoje em dia, consultorias como a Gartner e a IDC fazem suas previsões de que a IoT estará dentro das 10 tecnologias mais estratégicas. O número de conexões máquina a máquina deve aumentar, especialmente a partir de 2015. Esta nova fase da internet provocará profundas transformações nas redes, na forma de analisar as informações e no desenvolvimento da comunicação. Algumas barreiras podem retardar seu desenvolvimento, tais como: modelo de tributação, transição para IPv6, falta de padronização e fonte de energia para abastecer milhões ou bilhões de sensores, entre outras. Os centros de processamento de dados sofrerão impactos significativos, por se tratar dos ambientes onde a grande quantidade de dados coletados será armazenada, manipulada e transformada em informações úteis para os negócios. Estas informações precisarão ser gerenciadas por aplicações centralizadas, o que elevará a adoção de tecnologias relacionadas ao conceito de big data. Com isso, o

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cenário aponta para um movimento constante de migração para serviços em nuvem e novos projetos de virtualização, capazes de manipular grandes quantidades de dados e entregá-los onde eles precisam ser usados, em tempo real. Será necessário também um redesenho de arquitetura de sistemas para otimizar o tráfego das informações da maneira mais eficiente possível. Haverá necessidade de grandes investimentos em segurança da informação, para que se evite o uso de dados armazenados sem autorização e que se impeça a identificação dos indivíduos através do rastreamento de seus sensores, entre outros riscos que a tecnologia possa trazer. A IoT é caracterizada como uma tendência na área de Tecnologia da Informação e Comunicação, levando muitas empresas a rever seu modelo de negócio. A chegada da IoT vai mudar até mesmo as cadeias mais primárias de produção e distribuição.

CIDADES INTELIGENTES Diversos programas e projetos de cidades inteligentes (smart cities) surgem em todo o mundo, tendo como gênese a utilização de tecnologias de informação e comunicação para promover a competitividade econômica, a sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida dos cidadãos. De fato observa-se que o conceito de cidades inteligentes é aplicado em pontos focais das cidades, onde há necessidade de resolução de problemas, podendo também ser utilizado o termo “comunidades inteligentes”, de acordo com o escopo da aplicação do conceito. As smart cities são consideradas o novo paradigma urbano e procuram responder ou reduzir os principais problemas enfrentados nos espaços urbanos, ao mesmo tempo em que procuram alavancar o desenvolvimento social pela inovação tecnológica alinhada à implantação de soluções tecnológicas (considera-se que as soluções tecnológicas podem reduzir as desigualdades e a exclusão social). De acordo com a United Nations Environment Programme (UNEP), as cidades agregam 50% da população mundial e contribuem para 60-80% do consumo de energia e 75% das emissões de carbono (UNEP, 2011), originando fenômenos de desigualdade e exclusão social. Segundo a ONU, este cenário tende a se agravar

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quando se prevê um crescimento populacional de 7 para 9 bilhões em 2040, principalmente nos países em desenvolvimento (ONU, 2012). As cidades também favorecem a inovação, o conhecimento e a criatividade, sendo que as previsões apontam para que os 600 maiores centros urbano do mundo gerem 60% do PIB mundial em 2025 (MCKINSEY, 2014). Assim, imperativos demográficos, econômicos, sociais e ambientais tornam premente a aposta em novos modelos de desenvolvimento urbano, assim como em formas inovadoras de gestão das infraestruturas e prestação de serviços públicos. De acordo com estimativas da ABI Research (2011), o mercado global para as tecnologias que suportam projetos de cidades inteligentes tende a crescer globalmente de US$8 bilhões em 2010 para US$39 bilhões em 2016, acumulando um total de US$116 bilhões durante o período. Lee e Hancock (2012) indicam a existência de 143 projetos de cidades inteligentes em âmbito mundial (América do Norte – 35; América do Sul – 11; Europa – 47; Ásia – 40; África e Oriente Médio – 10), conforme a distribuição da Figura 2: Figura 2 - Projetos de Cidades Inteligentes

Fonte: Lee e Hancock (2012)

A caracterização de uma cidade inteligente está vinculada diretamente aos serviços promovidos pelo governo com o contato efetivo com o cidadão, realizado de maneira integrada aos negócios públicos ou privados, onde os recursos, dispositivos e pessoas são otimizados. Tais serviços são oferecidos em grandes áreas de interesse público, tais como

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saúde, educação, segurança pública, prevenção de desastres naturais, utilidades (energia, água, gás, saneamento), serviços públicos (certidões, impostos, consultas, cartórios, etc.) e de informação e a comunicação ao cidadão, entre outros. A Figura 3 mostra a visão sistêmica das cidades inteligentes. Figura 3: Visão do sistema de cidades inteligentes

Podemos considerar as seguintes áreas de aplicação de tecnologias em cidades inteligentes: •

Segurança pública (combate à criminalidade, redução de roubos, assaltos e riscos urbanos pela identificação e supervisão de áreas públicas).



Mobilidade urbana (sensores intraveiculares e de tráfego georreferenciados, que possibilitem a diminuição do tempo e custo do trânsito, informando rotas alternativas e desvios automatizados e aumento da segurança, por meio do monitoramento veicular).

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Controle de desastres naturais (tecnologias de monitoramento e sensores, com informações e alertas sobre clima e enchentes, disponibilizados em tempo real ao cidadão e às autoridades públicas).



Saúde (telemedicina, diagnóstico e consultas à distância. A ideia é que no futuro o hospital seja alertado se qualquer morador apresentar algum risco iminente de saúde).



Energia (com medição inteligente, controle da iluminação pública, aumento de eficiência energética, através do controle de consumo do arcondicionado, por exemplo).



Água (sensores implantados em dutos para acompanhar o trajeto, medir volumes e desvios).



Articulação e gestão de unidades públicas (polícias, bombeiros, hospitais e centros de saúde).



Informação pública e controle de mobilidade (aplicados em grandes cidades e em eventos esportivos de grande porte, tais como Olimpíadas e Copas Mundiais e Nacionais).

No âmbito das áreas identificadas, a integração só ocorre pela aplicação tecnológica, pelo uso de sensores, dispositivos de comunicação, softwares embarcados e sistemas de controle e gestão que os elementos da IoT (internet das coisas) apresentam, principalmente na comunicação máquina a máquina (M2M). Mas, para que essa integração e inteligência aconteçam, são necessários investimentos para criação ou desenvolvimento de infraestrutura avançada na cidade, integrando todas essas áreas.

ALGUMAS INICIATIVAS NO BRASIL O Brasil já possui um conjunto de iniciativas e projetos importantes que aplicam o conceito de smart cities pela internet das coisas. A seguir, são apresentados alguns cases em cidades brasileiras:

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Centro de Operações Rio (COR), Porto Maravilha, Carioca Digital, DataRio e Naves do Conhecimento (Rio de Janeiro): o centro de comando no Rio de Janeiro (RJ) recebe informações de 30 órgãos, para ajudar na coordenação da cidade por meio da integração de sistemas de informação. Em uma tela gigante, imagens de vídeo chegam constantemente de estações de metrô e de cruzamentos importantes. Um programa de meteorologia traça previsões de chuva em vários pontos da cidade. Um mapa se ilumina para apontar os locais onde há acidentes de carro, falta de luz e outros problemas (Figura 4). O COR é responsável por monitorar principalmente as áreas da cidade onde ocorrem mais inundações em decorrência das chuvas. Ele está integrado com as polícias, o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil. O COR conta com o auxílio de um sistema próprio de previsão do tempo, que afere a probabilidade de chuva em um raio de 1km, enquanto os métodos tradicionais varrem uma área de 9km e são menos precisos. O cidadão pode acompanhar não só como está a situação em áreas de risco, mas também o trânsito, e informar sobre acidentes na região. Os sistemas servem também para o controle de energia e água da população (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2014). Figura 4: Centro de Operações do Rio de Janeiro

Fonte: ONU BR (2014).



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Correlata ao COR está a iniciativa do Porto Maravilha, que consiste na revitalização de uma área da cidade, incluindo serviços como: conservação e manutenção do sistema viário, conservação e manutenção de áreas verdes e praças, manutenção e reparo de iluminação pública e calçadas, execução de serviços de limpeza urbana, implantação de coleta seletiva de lixo, manutenção da rede de drenagem e de galerias universais, manutenção da sinalização de trânsito, instalação e conservação de bicicletários, manutenção e conservação de pontos e monumentos turísticos, históricos e geográficos e atendimento ao cidadão. Alinhado às iniciativas de cidades inteligentes, surge o Portal Carioca Digital, cujo objetivo é interagir e facilitar o alcance do cidadão aos serviços municipais. A ferramenta garante acesso a informações de maneira customizada e inteligente ao usuário cadastrado, a partir da inscrição do CPF e da indicação da geolocalização (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2014). O DataRio disponibiliza o acesso à base de dados do município, como informações geradas pelos GPS dos ônibus, sincronização de sinais de trânsito e números da Central 1746. Integrados às ações no Rio de Janeiro também são aplicados os conceitos de Naves do Conhecimento, espaços multiúso e interativos que oferecem à população inúmeras opções de cursos (oficinas nas áreas de robótica, tecnologias de rede, produção e computação gráfica, design gráfico, web design, produção de vídeo e fotografia, entre outros), pesquisas, visitas virtuais e lazer, atendendo às demandas que o mundo digital apresenta em termos de entretenimento, desenvolvimento profissional e acesso ao conhecimento. •

Projeto Paraná Smart Grid (Curitiba): combina uma série de inovações tecnológicas que vão reduzir o número e o tempo dos desligamentos na rede elétrica, medir o consumo de energia, água e gás à distância e descentralizar a geração de energia. O projeto também inclui microgeração distribuída por fontes solares e eólicas e testes de conceito que abrangem desde a automação predial até a integração à rede inteligente de eletropostos para carros, bicicletas e ônibus elétricos (JORNAL ENERGIA, 2014). Curitiba também vem investindo em outras iniciativas, como transporte público modelo (bilhetagem eletrônica e integrada, frota conectada, rastreamento de veículos, informe de horários nos pontos em tempo

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real, programação semafórica, orientação de tráfego), Centro de Controle Operacional, Faróis do Saber, Passaporte Curitiba e Prontuário Eletrônico. •

Cidade Inteligente Búzios (Rio de Janeiro): é uma proposta de um novo modelo de gestão energética para a cidade. O escopo contempla uma rede inteligente, que integrará tecnologias tradicionais com soluções digitais para melhorar a flexibilidade da rede e a gestão das informações. Os benefícios incluem: uso de fontes renováveis, como energia eólica e solar; tarifa diferenciada por horário de consumo com até 30% de economia; o cidadão vai poder gerar e vender energia; prédios inteligentes com instalações adequadas ao novo modelo; controle do consumo em tempo real por ambiente e por aparelho; Iluminação pública com lâmpadas de LED, mais econômicas e eficientes; controle remoto da rede, com ajustes automáticos em tempo real; maior eficiência energética para reduzir o impacto no meio ambiente e incentivo ao consumo consciente e engajamento da população (Cidade Inteligente de Búzios, 2014).



Programa Smart Grid Light (Rio de Janeiro): o Programa Smart Grid Light é um conjunto de projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de redes inteligentes com novas tecnologias de automação e medição aplicadas desde as redes de distribuição até a residência dos clientes. Dentre outros produtos desenvolvidos, há medidores inteligentes com certificação digital e mais serviços e canais de interação com o consumidor, tais como portal web, aplicativos mobile, email e aplicativo para TV digital (LIGHT, 2009).



Águas de São Pedro (São Paulo): O projeto Cidade Digital aplica soluções tecnológicas em várias áreas e a implantação da tecnologia 4G na cidade. Na educação, há a instalação de rede Wi-Fi nas escolas municipais, além do fornecimento de tablets para estudantes e alunos. Tablets e dispositivos móveis também são distribuídos aos agentes de saúde, para auxiliar no atendimento à população.



Projeto Smart Grid em Barueri (São Paulo): prevê implantação de diversos equipamentos capazes de digitalizar a rede elétrica tradicional: sensores, dispositivos de automação e medidores inteligentes. Com esse conjunto de tecnologias, a empresa tem conhecimento – à distância e em tempo

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real – sobre a quantidade e a qualidade de energia elétrica que está sendo utilizada em cada unidade consumidora (AES ELETROPAULO, 2014) (Figura 5). Figura 5: Centro de Operações, em Barueri



InovCity (Aparecida, São Paulo): a proposta é tornar a cidade mais sustentável, através de ações de eficiência energética, da utilização de iluminação pública eficiente, geração distribuída de energia com fontes renováveis, permitindo ainda a utilização de veículos elétricos, entre outras ações, contribuindo de maneira significativa para a redução das emissões de CO2 (ECIL, 2014).



Cidade Inteligente São Luiz do Paraitinga (São Paulo): o objetivo do projeto é implantar e testar tecnologias de smart grids na cidade de São Luiz do Paraitinga, com a finalidade de avaliar os principais impactos nos processos técnico-operacionais e nas mudanças de hábito do consumo de energia pelos consumidores. Através da participação e conscientização da comunidade em relação ao projeto, espera-se alcançar níveis melhores do uso racional da energia, eficiência energética, buscando atingir o conceito de smart city (ELEKTRO, 2014).



Cidade do Futuro (Sete Lagoas, Minas Gerais): propõe uma arquitetura integrada de distribuição de energia, conhecida como redes inteligentes, ou smart grid, de modo a conectar todos os usuários de maneira segura e inteligente. Possibilita o fornecimento de energia mais eficiente, econômica

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e sustentável. O consumidor poderá gerenciar como usa a energia, reduzindo seu consumo. Além disso, como já é realidade em outros países, o consumidor também poderá gerar energia em suas residências a partir de painéis solares fotovoltaicos, por exemplo. É menos gás carbônico no meio ambiente e mais economia para o consumidor. Além de fortalecer a relação com os consumidores, o projeto pode melhorar a qualidade e a eficiência da distribuição de energia (CEMIG, 2014). Algumas outras iniciativas que envolvem conceitos de IoT e cidades inteligentes estão sendo pensadas e realizadas, dentre elas: •

Siniav – Denatran: a proposta do Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos é a rastreabilidade dos veículos. Prevê a implantação de chips eletrônicos em veículos, caminhões e embarcações, além de antenas receptoras instaladas em várias partes das cidades para receber e transmitir informações sobre os veículos que passam por elas.



Bilhete Único (São Paulo): permite atualmente que o passageiro faça várias integrações de ônibus, pagando uma única passagem dentro de certo período de tempo. Permite ainda fazer integrações com outros meios de transporte — metrô e trem — pagando um preço aproximadamente 50% menor que a tarifa completa. Trata-se de uma “etiqueta eletrônica”. O sistema adotado é o RFID, que vem de Radio Frequency IDentication e significa Identificação por Radiofrequência. Basicamente é um sistema que utiliza a transmissão de ondas de rádio para realizar comunicação de um dispositivo que contenha informações para fazer liberações de acesso ou leitura de dados desses dispositivos. Vale ressaltar que o Rio de Janeiro foi vencedor do prêmio de cidade inteligente, World Smart City 2013, concorrendo com cidades como Buenos Aires, Berlim, Taiwan, Copenhague e Sabadell (Espanha). A cidade de Curitiba foi conhecida como a 3ª cidade mais inteligente do mundo – 3rd World’s Smartest City (FORBES, 2009).

DESAFIOS PARA O BRASIL Como apresentado anteriormente, o Brasil já possui algumas iniciativas que aplicam a tecnologia da internet das coisas para a criação e transformação de cidades, tornando-as mais inteligentes. Porém, muito esforço ainda precisa ser

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empreendido no desenvolvimento de soluções, o que inclui sistemas, serviços, componentes e infraestrutura de comunicação. O mercado associado às cidades inteligentes tem grande potencial de crescimento, representando uma oportunidade para as empresas fornecedoras de soluções tecnológicas. Esta opção demonstra-se coerente para o Brasil, onde a integração de diversas cidades com objetivos comuns pode funcionar como espaço de inovação e experimentação de soluções urbanas inteligentes em contexto real, com aplicação em escala permissível para o desenvolvimento de tecnologia nacional e volume crescente de inserção da produção industrial no mercado. A Figura 6 representa a Cadeia de Produtos de Tecnologia da Informação e Comunicação para Cidades Inteligentes. Figura 6: Representação da Cadeia de Produtos para Cidades Inteligentes

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A cadeia de produtos apresentada considera oito setores de afinidade de IoT e M2M, para produção de hardware, sensores, dispositivos, softwares e serviços, a saber: Monitoramento; Computação Fixa e Móvel; Medição de Energia, Água, Gás e Saneamento; Gestão Pública; Gestão de Negócios; Gestão do Cidadão; Gestão de Transportes e Mobilidade e Sistemas Públicos. A importância do desenvolvimento da indústria para atender as necessidades dos novos produtos e serviços das cidades inteligentes e IoT depende muito das políticas nacionais, regionais (estados) e locais (cidades). Para tanto, o governo deverá desenvolver uma estratégia em relação à forma de atuação e do financiamento para o desenvolvimento de cidades inteligentes, buscando responder às necessidades dos municípios com foco no desenvolvimento nacional da sociedade e da cadeia industrial de produtos e serviços correlatos. No âmbito do governo, algumas ações que estão sendo desenvolvidas refletem diretamente no desenvolvimento de cidades inteligentes pela aplicação de tecnologias de IoT e M2M: •

Programa Nacional de Banda Larga – PNBL (Ministério das Comunicações): é uma iniciativa do Governo Federal que tem o objetivo principal de massificar o acesso à internet em banda larga no país, principalmente nas regiões mais carentes de tecnologia. Para cumprir a meta de chegar a 40 milhões de domicílios conectados à rede mundial de computadores em 2014, o Ministério das Comunicações tem atuado em diversas frentes, tais como a desoneração de redes e terminais de acesso, a expansão da rede pública de fibra óptica (administrada pela Telebras) e até mesmo o programa de desoneração de smartphones. Também implementou a chamada “banda larga popular”, com internet na velocidade de 1Mbps ao valor de R$35 mensais (com impostos).



Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações – REPNBL-Redes (Ministério das Comunicações): passou também a considerar o smart grid, com a rede de acesso incluindo os medidores de energia eletroeletrônicos inteligentes, com capacidade de telecomunicação e de fornecimento de comunicação de dados em banda larga.

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Programa Cidades Digitais (Ministério das Comunicações): o objetivo do programa é modernizar a gestão, ampliar o acesso aos serviços públicos e promover o desenvolvimento dos municípios brasileiros por meio da tecnologia, atuando nas seguintes frentes: construção de redes de fibra óptica que interligam os órgãos públicos locais; disponibilização de aplicativos de governo eletrônico para as prefeituras, nas áreas financeira, tributária, de saúde e educação; capacitação de servidores municipais para uso e gestão da rede; e oferta de pontos de acesso à internet para uso livre e gratuito em espaços públicos de grande circulação, tais como praças, parques e rodoviárias.



Desonerações TFI/TFF (Ministério das Comunicações): redução das tarifas como a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI), cobrada na ativação de chip, e a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), cobrada anualmente sobre cada chip. No caso de sistemas máquina a máquina (M2M) que utilizam redes móveis celulares, a TFI sobre cada dispositivo foi reduzida de R$26,83 para R$5,68; já a TFF, de R$8,94 para R$1,89.



Câmara de Gestão e Acompanhamento do Desenvolvimento de Sistemas de Comunicação Máquina a Máquina (Ministério das Comunicações): instituída pela Portaria nº 1.420/2014, com o objetivo de acompanhar a evolução e o surgimento de novas aplicações máquina a máquina, subsidiar a formulação de políticas públicas que estimulem o desenvolvimento de sistemas de comunicação máquina a máquina e promover e coordenar a cooperação técnica entre prestadoras de serviços de telecomunicações e fabricantes de equipamentos do setor.



Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento – PNPC (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação): tem o objetivo de estimular a pesquisa na área de ciência, tecnologia e inovação, como temas voltados para tecnologia da informação e comunicação e cidades inteligentes.



Financiamento: o programa Finep Inova Brasil, por exemplo, tem por objetivo apoiar o desenvolvimento de projetos inovadores em empresas. Em conjunto com a Aneel e o BNDES, foi realizado recentemente o Inova Energia, com financiamentos para projetos na área de redes elétricas inteligentes. Há a previsão da Finep de lançamento de um programa específico para mobilidade urbana. O BNDES também oferece o Programa

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de Modernização da Administração Tributária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos (PMAT), que é uma linha de financiamento específica para os municípios. •

Demais ações: outras iniciativas estão em desenvolvimento, tais como planejamento de treinamentos para as prefeituras, proposição de estudos para identificação de necessidades das cidades, discussão de uso de radiofrequências, participação do Brasil e de empresas brasileiras no mercado nacional e internacional, etc.

Outro foco importante para o desenvolvimento de cidades inteligentes são as iniciativas realizadas pelo setor privado para a discussão do tema no Brasil: •

Smart City Business: evento promovido no Brasil que reúne especialistas e atores do setor para apresentar as novas tecnologias e debater as tendências na área de smart cities.



Connected Smart Cities: o evento, que tem por missão inovação e melhorias para cidades, envolve empresas de serviços e tecnologia de ponta, especialistas, prefeituras e pessoas engajadas com a otimização das cidades do Brasil; e busca inspiração em soluções implantadas nas cidades consideradas inteligentes no mundo.



IoT Brasil: fórum brasileiro de IoT que em o objetivo de mostrar a importância da IoT para a sociedade em geral, apresentar o que está acontecendo com essas tecnologias no mundo e motivar a sociedade para que o Brasil seja um participante global nesse segmento.

Em maio de 2014, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) realizou o seminário internacional Internet das Coisas: Oportunidades e Perspectivas da Nova Revolução Digital para o Brasil. O evento contou com a participação de especialistas de diversos países, altos executivos de empresas nacionais e estrangeiras (muitos deles vindos do exterior) e representantes dos governos do Brasil, Comunidade Europeia e Taiwan. O principal objetivo foi promover a troca de experiências e visões de futuro sobre esse tema, que está entre as mais importantes tendências do século XXI. Neste evento

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

o BNDES afirma que o país tem potencial para assumir um papel de liderança e protagonismo, podendo ser uma plataforma líder nesse processo. Tendo como base os movimentos mundiais, compreende-se que as políticas brasileiras devem dar prioridade a projetos sistêmicos inteligentes, sustentáveis e inclusivos, que contribuam para a execução dos objetivos da estratégia de desenvolvimento humano, social e industrial, com reflexos nos programas de financiamento, visando períodos de implantação curtos, médios e longos. O desafio inicial no Brasil está na construção do conhecimento para o desenvolvimento das cidades inteligentes e na formação de processos de cooperação entre empresas, entre municípios e deles entre si para a formação de uma massa crítica que permita a produção em escala de mercado e para abordagens integradas na criação de projetos cooperados. Para romper estas barreiras, em 2014 a ABDI sugeriu a criação de um “programa brasileiro para desenvolvimento de cidades inteligentes” com foco na formação de rede colaborativa e integrada entre agentes de governo (federal, estadual e municipal), empresariais e de ciência e tecnologia (PD&I e CTI) com o objetivo de colocar o Brasil como um país de destaque na produção de soluções urbanas inovadoras orientadas para o mercado global. O programa proposto abordou a integração de políticas, tecnologias e sistemas de financiamento, assim como um modelo de multigovernança com forte envolvimento dos atores federais, estaduais e municipais em sua concepção. Considera-se assim que as estratégias de criação de cidades inteligentes devem focar a pesquisa, desenvolvimento e inovação e a produção em escala de equipamentos, softwares e serviços nacionais em torno de uma modelagem de negócios estruturada para: •

Criação de projetos de smart city e centros de comando e controle nas cidades brasileiras de diversos portes de acordo com as necessidades e premissas específicas de cada centro urbano.



Fortalecimento de um conjunto de empresas com competências e capacidades para trabalhar para o mercado das cidades inteligentes, integrando pequenas, médias e grandes empresas (algumas empresas instaladas no Brasil já têm soluções inovadoras implementadas no terreno

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e experiência de internacionalização, sejam integradores de sistemas ou fornecedores de componentes e serviços). •

Integração das empresas com universidades e centros de PD&I com competências nos domínios-chave de conhecimento das smart grid/cities, com competências multidisciplinares.



Formação de clusters municipais que se articulam com atores em diferentes áreas importantes para as smart cities.

Em 2015, por iniciativa da ABDI, foi formado o Grupo de Trabalho Governamental para Desenvolvimento de Cidades Inteligentes, que busca integrar as ações das esferas governamentais na temática de cidades inteligentes. Esse grupo tem por objetivo identificar e integrar diretrizes governamentais que permitam a formação de um Plano Nacional Interministerial para Desenvolvimento de Cidades Inteligentes. Atualmente operam neste grupo de trabalho representantes da ABDI, a Presidência da República, o Ministério das Cidades, o MDIC, o MCTI, o Ministério das Comunicações, o MRE, o BNDES, a Aneel, a Anatel, entre outras instituições governamentais convidadas.

CONCLUSÃO Este artigo realizou um breve levantamento dos temas internet das coisas e cidades inteligentes, bem como suas aplicações no mundo atual, e identificou algumas iniciativas que estão sendo realizadas no Brasil, apontando desafios para o desenvolvimento industrial no país. Conforme explorado no documento, a IoT, operacionalizada pelas tecnologias aplicadas nas cidades inteligentes, considera a adoção de sensores e automação em ruas, edifícios, postes, semáforos; câmeras de monitoramento; hot spot WiFi; sensores e controle de transporte em veículos privados e públicos (sejam aéreos, fluviais ou terrestres); entre outros. Há também uma ampla gama de sistemas de informação de pequeno e grande porte envolvida, como sistemas de acompanhamento público, centros de gestão pública, centros de computação para processamento de dados de alto volume e não relacional (big data e computação nas nuvens), aplicativos para celulares, smartphones, tablets, notebooks e computadores, além dos softwares embarcados em sensores e dispositivos de

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automação. Tornar a cidade inteligente requer um aumento na capacidade de computação em centros de controle, empresas e ambientes públicos. Requer também o incentivo ao cidadão para a conexão em sua residência, no trabalho ou quando em mobilidade. Além disso, requer a capacitação de trabalhadores para aplicação desses novos conceitos, bem como para o uso de novos produtos e serviços que surgem pela inovação tecnológica. Considerando a base aproximada de 5.000 municípios do Brasil, são mais de 70 milhões de residências e edifícios comerciais, milhares de postes, semáforos e pontos de conexão (um número acima de 15 milhões), milhares de sensores nas ruas (em milhares de unidades de posicionamento) e uma possibilidade de conexão com mais de 70% da população do Brasil. Esses quantitativos são extremamente relevantes para a indústria, para a fabricação e a comercialização de milhões de sensores, dispositivos e equipamentos, além do desenvolvimento de sistemas, aplicativos e serviços associados em todas as cidades do Brasil. Apesar das oportunidades, cabe observar os dados do déficit da balança comercial de produtos do setor eletroeletrônico, que atingiu US$32,5 bilhões em 2012, e nesse contexto estão diversos produtos de TIC, tais como hardware, semicondutores, dispositivos e equipamentos para smart cities. A inovação nas cidades surgirá de qualquer forma, ou pela importação de produtos e tecnologias inteligentes ou pelo desenvolvimento no país de grande parte desses produtos. Com isso, muitos desafios se apresentam para o desenvolvimento das cidades inteligentes no Brasil. Esses desafios são uma oportunidade para o desenvolvimento da indústria nacional, em especial a relacionada com as tecnologias de informação e comunicação, alavancada pela IoT e sistemas M2M, uma vez que o país tem capacidade política e tecnológica para tornar as cidades inteligentes. O risco para o Brasil está em desconsiderar o ganho para desenvolver as tecnologias aplicadas a smart cities a partir de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação com instituições instaladas no país e tendo como consequência o aumento do déficit da balança comercial, pelo aumento da importação de produtos de tecnologias de informação e comunicação. Conforme mencionado, já existem iniciativas no âmbito do governo federal que colaboram com o desenvolvimento das cidades inteligentes, mas é necessária maior articulação governamental, inclusive de integração entre as esferas federal,

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estadual e municipal. Já há um grupo de trabalho no governo discutindo essas ações, liderado pela ABDI. A geração de um ambiente propício para o aproveitamento do movimento tecnológico de formação de cidades inteligentes começa a se formar no Brasil. O momento é oportuno para apoiar novos projetos nos municípios, desenvolver competências tecnológicas em PD&I para a fabricação de produtos inovadores (equipamentos e dispositivos), viabilizar a comercialização em escalas iniciais, preparando a indústria nacional para escalas comerciais de alto volume, pela disseminação e aplicação do conceito de cidades/comunidades inteligentes em espaços urbanos do Brasil.

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O Desenvolvimento de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) para as Redes Elétricas Inteligentes (REI)

Carlos Venícius Frees Isabela Mendes Gaya Lopes dos Santos

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Resumo

As redes elétricas inteligentes (REI) revolucionam a forma de geração, transmissão e especialmente de distribuição da energia elétrica, ao mesmo tempo em que alteram a relação consumidor-concessionária, criando um novo modelo de prestação dos serviços de energia elétrica. A inovação tecnológica aplicada à rede elétrica é caracterizada pelo uso de novos equipamentos e sistemas de controle com base em soluções de tecnologias de informação e comunicação (TIC). No Brasil, algumas empresas estão apostando nessas tecnologias e já deram seus primeiros passos ruma à implantação da REI. Este artigo tem o propósito de analisar o posicionamento da indústria nacional de tecnologia da informação e comunicação para redes elétricas inteligentes e propor recomendações de política industrial. A perspectiva de implantação das REI no Brasil constitui uma importante oportunidade para alavancar e consolidar o desenvolvimento da indústria brasileira fornecedora de TIC. Palavras-chave: Redes elétricas inteligentes.

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INTRODUÇÃO No contexto da política industrial, o Plano Brasil Maior, as TIC são consideradas uma das principais forças propulsoras para a indústria brasileira ocupar novos espaços competitivos em cadeias produtivas internacionalizadas e densas em conhecimento. Por sua vez, entre as diversas aplicações setoriais de TIC, a perspectiva de implantação das REI no Brasil constitui uma importante oportunidade para alavancar e consolidar o desenvolvimento da indústria brasileira fornecedora de TIC. Os fornecedores para as REI constituem uma indústria em rápida evolução, marcada por novas tecnologias, novos padrões tecnológicos e novas capacidades produtivas, inclusive mediante fusões e aquisições de fornecedores estratégicos. Do ponto de vista tecnológico, as inovações substanciais para implantação das REI concentram-se no segmento de distribuição de energia – subestações, elementos de redes e das unidades consumidoras, considerando ainda as interligações das potenciais tecnologias de geração distribuída. Diante deste cenário, os esforços da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) vêm no sentido de prover conhecimentos sobre as REI, por meio da identificação dos principais projetos que estão sendo desenvolvidos no país e que envolvem tecnologia da informação e comunicação, do levantamento das concessionárias, fornecedoras e centros de pesquisas envolvidos e do mapeamento dos produtos e serviços produzidos no país. Assim, esse artigo tem o propósito de analisar o posicionamento da industrial nacional de tecnologia da informação e comunicação para redes elétricas inteligentes e identificar algumas recomendações para a formulação de uma política industrial para o setor. Para coleta, análise e conclusão dos dados, foi utilizada a seguinte metodologia: •

Seleção das entidades representativas do mercado brasileiro de TIC-REI.



Levantamento de informações por meio de entrevistas, questionários e busca na web.

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Compilação, classificação, comparação, organização e validação/ avaliação dos dados.



Geração de tabelas, gráficos, dados e realização de análises e conclusões.

As entidades (concessionárias, empresas fornecedoras de TIC/REI e CPD&I) mapeadas neste levantamento foram classificadas por arquitetura sistêmica de produtos e serviços pelas principais subáreas de REI (arquitetura de REI), segundo a classificação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sendo elas: •

MI – Medição Inteligente (e Infraestrutura de Medição Avançada – IMA).



AD – Automação da Distribuição (que também inclui Automação da Subestação – AS).



GD – Geração Distribuída, Microgeração e Arranjos Técnicos e Comerciais:



GD Fotovoltaica, GD Eólica, GD Heliotérmica, GD Biogás e GD Outros.



TELECOM – Telecomunicações.



TI – Tecnologias de Informação.



EI – Edifícios Inteligentes (Industrial, Comercial e Residencial).



ARM – Sistemas de Armazenamento Distribuído e Baterias.



VEH – Veículos Elétricos, Híbridos e Sistemas de Carga.



CSM – Serviços ao Consumidor.



DEMO – Projeto Demonstração.



OUTRO – Outros Correlatos.

Os documentos do estudo original subsidiarão a elaboração de ações de política industrial no país, que deverão ser conduzidas por meio da articulação e ação coordenada entre várias instituições-chave: ministérios, agências reguladoras, empresas de energia, comissões públicas de energia e telecomunicação, agências de fomento, investidores, grupos industriais, instituições de pesquisa, desenvolvimento e inovação, entidades definidoras de padrões técnicos e de serviços de certificação, qualificação e teste.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

REDES ELÉTRICAS INTELIGENTES – CONCEITO O conceito de “redes elétricas inteligentes” tem muitas definições. Para fins deste artigo, o conceito será pautado na aplicação de tecnologias de informação e comunicação às redes elétricas. “Smart grid” ou rede elétrica inteligente, em termos gerais, é a combinação de tecnologias habilitadoras, hardware, software, ou práticas que coletivamente fazem que a rede seja mais confiável, mais versátil, mais segura, mais resiliente e mais útil para os consumidores (SIOSHANSI, 2011). Especificamente, envolve a instalação de sensores nas linhas da rede de energia elétrica, o estabelecimento de um sistema de comunicação confiável em duas vias com ampla cobertura com os diversos dispositivos e a automação dos ativos. Esses sensores são embutidos com chips que detectam informações sobre a operação e o desempenho da rede – parâmetros, tais como tensão e corrente. Os sensores, então, analisam essas informações para determinar o que é significativo – por exemplo, está com tensão muito alta ou muito baixa. Quando os sensores detectam informações significativas, ocorre a comunicação dos dados de volta para um sistema analítico central, que geralmente é um sistema de software. Esse sistema analisará os dados e determinará o que está errado e o que deve ser feito para melhorar o desempenho da rede. Por exemplo, num caso em que temos voltagem muito alta, o software detecta o nível de tensão e instrui um dos dispositivos já instalados na rede para reduzir a voltagem, economizando assim a energia gerada e contribuindo para reduzir as emissões de carbono. Os benefícios são a eficiência, a confiabilidade e a integração de ponta: •

A eficiência implica consumir menos energia da empresa concessionária para fornecer o mesmo nível ou melhoria da qualidade do serviço aos seus clientes.



A confiabilidade implica a rede inteligente detectar quando os ativos de uma rede estão começando a falhar ou estão com desempenho em declínio, com vista a sua reparação ou substituição, antes que haja uma interrupção de energia real. A rede inteligente também detecta uma falha e

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a localiza com precisão, permitindo à concessionária responder a ela com muita rapidez. •

A integração de ponta é a integração de qualquer equipamento da rede, desde a leitura de um medidor inteligente para interagir com o sistema de gestão do cliente em casa, com painéis solares e com veículos elétricos, resultando em processos bem-sucedidos na rede.

A inovação tecnológica aplicada à rede elétrica é caracterizada pelo uso de novos equipamentos e sistemas de controle com base em soluções de tecnologias de informação e comunicação (TIC). Assim as REI revolucionam a forma de geração, transmissão e especialmente de distribuição da energia elétrica, ao mesmo tempo em que alteram a relação consumidor-concessionária, criando um novo modelo de prestação dos serviços de energia elétrica. As TIC associadas ao conjunto de linhas e equipamentos do sistema de distribuição de energia viabilizam níveis superiores de gerenciamento e segurança do sistema elétrico. Os controles e comandos, a medição, o monitoramento e a transferência instantânea e bidirecional de informações entre os dispositivos fazem que a infraestrutura e os serviços prestados sejam mais eficientes, com menores perdas operacionais e não operacionais. A energia transportada passa a ser distribuída com inteligência e usada com maior eficiência. A REI também tornará possível realizar a conexão de micro e miniunidades de geração de energia à rede (incluindo as energias renováveis e alternativas), possibilitando uma diversificação na matriz energética, além de viabilizar a integração de veículos elétricos e híbridos para consumo e geração de energia. Além dos controles efetivos da infraestrutura energética, tecnologias interativas de automação, articuladas aos medidores, podem ser utilizadas para aperfeiçoar a operação de aparelhos eletrodomésticos nas residências. Na atualidade, as redes elétricas inteligentes e seus componentes são os temas de maior discussão no cenário internacional, sendo que diferentes iniciativas vêm sendo adotadas, com variâncias encontradas até mesmo entre distribuidoras de um mesmo país. Isso ocorre no mercado americano, por exemplo, onde a estrutura de distribuição de energia e a regulação diferem do padrão brasileiro (TOLEDO, 2012).

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A aplicação dessas tecnologias também é realizada em vários outros países da Europa, Ásia e América do Norte como forma de fazer frente às questões ambientais e de dependência energética. Esses mesmos países estão investindo na indústria de equipamentos e sistemas para REI para aproveitar as oportunidades associadas de desenvolvimento tecnológico e industrial, visando a um posicionamento competitivo.

MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA O Brasil tem um mercado potencial de mais de 120 milhões de medidores eletrônicos inteligentes residenciais de energia elétrica, além de milhares de equipamentos e sistemas de TIC associados às REI, que vão requerer alterações da infraestrutura das concessionárias para a distribuição, transmissão e geração de energia. O aproveitamento dessa demanda potencial pode gerar oportunidades de desenvolvimento da indústria brasileira, especialmente no caso dos medidores inteligentes (residenciais, comerciais e industriais), que envolvem escalas suficientes para viabilizar plantas com competitividade internacional. Apesar de os empresários do setor de energia estarem atualmente cautelosos em relação às perspectivas financeiras do setor, em função do avanço da economia do país, eles também acreditam que a otimização de custos e a maximização da eficiência operacional se tornem medidas fundamentais às empresas. Esses resultados, em muitos casos, podem ser obtidos a partir da adoção de novas tecnologias (que também entram no conceito das REI), mas vale ressaltar que isso depende de uma análise de custo-benefício minuciosa de empresa para empresa (PWC, 2014). Por parte do governo, algumas iniciativas já estão sendo realizadas no sentido de desenvolver as REI no país, como será abordado brevemente no capítulo posterior, mas ressalta-se a importância de se potencializar o programa de governo em uma linha de ação estratégica e integrada multiministerial, de longo prazo, de modo a criar condições mais favoráveis ao desenvolvimento da indústria nacional neste setor. O setor elétrico brasileiro conta com 34 concessionárias de distribuição, 21 de geração e 7 de transmissão, realizando projetos de P&D voltados a REI ou correlatos a este conceito, com aplicação de produtos e serviços de TIC. Algumas dessas

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concessionárias estão também iniciando aplicações em escala comercial, visando a modernizar seus respectivos sistemas elétricos de potência e atender questões específicas das suas operações. A Aneel, órgão regulador, tem desempenhado importante papel no cenário nacional de desenvolvimento das REI. As propostas de projetos de PD&I (pesquisa, desenvolvimento e inovação) para o setor de energia elétrica têm sido elaboradas e catalogadas mediante temáticas definidas estrategicamente pelo órgão, visando a projetos voltados à REI. De 2008 até o final de 2013, foram identificados 273 projetos de desenvolvimento catalogados em 10 temáticas. Os investimentos previstos declarados nas propostas de P&D Aneel superam a marca de R$1,09 bilhão. Entre os diversos projetos de P&D, os pilotos de demonstração têm sido uma forma importante para testar soluções tecnológicas e inovadoras em menor escala, de modo a demonstrar as possibilidades de ganho econômico, financeiro e operacional, gerando assim o aprendizado necessário para o estabelecimento de modelos adequados à implantação de REI no Brasil (Figura 1). Figura 1 – Os 11 principais projetos de demonstração de REI no Brasil

No Brasil, as concessionárias de energia elétrica estão desenvolvendo projetospiloto de pequeno e grande porte, em grande parte apoiados por recursos do P&D Aneel, como forma de testar tecnologias, funcionalidades, aplicações integradas de

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infraestrutura avançada de medição, automação avançada de rede de distribuição e infraestrutura de telecomunicações e novos modelos de negócio. No estudo realizado, foram identificadas 62 empresas de energia elétrica participantes de projetos de P&D Aneel em REI, atuando nas subáreas da arquitetura de REI. A Figura 2 mostra a correlação da distribuição da quantidade de projetos e da quantidade de concessionárias de energia elétrica por subárea da arquitetura de REI. Destaque para as áreas de Geração Distribuída e Automação da Distribuição. Figura 2 – Quantidade de projetos e empresas participantes por subáreas de REI

Fonte: Aneel.

Foi realizado também um levantamento abrangente das concessionárias que desenvolveram ou estão desenvolvendo projetos de pesquisa, dentro do escopo do programa de P&D da Aneel, em que o contexto do segmento TIC-REI é também aplicado. As Figuras 3 e 4 mostram o resultado dessa classificação com o percentual de projetos e investimentos por subárea de TIC-REI.

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Figura 3 – Distribuição de projetos de P&D Aneel por subárea de atuação em TIC-REI

Destaca-se, na Figura 3, que a subárea de Geração Distribuída [GD: GD-F (10,62%) + GD-E (1,47%) + GD-H (1,83%) + GD-B (0,73%) + GG-O (12,45%)], com um total de 27,11%, concentra a maioria dos projetos das concessionárias, seguida pela Automação da Distribuição (AD) (20,51%) e por Sistemas de Medição Inteligente (MI) (9,52%). Também foi feito um levantamento dos investimentos realizados pelas concessionárias nos projetos de P&D Aneel por subárea da arquitetura TIC-REI. Observa-se na Figura 4 que o maior investimento é em Geração Distribuída (GD), com um total de 38,9%. Figura 4 – Subáreas de TIC-REI com maior investimento

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Dos dados obtidos, nota-se que aproximadamente 20% das concessionárias, ou seja, as 13 que realizaram os maiores investimentos em P&D Aneel de TIC-REI, concentram aproximadamente 80% dos recursos aplicados, como pode ser observado na Figura 5. Este seria um critério quantitativo adequado para a definição do grupo de concessionárias que constituem um grupo “núcleo” das maiores concessionárias, lembrando que nem todas se qualificam em outros critérios, tais como: 1) participação em projetos demonstração; ou 2) número de projetos de P&D. Figura 5 – Concessionárias x total dos investimentos em projetos de P&D Aneel TIC-REI

MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS EMPRESAS FORNECEDORAS DE SOLUÇÕES PARA TIC-REI Foram evidenciadas e classificadas as principais características da produção tecnológica do país. Foram mapeadas 300 empresas atuando no desenvolvimento de produtos, serviços e aplicações de TIC no Brasil, conforme a seguinte distribuição: •

107 empresas participantes em P&D Aneel; e



193 empresas não participantes em P&D Aneel.

Das empresas identificadas, 160 são participantes do programa Inova Energia (líderes ou parceiras), representando 53% das empresas mapeadas na pesquisa. A Figura 6 apresenta a distribuição das empresas por estado e região do Brasil:

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Figura 6 – Classificação da participação das 300 empresas mapeadas por Estado da Federação

Também foi realizado o mapeamento das principais subáreas de atuação em TICREI das empresas fornecedoras (Figura 7). Observa-se que as principais áreas de atuação são: GD (18%), com 103 empresas; TI (16%), com 90 empresas; MI (11%), com 60 empresas; AD (11%), com 60 empresas; e Telecom (8%), com 48 empresas; totalizando 64% para essas 5 subáreas. Vale salientar que muitas dessas empresas também atuam em mais de um segmento e portanto podem ter seus nomes mencionados em outras subáreas de TIC-REI. Figura 7 – Classificação das empresas por área de atuação em TIC-REI

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

É importante enfatizar que nem todas as aplicações e mercados para REI envolvem as concessionárias de energia elétrica como o principal agente do processo, principalmente aquelas voltadas à gestão e controle energético do consumidor e à geração distribuída.

MAPEAMENTO E ANÁLISE DOS CENTROS DE PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO (CPD&I) A participação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação (CPD&I), sejam entidades de pesquisa públicas, privadas ou acadêmicas (universidades e faculdades), na cadeia fornecedora nacional de produtos e serviços de TIC-REI, tem sido decisiva para a implantação gradativa do conceito “smart grid” no Brasil. A Figura 9 mapeia os principais CPD&I atuantes em TIC-REI por estado e região do Brasil (P&D Aneel e não P&D Aneel), onde observa-se uma grande concentração de entidades na região Sudeste, com 55 entidades (especialmente o estado de São Paulo, com 29 entidades); e na região Sul, com 28 entidades. Figura 9 – Classificação da participação dos CPD&I mapeados por estado da federação

Foram identificados 80 CPD&I atuantes com as concessionárias de energia que participam de projetos de P&D Aneel e 50 CPD&I atuantes com as concessionárias de energia que não participam de projetos de P&D Aneel, distribuídas segundo as subáreas temáticas. A Figura 10 localiza os CPD&I participantes e não participantes de P&D Aneel por estado.

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Figura 10 – Localização dos CPD&I participantes e não participantes de P&D Aneel

Observa-se nessas figuras a concentração de CPD&I que atuam em TIC-REI nas regiões Sul e Sudeste, principalmente no estado de São Paulo (20 entidades participantes de P&D Aneel e 9 não participantes de P&D Aneel).

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

PRODUTOS E ÍNDICE DE PRODUÇÃO NACIONAL Os índices de produção nacional foram obtidos segundo respostas aos questionários e entrevistas realizadas com fornecedores e CPD&I. Os resultados representam uma análise dos dados recebidos das empresas que participaram da pesquisa, que serão listadas ao longo desta seção. Para a análise estabeleceu-se o índice delimitador de 60% de produção nacional, para se definir o domínio da tecnologia. Observam-se indicadores superiores a 60% em alguns produtos, conforme as tabelas a seguir, distribuídos em todas as subáreas da arquitetura de REI, considerados de domínio pelo Brasil, segundo os dados levantados.

INFRAESTRUTURA DE MEDIÇÃO AVANÇADA (IMA) E MEDIÇÃO INTELIGENTE (MI) A Tabela 1 apresenta a relação de produtos para a área de Infraestrutura de Medição Avançada (IMA) e Medição Inteligente (MI). Tabela 1 – Relação de produtos para a área de Infraestrutura de Medição Avançada (IMA) e Medição Inteligente (MI) Estimativa de Produção Nacional

Produtos

Origem Importação

Medidor Inteligente do Grupo A

75%

Ásia; Alemanha

Medidor Inteligente do Grupo B

75%

Ásia; Alemanha

Medidor Inteligente de Fronteira e Clientes Livres

70%

Ásia

Dispositivo de Comunicação do Medidor

55%

Ásia; China; América do Norte

Roteador/Concentrador de Dados (Rede)

60%

Ásia; América do Norte; China

Gateway de Comunicação dos Medidores (MDC)

91%

América do Norte

Equipamento de Comunicação (GPRS, Mesh, PLC, Satélite, Rádio, Fibra, WiMax, etc.)

34%

China; Ásia; América do Norte

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AUTOMAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO (AD) E AUTOMAÇÃO DA SUBESTAÇÃO (AS) A Tabela 2 apresenta a relação de produtos para a área de Automação da Distribuição (AD) e Automação da Subestação (AS). Tabela 2 – Relação de produtos para a área de Automação da Distribuição (AD) e Automação da Subestação (AS)

Produtos

Estimativa de Produção Nacional

Origem Importação

Religador de Campo/Alimentador

72%

Não definido

Disjuntor

70%

Não definido

Banco de Capacitor

80%

Não definido

Regulador de Tensão

80%

Não definido

Sensores de Tensão-Corrente

56%

Ásia; América do Norte

Transformador de Campo

--

Transformador de Força (Subestação)

--

Controle Volt/Var

90%

Não definido

Chave Seccionadora

80%

Não definido

Chave Automática

90%

Não definido

Dispositivo PMU (Sincrofasor)

100%

Equipamento de Comunicação de Campo (GPRS, Mesh, PLC, Satélite, Rádio, Fibra, WiMax, 3G, LTE, etc.)

78%

Equipamento de Comunicação de Subestação (Roteadores, Switches, Conversores de Mídia, etc.)

60%

Dispositivos/Elementos de Subestação (IED, Sensores, Câmeras IR, etc.)

--

Ásia; América do Norte Ásia; América do Norte

Recursos Energéticos Distribuídos (RED): Geração Distribuída (GD), Sistema de Armazenamento de Energia (SES), Infraestrutura de Veículos Elétricos (IVE), Controle de Cargas Inteligentes/Resposta à Demanda (RD)

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

A Tabela 3 apresenta a relação de produtos para a área de Recursos Energéticos Distribuídos (RED): Geração Distribuída (GD), Sistema de Armazenamento de Energia (SES), Infraestrutura de Veículos Elétricos (IVE), Controle de Cargas Inteligentes/Resposta à Demanda (RD). Tabela 3 – Relação de produtos para a área de RED: GD, SES, IVE, RD Estimativa Origem de Produção Importação Nacional

Produtos Inversor Grid-Tie Residencial (GD) – 250W-10kW

90%

Alemanha

Inversor Grid-Tie Comercial (GD) – acima de 10kW (até 1MW)

80%

Alemanha

Inversor Grid-Tie Industrial (GD) – acima de 50-100kW (até 1MW)

80%

Alemanha

Inversor Inteligente para Veículo Elétrico (VE)

50%

Ásia

15%

Ásia; América do Norte; Europa

Bateria Inteligente Caixa de Combinação DC (GD)

--

Medidor Inteligente Net Metering

60%

Controlador Inteligente de Carga (GD, SES, IVE)

100%

Dispositivos de Comunicação (GD, SES, IVE).

Ásia; América do Norte; Alemanha

--

Controlador de RED (GD, SES, IVE)

--

Dispositivos de Controle de Cargas Inteligentes/Resposta à Demanda (RD)

--

Rede de Acesso do Prossumidor (RAP): Rede de Acesso do Prossumidor Residencial (RAR), Rede de Acesso do Prossumidor Comercial e Institucional (RAC&I), Rede de Acesso do Prossumidor Industrial (RAI)

88

A Tabela 4 apresenta a relação de produtos para a área de Rede de Acesso do Prossumidor (RAP): Rede de Acesso do Prossumidor Residencial (RAR), Rede de Acesso do Prossumidor Comercial e Institucional (RAC&I), Rede de Acesso do Prossumidor Industrial (RAI). Tabela 4 – Relação de produtos para a área de RAP: RAR, RAC&I, RAI Estimativa de Produção Nacional

Produtos

Origem Importação

Gestão de Energia Residencial (HEMS)

50%

Europa

Gestão de Energia Comercial/Predial (CEMS)

0%

Europa

Gestão de Energia Industrial (IEMS)

---

Roteador/Gateway Inteligente

100%

Display Inteligente

44%

Ásia; América do Norte

Termostato Inteligente

60%

Não definido.

Dispositivo de Serviços de Energia (ESI) (Interface, Roteador, Gateway)

--

Aplicativos de Gestão de Energia por Smartphone, Tablets, etc.

83%

Europa

Submedidor

50%

Não definido

Cargas Inteligentes

--

Eletrodomésticos Inteligentes

50%

Dispositivos de Controle de Resposta à Demanda (Interface, Comunicação, etc.)

100%

Dispositivos Comerciais Conectados (Elevadores, Motores, etc.)

--

Dispositivos Industriais Conectados (Motores, etc.)

--

Equipamento de Comunicação de Prossumidor (Mesh, PLC, WiFi, etc.)

89

100%

Ásia

Os desafios da Política Industrial Brasileira

DESPACHO DE SERVIÇO MÓVEL (DSM) A Tabela 5 apresenta a relação de produtos para a área de Despacho de Serviço Móvel (DSM). Tabela 5 – Relação de produtos para a área de DSM Estimativa de Produção Nacional

Produtos Dispositivo de Comunicação Móvel

80%

Tablet/Notebook

Origem Importação Não definido

---

Software de Gestão DSM instalado no Dispositivo Móvel

64%

Europa

GESTÃO DA OPERAÇÃO/COMERCIAL (SOFTWARE) A Tabela 6 apresenta a relação de produtos para a área de Gestão da Operação/ Comercial (software). Tabela 6 – Relação de produtos para a área de DSM Estimativa de Produção Nacional

Produtos

Origem Importação

Sistema de Gestão de Energia (EMS)

70%

Europa; Ásia; América do Norte

SCADA

68%

Europa; Ásia

Sistema de Gestão da Distribuição (DMS)

55%

Europa; Ásia; América do Norte

Sistema de Gestão de Interrupção de Energia (OMS)

61%

Ásia; América do Norte

Sistema de Informação Geográfica (GIS)

70%

Europa

53%

Europa; América do Norte

Sistema de Despacho de Serviço Móvel (DSM)

90

Estimativa de Produção Nacional

Produtos

Origem Importação

Sistema de Gestão de Ativos de Rede (GAR)

78%

Europa

Sistema de Gestão de Recursos Energéticos Distribuídos (GRED)

75%

Não definido

Sistema de Gestão de Monitoração e Controle de Áreas Amplas (MCAA)/Sincrofasores

100%

Sistema de Gestão de Dados dos Medidores (MDM)

62%

Europa; América do Norte

Aplicações (Perdas Comerciais, Perdas Técnicas, etc.)

68%

Não definido

Analítico de Dados (Mineração, Processamento, Display/ Dashboard)

50%

Europa

Sistema de Gestão de Informação de Prossumidor (CIS)

55%

Europa

Billing

56%

Europa; América do Norte

Automação da Geração e Transmissão (AG&T): Monitoração e Controle de Área Ampla (MCAA) (PMU/PDC – Sincrofasores), Sistema de Transmissão de AC Flexíveis (FACTS), Sistemas de Corrente Direta de Alta Voltagem (HVDC) A Tabela 7 apresenta a relação de produtos para a área de Automação da Geração e Transmissão (AG&T): Monitoração e Controle de Área Ampla (MCAA) (PMU/PDC – Sincrofasores), Sistemas de Transmissão de AC Flexíveis (FACTS), Sistemas de Corrente Direta de Alta Voltagem (HVDC). Tabela 7 – Relação de produtos para a área de AG&T: MCAA, FACTS, HVDC

Produtos

Estimativa de Origem Produção Nacional Importação

PMU (dispositivo)/PDC (coletor)/Sincrofasor

100%

Sensores

33%

Sistemas de Corrente Direta de Alta Voltagem (HVDC)

--

Sistemas de Transmissão de AC Flexíveis (FACTS)

--

91

Ásia; América do Norte

Os desafios da Política Industrial Brasileira

AÇÕES GOVERNAMENTAIS Em 2013, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) de Governo em Rede Elétricas Inteligente, liderado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Esse grupo tem conquistado alguns avanços para o desenvolvimento das redes elétricas inteligentes no Brasil. No âmbito desse grupo de trabalho, a ABDI apresentou uma proposta para criação de um Programa Brasileiro para Desenvolvimento da Indústria Fornecedora de Redes Elétricas Inteligentes (PBIREI), com base nas proposições identificadas pelo GT. Figura 11 – Grupo de Trabalho (GT) Governamental

Participam desse grupo de trabalho as seguintes instituições: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC); Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Ministério das Comunicações (MC); Ministério de Minas e Energia (MME); Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) – Coordenadora; Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); Financiadora de Estudos e Projetos Estratégicos (Finep); Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro); Agência Brasileira de Fomento à Exportação (Apex-Brasil); Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS); Empresa de Pesquisa Energética (EPE); e Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel). A participação dos representantes é realizada de maneira voluntária.

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Diversos estudos e ações foram e estão sendo realizados pelos órgãos relacionados, com destaque para: •

Criação de linhas de financiamento com base em produção com conteúdo nacional – Inova Energia (Finep, BNDES, Aneel).



Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações (REPNBL-Redes) – Ministério das Comunicações, que passou também a considerar o smart grid.



Produção de legislação e regulação para desenvolvimento das REI no Brasil (Aneel, Inmetro, Anatel).



Desenvolvimento de cursos, capacitações e demais qualificações para REI.



Desenvolvimento de normas e padrões para o setor.



Desenvolvimento de estudos (tais como o Mapeamento da Cadeia Fornecedora de TIC/REI, pela ABDI; além de estudos do MCTI, CGEE e BNDES), entre outros.

CONCLUSÃO Este trabalho apresentou os resultados preliminares na pesquisa de Mapeamento da Cadeia Fornecedora de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) e de seus Produtos e Serviços para Redes Elétricas Inteligentes (REI), que está sendo conduzido pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), fruto da realização de um mapeamento nacional abrangente, contemplando de maneira consolidada as concessionárias de energia elétrica, as empresas fornecedoras de soluções tecnológicas (produtos e serviços) e os Centros de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (CPD&I)1.

1 Em 2015 a ABDI fará complementação desse mapeamento, incluindo fornecedores internacionais, avaliação de tendências de modelos de negócios e tendências tecnológicas, avaliando o rebatimento no Brasil, realizando análise comparativa nacional x internacional e análise crítica das importações. Além desses complementos, será realizado um documento propositivo de políticas voltadas para o desenvolvimento da indústria fornecedora de TIC para REI.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Foram avaliados nesse mapeamento 62 concessionárias de energia elétrica, 300 empresas fornecedoras de soluções tecnológicas (produtos e serviços) e 126 CPD&I com envolvimento no segmento TIC-REI. A Figura 12 mostra a participação das entidades pesquisadas (concessionárias de energia, empresas fornecedoras e CPD&I) por áreas de aplicações TIC-REI. Figura 12 – Participação das entidades pesquisadas por áreas de aplicações TIC-REI

A Figura 13 mostra a participação das entidades pesquisadas (concessionárias, empresas e CPD&I) por subáreas da GD (Geração Distribuída). Nota-se que a subárea GD-Fotovoltaica se destaca das demais, sendo seguida pela subárea GDEólico. Há uma fraca participação das entidades nas subáreas GD-Heliotérmico e GD-Biogás.

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*Figura 13 – Subáreas de GD por entidades (concessionárias, empresas e CPD&I)

Os projetos TIC-REI mapeados estão distribuídos por todas as regiões do país, contudo os investimentos na região Sudeste concentram mais de 66% do total do país. O Sudeste, por ser o centro de consumo de energia do Brasil, por ter grande quantidade de concessionárias de energia e por sediar as grandes empresas de serviços e fabricantes de equipamentos, é a região de maior destaque. Outro dado relevante é que a subárea de TIC-REI com maior número de projetos das concessionárias é a Geração Distribuída, com um total de 27,11%, seguida pela Automação da Distribuição (20,51%) e pelos Sistemas de Medição Inteligente (9,52%). Assim, percebe-se que há forte tendência de as distribuidoras buscarem conhecimento em “cases” de geração distribuída, por meio de projetos nessa área, quebrando o paradigma da rede convencional com fluxo único de energia, gerando novos cenários de operação e planejamento da rede. Observou-se na compilação das informações que os projetos de demonstração das concessionárias têm funcionado como “prova de conceito”, envolvendo diversas subáreas de TIC-REI, somando investimentos atuais da ordem de R$1 bilhão exclusivos em P&D Aneel. Ressalta-se que há a previsão de inserção de aproximadamente R$3 bilhões com os investimentos do programa Inova Energia. Outro dado relevante apontado pelo mapeamento é que as 13 concessionárias com maiores investimentos estão aplicando cerca de 80% dos recursos destinados a P&D, representando 20% do universo de concessionárias com projetos voltados a TIC-REI. Quanto às empresas de soluções tecnológicas, pouco mais que a metade (53%) das investigadas nesse relatório participaram com propostas no programa Inova Energia. Das empresas que aderiram ao Inova Energia, 73 (24%) foram líderes e 87 (29%) parceiras.

95

Os desafios da Política Industrial Brasileira

São Paulo (23%) e Rio de Janeiro (13%) lideram como estados da federação com a maior concentração de CPD&I que participam de projetos TIC-REI, seguidos pelos estados de Santa Catarina (9%) e Rio Grande do Sul (8%). O mapeamento realizado neste trabalho permitiu concluir, em linhas gerais, que a indústria nacional já demonstra interesse e capacidade para o desenvolvimento de novos produtos TIC-REI, sendo que as principais iniciativas e investimentos no país são ainda realizadas pelas concessionárias de energia elétrica, por meio dos projetos-piloto financiados com recursos do programa de PD&I coordenados pela Aneel e de iniciativas próprias. Observam-se índices de produção nacional superiores a 60% em alguns produtos, distribuídos em todas as subáreas da arquitetura de REI, considerados de domínio pelo Brasil, segundo os dados levantados. Observou-se também que os projetos comerciais ou de pesquisa e desenvolvimento (principalmente P&D Aneel) estão sendo importantes para futuras decisões em relação à legislação do setor elétrico, que deverão ser tomadas pelos órgãos governamentais responsáveis, assim como para o estabelecimento dos marcos e diretrizes para nortear os rumos da indústria brasileira no nicho das tecnologias de informação e comunicação (TIC). No entanto, alguns entraves encontrados no mapeamento dos três tipos de entidades pesquisados neste trabalho podem ser ressaltados: •

A atual regulação da Aneel não reconhece investimentos em ativos de TIC-REI e também de outros ativos das concessionárias, impossibilitando maiores investimentos no setor. Esse reconhecimento de ativos, principalmente os de telecomunicações e TI, é essencial para o desenvolvimento de um mercado interno de REI no Brasil, contando com investimentos da própria concessionária e não de fundos oriundos de P&D Aneel ou outros incentivos governamentais.



Há carência do profissional especializado em alguns ramos da cadeia fornecedora, principalmente em TIC-REI. O tema de REI é bastante novo no Brasil e não existe ainda o “profissional completo” que entenda tanto de sistemas de potência quanto de TIC. Grande parte dos desenvolvedores de software carece da experiência em sistemas de potência, enquanto

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os demais profissionais que estão entrando no mercado de REI, na sua grande maioria, são oriundos do setor de telecom, sem experiência e vivência do setor elétrico. A característica da fusão de P (potência) e TIC (tecnologia da informação e comunicação) é um dos grandes gaps, não só no Brasil, mas também em âmbito mundial. •

O período de testes e avaliação de requisitos e adequação para a geração de certificação é considerado longo pelos entrevistados, levando a um maior prazo para o lançamento de novos produtos, principalmente de medidores inteligentes.



As entidades de pesquisa participam em grande parte do desenvolvimento juntamente com as concessionárias e indústrias, no entanto o profissional tem contribuição pontual no produto/serviço. Muitas das empresas entrevistadas demonstraram estar satisfeitas com os resultados dos seus projetos terceirizados para as universidades e centros de pesquisa. Outras, contudo, mencionam a falta de conhecimento das necessidades empresariais no meio acadêmico. Algo mais relevante diz respeito, no entanto, ao registro e captura da propriedade intelectual do que se desenvolve nas empresas em conjunto com as CPD&I. Há a necessidade de agilizar a produção de patentes quanto a questões dos percentuais e direitos aos royalties.



As entidades declararam a necessidade de maiores investimentos na área de segurança cibernética. É importante notar que a normatização atual não garante segurança para comunicação de dados.



Todas as empresas identificaram dificuldades com os serviços de telecom, pois são muito caros e muitas vezes não atendem aos requisitos de disponibilidade e segurança requeridos.

Por fim, foi identificada a necessidade da criação de uma política permanente de incentivo ao investimento em REI pelo governo federal, que represente um cenário de maior segurança para as empresas. Todos os entrevistados concordam que é necessário um órgão do governo federal, com a atribuição de articular e agregar todas essas diferenças, de modo a apontar e desenvolver políticas públicas apropriadas para a indústria de TIC-REI no Brasil.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Assim, pode-se resumir em 5 as ações prioritárias para o Governo Federal desenvolver e promover o mercado de TIC-REI no Brasil. São elas: •

Política Industrial do Governo Federal – potencializar o programa de governo em uma linha de ação estratégica e integrada multiministerial, de longo prazo, para que as empresas se preparem e invistam de maneira planejada, eliminando as incertezas de curto prazo. Conforme mencionado, existe um grupo de trabalho no governo, coordenado pela ABDI, que discute e promove o desenvolvimento de políticas industriais para o setor. No entanto, é necessária a formação de um comitê gestor para as redes elétricas inteligentes no Brasil, como os existentes em outros países.



Novo Modelo Regulatório da Aneel – revisar e alterar o modelo regulatório da Aneel de modo a permitir que as empresas concessionárias de energia tenham seus investimentos em ativos de telecom e TI reconhecidos. É necessário trabalhar em sinergia com a Anatel de maneira a desenvolver um modelo integrado para telecom-TI-sistemas de potências.



Formação de Mão de Obra Qualificada – identificar as novas necessidades do mercado e investir na adaptação dos centros técnicos, institutos e universidades, de modo a viabilizar a capacitação qualificada para a indústria e academia nas novas tecnologias de TIC-REI.



Homologação – mapear os produtos prioritários (medidores, religadores, inversores, etc.) para o desenvolvimento de TIC-REI no Brasil e desenvolver ações que acelerem o tempo de homologação/certificação, em especial: investir na capacitação de laboratórios de homologação/certificação, credenciar agentes externos e investir em pessoal qualificado para atender o aumento de demanda.



Tributos, Financiamentos e Incentivos – criar uma política de impostos diferenciados para implantação de REI no Brasil, que inclua: a revisão do ICMS na geração distribuída, além de outros impostos incidentes sobre produtos; a revisão da legislação para aumento do índice de nacionalização dos produtos de TIC-REI; e a adoção de planos de financiamento e incentivo para o setor de geração distribuída e para a substituição em massa de medidores inteligentes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDI. Mapeamento da Cadeia Fornecedora de Tecnologia da Informação e Comunicação para Redes Elétricas Inteligentes. Disponível em: . Acessado em: 19 set. 2014. ANEEL. Projetos de P&D Aneel voltados ao Desenvolvimento de Rede Elétrica Inteligente no Brasil. Acervo documental. BNDES. Programa Inova Energia. Disponível em: www.bndes.gov.br/SiteBNDES/ bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Plano_inova_empresa/ inovaenergia.html. Acesso em: 19 set. 2014. BNDES. Redes elétricas inteligentes (smart grid): oportunidade para adensamento produtivo e tecnológico local. 2013. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2005 CGEE. Redes Elétricas Inteligentes: contexto nacional. 2012. Disponível em: www. cgee.org.br/atividades/redirect/8050. Acessado em 17 jul. 2005. FINEP. Programa Inova Energia. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2014. MCTI. Redes Elétricas Inteligentes – Diálogo Setorial Brasil-União Europeia. 2014. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2015. PWC. 13ª Pesquisa Global de Energia e Serviços Públicos da PwC. mar.  2014. Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2015. SIOSHANSI, F. Smart Grid: integrating renewable, distributes and efficient energy. Elsevier, 2011. TOLEDO, F. Desenvolvendo as redes elétricas inteligentes. Rio de Janeiro: Brasport, 2012.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

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O mercado brasileiro de micro e nanossatélites

Cláudio Ferreira da Silva Rodrigo Alves Rodrigues Karen Cristina Leal da Silva Ilogti

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

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Resumo

O presente artigo tem como objetivo discutir o mercado brasileiro de micro e nanossatélites, a realidade da indústria espacial brasileira e os programas e ações de governo para o setor. A metodologia utilizada no artigo foi baseada em entrevistas semiestruturadas e pesquisas bibliográficas. O principal resultado deste trabalho foi a análise setorial e a política industrial para a indústria espacial brasileira, tendo como perspectiva micro e nanossatélites. Palavras-chave: Indústria espacial. Programas espaciais. Política industrial. Micro e nanossatélites.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

MICRO E NANOSSATÉLITES: CONCEITOS O termo “micro e nano” usado para denominar esses satélites é atribuído em função de seu peso. São considerados nano os satélites entre 1 e 10kg e micro os satélites entre 10 e 100kg. A razão para miniaturização de satélites é a redução de custos: satélites maiores e mais pesados requerem foguetes maiores, e o custo de lançamento é mais elevado; satélites menores e mais leves podem ser lançados a bordo de veículos lançadores menores e mais baratos e algumas vezes podem ser lançados em conjunto. Os nanossatélites podem ser usados tanto no campo da segurança nacional quanto na biomedicina, para o monitoramento de área como a Amazônia ou para o monitoramento dos recursos naturais. As tecnologias desenvolvidas hoje permitem a utilização de satélites muito pequenos para muitas aplicações. Como limitações, podemos citar: 1) têm uma vida útil mais curta; 2) a capacidade do hardware de bordo é menor; 3) menor potência de transmissão de dados; e 4) desintegração orbital mais rápida. Ponto relevante dos micro e nanossatélites é a diminuição do tempo de desenvolvimento e produção, o que os faz ter maior prontidão para missões urgentes. A questão do baixo tempo de desenvolvimento e baixo custo é o que traz um novo conceito para o segmento espacial, qual seja: satélites desenvolvidos para missões urgentes e muito específicas (por exemplo, monitoramento de crise internacional em determinado lugar, busca e salvamento em acidentes, desastres ambientais, etc.). Além do custo mais baixo, a principal razão para o uso de micro e nanossatélites é a possibilidade de se realizarem missões que um satélite maior não poderia fazer, tais como: 1) constelações (swarms) para comunicações envolvendo um fluxo baixo de dados; 2) usar formações para colher dados de múltiplos pontos; 3) inspeção orbital de satélites maiores; 4) pesquisas universitárias; e 5) proteção dos recursos naturais. Nesse sentido, segundo a OCDE (2003), a “economia espacial” é definida como: Todos os atores públicos e privados envolvidos no desenvolvimento e fornecimento de produtos e serviços viabilizados pelo espaço. Compreende uma longa cadeia de agregação de valor, que começa com os atores de pesquisa e desenvolvimento e os fabricantes de hardware espacial (por

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exemplo, veículos de lançamento, satélites e estações de solo) e termina com os fornecedores de produtos viabilizados pela atividade espacial (por exemplo, equipamentos de navegação, telefones por satélite).

BREVE HISTÓRICO Para Monserrat Filho (2013) a era espacial foi inaugurada por um pequeno satélite. O Sputnik  1, lançado pela ex-União Soviética em 4 de outubro de 1957, era uma esfera de 58cm que pesava 83,6kg. Voou durante 22 dias a uma altitude entre 228 e 947km, sem nenhuma função específica. Levava a bordo nada além de dois transmissores de rádio de 1W, com duas longas antenas, operando entre 20,005 e 40,002MHz, sintonizado por qualquer radioamador. Quatro meses depois, já em 1958, os Estados Unidos também lançaram seu primeiro satélite artificial (o Explorer  1, com 13,97kg), sem fins militares (NERI, 1999). Estava aí caracterizada a Corrida Espacial disputada entre os dois países até meados de 1975, como desdobramento da Guerra Fria, que acontecia nesse período em que figuravam a antiga União Soviética e os Estados Unidos como os atores principais.2 O que se extrai desse recorte é que satélites de pequeno porte já eram utilizados muito antes da concepção desse padrão no contexto internacional. Os anos subsequentes foram da mesma forma relevantes para o setor de micro e nanossatélites: de 1987 a 2000, em torno de 140 microssatélites e 22 nanossatélites foram desenvolvidos e lançados. Destaca-se a alta participação nesses lançamentos do projeto Strela da União Soviética. No período de 1999 a 2010, quando da concepção e disseminação do padrão Cubesat, isto é, acrônimo das palavras em inglês cube e satellite, tipo de satélite miniaturizado usado para pesquisas espaciais, que normalmente possui um volume de 1 litro (um cubo de 10cm) e uma massa de até 1,33kg – houve uma volatilidade de lançamentos de microssatélites e um aumento no lançamento de nanossatélites3, conforme Gráficos 1 e 2:

2 Após esse período, outros atores passaram a desenvolver o lançamento de satélites de pequeno porte, mas em menor escala, dentre eles: França, China, Coreia do Norte, Japão e outros. Estima-se que foram lançados por volta de 270 micro e nanossatélites entre os anos 1957 e 1987 (TRW Space LOG, 1998). 3 Os EUA criaram a Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço (NASA) em 1958 e posteriormente, com a queda da União Soviética e a dissolução do programa espacial soviético, foi criada a Agência Espacial Federal Russa (Roscomos) pela Rússia, já em 1992. A Europa também se organizava nesse período, criando a Agência Espacial Europeia (ESA) na França, em 1975, com vinte estados-membros e de caráter estritamente estatal, com inúmeras divisões espalhadas pela Europa: o Centro Europeu de Investigação e Tecnologias Espaciais (ESTEC) na Holanda, o Centro Europeu de Operações Espaciais (ESOC) na Alemanha, o Centro Europeu de

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Gráfico 1 – Lançamentos de Microssatélites (1955-2010)

Fonte: 25ª Conferência Anual de Pequenos Satélites AIAA/USU, 9 ago. 2011, SIEGFRIED (2011).

Gráfico 2 – Lançamentos de Nanossatélites (1955-2010)

Fonte: 25ª Conferência Anual de Pequenos Satélites AIAA/USU, em 9 ago. 2011, SIEGFRIED (2011).

Astronautas (EAC) na Alemanha, o Instituto Europeu de Investigação Espacial (ESRIN) na Itália, o Centro Europeu de Astronomia Espacial (ESAC) na Espanha e outras de menor relevância. O Japão realizava a estruturação da Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA) em 2003, resultado da fusão da Agência Nacional de Desenvolvimento Espacial (NASDA), do Laboratório Nacional Aeroespacial do Japão (NAL) e do Instituto de Ciência Aeronáutica e Espacial (ISAS).

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Já o contexto histórico internacional mais recente, de 2009 a 2014, traz um cenário diferente. Ele mostra um crescimento mais acentuado do desenvolvimento de micro e nanossatélites, bem como a maior diversidade de aplicações – telecomunicações, observação da Terra, pesquisa científica, demonstração de novas tecnologias, aplicações militares, treinamento e outros –, a indústria se desenvolvendo nesse setor, a concepção do modelo Cubesat e outros aspectos. Essas mudanças devemse aos avanços tecnológicos alcançados pelo setor, ao fim da Corrida Espacial, à entrada de novos players, à mudança do cenário econômico mundial e a outros aspectos que mudaram o panorama desse setor. O Gráfico 3 mostra a evolução dos lançamentos de nano e microssatélites até 50kg. Entre 2009 e 2012, foram lançados em torno de 30 nano e microssatélites por ano; em 2013, 92. O período entre 2015 e 2020 sinaliza um crescimento significativo do mercado, com mais de mais 1.500 lançamentos. Gráfico 3 – Lançamentos de Micro e Nanossatélites (2009-2020)

Fonte: SpaceWorks, Nano/Microsatellite Market Assessment 2014

No que tange à aplicação, o período de 2009 a 2013 mostra que o foco maior é civil, sendo 26 lançamentos com fins comerciais, o que é ainda pouco relevante para a indústria, embora já haja empresas se posicionando no setor.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

O Gráfico 4, por sua vez, apresenta uma projeção realizada pela SpaceWorks somente para o período 2014-2016, que mostra um aumento substancial nos lançamentos com fins comerciais, ou seja, uma demanda e uma oferta relevantes estão sendo criadas, impulsionando rápido desenvolvimento e a evolução do setor. Não obstante, todos os outros setores (governo e defesa/inteligência) também têm aumento relevante de lançamentos. Esse crescimento reforça que a indústria mundial de micro e nanossatélites será demandada, exigindo um posicionamento das empresas em oferecer soluções para suprir essa demanda crescente. Gráfico 4 – Tendências por Setor de Micro e Nanossatélites (2009-2020)

Fonte: SpaceWorks, Nano/Microsatellite Market Assessment 2014.

O BRASIL NA ERA DOS MICRO E NANOSSATÉLITES O Brasil, em 1961, criou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) dedicado à pesquisa e exploração espacial. No início da década de 1970, criara a Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (Cobae) com o objetivo de coordenar e acompanhar a execução do programa espacial brasileiro, que, em fevereiro de

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1994, cria a Agência Espacial Brasileira (AEB), com a finalidade de promover o desenvolvimento das atividades espaciais brasileiras de maneira descentralizada. Tanto a base industrial como a comercialização e o consumo dos bens produzidos no setor estão concentrados majoritariamente no interior paulista, na região do Vale do Paraíba, onde se encontram o Inpe e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). Os micro e nanossatélites já são uma realidade na corrida espacial. Menores e mais baratos, eles chegaram para ficar. E o Brasil marcou sua posição com o lançamento do NanosatC-Br1, ocorrido em 19 de junho de 2014. Vale destacar que o programa para a construção de satélites de pequeno porte foi iniciado no Brasil em 2003 por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com o apoio da Agência Espacial Brasileira (AEB). O CubeSat brasileiro NanosatC-Br1 – sigla que significa “nanossatélite científico brasileiro” – pesa um pouco mais de 1kg e é fruto de um convênio entre a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no Rio Grande do Sul e o Inpe. Outra iniciativa foi o lançamento do programa Serpens em 3 de dezembro de 2013 pela AEB. O Sistema Espacial para Realização de Pesquisa e Experimentos com Nanossatélites (Serpens) tem como objetivo principal qualificar os bolsistas, estudantes, docentes e pesquisadores brasileiros vinculados aos cursos de Engenharia Aeroespacial para iniciar o desenvolvimento de satélites de pequeno porte e baixo custo. Esse programa envolve uma universidade espanhola, uma italiana, duas norte-americanas e cinco universidades brasileiras, quais sejam: a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC), a Universidade de Brasília (UnB), o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Acompanhando esse movimento mundial de produção de micro e nanossatélites, empresas do polo de São José dos Campos e do Rio Grande do Sul começam a se organizar com a finalidade de oferecer produtos/serviços voltados à produção e lançamento de micro e nanossatélites. Um bom sinal para o setor no Brasil foi o lançamento, em 19 de junho de 2014, na Rússia, do NanosatC-Br1, o primeiro minissatélite brasileiro, de acordo com o Pnae. Este é o primeiro satélite do tipo CubeSat desenvolvido pelo país com recursos da Agência Espacial Brasileira (AEB). Os sinais do satélite são captados pelas estações terrestres de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), em São José dos Campos (SP). O NanosatC-Br1 foi

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desenvolvido e produzido por pesquisadores do Inpe e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sendo que sua carga útil é destinada ao estudo dos distúrbios na magnetosfera, principalmente nas regiões da chamada Anomalia Magnética do Atlântico Sul e do Eletrojato Equatorial Ionosférico. O satélite possui três cargas úteis: um magnômetro para utilização dos seus dados pela comunidade científica; um circuito integrado resistente à radiação projetado pela Santa Maria Design House (SMDH), ligada à Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec) e à UFSM; e um hardware em FPGA, que deve suportar as radiações no espaço em função de um software desenvolvido pelo Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O mercado brasileiro de micro e nanossatélites é a parte mais consistente do Programa Espacial Brasileiro, mas do ponto de vista comercial não é o mais rentável. Na perspectiva comercial, o segmento mais promissor do mercado de desenvolvimento e lançamentos espaciais é o de satélites geoestacionários, mercado de que o Brasil não faz parte. Segundo especialistas, os satélites geoestacionários têm como características principais ser restritos, dependentes de acordos de cooperação internacional e de salvaguardas tecnológicas. Não poderíamos deixar de destacar o Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae), porque recepciona as mudanças no cenário estratégico do Estado, com novas oportunidades sendo criadas pelo Governo Federal: o programa para o desenvolvimento de tecnologias críticas; as ações de absorção tecnológica no contexto do desenvolvimento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC); os novos direcionamentos dos fundos setoriais; a Estratégia Nacional de Defesa (END); a atuação especial do Programa Ciência sem Fronteiras para a área espacial; as iniciativas legislativas para a desoneração do setor, dentre outras ações de governo. Em um setor considerado de alta intensidade tecnológica, segundo a classificação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2003), a evolução da indústria não é decorrente do desenvolvimento de nenhum domínio científico de conhecimento específico: pode-se afirmar que nenhum know-how específico ocupa uma posição central no campo (LEBEAU apud SCHMIDT, 2011). No Brasil, entretanto, ainda se busca a consolidação e priorização das ações em função de determinados produtos e aplicações espaciais (SCHMIDT, 2011). No caso brasileiro, a atuação das empresas privadas está restrita ao fornecimento

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de peças, componentes e subsistemas encomendados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE)/ Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), uma vez que a estrutura do Sistema Nacional de Atividades Espaciais (Sindae) define que essas instituições são responsáveis por projetos, montagem, integração de sistemas e testes dos satélites e dos veículos lançadores, respectivamente (GRAZIOLA et al. apud SCHMIDT, 2011). Em linhas gerais, trata-se de uma indústria que tem como características ser embrionária, dependente das encomendas governamentais e sujeita ao contingenciamento orçamentário. O governo é o único comprador, onde Inpe e DCTA fazem papel de integradores e são coordenados pela AEB. Há necessidade de grandes empresas integradoras, para o maior adensamento e agregação de valor na cadeia produtiva e para liderar a inserção da indústria nacional no mercado internacional. Nesse sentido, a Visiona Tecnologia Espacial tenciona cumprir este papel, em particular no que se refere aos satélites geoestacionários. Para análise, fica para seus dirigentes a possibilidade de essa empresa atuar como integradora de micro e nanossatélites.

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS Para o melhor entendimento sobre o mercado brasileiro de micro e nanossatélites aplicamos entrevista semiestruturada com as seguintes questões para especialistas, sendo um representante da academia, outro militar e o terceiro do setor privado, procurando apurar: 1) a dependência do setor em relação aos mercados civis e militares, interno e externo; 2) as iniciativas governamentais; 3) pontos fortes e fracos, as ameaças e oportunidades; 4) as perspectivas futuras; e 5) a concorrência no subcontinente sul-americano.4 Principais pontos de destaque na entrevista semiestruturada 1) Dependência em relação aos mercados civis e militares, interno e externo O setor de micro e nanossatélites tem aplicação em diversos mercados, tais como

4 Os consultados Cel. Pierre Mattei (Coordenador de Engenharia Espacial do ITA); Cel. Ricardo de Queiroz Veiga (Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais – CCISE); Profª Drª Chantal Cappelletti (UnB) e Dr. Carlos Fernando Rondina Mateus (Coordenador APL Aeroespacial e Defesa).

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científico, espacial, de defesa, agrícola e ambiental. Essas aplicações podem ser voltadas ao ensino e desenvolvimento tecnológico, teste e qualificação de sistemas e soluções da indústria, visando a satélites de maior porte, de sensoriamento remoto e de comunicações. Usos de imagens da Terra (o relatório Futron estimou o mercado de imagens satelitais em 1BUSD em 2010): assistência e prevenção de desastres; Agricultura; observação de infraestrutura remota (por exemplo: a indústria petrolífera usa os dados para manter o controle de seus ativos em locais remotos). Satélites de comunicação, mesmo os nano, podem servir para relay de dados para a defesa, forças públicas e coleta de dados de estações de terra (por exemplo: o SCD coleta os dados para a ANA). O US Army testou recentemente um satélite 3U para relay de comunicações em UHF para uso com rádios portáteis (aqueles de mão, mesmo). Os mercados de observação da Terra comerciais: Mercado # 1: Imagens de alta resolução (1,5 metro por pixel). O custo dos satélites faz com que os provedores estejam limitados a um pequeno número em órbita (geralmente 1-2). Mercado # 2: Média resolução de imagens (5-7 metros por pixel). Imagens de qualidade inferior, contudo os fornecedores tendem a ter mais satélites em órbita e são capazes de oferecer mais bandas espectrais e revisita mais frequente, devido ao maior número de satélites dentro da constelação. Satélites 6U atendem bem a este mercado: US$1,33/km² para o consumidor. Para comparação, cada Rapid Eye (empresa alemã com satélites feitos pela SSTL (Surrey, Reino Unido) custa US$7 milhões (cinco saem por US$35 milhões), e o lançamento pela Dnepr sai em torno de US$15 milhões. Por ser uma tecnologia ainda em desenvolvimento, ainda não há uma dependência militar estabelecida para esses tipos de satélites, mas as vantagens oferecidas por eles relacionadas ao baixo custo e à rapidez de produção são altamente desejáveis. Enfim, nano e microssatélites no Brasil são uma oportunidade muito importante para o desenvolvimento futuro do país, tanto em termos de aplicações comerciais quanto militares. O Brasil, dada a vastidão do seu território, pode melhorar muito as condições da comunidade, oferecendo vários tipos de serviços para satélite.

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2) Iniciativas governamentais O Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (Pese), estabelecido no âmbito do Ministério da Defesa, tem por visão a evolução tecnológica que permitirá o emprego de micro e nanossatélites para apoiar as operações militares. O baixo custo desses satélites permitirá a manutenção de uma demanda continuada com os benefícios para a sustentabilidade da indústria espacial e para a renovação tecnológica do segmento espacial. A iniciativa é estrategicamente crucial para o futuro do Brasil, tanto do ponto de vista da oferta de serviços à comunidade brasileira como nas relações com países estrangeiros. A política pública deveria incentivar o desenvolvimento desta área de tecnologia para gerar empregos e garantir que o desenvolvimento tecnológico do país se intensifique. 3) Pontos fortes e fracos, as ameaças e oportunidades Pontos fortes: •

O Inpe e o ITA têm ampla capacidade e experiência no desenvolvimento de micro e nanossatélites e têm relacionamento com a indústria para a capacitação e melhoria contínua dos produtos.



Cursos de graduação em engenharia aeroespacial em diversas boas universidades.



Baixo custo.



Descarte menos arriscado.



Projeto mais simples, facilitando a participação de um número maior de empresas e universidades.

Pontos fracos: •

Falta de apoio político e de incentivos ao desenvolvimento tecnológico e industrial, ainda carentes no país.



Lançadores superdimensionados para esses satélites.

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Limitação de volume e peso da carga útil, impondo restrições de capacidade para os sensores ópticos e de comunicação.



Limitação do suprimento de energia.



Manutenção da órbita.



Redes espaciais mais complexas.



A enorme burocracia, que impede a realização dos projetos.



Os impostos sobre a importação de produtos de tecnologia não desenvolvida no Brasil e corrupção.

Ameaças: •

A crise financeira afetar ainda mais os fundos de desenvolvimento tecnológico e industrial.



O rápido desenvolvimento industrial estrangeiro, com redução de custos de não recorrentes, criar uma barreira de entrada à indústria nacional.



Tecnologia imatura para a geração de produtos operacionais.



Ao invés de promover a colaboração e o crescimento das capacidades nacionais, transferem-se os recursos nacionais para empresas estrangeiras que nem sempre atendem os interesses do país.

Oportunidades: •

Indústria de pico, nano e microssatélites nascente.



Avanços na eletrônica e na computação reduzem os custos e o tempo de desenvolvimento e fabricação de satélites.



Renovação tecnológica mais rápida.



Maior resiliência sistêmica com a adoção de arquitetura celular e distribuída em múltiplos satélites.

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Desenvolvimento de mercados novos para lançadores menores e mais baratos.



Possibilidade de serialização da produção.



Possibilidade de aproveitamento de disponibilidade ociosa em lançadores de grande porte.



Lançamento único para múltiplos satélites em um mesmo plano orbital para operação em rede.



Avanços tecnológicos prometem alcançar resolução de 1m a partir de missões com nanossatélites.



• Desenvolvimento contínuo do setor industrial espacial em função da demanda contínua de produção de novos satélites e de substituição dos anteriores.



• Desenvolvimento de ferramentas e sistemas para o monitoramento das órbitas terrestres em função do aumento contínuo do uso desse ambiente. Por analogia, podemos considerar os modelos de controle das rotas marítimas e aéreas, criados para permitir a operação segura em um espaço cada vez mais congestionado.

4) Perspectivas futuras O Pese tem sua concepção de satélites de sensoriamento remoto e de comunicações táticas baseadas em frotas de microssatélites. Essa estratégia busca conciliar a capacidade dos lançadores projetados no país com a demanda por satélites. A produção e o lançamento recorrente desses satélites criarão uma demanda sustentável para a indústria nacional, o que acelerará a sua capacitação e contribuirá para a fixação de mão de obra especializada no setor. No setor de nano e microssatélites, o Brasil está desenvolvendo uma série de projetos promissores, com a ajuda de instituições públicas como a AEB, por exemplo ações com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Rio Grande do Sul (Inpe-RS). Pode-se citar o projeto educativo para alunos do ensino médio da Escola Municipal Presidente Tancredo de Almeida Neves, em Ubatuba; ou o AESP14, projeto coordenado pelo Prof. Dr. Geilson Loureiro, no Inpe/ITA. No entanto

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há concorrência entre os vários centros de pesquisa, que usualmente tendem a afirmar a própria autonomia, em vez de buscar a cooperação entre os organismos nacionais. 5) Concorrência no subcontinente sul-americano Na Unasul há vários Estados que lançaram os primeiros nanossatélites, tais como Peru, Equador e Argentina. Também nesses países a situação está a crescer como no Brasil. Comparadas ao Brasil, essas nações não têm a mesma possibilidade de rápido crescimento, tanto por questões econômicas quanto geográficas. O Brasil poderia facilmente tornar-se uma opção para os outros países com a utilização de sua área de lançamento, que permitiria ascender de modo independente ao espaço. A redução da burocracia e das taxas na importação de material científico e tecnológico pode ajudar o Brasil a ser competitivo em poucos anos em âmbito internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Para muitos especialistas e empresários do setor, o país precisa rever suas prioridades espaciais. Além da Câmara dos Deputados, em 2010, conclusões semelhantes a essa também foram apontadas por especialistas em fóruns promovidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2011, e pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, em 2012. A mudança de paradigma está na maior participação do setor privado, do setor público e vinculada à academia com o objetivo de fazer uma nova (re)leitura do programa espacial brasileiro, sufocado pelas regras da administração pública, incompatíveis com o dinamismo necessário ao desenvolvimento tecnológico. O parque industrial no Brasil hoje é constituído primordialmente por empresas de capital nacional, e não há na ponta da cadeia brasileira predominância de estrangeiros. Não existe até então, de maneira representativa, uma inserção competitiva dessas empresas no mercado internacional, tampouco de subsidiárias no exterior. O mercado de produtos e serviços espaciais no Brasil é dividido em privado e público. O mercado privado, por sua vez, é formado por operadores de serviços de telecomunicações e empresas de processamento e adição de valor a imagens de sensoriamento remoto. Os operadores de serviços de telecomunicações utilizam

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satélites fabricados no exterior. Equipamentos de solo e antenas para as estações de controle e serviços móveis de TV são fornecidos por empresas brasileiras e estrangeiras. As empresas de processamento de imagens utilizam imagens produzidas a partir de satélites nacionais (gratuitas) e estrangeiros (pagas). No segmento privado, existe perspectiva de crescimento da demanda interna, tanto de produtos quanto de serviços. O aumento da demanda no setor de serviços deve seguir a tendência mundial, sendo impulsionado principalmente pelas telecomunicações. O mercado brasileiro de micro e nanossatélites poderá ser uma alternativa de mercado que merecerá maior detalhamento dos planos de negócios e que promova maior integração entre as universidades e empresas. Por fim, a política industrial deverá ter entre seus pilares, no âmbito do setor aeroespacial e de defesa, destaque para os micro e nanossatélites.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Desafios do Programa Espacial Brasileiro. Brasília: SAE, 2011. ESTERHAZY, D. The role of the space industry in building capacity in emerging space nations. Advances in Space Research, v. 9, n. 44, p. 1055-1057, nov. 2009. FERREIRA NERI, J. A. C. Microssatélites do INPE e o Programa Espacial Brasileiro. 1999. FUTRON CORPORATION. Futron’s 2012 Space Competitiveness Index: a comparative analysis off how countries invest in and benefit from space industry. Futron Corporation, 2012. GAMA, A.; FIGUEIRÓ, G.; NEHME, P. Análise das Atividades de Nanossatélites. 2014. LEBEAU, A. Space: The routes of the future. Space Policy, v.  1, n.  24, p.  42-47, fev. 2008. MONSERRAT, José F. Contratos comerciais na Era Espacial. Revista Panorama Espacial, n. 141, 2013.

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ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Directorate for Science, Technology and Industry: STAN Indicators. 2003. ______. Global Forum on Space Economics: Descriptive Overview. Paris, 2007. 15 p. Disponível em: . ______. Socioeconomic Conditions and the Space Sector. Project on The Commercialisation of Space and The Development of Space Infrastructure: The Role of Public and Private Actors. 2004b. Disponível em: .

______. Space 2030: Exploring the Future of Space Applications. Paris, 2004a. 334 p. ROLLEMBERG, R. (relator); MACHADO VELOSO, E. (coord.); QUEIROZ FILHO, A. P. et al. A política espacial brasileira. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. SCHMIDT, F. H. Desafios e oportunidades para uma indústria espacial emergente: o caso do Brasil. In: BRASIL. IPEA. Brasília, 2011. SIEGFRIED, W. J. 25 Years of Small Satellites, 25ª Conferência Anual de Pequenos Satélites AIAA/USU. 2011 TRW SPACE. LOG 1957-1987, TRW Space & Technology Group. Redondo Beach, CA, USA, 1998. v. 23.

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A cooperação tecnológica universidade-empresa: motivações e gargalos e um estudo de caso da cadeia produtiva aeronáutica

Cynthia Araujo Nascimento Mattos Osvaldo Spíndola Junior

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Resumo

A colaboração entre universidades e empresas é fundamental para o desenvolvimento de competências, no que tange à educação e à formação de recursos humanos, à geração, aquisição e adoção de conhecimento, por meio da inovação e da transferência de tecnologia e à promoção do empreendedorismo. Os benefícios da articulação universidade-empresa são reconhecidos e de grande alcance. Eles podem viabilizar agendas de P&D, estimular o investimento privado em PD&I e explorar sinergias e complementaridades de capacidades científicas e tecnológicas. Este artigo procura descrever o contexto, a lógica e os desdobramentos das interações universidade-empresa, mapeadas no âmbito do projeto aeronáutico da ABDI. Assim, estabeleceu-se um piloto de cooperação tecnológica entre o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e empresas do setor aeronáutico na região de São José dos Campos, tendo sido identificadas as motivações para a formação de acordos, parcerias e os obstáculos à cooperação tecnológica, bem como o papel das políticas públicas na promoção de tais interações. Palavras-chave: Cooperação tecnológica. Inovação. Arranjos produtivos locais.

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INTRODUÇÃO Sabe-se que o potencial de crescimento sustentável de um país depende diretamente de sua capacidade de inovar e se transformar tecnologicamente, o que viabiliza ao país se posicionar de maneira competitiva no cenário global. Para tanto, é necessário que se estabeleça um conjunto de recursos que propiciem o aumento da inovação e da competitividade nas empresas, quais sejam: capital estrutural – infraestruturas físicas e instrumentais; capital relacional – relacionamentos institucionais formalizados; e capital humano – relacionado às formações e competências dos indivíduos disponíveis. De acordo com a OECD (2006), o desempenho brasileiro em inovação, medido por meio de patentes comerciais e publicações científicas, está abaixo da média dos países com economias semelhantes, o que pode ser explicado pelo esforço insuficiente de P&D, pela baixa taxa de transformação de P&D em aplicações comerciais e pela fraca colaboração entre empresas privadas e pesquisadores de universidades, o que impossibilita que o país absorva as vantagens de seus esforços de inovação. É preciso intensificar os esforços do empresariado, academia e governo para remover as barreiras à ampliação da inovação no país, em especial no âmbito das empresas. Por essa razão, a discussão sobre cooperação tecnológica entre universidades, institutos de pesquisa e empresas tem sido um componente importante das políticas de inovação em diversos países. O objetivo geral desse modelo de cooperação tecnológica é o fortalecimento dos sistemas de inovação, propiciando o estabelecimento de externalidades que produzam forte impacto econômico e tecnológico, reduzindo e compartilhando os riscos da inovação. No setor aeronáutico, em particular, a busca por vantagens competitivas pela inovação é vislumbrada como um fator crítico de sobrevivência ao setor industrial, envolvendo atividades de desenvolvimento de produtos e processos que pressupõem, na maioria dos casos, uma intensa articulação do setor produtivo com instituições de pesquisa, universidades e governo. Nesse contexto, em âmbito mundial, os governos vêm se esforçando no estabelecimento de políticas e programas de estímulo à colaboração entre empresas e universidades como um mecanismo para atrair atividades de PD&I e melhorar a transferência de conhecimento e tecnologia. Cada vez mais a articulação conjunta

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para a realização de projetos de inovação entre as universidades, os institutos de pesquisa e as empresas está relacionada ao contexto competitivo que envolve as empresas de base tecnológica. No entanto, em um cenário de colaboração universidade-empresa, algumas barreiras institucionais e culturais são colocadas à prova em nome de melhorias qualitativas dos resultados de captura de valor e no alcance de maior independência tecnológica. Alguns autores, tais como Cassiolato e Albuquerque (1998), apontam que a universidade e a empresa podem ser vistas como dois mundos distintos, com suas especificidades e diferenças em valores e objetivos. Segundo Dosi (2008), uma política industrial eficiente deve ser capaz de responder aos seguintes desafios: estabelecer uma ponte entre ciência e tecnologia, a partir do acúmulo de conhecimento, tanto de ciência básica como de pesquisa aplicada, criando instituições com alternativas de intervenção para mediar esses fluxos de conhecimento; e também alinhar interesses não econômicos, como pesquisas militares, que por muitas vezes são capazes de indicar novas trajetórias tecnológicas para o setor privado. Encontrar novos modelos de interação, instrumentos legais e arranjos organizacionais permeiam o cotidiano dos atores públicos, que buscam a consolidação e a evolução do arcabouço institucional da inovação no Brasil. Assim, é necessário alinhar esforços e criar horizontes em torno de ações que aumentem a competitividade das empresas, incluindo investimentos em programas que apoiem ações integradoras entre institutos de ciência e tecnologia e empresas inovadoras, com o foco voltado para o mercado. Este artigo busca entender melhor a interação universidade-empresa, especificamente no polo tecnológico e de conhecimento localizado em São José dos Campos, estado de São Paulo. Este polo conta com um número expressivo de empresas de base tecnológica de pequeno e médio porte, instituições de ensino e pesquisa, parques tecnológicos e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Destaque-se que o ITA desempenha um papel fundamental no setor industrial brasileiro, com engenheiros altamente qualificados, que atuam em setores de alta tecnologia, tais como Defesa, Aeronáutica e Espaço, Petróleo e Gás, Logística e Tecnologia da Informação. Trata-se, portanto, de um cenário bem favorável ao estabelecimento de uma efetiva relação universidade-empresa, estimulando a

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difusão do conhecimento científico e tecnológico, por meio do desenvolvimento da inovação e das empresas de base tecnológica locais. Neste contexto, a ABDI, em parceria com o Centro para Competitividade do Cone Leste Paulista (Cecompi), mapeou a interação hoje existente entre as PMEs do setor aeronáutico na região de São José dos Campos junto ao ITA para a cooperação tecnológica. Para tal, partiu-se da construção de um projeto-piloto com três empresas de base tecnológica da região, o que permitiu a identificação dos gargalos hoje existentes para o estabelecimento de uma efetiva relação universidade-empresa. Este artigo está estruturado da seguinte forma. A Seção 1 apresenta um breve mapeamento de programas e projetos de incentivo à cooperação universidadeempresa, a partir de algumas experiências internacionais, e o caso brasileiro. A Seção 2 aponta as principais motivações e gargalos que impactam em uma efetiva interação colaborativa entre o setor privado e as instituições de ensino e pesquisa. A Seção 3 apresenta o estudo de caso de cooperação tecnológica entre o ITA e empresas de base tecnológica do setor aeronáutico, em São José dos Campos, realizado no escopo do projeto aeronáutico da ABDI. Na seção final, as conclusões são apresentadas apontando para a necessidade de permanentes ações, projetos e iniciativas governamentais de apoio e estímulo à cooperação tecnológica universidade-empresa, mostrando que, apesar de o setor aeronáutico ser fortemente dependente das inovações em processos, soluções e produtos, ainda é necessário se intensificarem os esforços para apoiar e alavancar o fluxo irrestrito de conhecimento das universidades, atuando em parceria com as empresas da cadeia produtiva aeronáutica.

PROGRAMAS E PROJETOS DE COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA UNIVERSIDADE-EMPRESA Os sistemas nacionais de inovação da maioria dos países estão se tornando mais integrados às redes de inovação globais e mais dependentes de fontes externas de conhecimento. Colaborações entre a indústria local e universidades desempenham um papel fundamental na absorção e adaptação de conhecimentos. A globalização da inovação traz oportunidades e desafios para os países em desenvolvimento. As empresas multinacionais expandem suas redes de inovação globais, com objetivo

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de colaborar com universidades dentro e fora dos seus países, internacionalizando atividades de PD&I através de seus centros de pesquisa. Desde a década de 2000, percebe-se uma proporção cada vez maior de centros de P&D do exterior se instalando nos países em desenvolvimento. Os benefícios desse processo só serão bem apropriados – em termos de capital humano para as universidades, institutos públicos de pesquisa e grupos de empresas locais inovadoras – se houver uma regulamentação favorável à inovação nestes países. Da mesma forma, um número crescente de universidades líderes dos países desenvolvidos tem procurado se estabelecer em países em desenvolvimento, com o objetivo de se engajar em atividades de P&D, alavancar sua reputação, base de conhecimento e práticas de gestão. Um exemplo é o Instituto de Tecnologia da Geórgia, uma das principais universidades de pesquisa dos Estados Unidos, que estabeleceu um câmpus e centro de P&D na França, China, Costa Rica, Irlanda e Cingapura. Esse processo de atração de universidades estrangeiras representa uma oportunidade para os países em desenvolvimento, no que se refere ao potencial de transferência e difusão de tecnologia internacional, além de possíveis colaborações com empresas locais, na geração de novas tecnologias. As universidades em todo o mundo estão se tornando cada vez mais empreendedoras em sua abordagem para as atividades de transferência de conhecimento e tecnologia. Há uma busca ativa por conexões diretas com as empresas e a indústria. Para tal, é fundamental o apoio contínuo do governo, da indústria e de outros atores do sistema de inovação, como os órgãos de fomento à inovação. A cooperação para inovação é definida como a participação ativa da empresa em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação com outra empresa ou instituição, interligada por canais de troca de conhecimento, ou articulados em redes informais (PINTEC, 2008). Entretanto, deve-se entender que os mecanismos formais de relacionamento universidade-empresa são apenas uma pequena fração de universo de relações do ambiente da inovação. A grande maioria dos relacionamentos universidade-empresa ocorre de maneira informal, por canais indiretos e não registrados. Em geral, o fluxo de pessoas de universidade e institutos de pesquisa para as empresas é o canal de contato mais

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importante. As redes de relacionamento informais entre a academia e seus exalunos e pesquisadores, embora difícil de medir, respondem pela maior quantidade de conhecimentos trocados entre os institutos e as empresas. Segundo a OECD (2002), os governos e as agências de pesquisa costumam subestimar esses canais com base nos relacionamentos pessoais, destacando apenas os poucos termos formais estabelecidos entre as partes. Sabe-se que um dos pilares para uma interação de sucesso entre universidade e empresa está no alinhamento das capacidades e necessidades tecnológicas, para que ambas as partes, setor privado e academia, se beneficiem de atividades que complementam suas competências principais. Nesse sentido, utilizando-se de casos internacionais de interação entre empresas e universidades, vale destacar o caso da universidade inglesa de Sheffield. As ações e estruturas desenvolvidas em Sheffield podem contribuir para a melhoria da realidade brasileira no campo das cooperações em PD&I. A universidade de Sheffield é reconhecida mundialmente como instituição líder em pesquisa nas áreas de metalurgia e engenharia, trabalhando em estreita colaboração com a indústria local para desenvolver novas técnicas e tecnologias de fabricação. No final do século 20, um professor de Sheffield e um empresário começaram a trabalhar com a empresa integradora de aeronaves Boeing para aplicar conhecimentos tradicionais da universidade de Sheffield no desenvolvimento de novos materiais, com foco em pesquisa de usinagem. Em 2001, como resultado desse trabalho, foi criado o The University of Sheffield Advanced Manufacturing Research Centre (AMRC). Esse centro dedica-se à realização de pesquisas avançadas para a indústria aeroespacial e também para outros setores industriais. A experiência dessa iniciativa foi bem-sucedida e atualmente a cooperação da Boeing com o AMRC envolve cerca de 70 empresas associadas, desde grandes empresas globais do setor aeroespacial até PMEs locais, empregando mais de 200 pessoas entre alunos de pós-graduação, engenheiros e doutores. O sucesso das atividades do AMRC incentivou a criação de outro centro de pesquisa, o AMRC Nuclear. Esse centro aplica o mesmo modelo de pesquisa colaborativa para a cadeia de produto nuclear na área civil, proporcionando um aprendizado avançado e a formação superior para empresas de manufatura. O AMRC Nuclear

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tem mais de 40 empresas associadas, incluindo os fornecedores de reatores Areva, Westinghouse, Rolls-Royce e Sheffield Forgemasters. Com o objetivo de ampliar a capacitação nas áreas do conhecimento relacionadas aos projetos de pesquisa de sua carteira, a universidade de Sheffield criou o The Industrial Doctorate Centre (IDC). Esse centro é operado conjuntamente pela AMRC e parceiros industriais e oferece um programa de quatro anos de doutorado em Engenharia, combinando módulos ministrados com pesquisas originais, que discutem problemas reais de negócios. No IDC os estudantes participam de pesquisa em usinagem avançada de compósitos, engenharia de custos para aplicação em fabricação de produtos de alta tecnologia, ambos em parceria com a empresa Rolls-Royce. Outro modelo de interação universidade-empresa é o Industrial Liaison Program (ILP) do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Esse programa promove a interação de aproximadamente 200 empresas líderes em seus setores produtivos, localizadas em diversas partes do mundo, junto aos acadêmicos do instituto. O ILP estabelece interações produtivas com a indústria, por meio de um sistema eletrônico de conhecimento onde são disponibilizadas informações sobre cerca de 1.000 integrantes do corpo docente do MIT e mais de 3.000 outros pesquisadores. Esse sistema também dispõe de dados sobre aproximadamente 7.000 projetos de pesquisa de mais de 100 departamentos, laboratórios e centros de pesquisa. Entre os atores que promovem e executam atividades de cooperação tecnológica no MIT, destaca-se também o Centro Deshpande para a Inovação Tecnológica. Essa instituição, fundada em 2002, capacita alguns dos pesquisadores mais talentosos do MIT para o desenvolvimento de tecnologias inovadoras em laboratórios, apresentando formas para conduzir essas tecnologias ao mercado e às novas empresas, com produtos inovadores. Esse centro trabalha com atividades de tutoria, investigação de mercado, orientação para investimentos, inovação e empreendedorismo, estimulando assim a comercialização de invenções. Vale citar também outros dois programas do MIT, o Internacional Science and Technology Initiative (MISTI) e o Sloan Fellows Program, que promovem o intercâmbio internacional de alunos, pesquisadores e empresários em laboratórios e indústrias de diversas nacionalidades. Ao se explorar a experiência do Canadá em sistemas colaborativos de inovação, há de se mencionar o caso da Universidade de Waterloo. Essa universidade

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empreendedora é altamente comprometida com o avanço da agenda de inovação de sua região e contribui para o desenvolvimento econômico local, podendo ser considerada “uma catalisadora crítica” em avançar esforços de inovação para a região, por meio de sua capacidade de gerar e atrair talentos que sustentam a excelência acadêmica em ciência, matemática e engenharia, dando suporte em PD&I às empresas locais (BRAMWELL; HEPBURN; WOLFE, 2012). Chama a atenção o sucesso na produção de novas ideias, o fluxo de transferência de conhecimento e tecnologia e suas sólidas relações estabelecidas com as empresas locais e não locais em áreas como as TIC, ambiente e energia, informática em saúde e engenharia de software. A universidade tem uma capacidade de geração e atração de talentos para a região, intensificada por um forte programa de educação cooperativa que oferece aos alunos e empresas uma interface ideal para o desenvolvimento de novas ideias, partilha de conhecimento, desenvolvimento de competências tecnológicas e formação de recursos humanos, favorecendo atividades empreendedoras. Além disso, destaque-se a sua inovadora política de propriedade intelectual, que concede a propriedade plena para o criador, estimulando assim pesquisadores e/ou estudantes da faculdade a comercializar suas ideias, bem como a criação de um grande número de start-ups e spin-offs na região – desenvolvimentos que contribuem diretamente para o crescimento e a inovação na economia local e regional. Na Alemanha, a política de inovação está centrada em dois grandes programas de financiamento do Ministério da Educação e Pesquisa (BMBF), que refletem o foco político e regional da inovação. O primeiro programa de financiamento, lançado em 2007, estabelece parcerias estratégicas entre a ciência e a indústria para a geração de inovações, em futuros campos tecnológicos, definidos na estratégia política de alta tecnologia do governo alemão. O critério de proximidade espacial entre os parceiros em um cluster é considerado ponto de partida e de extrema relevância, já que viabiliza reunir os pontos fortes dos parceiros, estabelecendo cadeias de valor mais duradouras. Nesse programa são realizadas seleções públicas, num formato de competição, com critérios definidos, a partir de estratégias delineadas para futuros mercados em respectivos setores. Para cada rodada de competição pública estabelece-se um volume de recursos financeiros. Já foram realizadas pelo menos três rodadas de competição, tendo sido selecionados cinco grupos de cada vez, com um financiamento de €200 milhões por competição, num período máximo de cinco anos. (STAHLECKER; KROLL, 2012).

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O Research Campus Program (RCP) teve início em 2012 e trabalha com o conceito de inovação em universidades regionais. O RCP procura valorizar os potenciais tecnológicos regionais, na busca de um objetivo maior. É considerado um programa ambicioso, em termos de longo prazo, estabelecimento de parcerias estratégicas público-privadas em determinadas regiões. O programa trabalha com atividades e competências tecnológicas, a partir de um tema de pesquisa específico, de preferência no âmbito de um programa mais amplo de pesquisa, em um horizonte de médios e longos prazos. É obrigatória a constituição de parcerias públicoprivadas. Pelo lado da indústria, as empresas, de preferência PMEs, devem fazer parte do programa, e em muitas situações as grandes empresas multinacionais são as líderes dos projetos de pesquisa. O programa deve contar também com a participação de outras universidades. No Brasil, o ambiente e as experiências de interação entre universidade e empresas têm recebido o apoio de diversos instrumentos públicos. Esse apoio é resultado da Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973, de 2/12/2004) e de outros instrumentos legais criados para incentivar a melhoria da competitividade da indústria e das empresas. A partir da publicação dessa regulamentação, foi possível criar programas e alocar recursos em projetos de pesquisa colaborativos, ampliar a capacidade de laboratórios em universidades e centros de pesquisa, instituir bolsas para a participação de mestres e doutores em pesquisa de projetos de inovação de empresas, entre outras atividades ligadas à melhoria do ambiente de inovação. Em 2007 o Governo Federal elaborou o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação, continuado e aprofundado em 2012 por meio da Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI). Essa estratégia propiciou a articulação da política de CT&I com as outras políticas de Estado e entre vários atores do Sistema Nacional de Inovação. Cabe destacar também o caso do Programa Municipal de Incubação Avançada de Empresas de Base Tecnológica (Prointec), do município de Santa Rita do Sapucaí – MG. Fundada em 1999, a iniciativa é resultado da parceria entre o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), a Faculdade de Administração e Informática (FAI) e a Escola Técnica de Eletrônica (ETE). O programa conta também com o apoio de outras instituições, tais como Finep, Sebrae, CNPq, Anprotec e Fapemig. Os objetivos do Prointec compreendem o apoio à criação de empreendimentos inovadores, a interação entre acadêmicos e empresários, o suporte ao

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desenvolvimento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. As atividades são desenvolvidas com a participação de uma incubadora e um condomínio de empresas. O Prointec já beneficiou diretamente 69 empresas, que apresentaram aproximadamente 160 novos produtos, depositaram 12 solicitações de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) e apresentaram, desde sua fundação, faturamento superior a R$90 milhões. O programa abriga empresas tecnológicas nas áreas de eletrônica industrial, eletrotécnica, desenvolvimento de softwares, telecomunicações e mecânica de precisão. Com o objetivo de se operarem a gestão e os recursos dos programas voltados à melhoria da competitividade empresarial, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) apoia desde a pesquisa básica até a concessão de financiamentos para investimentos, cobrindo assim todas as etapas do processo de inovação. A empresa assumiu importantes funções no fomento à pesquisa e à pósgraduação, com o papel de Secretaria Executiva do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT), que concede apoio financeiro a programas e a projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico, bem como à expansão da infraestrutura de C&T. Com a criação dos fundos setoriais, a partir de 1999, as receitas do FNDCT foram fortalecidas e tornadas permanentes, o que possibilitou a expansão dos programas e das ações da Finep. Outra relevante ação pública destinada a impulsionar a cooperação tecnológica entre empresas e institutos de pesquisa foi o lançamento de um conjunto de chamadas públicas para a seleção de propostas, executadas por ICTs públicas ou privadas, voltadas a projetos de inovação tecnológica, envolvendo micro e pequenas empresas. Os recursos eram repassados por meio das ICTs, não podendo ser utilizados na cobertura de despesas de produção comercial. Em 2011, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), a Finep e outros órgãos públicos participaram do Plano Inova Empresa, com o objetivo de fomentar projetos de inovação em setores considerados estratégicos pelo Governo Federal. Entre as chamadas públicas do Inova Empresa, destaca-se o Edital Inova Aerodefesa. A iniciativa coordenou instrumentos de fomento e apoio à inovação, de maneira integrada, através das modalidades de crédito, subvenção econômica e projetos cooperativos entre instituições (ICTs) e empresas. Neste programa as empresas poderão dispor de um percentual do valor do projeto com recursos não reembolsáveis do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para a realização de projetos de cooperação com ICT e que serão destinados exclusivamente às ICTs parceiras.

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Do total de projetos aprovados no Edital Inova Aerodefesa, 53 receberão apoio não reembolsável de R$291 milhões. Desses, 34 projetos de 22 empresas receberam o equivalente a R$150 milhões em subvenção econômica; 22 projetos de 13 instituições também foram agraciados com R$41 milhões em recursos não reembolsáveis destinados à cooperação ICTempresa. Além disso, foram disponibilizados R$100 milhões do Funtec, do BNDES. O restante dos recursos será repassado na forma de crédito, com juros subsidiados. Ainda na linha do estímulo à interação cooperativa universidade-empresa, o Governo Federal lançou recentemente o Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento, que busca criar capacitações científicas, tecnológicas e empresariais, por meio da pesquisa e desenvolvimentos pré-competitivos, de tecnologias críticas ao desenvolvimento e à competitividade de setores industriais. O setor aeronáutico deverá ser contemplado por esse programa pela definição de projetos considerados essenciais para a sobrevivência da indústria aeronáutica nacional, por exemplo o desenvolvimento da geração futura de aeronaves comerciais. O objetivo maior do Programa de Plataformas do Conhecimento será consolidar no Brasil um dos três mais relevantes clusters aeronáuticos do mundo, criando capacitações científicas, tecnológicas e empresariais que permitam sustentar e ampliar o market-share brasileiro no mercado mundial. O programa exigirá uma forte interação entre empresas e as instituições científicas e tecnológicas (ICT) do setor, de modo a mobilizar todos os núcleos de competências e de formação de recursos humanos qualificados que existem no Brasil e que se mostrem necessários para a execução do projeto.

MOTIVAÇÕES E GARGALOS À COOPERAÇÃO A colaboração entre universidades e empresas é fundamental ao desenvolvimento de competências, na geração, aquisição e adoção de conhecimento, por meio da inovação e da transferência de tecnologia, e para a promoção do empreendedorismo. A interação colaborativa entre o setor privado e instituições de ensino viabiliza uma coordenação de agendas de P&D da indústria, estimula o investimento privado em PD&I, com capacidade de explorar sinergias e complementaridades de capacidades científicas e tecnológicas.

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No caso da indústria aeronáutica, o diferencial de competitividade é alcançado via inovação tecnológica. Em âmbito mundial, os governos são responsáveis por parte substancial dos investimentos em P&D dessa indústria, em função das externalidades e dos transbordamentos tecnológicos, provenientes das inovações nessa indústria, além de sua importância estratégica para as nações. Os maiores investimentos em P&D concentram-se principalmente na fase précompetitiva, onde são desenvolvidas e testadas novas tecnologias, de maneira a assegurar um nível de maturidade adequado, minimizando os riscos dos projetos dos produtos subsequentes. Nesse cenário, torna-se fundamental para o setor aeronáutico a cooperação tecnológica a partir da interação com universidades e instituições de pesquisa. Entretanto existem vários tipos de ligações universidade-indústria, com diferentes objetivos, escopos e arranjos institucionais. A colaboração pode ser mais ou menos intensa e pode se concentrar no treinamento ou atividades de pesquisa. A colaboração pode ser formal ou informal, a partir de parcerias formais de ações, contratos, projetos de pesquisa, de licenciamento de patentes, e assim por diante, à mobilidade do capital humano, publicações e interações em conferências e grupos de peritos, entre outros (HAGEDOORN; LINK; VONORTAS, 2000). Sabe-se hoje que empresas e universidades estão cada vez mais encontrando razões para interagir. Por um lado, as empresas privadas estão adotando estratégias mais abertas de inovação, integrando-se a fontes externas de conhecimento, levando assim a um forte interesse em colaboração com as universidades. De outro lado, a partir dos anos 1990, as universidades passaram a procurar mais do que a tradição de ensino e pesquisa, buscando um melhor atendimento das necessidades da indústria e contribuindo indiretamente para o crescimento e desenvolvimento econômico do país. Nos países em desenvolvimento, uma grande preocupação é com a má qualidade da educação e a falta de financiamento disponível para as universidades, que muitas vezes indicam capacidade insuficiente para juntar-se à indústria em projetos relacionados com a inovação. Neste contexto, construir eficazes relações entre universidade e indústria demanda tempo e um esforço sustentado, em parte, porque as universidades dos países em desenvolvimento em geral têm pouca experiência em colaboração com a indústria e possuem uma limitada capacidade de gestão em pesquisa. Nesses casos a colaboração existente tende a ser mais informal e a se concentrar no recrutamento de pessoal, estágios e consultorias

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nas empresas. As atividades de universidades de pesquisa são menos suscetíveis de levar a spin-offs ou patentes, que poderão vir a ser exploradas comercialmente. Em síntese, nos países em desenvolvimento a colaboração universidadeindústria é limitada por barreiras culturais e institucionais, que levarão algum tempo para ser superadas. Nesse sentido, um papel específico para as universidades dos países em desenvolvimento seria promover a inovação e aprendizagem no setor informal, que representa a principal fonte de renda para grande parcela da população. O objetivo seria promover uma mudança em direção a empresas mais formais, inovadoras e inclusivas, o que acabaria por conduzir o crescimento econômico e aumentar o nível de emprego. Para as universidades, as motivações de se colaborar com as empresas consistem basicamente na melhoria do ensino técnico, acesso aos financiamentos, melhoria na sua reputação institucional e acesso a dados empíricos de empresas, com foco na indústria como um todo. Já para as empresas, as principais motivações para uma maior integração com as universidades se resumem na possibilidade de acesso ao conhecimento tecnológico complementar (incluindo patentes e conhecimento tácito), além de um conjunto de pesquisadores qualificados que poderão oferecer treinamento para os seus funcionários, acesso às instalações e equipamentos da universidade, aos financiamentos públicos e incentivos. Muitas empresas também buscam reduzir os seus riscos tecnológicos, por meio da partilha dos seus custos de P&D, influenciando assim na agenda de pesquisa das universidades. Apesar dessas motivações, muitos gargalos à colaboração universidade-empresa ainda persistem. Há uma incompatibilidade, inerente às culturas organizacionais, entre as orientações das empresas e das universidades de pesquisa, com um foco excessivo em resultados comerciais rápidos nas empresas, e em pesquisa básica, nas universidades. A colaboração costuma ser dispendiosa, e os retornos são de médio e longo prazo, prejudicial na visão das empresas que buscam resultados de curto prazo, com contribuições efetivas às suas linhas de negócio atuais. Em termos de resultados, as empresas estão normalmente interessadas em quão rapidamente novas patentes ou novos produtos podem ser obtidos e evitam a divulgação de informações, até que a inovação esteja pronta para o mercado. Já os pesquisadores das universidades, em contrapartida, são geralmente motivados para publicar os resultados da sua investigação o mais rápido possível.

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Outro ponto que merece destaque é que as empresas estão mais preocupadas com o sigilo, e há um desalinhamento de expectativas em relação aos direitos de propriedade intelectual. Nesse caso, devem ser estabelecidos acordos comerciais, de modo a garantir a capacidade futura de comercialização de um produto inovador, com retornos adequados entre as partes envolvidas. Ou seja, de modo geral, os principais entraves numa interação/colaboração universidade-empresa relacionam-se à falta de informação; às dificuldades em se encontrar pessoas de contato; e aos custos de transação de se encontrar o parceiro certo; bem como à falta de regulamentações ou à excessiva rigidez das existentes; à não utilização de políticas mercadológicas aplicáveis à oferta tecnológica universitária; e à descontinuidade de projetos, em decorrência de problemas políticos ou docentes despreparados para a realização de projetos de pesquisa. Por sua vez, nas empresas destacam-se barreiras na preferência por licenciar tecnologia ao invés de desenvolvê-la, com uma visão imediatista dos negócios. A exigência de segredo e propriedade dos resultados da pesquisa gera, por vezes, suspeita e desconfiança nas capacidades técnicas da universidade e nos resultados de suas atividades. No meio dessa discussão, políticas públicas podem influenciar na propensão das empresas em colaborar com as universidades, por exemplo por meio de um papel direto no fornecimento de fundos para as universidades e para projetos de PD&I, bem como através de um papel regulador, influenciando nos conjuntos de regras das universidades públicas, no que se refere ao regime de direitos de propriedade intelectual pública. Outro papel da política pública seria fornecer a infraestrutura necessária e uma base institucional organizada na garantia da transferência de tecnologia. Tendo em vista as possibilidades e desafios frente aos orçamentos, em geral muito limitados, além das diversas prioridades, por vezes concorrentes, os governos dos países em desenvolvimento devem concentrar esforços no estabelecimento de políticas públicas de inovação, que estimulem de maneira adequada a interação colaborativa universidade-empresa. Uma abordagem para se estimular essa colaboração poderia ser a concepção de bolsas de P&D ou pequenas subvenções e incentivos fiscais, para um consórcio de empresas e universidades na elegibilidade de projetos tecnológicos. Esse modelo

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tem sido utilizado com sucesso em países como a Holanda, a Irlanda e o Reino Unido (OECD, 2010). São pequenas linhas de crédito fornecidas pelos governos às empresas (geralmente pequenas e médias empresas) para aquisição de serviços de universidades e centros de investigação públicos, com vista à introdução de inovações nas empresas. Além disso, os governos podem estimular os sistemas de recompensa para professores e pesquisadores universitários, através da introdução de novos incentivos de colaboração com a indústria. Normalmente, os pesquisadores das universidades não são recompensados em suas carreiras por colaborar com as empresas, e em alguns países tal iniciativa ainda é considerada antiética em algumas universidades. Ou seja, a experiência de ensino e o número de publicações continuam sendo os critérios dominantes na maioria das universidades.

ESTUDO DE CASO PARA COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA – INTERAÇÃO ENTRE AS PMES DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E O ITA Com o propósito de melhor compreender o ambiente que envolve as interações entre as empresas do setor aeroespacial e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), no âmbito do projeto aeronáutico, a ABDI e o Cecompi realizaram um survey, com objetivo de identificar as motivações e potenciais gargalos na interação universidade-empresa. O survey envolveu 18 empresas de base tecnológica do Arranjo Produtivo Local Aeroespacial (APL) de São José dos Campos. Sabe-se que a força das parcerias locais universidade-empresa é condicionada pela capacidade de uma empresa de fazer uso do novo conhecimento que está sendo gerado pela universidade, ou seja, trata-se de sua capacidade de absorção do conhecimento gerado pela universidade. As empresas com maior capacidade de absorção de conhecimento são mais propensas a se envolver com as universidades locais e outras instituições de pesquisa; e essas parcerias facilitam o fluxo de conhecimento tácito das universidades e institutos de pesquisa para as empresas. Nesse sentido, a região de São José dos Campos traz as condições necessárias para se avaliarem as motivações à cooperação universidade-empresa. O setor aeroespacial brasileiro ancorou seu desenvolvimento nessa região, impulsionado por um fenômeno de spin-offs de pesquisadores de institutos federais e exfuncionários da Embraer, a partir dos anos 1990, o que levou à criação de inúmeras

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empresas do setor nessa região. Esse setor abrange desde a produção comercial e militar de pequenos e médios aviões até o desenvolvimento de softwares embarcados para sistemas espaciais e simulação de novos conceitos de aeronaves. É um setor considerado estratégico para o desenvolvimento nacional, com forte apoio governamental via financiamentos diretos ou através do uso de poder de compra do Estado. A região de São José dos Campos é considerada um dos mais importantes exemplos de desenvolvimento tecnológico e industrial do país, seja pela relevância de suas instituições de ensino e pesquisa, seja pelo seu conjunto de empresas de base tecnológica com forte componente em engenharia. Em São José dos Campos estabeleceu-se um arranjo produtivo local com aproximadamente 107 empresas associadas. A região de São José dos Campos é considerada um polo tecnológico de empresas da cadeia produtiva aeroespacial, com graus de especializações diferentes em um ou mais elos do setor e que, articulados conjuntamente com agentes econômicos, políticos, acadêmicos e sociais da região, procuram aumentar a competitividade e sustentabilidade das empresas da cadeia aeroespacial, facilitar o adensamento dessa cadeia, apoiar a inserção das empresas no mercado global e a geração de novos negócios. Embora a região tenha condições favoráveis para o estabelecimento de um modelo de cooperação tecnológica entre universidades e empresas do setor aeronáutico, percebe-se que existem entraves que dificultam as práticas para essa cooperação, no caso particular do ITA com as PMEs da cadeia aeronáutica. Destaque-se que o ITA é apontado como uma das mais importantes instituições de ensino superior do país, na formação de profissionais para o setor aeronáutico e espacial brasileiro. Na pesquisa realizada no projeto da ABDI com o Cecompi, a despeito da identidade geográfica do APL e do ITA e do estabelecimento de um conjunto de empresas de base tecnológica na região de São José dos Campos, os dados apontaram para um desconhecimento, por parte das empresas, sobre os procedimentos para uma aproximação ou cooperação com esse instituto. Essa constatação, associada à estrutura organizacional enxuta da maioria das PMEs, apresenta-se como uma barreira quase intransponível para a busca de cooperação tecnológica. As empresas acabam então por privilegiar as suas atividades cotidianas de gestão técnica e empresarial.

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Entretanto, algumas empresas de base tecnológica do APL aeronáutico em São José dos Campos realizam cooperações tecnológicas com instituições de ensino e pesquisa de outros estados, por exemplo com a Universidade do Rio Grande do Sul, a Universidade de Minas Gerais e o Instituto Nacional de Telecomunicações, que estabeleceram relações de parceria para pesquisa e desenvolvimento de produtos junto a empresas do APL. Há de se mencionar que, embora fique comprovada a existência de alguma interação e cooperação para a realização de projetos de pesquisa entre empresas e instituições de ciência e tecnologia, o arranjo colaborativo está assentado, na maioria das vezes, na informalidade desse procedimento. Segundo as empresas do APL, a ocorrência de cooperações está pautada no engajamento pessoal do professor ou do pesquisador das instituições. Dentre as constatações realizadas no survey, destaca-se a busca das PMEs por projetos de desenvolvimento e prestação de serviços em laboratórios, metrologia e certificações. A busca por pesquisa aplicada, que envolve riscos tecnológicos ou inovações disruptivas, não integra as prioridades dessas empresas. No que se refere ao ITA, o ambiente político, institucional e econômico em que está inserido apresenta desafios que necessitam de novo planejamento e ampliação na fonte de seus recursos orçamentários. Certo é que o cenário nacional, que aponta para a importância da inovação e da engenharia, moldará seus resultados nas próximas décadas. O ITA deverá buscar um novo patamar no ambiente da inovação e para tal se prepara para expandir a oferta de vagas nos seus cursos de graduação e de pós-graduação, além de aprimorar a sua relação colaborativa com a indústria e com as outras instituições de ensino e pesquisa. Nesse contexto, entretanto, algumas questões precisam ainda ser amplamente discutidas, tais como a gestão da propriedade intelectual, a adoção de modelos jurídicos mais flexíveis e a melhoria nas culturas organizacionais e institucionais nas empresas e nas instituições de ensino e pesquisa, em particular no ITA. Sbragia (2006) e Santana e Porto (2009) destacam que a cooperação universidadeempresa não é uma relação tranquila, em virtude da distinção de valores, objetivos e cultura, bem como das diferenças estruturais e das finalidades que cada organização possui, as quais podem gerar percepções e expectativas divergentes. As universidades, mesmo as que se utilizam de institutos ou departamentos de ciência e tecnologia, têm como foco principal investir na geração de conhecimentos

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e tecnologias para o desenvolvimento da sociedade. Em contraponto, as empresas concentram suas metas na geração de receitas, transformando tecnologias em instrumentos para garantir a sua participação no mercado. No caso do ITA, os efeitos nocivos da burocracia, a gestão organizacional dos recursos alocados para os projetos de pesquisa específicos, as grandes diferenças dos períodos entre a etapa de planejamento e de execução de atividades de pesquisa somam-se aos questionamentos sobre o destino das tecnologias desenvolvidas e são observados como empecilhos à cooperação. Normalmente, quando o assunto abrange a interação com empresas ou outras instituições, o ITA conta com o apoio da Fundação Casemiro Montenegro Filho (FCMF). A fundação atua na gestão dos interesses do ITA e participa como interveniente nas negociações para realização de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Atualmente, toda a demanda de projeto deve ser levada ao conhecimento da Pró-Reitoria de Extensão e Cooperação (Proec) e deverá ser analisada e aprovada por uma comissão de conselheiros da Proec. Existindo aderência do projeto aos propósitos institucionais do ITA, a comissão pode autorizar o início das tratativas econômicas e documentais junto à empresa que apresentou o projeto. Tradicionalmente, a captação de projetos de cooperação que acontece no ITA é realizada de duas formas. Na primeira, as empresas possuem em seu quadro societário ex-alunos de graduação do ITA, o que facilita na busca por professores já conhecidos, com perfis técnicos adequados para a realização de atividades de cooperação específicas. Esse canal representa 85% dos projetos captados. Na segunda, as empresas participam de um seminário anual realizado pelo Centro de Competência em Manufatura do ITA, que lança desafios tecnológicos e busca parcerias para a cooperação em projetos de pesquisa e desenvolvimento, direcionados à solução de desafios tecnológicos. Esse canal representa 15% dos projetos captados. Há de se ressaltar que, no portfólio atual de projetos, a totalidade dos processos colaborativos é realizada com empresas de grande porte. É importante destacar que existem casos em que a empresa exige a assinatura de um Termo de Cooperação com o ITA, e não apenas com a FCMF. Nesses casos o contrato é submetido à Assessoria Jurídica da União e ao Núcleo de Inovação Tecnológica do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). Dessa forma, o trâmite das análises pode se estender por vários meses. A Figura 1

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representa um fluxo dos eventos relacionados ao processo de formalização de uma cooperação para projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Figura 1 – Fluxo de movimentação para uma cooperação tecnológica

Pela Figura 1, e na visão das empresas que participaram do survey de interação, o principal problema a ser solucionado em um projeto de interação universidadeempresa, em particular com o ITA, é a acessibilidade aos professores-pesquisadores da instituição, além da melhoria no fluxo de informações entre os diversos departamentos. Embora fique evidente a existência de entraves ao desenvolvimento de projetos de cooperação, as empresas e o ITA compartilham da importância do desenvolvimento de modelos para operar essa interação. Merece destaque ainda a realidade conjuntural das empresas do APL e seu esforço diante das constantes oscilações de demanda, característica do setor da indústria aeronáutica. Importante destacar que as empresas também apresentam dificuldades para manter pesquisadores e adquirir equipamentos utilizados em pesquisa inovativa. Não existe ainda um canal permanente de busca por

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cooperação tecnológica com outras instituições, e as informações sobre as ofertas tecnológicas disponibilizadas pelo ITA ainda são desconhecidas. Entretanto, em 2013 houve um significativo crescimento na captação de recursos para o ITA por meio de convênios e parcerias firmados entre FCMF e Fiat, Banco do Brasil, CCR – Nova Dutra, Petrobras, CPFL e Embraer. Além dessas cooperações, a FCMF estendeu por mais dois anos seu credenciamento como Fundação de Apoio do ITA junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, bem como autorização junto ao Ministério da Educação para atuar como Fundação de Apoio do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), objetivos almejados há algum tempo. Todas essas ações formam um arcabouço favorável à melhoria do desempenho das atividades de interação do ITA com empresas do setor aeronáutico. Acrescente-se também o plano de expansão do instituto, onde se espera investir cerca de R$300 milhões em quatro anos. A ampliação física é um dos itens do programa de reformulação geral da instituição, que inclui aumento de vagas e de professores no ensino de graduação, reformulação do currículo do ensino de Engenharia, aprimoramento dos cursos de pós-graduação e implantação de um Centro de Inovação para apoiar os alunos e implementar parcerias com a iniciativa privada. Outra prioridade da escola é descobrir talentos para o seu quadro de docentes, fundamental para a continuidade e o aprimoramento da qualidade do ensino oferecido. A intenção é oferecer aos selecionados cursos de aperfeiçoamento e pós-graduação no exterior, em instituições de renome, tais como o Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, uma das mais conceituadas instituições de ensino e pesquisa mundiais. A implementação do Centro de Inovação do ITA será fundamental para o plano de expansão da escola e contará com uma unidade no Parque Tecnológico de São José dos Campos, voltada para interagir com a iniciativa privada.

CONCLUSÃO O desenvolvimento de novas tecnologias depende, em grande medida, da formação de recursos humanos capacitados, bem como de investimentos consistentes, contínuos, de longo prazo e de porte. O Brasil adotou a estratégia de que a pesquisa acadêmica geraria conhecimento e que naturalmente se transformaria em inovações tecnológicas, o que não reflete a atual trajetória tecnológica do país.

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A despeito dos esforços de promoção à inovação, o país ainda tem investido de maneira inconstante e insuficiente os recursos públicos federais e estaduais no desenvolvimento de ciência e tecnologia. Acrescente-se ainda que o setor empresarial investe timidamente em P&D. Em resumo, não há investimento consistente de longo prazo e de porte em ciência, tecnologia e inovação no Brasil, seja público ou privado. Neste cenário, sabe-se que a indústria aeronáutica é intensiva em inovação e desenvolvimento de tecnologias. Devido à competição global e aos vultosos investimentos públicos e privados em P&D no setor, essa indústria precisa melhorar constantemente sua eficiência, reduzir constantemente os impactos ambientais e aprimorar a confiabilidade e segurança de seus produtos, sob pena de ser ultrapassada por concorrentes mais fortemente empenhados em inovação. Nesse contexto, o desenvolvimento de novas tecnologias e novos processos é essencial. A demanda global por produtos tecnológicos no setor aeronáutico exige uma base industrial altamente competitiva, pautada pela qualidade, eficiência e inovação. Nesse contexto, a cadeia produtiva aeronáutica do país, apoiada por políticas públicas articuladas às necessidades e à realidade atual, busca incrementar a cooperação tecnológica entre as instituições de ciência e tecnologia e as empresas, vislumbrando a melhoria da competitividade do setor e o fortalecimento da sua cadeia de fornecedores. Importante mencionar que, até há bem pouco tempo, o conceito de inovação estava arraigado às empresas, ou seja, a inovação ocorria na empresa ou com a empresa. Esse conceito vem mudando nos últimos anos, com o estabelecimento de ações de políticas públicas bem planejadas, constantes e de longo prazo, realizadas em parceria com o setor privado industrial, de modo a possibilitar o desenvolvimento tecnológico, favorecendo assim o mercado, viabilizando o acesso ao conhecimento científico, indispensável para elevar a indústria brasileira a novos patamares de competitividade. Sabe-se que o Brasil ainda carece de um ambiente adequado, seguro e atrativo, capaz de estimular o desenvolvimento tecnológico na indústria. Se quisermos um país produtivo, maduro e competitivo no desenvolvimento de tecnologias de fronteira, teremos de avançar em áreas estratégicas que hoje revolucionam o mundo, enfrentar os desafios e apostar nas suas potencialidades, por meio da intensificação da cooperação tecnológica universidade-empresas e pela disseminação do conhecimento científico.

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Nesse sentido, qualquer que seja a forma de relacionamento e cooperação tecnológica entre instituições de ensino e pesquisa e empresas, a fonte de geração de riqueza gerará um direito a propriedade intelectual, que precisa estar bem definido. Esse tema necessita de uma harmonização nos regulamentos vigentes, de modo a aumentar a segurança jurídica dos atores no processo de inovação. Muitos aspectos essenciais sobre a compreensão das normas e regulamentos ainda geram dúvidas e desestimulam a adoção de práticas inovadoras e principalmente a intensificação da parceria universidade-empresa, que envolve a transferência de conhecimento, fonte de preocupação para as empresas e para os institutos de ensino e pesquisa. Entretanto é importante destacar que muitos países têm abraçado a experimentação política e criatividade, a fim de intensificar os esforços para apoiar e alavancar o fluxo irrestrito de conhecimento ao longo de suas economias. Para este fim, várias economias líderes adotaram a abordagem de ecossistemas de inovação, como uma forma de ver o sistema de inovação como um todo, identificando maneiras de se estimularem redes produtivas e as relações dentro e entre disciplinas e setores econômicos. Assim, os governos de países líderes estão focados em alavancar os investimentos públicos em pesquisa, estabelecendo metas, inciativas, programas e ações para estimular a inovação, aumentar a competitividade e impulsionar o crescimento econômico. Para tal é necessário fortalecer o conhecimento existente que flui entre as universidades e as empresas, com políticas públicas para incentivar as interações universidades-empresas. Na mesma linha, universidades de todo o mundo vêm adotando uma abordagem cada vez mais empreendedora, para atividades de transferência de conhecimento e tecnologia, buscando ativamente construir conexões diretas com a indústria. No entanto, as universidades não podem esperar para adotar uma estratégia de transferência de conhecimento. Para tal, é fundamental o apoio contínuo do governo, da indústria e de outros atores do ecossistema de inovação, atuando de maneira colaborativa para incentivar o desenvolvimento de novos e atuais arranjos institucionais que viabilizem a construção e o cultivo de efetivas cooperações tecnológicas entre universidades e empresas. A pesquisa mencionada neste artigo apontou que uma das formas mais oportunas de se viabilizar a cooperação tecnológica entre empresas da cadeia produtiva

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aeronáutica e o ITA é através da obtenção de recursos públicos, disponibilizados nos editais e chamadas públicas para projetos de apoio à inovação, com participação de ICTs. O edital do Inova Aerodefesa reforça ainda mais essa premissa. Assim, o Brasil precisa continuar apostando em políticas públicas e em programas de apoio ao conhecimento científico, criando as capacitações científicas, tecnológicas e empresariais, que permitirão sustentar e ampliar a competitividade do país em um mercado mundial. No setor aeronáutico em questão, será o domínio de um vasto portfólio de soluções e tecnologias, bem como a capacidade de combiná-los em produtos que atendam as demandas reais do mercado, que ditará a competitividade desse setor aeronáutico a longo prazo. Dominar tecnologias e levar ao mercado um produto que otimize, com custos adequados, o ganho potencial agregado destas soluções, ou de parte delas, é que condicionará a competitividade e a sobrevivência de cada empresa nesse setor, e isso só será possível por meio de uma intensa rede de cooperação tecnológica, formada por empresas, universidades e instituições de ensino e pesquisa.

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A cadeia produtiva da indústria nacional em energia eólica: identificação de gargalos produtivos e oportunidades.

Eduardo Tosta Miguel Antônio Cedraz Nery Jorge Luís Ferreira Boeira

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Resumo

Este trabalho tem como foco descrever o nível de adensamento produtivo da indústria de energia eólica a partir do estudo realizado recentemente pela ABDI, com o apoio do MDIC, BNDES, Apex-Brasil, Abimaq, Abeólica e Abinee, o qual mapeou a cadeia produtiva da indústria eólica no Brasil. O seu objetivo foi gerar informações estratégicas e análises críticas para formulação de políticas públicas, visando ao adensamento da cadeia produtiva nacional de energia eólica. O referido trabalho constatou que o setor está em franca expansão e que existe de fato uma perspectiva de crescimento muito grande na participação da energia eólica na matriz energética brasileira. Há de se reconhecer que a energia eólica no Brasil é uma das mais competitivas do mundo, e atualmente a indústria nacional do setor eólico está composta por aproximadamente 100 fabricantes, distribuídos entre montadoras de aerogeradores, fabricantes de pás, torres de aço e concreto, sistemas, insumos e componentes; e 136 empresas prestadoras de serviços distribuídas entre as etapas de desenvolvimento do projeto, apoio à negociação, préconstrução, construção, operação e manutenção de parques eólicos. Este mesmo estudo constatou a necessidade de superação de alguns desafios da indústria nacional, tais como a competitividade frente aos importados, a necessidade de contratos de fornecimento de longo prazo, além do custo interno de commodities (insumos), o alto custo da logística interna, dentre outros. Palavras-chave: Energia eólica. Política industrial. Matriz energética.

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INTRODUÇÃO A atual conjuntura internacional criou novas oportunidades para o Brasil no cenário mundial. A maturação de políticas públicas do governo federal permite afirmar que estão dadas as condições econômicas e institucionais para que o Brasil dê um verdadeiro salto de qualidade na sua estrutura produtiva, por meio da incorporação e do desenvolvimento de atividades mais intensivas em conhecimento e inovação. Desde 2003, são inegáveis os avanços obtidos pela economia brasileira, em termos de produção industrial, inserção nos mercados externos, crescimento e distribuição da renda nacional e desenvolvimento tecnológico. Entre 2003 e 2013, a economia brasileira cresceu 46%. A taxa de investimento oscila em um patamar entre 17% e 18% do PIB, com perspectiva de aceleração forte nos próximos anos com os novos investimentos em infraestrutura física e logística. Apesar de ter sido mais afetada do que o restante da economia em 2009, a indústria vem mantendo um crescimento similar ao crescimento dos demais setores, nos últimos anos. Além disso, dentro da indústria, é possível verificar que os setores que mais têm crescido sua produção, nos últimos dez anos, são justamente os mais intensivos em tecnologia, como os de máquinas e equipamentos, informática e automotivo, farmacêutico e equipamentos médicos, dentre outros, inclusive o de energia eólica. A ampliação da taxa de investimento é condição fundamental para o crescimento da economia brasileira no período pós-crise, porém insuficiente para aumentar a competitividade devido à intensificação da concorrência no comércio mundial. O desenvolvimento da energia eólica no Brasil intensificou-se em 2002, com o Proinfa, que colocou em marcha as políticas públicas destinadas a diversificar a

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matriz energética do país, a partir de novas fontes alternativas de energia. Foram alocados na época 3.300MW de capacidade instalada, dividida entre as fontes eólica, biomassa e PCH, quando foram adjudicados 1.423MW de projetos a partir da fonte eólica. A contratação se fez por meio de contratos com a Eletrobras por 20 anos, com preço definido pelo Poder Executivo e corrigido pelo IPCA, associado a um Programa de Financiamento do BNDES com obrigatoriedade de índice de nacionalização. Nesse contexto, a indústria nacional de energia eólica iniciou a participação efetiva no mercado principalmente por meio da necessidade do cumprimento das regras de conteúdo nacional aplicadas nos financiamentos da Finame do BNDES, utilizados na maioria dos empreendimentos do setor. Como resultado desta metodologia, até o momento, o BNDES aponta investimentos em 20 novas unidades industriais, concluídas ou em fase de construção, e na ampliação, remodelagem e/ou instalações de novas linhas de produção em 14 unidades industriais existentes. Há ainda a perspectiva de outros investimentos em elos importantes da cadeia e o aumento da base de fornecedores por novos entrantes já atuantes em outros setores que decidiram operar no mercado eólico.

O MAPA DA INDÚSTRIA EÓLICA NO BRASIL A partir de janeiro de 2013, uma nova regra de conteúdo local do BNDES passou a vigorar para o financiamento de empreendimentos no setor de energia eólica. Essa nova norma alterou a metodologia de avaliação de conteúdo nacional e aumentou a exigência do índice de componentes nacionais e maior grau nos processos de manufatura. Esse fato fez que as montadoras de aerogeradores, credenciadas pelo Finame do BNDES, buscassem maior número de fornecedores locais e investissem em suas plantas industriais para atender aos marcos, estabelecidos pela nova metodologia de aferimento de conteúdo nacional. Diante desse contexto, a indústria nacional vem ampliando a participação no fornecimento de partes, peças e componentes na cadeia produtiva da indústria eólica e também no fornecimento de insumos e matérias-primas nacionais. Atualmente, a cadeia produtiva da indústria de energia eólica no Brasil é composta por mais de cem unidades produtivas, que formam uma ampla gama de fornecedores e subfornecedores distribuídos nos principais conjuntos de sistemas que compõem um aerogerador (pás, cubo, torre e nacele), conforme mostra a Figura 1.

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Figura 1 – Visão geral da cadeia produtiva de bens da indústria eólica no Brasil

Fonte: Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil, ABDI, 2014.

Estão instaladas no país sete montadoras de aerogeradores credenciadas sob as novas regras do BNDES e uma centena de fornecedoras nacionais, distribuídas entre fabricantes de torres de aço, torres de concreto, pás eólicas, subcomponentes e insumos para torres de aço, torres de concreto, cubo, rotor, nacele, elementos internos das torres, elementos e insumos para pás eólicas, que compõem uma ampla gama de fornecimento estabelecida principalmente nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul do país, conforme se observa na Figura 2.

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Figura 2 – Fabricantes (instalados e previstos) e cadeias produtivas

Fonte: Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil, ABDI, 2014.

Pelo levantamento realizado, a cadeia produtiva da indústria eólica no país está regionalizada em dois grandes polos produtivos na região Nordeste e Sul-Sudeste (Figura 3). O setor eólico, por ter característica de fabricação de produtos com grandes dimensões e em alguns casos também extremamente pesados, podendo uma única peça atingir 18 toneladas, a fabricação de componentes, por questões logísticas, tende a se concentrar nas áreas mais próximas das regiões de maior potencial eólico, que por sua vez é onde está instalada a maioria das montadoras

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de aerogeradores. Estima-se que, a depender da distância, o custo logístico dos vários componentes até o parque eólico represente aproximadamente 10% do total do investimento do projeto. Atualmente, inexistem arranjos produtivos locais (APL) formais na indústria eólica nacional. A formação de APLs demanda a especialização produtiva, manutenção de vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa, características ainda não encontradas nos polos produtivos. Figura 3 – Polos produtivos para grandes componentes eólicos

Fonte: Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil, ABDI, 2014.

Com relação ao fornecimento de serviços, os principais players mundiais investiram em representações no país e hoje atendem o mercado brasileiro juntamente com empresas nacionais, fornecendo todos os tipos de serviços necessários à implantação de um parque eólico. Entre os serviços envolvidos para a viabilização do parque, pode-se afirmar que existem atualmente 136 empresas atuantes no Brasil, distribuídas entre os serviços de desenvolvimento de projetos, apoio à negociação, execução, pré-construção e construção, operação e manutenção, além de companhias atuando em outros tipos de prestação de serviços, tais como treinamentos, seguros e consultoria jurídica.

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A capacidade produtiva nominal das montadoras de aerogeradores atualmente credenciadas no Finame do BNDES para produção de naceles no país é de 1.583 unidades por ano. Com relação à fabricação de pás eólicas, as fabricantes nacionais (Tecsis, Wobben, LM Wind Power e Aeris) juntas podem produzir 9.100 unidades por ano. Porém, cabe destacar que 70% das pás produzidas pela maior fabricante nacional (Tecsis) são para exportação, e a produção de pás eólicas da Wobben é para atender o mercado da própria montadora. No segmento de fabricação de torres eólicas, atualmente a capacidade nacional para produção de torres é de 2.548 unidades por ano, sendo 1.638 de aço e 910 torres de concreto. Considerando uma demanda média anual de 2GW/ano ou 950 aerogeradores, 2.850 pás e 950 torres, a indústria eólica brasileira tem elevada capacidade, se analisarmos de maneira geral e superficial (Figura 4), porém a capacidade produtiva da indústria nacional deve ser analisada considerando-se uma série de fatores que restringem o atendimento da demanda por componentes com fabricação local. Figura 4 – Capacidade produtiva anual da indústria eólica no Brasil (2014).

Fonte: Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil, ABDI, 2014.

Os bens produzidos no setor de energia eólica têm características peculiares que se distinguem de outros bens seriados, principalmente pelas grandes dimensões e peso. Com características únicas de elevada qualidade e precisão, equipamentos e sistemas que compõem os aerogeradores necessitam ser duráveis, confiáveis e precisos. Tendo em vista esses e outros fatores, a capacidade da indústria nacional

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é afetada pela falta de planejamento nos pedidos de peças e componentes junto aos fornecedores, bem como na descontinuidade das ordens de compra, com demanda intermitente e concentração de aquisições em determinados momentos, o que afeta diretamente a capacidade de atendimento da cadeia produtiva. Um dos fatores influenciadores desta problemática é a metodologia de compra de energia pelos leilões do governo federal, cujas entregas dos parques eólicos vencedores são previstas todas para uma única data, causando forte impacto na cadeia de suprimento, pois as montadoras retardam ao máximo os pedidos aos fornecedores, acarretando a concentração de pedidos, refletindo em gargalos produtivos. No estudo de mapeamento da cadeia produtiva da indústria eólica no Brasil, realizado pela ABDI, foram identificados os principais motivos para importação de componentes e subcomponentes. Entre eles, as principais motivações são: alto custo para fabricação nacional, falta de capacidade ou capacidade produtiva local limitada, capacidade ociosa em outros países, preferência por fornecedores globais e ausência de fabricantes locais (homologados) para determinados itens. Os maiores custos para produção local decorrem do custo interno da chapa de aço, principal matéria-prima dos aerogeradores que utilizam torres de aço, que representam aproximadamente de 20% a 25% do custo do aerogerador. Segundo a Abimaq, somente em 2013 o aço subiu cerca de 16% no Brasil. O custo da chapa importada é 30% inferior ao custo da compra feita localmente da Usiminas (única fornecedora atualmente deste tipo de aço no país). Há ainda outros monopólios em termos de materiais, tais como o aço para os fundidos, o aço-silício, a resina epóxi e tecidos de fibra de vidro das pás. Outro fator importante na balança da competitividade é o custo dos tributos para fabricação nacional em comparação aos itens importados. Os aerogeradores importados são taxados em 14%, enquanto os impostos incidentes na cadeia produtiva nacional totalizam 26,5%. O alto custo da energia elétrica, alto custo e baixa produtividade do trabalho, logística interna dos componentes também afetam diretamente a competitividade da indústria nacional. Levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) aponta que a escolarização da população ainda segue sendo muito precária, insuficiente para atender à demanda cada vez maior por parte das indústrias. Pesquisa da Fundação Dom Cabral mostra que 91% das 167 empresas consultadas manifestaram dificuldades para contratar em 2013, e um conjunto maior de profissões com falta de mão de obra.

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A competitividade da indústria nacional é afetada diretamente pelo custo de produção local em comparação aos mesmos itens importados da Europa ou Ásia. O monopólio no fornecimento de insumos, o altíssimo custo de matérias-primas como aço, energia elétrica, mão de obra e logística interna, somados a problemas de acúmulo de créditos de ICMS na cadeia produtiva, afetam diretamente a competitividade da indústria local. Além disso, outros fatores como a elevada oferta de componentes no mercado devido à crise no mercado europeu e americano e contratos de fornecimento global – global sourcing das montadoras – também atingem diretamente a participação da indústria brasileira. Desde 2009, a participação da energia eólica na matriz energética brasileira tem crescido significativamente. Em 2009, 0,9% da matriz energética era suprida pela fonte eólica. Atualmente, esta participação está em 4%. No ano de 2013, houve um recorde de contratação de energia eólica no Brasil. Foram contratados 4,7GW em projetos eólicos para serem instalados nos próximos anos. A participação das eólicas na matriz elétrica está em franca expansão e com excelentes perspectivas para os próximos anos. Estimativas apontam que em 2018 o país atingirá uma capacidade instalada de 14GW, somados os parques contratados no mercado regulado (ambiente de comercialização regulada – ACR) e no mercado livre (ambiente de comercialização livre – ACL). À luz das exigências de conteúdo local do BNDES, podemos afirmar que existem desafios produtivos para fabricação nacional de alguns componentes, tais como: flanges, tecidos de fibra, rolamentos e fundidos e usinados de grande porte e maior complexidade. A análise dos gargalos produtivos também deve ser feita pela perspectiva da oportunidade. A insuficiência na capacidade produtiva de alguns itens e insumos deve ser encarada como uma oportunidade para aqueles que desejam entrar no setor ou aqueles que vislumbram o aumento da produtividade ou da capacidade produtiva. Hoje, existem oportunidades para fabricação de rolamentos, tecidos de fibra de vidro, geradores, peças fundidas e usinadas de maior complexidade, sistemas de freios e vários outros componentes. A demanda atual e as projeções de crescimento do setor (Figura 5) mostram um cenário otimista e desafiador para a indústria nacional. O cumprimento das regras de conteúdo local da metodologia do Finame/BNDES exige o atingimento de índices de nacionalização crescentes. Investimentos na capacidade produtiva e desenvolvimento de novos fornecedores são fatores decisivos a serem atingidos pelo setor nos próximos anos.

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Figura 5 – Evolução da capacidade instalada de energia eólica no Brasil

Fonte: Boletim setorial, agosto de 2014, ABEEólica.

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CONCLUSÃO O governo Dilma implementou diversas medidas voltadas para incentivar o investimento na indústria brasileira, tanto no que se refere a desonerações fiscais quanto na inovação, a exemplo do programa Inova-Empresa, com a disponibilização de R$32,9 bilhões, com destaque para o Inova-Energia. A cadeia produtiva da indústria eólica no Brasil é jovem e está em processo de consolidação, amadurecimento e expansão frente à demanda de partes, peças e componentes oriundos dos recordes de participação da fonte eólica nos últimos leilões de energia e na matriz energética brasileira e da crescente exigência de conteúdo local, estabelecida pelas novas regras do Finame do BNDES. Qualidade nos produtos, garantia do fornecimento, agilidade no atendimento da demanda interna e competitividade frente aos concorrentes internacionais são desafios a serem superados em um contexto de oportunidades e investimentos no setor. É iminente a necessidade da instituição de uma política industrial específica para o setor que trate problemas como o alto custo logístico no país, falta de infraestrutura de portos, alto custo da mão de obra e oferta de insumos básicos, tais como chapa grossa de aço e aço-silício.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDI. Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil. 2014. BRASIL. Metodologia para credenciamento de aerogeradores. BNDES. Disponível em: . ABIMAQ. Associação da Indústria de Máquinas e Equipamentos. Panorama da indústria brasileira na cadeia de subfornecedores. In: Fórum Nacional Eólico. Salvador, 2013. CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Avaliação e percepções para o desenvolvimento de uma política de CT&I no fomento da energia eólica no Brasil. 2012.

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O Desenvolvimento da Nanotecnologia no Complexo Industrial da Saúde no Brasil

Cleila Guimarães Pimenta Bosio Maria Sueli Soares Felipe

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Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a trajetória do desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil, considerando o processo de institucionalização e os aspectos regulatórios voltados para a Nanotecnologia no Complexo Industrial da Saúde. Buscou-se analisar se a priorização da nanotecnologia como uma tecnologia estratégica, nas políticas industriais e de C&T brasileiras, interferiu no aumento do número de empresas, nos investimentos, no número de produtos no mercado, na formação de pessoal e na infraestrutura de laboratórios para P&D. Foram consultados os estudos realizados pela ABDI, os Relatórios das Oficinas Temáticas de Nanotecnologia realizados pela ABDI e Anvisa, além de bibliografia especializada, os relatórios da Pintec e a legislação relacionada. A ausência de uma série histórica, contendo os indicadores supracitados, impossibilitou uma avaliação mais profunda sobre os resultados dessas políticas públicas. Mas os dados da Pintec 2011 revelam que houve um aumento no número de empresas de vários setores que utilizam nanotecnologia. Palavras-chave: Política Industrial. Regulação. Nanotecnologia.

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INTRODUÇÃO A definição sobre nanotecnologia ainda está em construção no Brasil, e no mundo não há consenso sobre o conceito para essa tecnologia. Os conceitos que estão em construção usam como referência 1 nanômetro (nm), que significa o valor de 10-9 metros, ou seja, um bilionésimo do metro. Para se ter ideia da dimensão, 1nm seria “100 mil vezes menor do que o diâmetro de um fio de cabelo, 30 mil vezes menor que um dos fios de uma teia de aranha, ou ainda 700 vezes menor que um glóbulo vermelho”. Apesar de ainda não haver um consenso, o que vem sendo usado com mais frequência é a seguinte definição: “A nanotecnologia é a compreensão e controle da matéria na escala nanométrica, em dimensões entre cerca de 1 a 100nm que permitem novas aplicações. (National Nanotechnology Iniciative. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014). No Brasil, não há uma definição amplamente debatida e oficializada, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) adotou para a realização da Pesquisa de Inovação 20115 (PINTEC, 2011) a seguinte definição: A Nanotecnologia é um conjunto de técnicas usadas para manipular a matéria até os limites do átomo, com vistas a incorporar materiais nanoestruturados ou nanopartículas em produtos existentes para melhorar seu desempenho, ou criar novos materiais e desenvolver novos produtos. Observa-se que nessa definição não são utilizados parâmetros relacionados à dimensão ou escala nano. Ela é uma definição que considera a nanotecnologia como um conjunto de técnicas aplicadas a manipulação da matéria para obtenção de novos produtos.

5 Propósito da pesquisa inovação – As informações fornecidas pelas empresas são coletadas para o conhecimento das atividades inovativas da indústria e dos serviços de telecomunicações, informática e pesquisa e desenvolvimento brasileiros. Os resultados agregados da pesquisa podem ser usados pelas empresas, para análise de mercado; pelas associações de classe, para estudos sobre desempenho e outras características de seus setores; e pelo governo, para desenvolver políticas nacionais e regionais.

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O consenso sobre a definição de nanotecnologia é fundamental para a publicação e aplicação de normas e para a regulação do mercado de nanotecnologia. Isso porque o objeto das normas e regulação deve ser bem caracterizado. A definição da nanotecnologia também reflete na própria avaliação dos impactos dos programas de governo que buscam a promoção da geração de conhecimento, bem como a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação (P&D&I) de produtos. Somente com uma definição clara adotada pelo Brasil será possível mensurar, por exemplo, os impactos desses programas sobre o número de publicações, de patentes, de novos produtos e processos. A promoção da nanotecnologia no Brasil seria facilitada se os órgãos do governo chegassem a um consenso sobre o que é nanotecnologia. Para este artigo, nanotecnologia será conceituada como “a compreensão e controle da matéria na escala nanométrica, com dimensões entre cerca de 1 e 100 nanômetros (nm), onde fenômenos únicos permitem novas aplicações”. Essa é a definição que foi adotada pela ISO/TS 80004-1 e foi utilizada na elaboração deste artigo por ser amplamente difundida no mundo para o estabelecimento de normas, apesar de ser vaga quanto ao significado dos termos “fenômenos únicos”. Para este artigo, fenômenos únicos serão considerados novas características físicoquímicas.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO E NANOTECNOLOGIA NO BRASIL

OS

ASPECTOS

REGULATÓRIOS

DA

Os primeiros editais voltados para o financiamento da nanotecnologia no Brasil foram publicados em 2001, o que propiciou a criação das redes de pesquisa Nanobiotec, Nanomat, Renami e Nanosemimat. Em 2001, também foram publicados outros quatro editais, que liberaram mais de R$22 milhões para o estabelecimento de quatro Institutos do Milênio, sendo eles o Instituto de Nanociências, a Rede de Pesquisa em Sistema em Chip, Microssistemas e Nanoeletrônica, o Instituto do Milênio de Materiais Complexos e por fim o Instituto Multidisciplinar de Materiais Poliméricos (ZANETTI-RAMOS; CRECZYNSKI-PASA, 2008). Somente em 2004, a nanotecnologia foi reconhecida como tecnologia portadora de futuro na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Esse foi um marco inicial da institucionalização da nanotecnologia no Brasil. A partir de então iniciou-se uma articulação para a elaboração de um Programa Nacional de Nanotecnologia. Paralelo a isso, foram lançados os Editais MCT/CNPq nº 012/2004

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e MCT/CNPq nº 013/2004, que financiaram projetos no total de aproximadamente R$40 milhões, entre 2004 e 2005. Em 2004, também foi aprovado, pelo Congresso Nacional o Plano Plurianual (PPA), que incluía o apoio ao Programa de Desenvolvimento da Nanociência e da Nanotecnologia. Esse plano buscava estimular a cooperação entre as ICTs e empresas, bem como a melhoria da infraestrutura de laboratórios. Segundo Salerno e Daher (2006), em 2005, 10 redes de pesquisa em nanotecnologia foram criadas. Com o aporte adicional dos recursos dos fundos setoriais, foi fortalecida a infraestrutura do Laboratório Nacional da Luz Sincrotron (R$12 milhões) e do Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro), nos quais foram investidos R$12 milhões e R$14 milhões respectivamente. Nesse período, foram implementadas ações voltadas para a cooperação internacional, apoio às empresas incubadas, pesquisa básica e estudos sobre os impactos éticos e socioambientais. (ZANETTIRAMOS; CRECZYNSKI-PASA, 2008). No lançamento da política industrial subsequente à PITCE, a chamada Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), constatava-se que no Brasil poucas empresas desenvolviam, difundiam e utilizavam a nanotecnologia. Assim, dentre os desafios dessa política estava o incentivo a empresas de base tecnológica, a expansão de formação de recursos humanos (RH) especializados, atrair investimento em pesquisa e desenvolvimentos (P&D), bem como adequar o marco legal. Na avaliação da PDP, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a ausência de regulação causava a paralisação e a postergação do investimento em nanotecnologia. Somando-se a isso a crise econômica de 2008, provocou redução de gastos em P&D, entretanto a nanotecnologia manteve-se como área prioritária de investimentos, pelo menos no âmbito do governo federal. A consequência da crise sobre os investimentos é percebida também no governo, em 2008, conforme pode ser visto na Figura 1.

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Figura 1 – Investimentos do Programa de Nanotecnologia do MCTI, subvenção e INCTs de nano (2004 a 2014)

Fonte: Plentz, 2014. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014.

O valor do investimento realizado pelo MCTI/Coordenação de Micro e Nanotecnologias, entre 2004 e agosto de 2014, foi de aproximadamente R$878 milhões. Neste montante de recursos, não foram contabilizados os investimentos das Fundações de Amparo à Pesquisa Estaduais (FAP), dos Editais Universais do MCTI/CNPq e do MEC (programa voltado para redes), nem mesmo aqueles voltados para os acordos de cooperação internacional. Observa-se que nos investimentos provenientes da Fonte 100 (orçamento ordinário do MCTI) houve pouca variação, entre 2004 e 2008; porém, a partir de 2009, houve uma drástica diminuição dos investimentos dessa fonte. Já os investimentos referentes ao Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (FNDCT) e à subvenção econômica sofreram intensas variações ao longo do tempo. O investimento nos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia/Nano (INCT/Nano) também é passível de constante variação. Isso pode ser um indicativo da visão de curto prazo na execução de políticas voltadas para a área. Tanto a PITCE como a PDP declararam que a nanotecnologia é portadora de futuro e merecia incentivos específicos. Já o Plano Brasil Maior (PBM) teve um caráter mais setorial. As tecnologias de fronteira foram tratadas de modo transversal nas

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Ações Sistêmicas de Inovação. Apesar disso, a nanotecnologia continua sendo prioritária para alguns setores, tais como cosméticos, defesa e agroindústria, porém o setor que mais centrou esforços em seu plano de trabalho foi o de cosméticos. Dentre suas metas está o estabelecimento de padrões de referência para a cadeia de cosméticos. Apesar de a nanotecnologia não estar explícita no texto-base do PBM, foi lançada em 2012 a Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia (ENCTI 2012-2015). A ENCTI declarou que houve avanços na pesquisa científica brasileira, entretanto a utilização da nanotecnologia nacional em processos e produtos é pouco expressiva, se comparada com países desenvolvidos. Assim como na PDP, a ENCTI reconhece como desafios os aumentos dos investimentos em nichos competitivos e estratégicos, somados ao estabelecimento do marco regulatório. Isso também fica claro no objetivo da ENCTI/Nanotecnologia, que consiste na “geração do conhecimento e do desenvolvimento de produtos, processos e serviços nanotecnológicos, visando ao aumento da competitividade da indústria brasileira”. Reforçando esse objetivo, foi lançada em 2013 a Iniciativa Nacional de Nanotecnologia (INN), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A INN busca “promover o desenvolvimento científico e tecnológico, com foco na inovação”. A INN é coordenada pelo Comitê Interministerial de Nanotecnologias (CIN). Esse comitê tem por finalidade o assessoramento aos ministérios, representados no comitê, no esforço de integrar a gestão e aprimorar as políticas, diretrizes e ações voltadas para o desenvolvimento das nanotecnologias no país. No lançamento da INN, foram anunciados os investimentos em nanotecnologia, para a qual seriam destinados aproximadamente R$440 milhões em 2013 e 2014. Mesmo assim, os recursos não são suficientes para o desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil. O resultado do Edital MCTI/CNPq 2012, por exemplo, demonstra que a demanda por recursos é superior ao que o governo tem ofertado. Para esse edital foram apresentadas 339 propostas, com uma demanda de R$101 milhões, sendo que foram aprovados apenas R$6 milhões, distribuídos entre 15 projetos. Por um lado, esse resultado pode revelar uma tendência à concentração de recursos em projetos considerados estratégicos para o país, mas deve-se também avaliar a qualidade dos demais projetos propostos pelas empresas para esse edital.

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Segundo Plentz (2014), os investimentos tendem a aumentar, pois em 2013 foram investidos R$150,7 milhões. No levantamento de dados realizado para a elaboração deste artigo, não foram encontrados dados consolidados oficiais sobre os investimentos do governo e das empresas em nanotecnologia especificamente voltada para a saúde. A razão para isso é que ainda não foi incorporado na administração pública um modelo de gestão com ferramentas de avaliação de políticas públicas que permitisse a realização desse tipo de recorte. Além disso, seguindo as diretrizes da ENCTI, foi criado o Sisnano, que orienta a consolidação da infraestrutura de laboratórios nacionais de nanotecnologia, bem como o aumento do acesso das empresas a essa infraestrutura, para a realização de atividade voltada à inovação. Assim, o Sisnano é composto por unidades especializadas com o diferencial de uso compartilhado de laboratórios, bem como na prestação de serviços tecnológicos nessa área. Os laboratórios estratégicos do Sisnano disponibilizam 50% do tempo de uso dos equipamentos para o público externo. Somando-se a isso, com a orientação de estimular o P&D nas empresas, o MCTI estabeleceu como meta do PPA (2012-2015) a ampliação do número de empresas que realizam pesquisa e desenvolvimento em nanotecnologia em seus processos produtivos. Na Pintec 2011 (publicada em 2013), observa-se que 123 empresas investem em P&D na área, sendo superada a meta estabelecida para o MCTI de 120 empresas. O único dado oficial sobre o esforço em inovação utilizando nanotecnologia é a Pintec 2009-2011. Mesmo assim, essa pesquisa ainda não tem uma série histórica que possibilite uma análise mais profunda correlacionando volume de investimento e inovação tecnológica em nanotecnologia. Na Pintec 2011 observa-se que, entre 2009 e 2011, 1.132 empresas declararam ter realizado alguma atividade relacionada ao uso, produção, pesquisa e desenvolvimento utilizando nanotecnologia. Nesse período, o crescimento de número de indústrias que declaram o uso da nanotecnologia foi de 135,2% em relação ao período anterior. Do número total das empresas, 86,1% foram inovadoras, superando as empresas de biotecnologia, das quais 65,1% obtiveram inovações. Na área da saúde, apenas 20 empresas são do setor farmacoquímico e farmacêutico e 17 são do setor de equipamentos médico-hospitalares (Tabela 1).

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Tabela 1 – Empresas que declaram utilizar nanotecnologia em processos/ produtos, segundo as atividades da indústria, do setor de eletricidade e gás e dos serviços selecionados, entre 2009 e 2011 Empresas Atividades da indústria, do setor de eletricidade e gás e dos serviços selecionados

Empresas que realizaram atividades Em nanotecnologia Inovadoras Total

Por modo de uso Total

Usuário final

Usuário Integrador

Produtor

P&D

Total

1.132

975

563

317

66

123

Indústria de transformação

1.107

956

555

315

62

112

Fabricação de produtos farmacoquímicos e farmacêuticos

20

17

5

-

1

11

Fabricação de produtos farmacoquímicos

1

1

-

-

1

1

Fabricação de produtos farmacêuticos

19

16

5

-

-

10

Fabricação de produtos diversos

20

20

3

8

-

10

Fabricação de instrumentos e materiais para uso médico e odontológico e de artigos ópticos

17

17

3

4

-

10

Fonte: Adaptado da Pintec 2011.

Nos setores relacionados à saúde percebe-se maior esforço na obtenção de inovações com a realização de P&D em nanotecnologia, visto que, das 20 empresas do setor de produtos farmacoquímicos e farmacêuticos, 5 se declaram usuárias finais, 1 produtora e 11 realizam P&D em nanotecnologia. Das 17 empresas que fabricam instrumentos e materiais para uso médico e odontológico e artigos ópticos, 3 são usuárias finais, 8 são integradoras e 10 realizam P&D. A pesquisa

170

não deixa claro se esse é um P&D interno ou realizado em parceria com institutos de pesquisa em nanotecnologia. Como resultado das políticas descritas anteriormente, observa-se que existem aproximadamente 1.200 grupos de pesquisa voltados para nanotecnologia aplicada à saúde no Brasil. Esse número foi extraído da base de dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil Lattes, em 2014. No ranking dos grupos de pesquisa voltados para a nanotecnologia (Figura 2), pode-se observar que os grupos envolvidos em P&D utilizando diferentes tipos de nanopartículas somam quase 350, enquanto os grupos dedicados às áreas de terapia fotodinâmica e nanobiotecnologia representam cerca de 500 grupos que desenvolvem projetos nestas áreas da saúde de relevância em âmbito nacional e internacional (ABDI, 2014). Figura 2 – Ranking de grupos de pesquisa em nanotecnologia por área de atuação

Fonte: ATS de Nanotecnologia-Saúde Humana, ABDI 2014.

Outra iniciativa de P&D envolve o apoio aos INCTs na área de nanotecnologia e saúde. Esses INCTs têm como missão a pesquisa, a formação de recursos humanos e a transferência de conhecimentos para as empresas e a sociedade. No total são 19 INCTs na área de nanotecnologia aplicada à saúde, como pode ser visto na Tabela 2.

171

Os desafios da Política Industrial Brasileira

Tabela 2 – INCTs na área de nanotecnologia aplicada à saúde

SIGLA

INSTITUTO NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA: NANOTECNOLOGIA E SAÚDE

INOMAT

INCT em Materiais Complexos Funcionais

INCTMN

INCT dos Materiais em Nanotecnologia

NanoBioSimes

INCT de Nanobioestruturas e Simulação Biomolecular

NanoBiofar

INCT de Nanobiofarmacêutica

Nanobiotecnologia

INCT de Nanobiotecnologia

INCTIF

INCT para Inovação Farmacêutica

INCTV

INCT de Vacinas

Nanobiosimes

INCT de Nanobioestruturas e Simulação Nanobiomolecular

INCTCatálise

INCT de Catálise em Sistemas Moleculares Nanoestruturados

Inomat

INCT em Materiais Complexos Funcionais

NAMITEC

INCT de Sistemas Micro e Nanoeletrônicos (Namitec)

-

INCT de Nanomateriais de Carbono INCT de Nanotecnologia para Marcadores Integrados

DISSE

INCT de Nanodispositivos Semicondutores (Disse)

-

INCT de Nanobiotecnologia

N-BIOFAR

INCT em Nanobiofarmacêutica (N-Biofar)

INCT-INOFAR

INCT de Fármacos e Medicamentos (INCT-Inofar)

-

INCT em Tuberculose

BIOFABRIS

INCT de Biofabricação (Biofabris)

Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Disponível em: . (apud ABDI, 2014).

Com isso, constata-se que houve um esforço em pesquisa e na consolidação da infraestrutura laboratorial, mas até o momento o Brasil não possui regulação específica de nanotecnologia que trate de questões de vigilância sanitária ambientais, ocupacionais e de direito do consumidor sobre informações a respeito do uso da nanotecnologia em produtos ou processos. Os alimentos, os cosméticos, os defensivos agrícolas, os fármacos, os medicamentos e os saneantes são ainda regulamentados no Brasil sem diferenciação quanto ao uso da nanotecnologia, seguindo as mesmas normas que os demais produtos que não utilizam essa tecnologia.

172

Por outro lado, é importante ressaltar que até o momento, no Brasil, não se observam dados oficiais sobre mudanças significativas no perfil de segurança de produtos e processos com uso da nanotecnologia, o que está sendo bastante discutido durante os últimos 2 anos, tanto pelo governo como pela academia e pelas empresas, com destaque para a participação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em projeto conjunto com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Para se realizar essa avaliação, faz-se necessária a definição de parâmetros com base em conhecimentos científicos das áreas de nanometrologia, de nanotoxicologia e de avaliação de riscos, como será discutido no item 2 deste documento. Nem mesmo nos principais mercados internacionais há consenso sobre a necessidade de novos regulamentos específicos para nanotecnologia. A Comunidade Europeia tem usado o princípio da precaução, embora já existam diretrizes, mas ainda sem consenso entre os diferentes países pertencentes ao bloco; e os Estados Unidos têm avaliado caso a caso para o registro de novos produtos/processos nanotecnológicos. Segundo um levantamento realizado pela Anvisa, estão registrados, em 2014, 637 produtos que utilizam nanotecnologia, sendo que cosméticos correspondem a 97% do total desses produtos, como pode ser verificado na Tabela 3. Tabela 3 – Produtos que fazem referência ao uso de nanotecnologia já registrados na Anvisa, discriminados por classes de produtos. Produtos

Área Técnica

Nº de produtos

% do total

Cosméticos

GGCOS

599

94,0

Saneantes

GGSAN

20

3,1

Medicamentos

GGMED

10

1,6

Produtos para saúde

GGTPS

07

1,1

Alimentos

GGALI

01

0,2

Total

-

637

100

Fonte: Binsfeld, 2014. Diagnóstico Institucional de Nanotecnologia. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014.

Em suma, as políticas lançadas até o momento enfatizaram a necessidade do aumento de investimento, o estabelecimento de infraestrutura, a geração de

173

Os desafios da Política Industrial Brasileira

conhecimento, a formação de pessoal e mais recentemente a colaboração com as empresas voltadas para a inovação. Mas é interessante notar que houve uma evolução no modelo de apoio ao desenvolvimento da nanotecnologia, pois a preocupação inicial foi a criação de institutos de pesquisa, agora se observa o incentivo à realização de P&D em nanotecnologia pelas empresas. Além disso, apesar de não haver regulamentação específica para produtos e processos que utilizam a nanotecnologia, não se observa uma mudança no perfil de segurança dos produtos já comercializados, o que leva ao questionamento sobre a real necessidade de uma regulamentação específica para produtos nanotecnológicos.

NANOMETROLOGIA, NANOTOXICIDADE, E ANÁLISE DE RISCOS – OS PASSOS PARA A REGULAÇÃO DE QUALIDADE No processo de absorção de novas tecnologias é imprescindível a criação de metodologias, redefinição de categorias/classificações de produtos, de novos padrões e especificações, entre outras referências. O sucesso desse processo depende, em grande parte, da interação entre instituições governamentais, empresas e comunidade acadêmica, com o intuito de criar um ambiente propício à inovação. A regulação necessariamente pressupõe o conhecimento técnicocientífico sobre o produto ou processo a ser regulado. Isso inclui o estabelecimento de parâmetros que ocorrem no campo da nanometrologia. A nanometrologia é um tema fundamental para a caracterização dos nanomateriais, sendo esse parâmetro essencial para se definir segurança dos produtos. A instituição responsável pelo estabelecimento de normas e padrões metrológicos é o Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro). No caso do Brasil, estabelecer as normas e padrões para a indústria é um desafio técnico, além de ser um desafio econômico. Não há como regulamentar, se não se consegue caracterizar o produto considerando as normas e padrões, nem mesmo a indústria fazer produtos confiáveis em série. O Inmetro tem hoje um bom nível de técnicas de metrologia. Apesar disso, o Brasil carece de materiais de referência para a nanotecnologia. Setores como o de cosméticos têm procurado sanar esse problema, e a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmética (Abihpec) já indicou ao Inmetro as prioridades no estabelecimento de padrões de referências de nanopartículas. Em 2013, foi estruturado um projeto, fruto da parceria entre Inmetro e Abihpec,

174

visando à obtenção de padrões de referência para nanopartículas priorizadas pelo setor, tais como dióxido de titânio, monóxido de zinco, ouro, cobre e argila. Ainda sobre o cenário brasileiro de nanometrologia, boa parte dos laboratórios que se propõem a prestar serviços de P&D para as indústrias não implementaram as Boas Práticas de Laboratório (BPL), o que pode prejudicar a precisão e a rastreabilidade dos resultados das pesquisas realizadas nesses laboratórios, colocando em risco os investimentos realizados. Para o desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil, é fundamental que sejam obedecidas as normas de BPL. Somente com isso o país terá produtos com padrões de qualidade aceitáveis internacionalmente. A ABNT coordena no Brasil as discussões do grupo da ISO TC 229, que busca definir padrões e normas para a nanometrologia; e como isso afeta o mercado internacional, é fundamental a mobilização da indústria brasileira nas discussões desse grupo, o que não tem acontecido. Isso pode ser um reflexo da pequena expressividade da indústria nacional em nanotecnologia ou resultante de uma estratégia com foco no mercado local, sem visão de produção também para exportação. A nanometrologia é a base para a avaliação de segurança de substâncias químicas, que é realizada por ensaios de toxicidade, para isso são usados métodos in vivo, in vitro ou até mesmo in silico. Com uso da nanotecnologia, essas substâncias podem assumir novas características físico-químicas, dependendo do meio em que elas se encontram. Isso traz novos desafios à toxicologia tradicional, e foi atribuída à nanotoxicologia a função de prever os efeitos de nanomateriais sobre o ser humano e os animais. Observa-se que no Brasil o tema da nanotoxicidade está em fase inicial, com a formação de redes de pesquisa sobre o tema, apoiadas pelo MCTI. Essa iniciativa é positiva, pois se espera que essas redes embasem a tomada de decisão sobre a gestão dos possíveis riscos associados à nanotecnologia (Tabela 4).

175

Os desafios da Política Industrial Brasileira

Tabela 4 – Distribuição territorial de redes cooperativas de pesquisa e desenvolvimento em nanotoxicologia, apoiadas pelo MCTI Atividade

Região

Rede de nanotoxicologia aquática do Centro-Oeste

DF

Rede Nanotox – Toxicidade de nanopartículas em sistemas biológicos: produção de material de referência, desenvolvimento de métodos normalizados para caracterização físico-química e estudo das interações de nanopartículas com células e tecidos.

RJ

Nanotoxicologia ocupacional e ambiente: subsídios científicos para estabelecer marcos regulatório e avaliação de riscos.

RS

Rede cooperativa de pesquisas em nanotoxicologia aplicada a nanopartículas de interesse da indústria petrolífera e de tintas.

SC

Avaliação da toxicidade de nanomateriais aplicados em medicina e agricultura: desenvolvimento de estudos in vivo, in vitro e em modelos de membrana.

SP

Rede de nanotoxicologia de compostos nanoestruturados: citotoxicidade e genotoxicidade de produtos com potencial industrial (Cigenanotox).

SP

Fonte: Plentz, 2014. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014.

Apesar das deficiências do Brasil em nanometrologia e nanotoxicidade, observam-se alguns movimentos no sentido de se definir uma regulação sobre nanotecnologia. Entretanto, o Projeto de Lei nº 5.133/2013, que regulamenta a rotulagem de produtos da nanotecnologia e de produtos que fazem uso da nanotecnologia, e o Projeto de Lei nº 6.741, de 2013, que dispõe sobre a Política Nacional de Nanotecnologia, ambos em tramitação no Congresso Nacional, foram elaborados de maneira equivocada e sem embasamento técnico-científico. Além da falta de referencial científico, esses projetos de lei sobrepõem as atribuições de agências reguladoras, tais como a Anvisa e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Esses projetos de lei desconsideram as diretrizes discutidas no âmbito do CIN e no Fórum de Competitividade de Nanotecnologia, bem como o conhecimento acumulado hoje no Brasil por meio de estudos e discussões realizadas pela ABDI, dos quais participam o governo, academia e empresas. Por outro lado, foi publicada a Chamada CNPq/Anvisa nº 05/2014 – Pesquisas em Vigilância Sanitária, em fevereiro de 2014. O que merece destaque nessa chamada é a busca por modelos de avaliação, gerenciamento e comunicação de risco para

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nanomateriais presentes em produtos sujeitos à regulação sanitária. Com isso, a Anvisa, em parceria com o CNPq, revela uma preocupação com segurança de produtos contendo nanomateriais e procura tomar decisões com embasamento técnico-científico. Em vários momentos, observa-se uma preocupação do governo com este tema. Durante a Oficina Temática – Regulação de Produtos Nanotecnológicos de Interesse à Saúde (2014), realizada pela ABDI/Anvisa, foi anunciada a inclusão da nanotecnologia como um assunto prioritário na Agenda Regulatória da Anvisa. Durante essa oficina, também foi anunciada a adesão do Sisnano ao programa europeu NanoReg, que busca a colaboração para estabelecer um reconhecimento mútuo quanto ao desenvolvimento de metodologias de avaliação de nanomateriais. Isso pode ser positivo, porém há de se avaliar se a adesão do Brasil ao NanoReg não implicará a absorção de barreiras técnicas para as empresas nacionais nesse mercado. Para que isso seja mitigado, é fundamental o envolvimento das indústrias nas discussões sobre esse projeto de cooperação com o NanoReg. Em suma, é perceptível que o governo brasileiro está sensível aos temas relacionados à nanometrologia, à nanotoxicidade e à regulação da nanotecnologia. Porém, para a implementação de uma regulação de qualidade no Brasil, é necessário o investimento em infraestrutura laboratorial (no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde e Laboratórios Oficiais, por exemplo) que possibilite a fiscalização dos produtos que estão no mercado. O papel das redes de nanotoxicidade e do NanoReg seria apoiar o desenvolvimento de metodologias de apoio à avaliação de segurança, não cabendo a eles a fiscalização de mercado. Esse é outro passo que o Brasil deve dar no sentido de modernizar os laboratórios oficiais de saúde para fiscalização, que são responsáveis por dar suporte à Anvisa na realização de análises fiscais de produtos presentes no mercado.

CONCLUSÃO A análise realizada neste estudo mostra que as políticas industriais e de CT&I implementadas nos últimos 10 anos apoiaram e sustentaram um crescimento da nanotecnologia no Brasil e que ela se encontra institucionalizada como uma área prioritária. A ausência de uma série histórica contendo o número de empresas que investem em nanotecnologia voltada para a saúde, a taxa de inovação dessas empresas e o volume de investimentos, em especial o privado, impossibilitou uma

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

avaliação mais precisa sobre os resultados das políticas públicas. Porém, mesmo sem distinção de setores, os dados da Pintec revelam que houve um aumento considerável no número de empresas que utilizam a nanotecnologia (incluem-se todas as empresas que utilizam, desenvolvem e pesquisam nos vários setores da economia, etc.), entre 2008 a 2011, passando de 608 (2008) empresas para 1.132 (2011). Os investimentos públicos brasileiros nesta área tendem a ser aportados no estabelecimento de infraestrutura e formação de pessoal. Ainda é tímido o incentivo a P&D nas empresas. A nanotecnologia no Brasil tem sido utilizada independentemente das questões regulatórias, mesmo porque o desenvolvimento e o uso de tecnologias sempre antecederam a definição de regulamentos, que só se fazem necessários quando há mudanças no perfil de segurança de produtos. Ainda existem incertezas quanto ao significado dessas mudanças nos produtos que utilizam a nanotecnologia. Por isso os principais mercados da nanotecnologia ainda estão caminhando na avaliação de possíveis mudanças. Além dos avanços na regulação, é importante também o estímulo a P&D nas empresas, pois isso facilita o aprendizado tecnológico e permite a execução de projetos com foco no mercado. A regulação técnica específica pode orientar a P&D, mas não é a condição única para o desenvolvimento de uma tecnologia. A atual regulação utilizada para a avaliação de segurança de produtos voltados para a saúde humana tem assegurado ao consumidor os benefícios da nanotecnologia. Entretanto, faz-se necessária a orientação às empresas quanto aos métodos a serem utilizados naquilo que for possível de ser padronizado. Portanto, no Brasil, não há ausência de regulação, mas a necessidade de refinamento das normas existentes e estabelecimento de padrões de referência, este refinamento deve ser no sentido de orientar e não de limitar o desenvolvimento dessa tecnologia. Os primeiros passos já foram dados para a definição de regulamentos. Cabe agora aos órgãos de regulação dar sequência às discussões de questões técnicas e científicas e aos órgãos de fomento apoiar o financiamento das redes de pesquisa de nanotoxicologia e dos laboratórios fiscalizadores. E, acima de tudo, a regulação de nanomateriais deve ser baseada em princípios que garantam a segurança do consumidor, do trabalhador e do meio ambiente; e que ao mesmo tempo estimule o desenvolvimento da nanotecnologia, promovendo a inovação e o aumento da competitividade da indústria brasileira.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Relatório Panorama Tecnológico do Segmento de Nanotecnologia aplicada à Saúde. Brasília: ATS Saúde, 2014. ______. Estudo prospectivo nanotecnologia / Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Brasília: ABDI, 2010. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. BINSFELD, P. Diagnóstico Institucional de Nanotecnologia. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. IBGE. Pesquisa industrial [de] inovação tecnológica. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. 227 p. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. ISO. TS 80004-1. 2010. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. NATIONAL NANOTECHNOLOGY INICIATIVE. Disponível em . Acesso em: jul. 2014. PIMENTA, C. G. O ambiente institucional da biotecnologia voltada para a saúde humana no Brasil. 2008. 133 f. il. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável)– Universidade de Brasília. Brasília, 2008. PLENTZ, F. Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia. 2014. Disponível em: . Acesso em: jul. 2014. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO (MPOG). Relatório Anual de Avaliação do PPA 2012-2015. Programas temáticos de indústria e inovação. Ano Base 2013. Brasília, 2013. SALERNO, M. S.; DAHER, T. Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do Governo Federal (PITCE): Balanço e Perspectivas. Brasília, 23 set. 2006. FERNANDES, M. F. M.; FILGUEIRAS, C. A. L. Um panorama da nanotecnologia no Brasil (e seus macrodesafios). Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quim. Nova, Rio de Janeiro, v. 31, n. 8, p. 2205-2213, 31 out. 2008. ZANETTI-RAMOS, B. G.; CRECZYNSKI-PASA, T. B. O desenvolvimento da nanotecnologia: cenário mundial e nacional de investimentos. Revista Brasileira de Farmácia, v. 89, n. 2, p. 95-101, 2008.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

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Desafios para a Indústria de Insumos Químicos no Segmento de HPPC

Ana Sofia Brito Peixoto Júnia Casadei Lima Motta Maria Sueli Soares Felipe

181 181

Os desafios da Política Industrial Brasileira

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Resumo

O setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) tem se desenvolvido com competitividade no mundo e no Brasil nos últimos 20 anos, em função da inovação, de estratégias de mercado, comportamento do consumidor e aumento da renda em vários países. Entretanto, os desafios ainda a serem vencidos no Brasil estão no elo com a cadeia de produção de insumos fornecidos pelo setor da indústria química. O objetivo deste artigo é sintetizar e disseminar os desafios do fornecimento de insumos químicos no Brasil que impactam na competitividade do setor de HPPC, identificados recentemente em trabalhos da ABDI/Abiquim e BNDES. Este artigo foi elaborado com base nos vários estudos realizados pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) voltados para o tema, no estudo do potencial de diversificação da indústria química brasileira do BNDES, além da bibliografia especializada. Serão também discutidas as tecnologias de fronteira que são capazes de proporcionar inovações para os referidos setores e que impactam na produção no Brasil. Em conclusão, apresentaremos as proposições de ações para a mudança de patamar competitivo da produção de insumos químicos e por consequência que impactarão na competitividade do setor de HPPC. Palavras-chave: Insumos químicos. Indústria de HPPC. Inovação. Competitividade. Inserção global.

183

Os desafios da Política Industrial Brasileira

INTRODUÇÃO O setor de HPPC, nos últimos 20 anos, apresentou elevado dinamismo do seu consumo motivado por diferentes fatores como a dinâmica da sociedade e dos seus padrões de comportamento, a elevação da renda, o aumento da expectativa de vida da população e a busca dos consumidores por produtos eficientes capazes de valorizar o elemento visual, a beleza e a higiene. Embora o Brasil seja um importante player no mercado de cosméticos, o país apresenta lacunas na produção de ingredientes/insumos para uso nas formulações dos produtos acabados do setor de HPPC. A maioria dos insumos químicos utilizados pelas empresas é importada, representando cerca de 90%. Esse fato desencadeia desafios críticos para as empresas quanto a sua capacidade técnica diferenciada, o investimento em P&D, seja ela caracterizada por produtos naturais ou multifuncionais, componentes essenciais da estratégia de crescimento das principais empresas. Em geral, as políticas públicas são mais efetivas quando focadas no conhecimento das tendências dos mercados e das estratégias empresariais. A convergência dessas duas dimensões é decisiva para a criação de valor e o desenvolvimento do setor.

O SEGMENTO DE INSUMOS QUÍMICOS a) Cenário global Fornecedora de matérias-primas e produtos para todos os setores produtivos, a indústria química desempenha papel estratégico para o desenvolvimento mundial, cuja relevância pode ser evidenciada pelo seu faturamento, sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) e pela sua capacidade de gerar postos de trabalho. Intensiva em capital, em recursos humanos qualificados e em conhecimento, seus investimentos são de grande porte, o que os torna representativos quando comparados com os dispêndios de outros setores. Pode-se afirmar que nenhum setor de atividade econômica prescinde da química, o que faz dessa indústria um dos pilares estratégicos para as economias desenvolvidas ou em desenvolvimento. As aplicações podem ser destinadas para a agricultura (fertilizantes e defensivos agrícolas), bens de consumo (alimentos, cosméticos, tintas, têxteis), indústria de bens duráveis (automobilística, eletroeletrônica, metalúrgica), construção civil e químicos para E&P. O conhecimento científico produzido e acumulado nos últimos 200 anos permite que a indústria química desenvolva soluções adequadas e funcionais aplicadas a todas essas atividades. Além disso, as empresas do setor

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e suas associações de classe têm buscado estimular a produção responsável, o consumo consciente e a difusão de padrões ainda mais elevados de produção e de tecnologia. O volume de vendas totais da indústria química mundial, representado na Figura 1, confirma o expressivo crescimento da indústria de produtos químicos no período de 1990-2012. Em volume de negócios, o total do faturamento foi de cerca de US$4,9 trilhões, aproximadamente quatro vezes maior quando comparado com o ano de 1990 e uma vez e meia em relação a 2009, ano da crise. Figura 1 – Faturamento da Indústria Química Mundial (1990-2012), US$ bilhões

Fonte: Anuário da Indústria Química Brasileira.

A Europa dominou o mercado mundial por quase um século, entretanto nos últimos anos as economias emergentes tiveram um papel fundamental na migração da indústria química para outras regiões do mundo. Nos anos 1990 o mercado chinês ocupava a sétima posição, com faturamento na ordem de US$54,7 bilhões, e em 2012 passou a ocupar a 1ª posição no ranking mundial. No mesmo período os Estados Unidos ocupavam a primeira colocação; Japão e Alemanha, a segunda e a terceira posição respectivamente; e o Brasil, o nono país no ranking. Já no ano de 2012, com a liderança da China, o Brasil terminou assumindo o sexto lugar, Estados Unidos em segundo, Japão em terceiro e Alemanha em quarto lugar. No cenário internacional, o principal país exportador, desde 1990, é a Alemanha, seguida dos Estados Unidos. Entretanto, com o desenvolvimento da China nos últimos anos, o comércio internacional sofreu alterações significativas. A China

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

passa a ser o terceiro país exportador de produtos químicos. Destaque também para a Coreia do Sul e Taiwan, que cresceram fortemente em exportações neste setor. No mesmo período, as exportações brasileiras avançaram cerca de 7 vezes, passando de US$2,1 bilhões para US$14,8 bilhões. Em importações, os principais consumidores mundiais são Alemanha, Estados Unidos e China. O Brasil ocupa a 14ª posição no ranking mundial. Esse valor em 1990 era de US$2,1 bilhões e de US$43,0 bilhões em 2012. Neste cenário, a Ásia passa a figurar com destaque na indústria química mundial tanto em produção como em consumo, e a Alemanha continua a ser o principal país exportador. Uma das características dessa indústria é a concentração tanto da produção quanto do mercado no que se refere a países e empresas. De acordo com os dados do ICIS Chemical Business, Top 100, observa-se que 25% do faturamento mundial das indústrias químicas se concentram em 30 empresas do setor. Isso nos leva a perceber a diferença entre as empresas quanto ao poder de investimentos e sua competitividade no cenário mundial. b) Cenário nacional Em 2013, considerados todos os segmentos que compõem a indústria química brasileira, o faturamento líquido foi de US$162,3 bilhões, 1,5% superior ao valor de 2012, US$159,9 bilhões (Figura 2). Figura 2 – Evolução do Faturamento Líquido da Indústria Química Brasileira (1996 a 2013) em US$ bilhões

Fonte: Abiquim – Desempenho da Indústria Química Brasileira em 2013.

A maior parcela desse montante, somando US$72,2 bilhões, é do segmento de uso industrial, representando 44,5% do faturamento da indústria química no país, seguido do setor de produtos farmacêuticos, responsável por 16% do faturamento.

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O segmento de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC) ocupa atualmente o quinto lugar, com US$14,7 bilhões de faturamento (9,1% do total). O Brasil apresentou déficit crescente na balança comercial nos últimos anos (Figura 3), sendo que em 2013 atingiu o valor recorde de US$32,2 bilhões. Essa situação é consequência da atividade econômica brasileira, acentuada na exportação de commodities, produtos caracterizados por larga escala e baixo valor agregado. Figura 3 – Balança Comercial da Indústria Química Brasileira (1991-2013) em US$ bilhões

Fonte: Abiquim – Desempenho da Indústria Química Brasileira em 2013.

A balança comercial do setor químico vem produzindo dois movimentos divergentes – importações crescentes de grande número de produtos, principalmente de valor médio elevado; e exportações de pequeno número de produtos, em volumes elevados; e de valor médio inferior, quando comparados aos importados. Existe um déficit moderado da indústria química brasileira para produtos de higiene, cosméticos e produtos de limpeza (US$500 milhões). No Brasil, de acordo com dados divulgados pelo IBGE, o setor químico é o quarto em importância na formação do PIB industrial, sendo que já foi o primeiro no ranking na década de 1990. A indústria química no mundo fatura cerca de US$4,9 trilhões, e no Brasil o setor gerou apenas US$ 160 bilhões, contribuindo assim com 3% do faturamento mundial. Ações como a elaboração do estudo sobre o Potencial de Diversificação da Indústria Química Brasileira, pelo BNDES, e o estudo de Insumos Químicos para a Indústria de Cosméticos, pela ABDI em parceria com a Abiquim, demonstram que as oportunidades de crescimento da indústria química existem. No entanto, dependerá do estabelecimento de mecanismos capazes de ampliar as condições de competitividade, por agregação de valor aos produtos da indústria química,

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

entre eles o estímulo à inovação, ao desenvolvimento tecnológico, incentivos ao financiamento, dentre outros. A isso somam-se os desafios relacionados à sustentabilidade econômico-ambiental e ao uso de matérias-primas de origem natural (acesso à biodiversidade), além das melhores práticas nacionais e internacionais em políticas públicas.

O SEGMENTO DE HPPC a) Cenário global A Indústria de HPPC tem como principal característica a presença de grandes empresas internacionais que são detentoras de marcas valiosas e de eficientes canais de comercialização. Essas empresas têm atuação global e são capazes de operar em economias de escala e de escopo. Elas também são os principais agentes para o desenvolvimento tecnológico do setor e investem volumosos recursos para as atividades de pesquisa e especialmente de desenvolvimento de produtos. Dentre essas empresas internacionais, destacam-se três formas de atuação no mercado: 1) Presença de grandes empresas diversificadas, que atuam na indústria de cosméticos e em diversos outros setores com uma forte complementaridade, como as indústrias de higiene e limpeza, farmacêutica e de alimentos. Essa estratégia de inserção no mercado permite que as empresas sejam capazes de se beneficiar de economias de escopo, tanto na manufatura como no suprimento e na distribuição de seus produtos (ex.: Unilever e Procter & Gamble). Essas empresas são competitivas em função de sua escala de operações, as quais adquirem elevado volume de matérias-primas a custos mais baixos, além de estabelecerem projetos conjuntos entre fornecedores de insumos e empresas produtoras de HPPC. 2) Empresas especializadas na produção de HPPC, as quais contam com ativos diferenciados, seja na área de tecnologia e desenvolvimento, seja na área de comercialização. A área de tecnologia destaca-se por produtos diferenciados, muitos deles com maior valor agregado, por exemplo L’Oréal, que investiu em 2013 em seus 5 polos de pesquisa (Estados

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Unidos, Japão, China, Índia e Brasil) e no centro de pesquisa na França, depositando 624 patentes. 3) Venda direta, conhecida como modelo porta a porta (Avon, Mary Kay, Natura). A perspectiva é que a demanda por produto de HPPC no mercado internacional aumente e poderá crescer a uma taxa média de 5,7% a.a. entre 2013 e 2017. A maior parte desse crescimento deve ser puxada por países emergentes, com liderança de China e Brasil – embora uma desaceleração do crescimento seja esperada nesses dois países. Esse crescimento previsto está relacionado com os seguintes fatores: aumento do poder de compra e do padrão de vida em países emergentes; envelhecimento da população mundial aliado à crescente tendência de busca por uma aparência jovem; e a ampliação de mercados, como o masculino. Vale destacar a atuação das empresas brasileiras como a Natura, que é líder de mercado; O Boticário, uma das maiores redes de pontos de vendas; e a Hypermarcas. A característica marcante é que empresas de capital nacional competem no mesmo nível com as empresas multinacionais, investindo para tanto volumosos recursos em pesquisa e desenvolvimento de produtos. As empresas Natura e O Boticário possuem centros de P&D no mesmo nível de empresas estrangeiras. Ademais, investimentos em fábricas e centros de distribuição têm sido uma característica dessas empresas de capital nacional. O mercado mundial de HPPC totalizou em 2013 US$454 bilhões em vendas. Os Estados Unidos têm o maior mercado, seguido pela China e pelo Brasil. A Figura 4 mostra o comportamento dos mercados nos últimos sete anos, com os valores do tamanho do mercado em milhões de dólares.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Figura 4 – Mercado mundial de HPPC nos 10 países mais competitivos

Fonte: Euromonitor/Feferman, apresentado no evento In-Cosmétics, 9 set. 2014.

A Tabela 1 apresenta as principais empresas globais e suas participações no mercado mundial6. Tabela 1 – (%) Market share das principais empresas mundiais de HPPC em 2013 Empresas

Origem do Capital

2011

2012

2013

1. Procter & Gamble Co., The

EUA

11,4

11,3

11,3

2. L’Oréal Groupe+

França

9,5

9,5

9,7

3. Unilever Group

Holanda/UK

7,7

8

8,1

4. Colgate-Palmolive Co.

EUA

3,8

3,8

3,8

5. Beiersdorf AG

Alemanha

3

2,9

3

6. Estée Lauder Cos Inc.

EUA

2,8

2,8

2,9

7. Johnson & Johnson Inc.

EUA

2,8

2,8

2,8

8. Avon Products Inc.

EUA

2,9

2,7

2,4

9. Shiseido Co. Ltd.

Japão

2,4

2,4

2,1

10. Kao Corp.

Japão

2,1

2

1,7

Fonte: Abihpec e Euromonitor, 2014.

Os mercados emergentes são novos nichos e têm apresentado uma participação significativa no volume de vendas. Este aumento ocorreu principalmente a partir 6 Fonte: Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos – Abihpec/Euromonitor.

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da crise de 2008, quando os grandes grupos globais de HPPC passaram a priorizar os países emergentes, em razão da crise econômica na Europa, no Japão e nos Estados Unidos. Por outro lado, outros fatores que contribuíram para o crescimento do consumo de produtos de HPPC foram o aumento da renda atrelado ao surgimento de uma nova classe média emergente e o ingresso contínuo de novos consumidores em países como Brasil, China e Índia. Hoje os Brics representam juntos mais de um quarto do mercado mundial. b) Cenário Nacional A indústria de HPPC tem sido o mais dinâmico dos segmentos industriais do Brasil. O setor apresentou um elevado dinamismo do seu consumo ao longo dos últimos 20 anos (desde a estabilização de preços promovida pelo Plano Real em 1994), com taxas de crescimento bastante elevadas, associadas a um grau elevado de desenvolvimento dos seus mercados. As vendas do setor aumentaram três vezes no varejo nos últimos anos, no entanto, houve uma redução no ritmo de crescimento do setor, em 2013 e 2014. Destacamos três conjuntos de fatores que justificam o dinamismo e a crescente demanda de consumo7: padrões de comportamento da sociedade, que valorizam a apresentação, a beleza e a higiene; crescimento e melhor distribuição da renda e progressiva autonomia da mulher; ações coletivas de natureza institucional e políticas públicas. Além disso, destacam-se também as estratégias empresariais – aumento de escala de produção, aceleração do processo de desenvolvimento e lançamento de numerosos novos produtos e a diferenciação voltada a diferentes estratos (por gênero, idade, faixa de renda, tipo de inserção social), ao lado da publicidade e propaganda dos novos produtos. A indústria brasileira8 é composta por cerca de 2.500 empresas. A maior concentração está na região Sudeste, seguida das regiões Sul, Nordeste, CentroOeste e Norte. O segmento apresenta uma parcela significativa de empresas de pequeno e médio porte, e sua inserção no mercado está ligada a sua capacidade em atender diferentes parcelas do mercado. Nas últimas décadas, a indústria de HPPC apresentou um crescimento acelerado. Estimativas da Abihpec indicam que o faturamento total da indústria em 2013 foi de R$38 bilhões. Nos últimos 10 anos, o setor apresentou um crescimento composto de 17,6%. Há uma tendência de que

7 Estudo – A Indústria Química de Insumos para Cosméticos: ABDI, Abiquim e Elabora Consultoria. jun. 2014 8 Segundo dados da Abihpec de levantamento realizado em 18 ago. 2014, nestes dados não são consideradas as empresas que fecharam.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

o mercado brasileiro continue crescendo a taxas maiores do que as do mercado global pelos motivos citados anteriormente, e as principais empresas brasileiras de HPPC e seus respectivos market share estão mostrados na Tabela 2. Tabela 2 – (%) Market share das principais empresas brasileiras (capital nacional) em 2013

Empresas

2011

2012

2013

1. Natura Cosméticos

14,8

13,7

13,0

2. Grupo Boticário

7,1

8,0

9,0

3. Hypermarcas

3,2

3,1

3,1

4. Niely do Brasil

1,5

1,5

1,4

5. Embelleze

1,3

1,3

1,2

6. Jequiti

0,6

0,7

0,7

7. Memphis SA

0,3

0,3

0,3

8. Suissa Int

0,3

0,3

0,3

9. Casa Granado

0,3

0,3

0,3

10. Condor

0,2

0,2

0,2

A balança comercial dos produtos de HPPC tem apresentado um crescimento médio composto de 10,2% a.a. Apesar do dinamismo e de o país ocupar o 3º lugar no ranking mundial de consumo, o padrão de comércio mudou. Verifica-se que esta indústria passou de um saldo positivo de US$219 milhões em 2008 para um déficit acumulado de US$412 milhões em 2013 (Figura 5).

192

Figura 5 – Balança Comercial da Indústria de HPPC (2008-2013) do Brasil em US$ milhões.

Fonte: Aliceweb e Abihpec.

Os cinco principais destinos de importações de HPPC são Argentina, Estados Unidos, México, França e China, nesta ordem respectivamente, enquanto as exportações, com montantes bem inferiores às exportações, têm as 5 maiores procedências da Argentina, Chile, México, Colômbia e Venezuela.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

DINÂMICA E INTERAÇÃO DA INDÚSTRIA DE INSUMOS QUÍMICOS E HPPC O dinamismo do setor de HPPC tem forte vínculo com a cadeia de suprimentos de insumos químicos. Neste cenário, a atuação global das principais indústrias necessita cada vez mais que seus fornecedores também atuem com dinamismo e inovações requeridos pelos mercados. Fatores como tendências tecnológicas têm impactos diretos sobre os fornecedores de insumos químicos, tais como o uso de insumos de fontes renováveis, a incorporação de princípios ativos e novas fragrâncias e, sob o ponto de vista tecnológico, o uso de tecnologias de fronteira como a biotecnologia e nanotecnologia.

193

Os desafios da Política Industrial Brasileira

No complexo da indústria química de insumos para cosméticos, observa-se uma forte segmentação para atender o mercado de insumos (Figura 6). Na sua grande maioria, a produção de insumos para cosméticos está mais localizada na base da pirâmide (insumos de base) e uma produção mais concentrada e de maior valor agregado no topo de pirâmide (insumos funcionais e ativos). Figura 6 – Segmentação da indústria e do mercado de insumos para cosméticos

Fonte: A Indústria de Insumos Químicos para Cosméticos.

Na base da pirâmide concentram-se as empresas de atuação global, estreitando relações comerciais entre empresas usuárias e fornecedoras e abrindo espaço para o fornecimento de produtos mais básicos ou menos diferenciados (commodities). As empresas que produzem insumos para a formulação de cosméticos na forma de semicommodities agregam mais valor aos seus produtos, mas normalmente não estão associados a propriedades funcionais. As que compõem o grupo 3 são aquelas indústrias fabricantes de produtos denominados “especialidades químicas”, ou seja, possuem propriedades funcionais bem definidas ao ponto de atenderem às tendências tecnológicas e de inserção no mercado de produtos diferenciados. Uma das características do segmento de insumos químicos para cosméticos é a crescente fatia de um grande número de insumos de alto valor agregado (fragrâncias, filtros UV, alguns tensoativos), que hoje em sua grande maioria são importados pelo Brasil de mercados onde a P&D e a inovação são mais incentivadas.

194

NOVAS TECNOLOGIAS E REGULAÇÃO DE ACESSO À BIODIVERSIDADE A economia global está baseada na sociedade do conhecimento e inovação, e a inserção do Brasil neste processo passa pelo entendimento de setores modernos tecnológicos, tais como a biotecnologia e nanotecnologia. Essas novas tecnologias fazem parte de um segmento crescente da economia mundial e tornaram-se uma das prioridades em políticas governamentais de países desenvolvidos e em desenvolvimento, em função dos seus potenciais para o crescimento e dos vários benefícios sociais que agregam (longevidade, mais saúde para a população, redução da dependência de energia proveniente do petróleo, transformação de processos industriais, aumento da produtividade na agropecuária), além de aumentar o número de empregos e indústrias, componentes vitais para a estabilização socioeconômica de um Estado. Apesar de o déficit da balança comercial ser irreversível a médio prazo, é possível diminuí-lo por orientação de políticas públicas adequadas e estratégias empresariais eficientes. Aos grandes desafios impostos às agendas empresariais brasileiras, por exemplo a carga tributária, inclui-se ainda neste caso específico a questão regulatória, que inibe muitos investimentos para o desenvolvimento de processos/produtos advindos da biodiversidade. O uso da biodiversidade nacional depende de políticas públicas bem alinhadas e um marco regulatório adequado para gerar segurança jurídica aos atores dos vários segmentos industriais, visando a desenvolver e produzir insumos químicos e em consequência a cadeia do HPPC. O Brasil possui uma megabiodiversidade estimada em 20% das espécies do planeta, distribuída nos seus vários biomas, e a sua exploração e o uso sustentável desses biomas coloca-se como uma excelente oportunidade para a exploração econômica e criação de bases produtivas e de desenvolvimento de alguns insumos químicos, em especial para a cadeia de HPPC, tanto para abastecimento do mercado interno como externo. O novo PL recentemente aprovado, conhecido como Lei de Acesso ao Patrimônio Genético, tem como objetivo conferir maior segurança jurídica às atividades de P&D e inovação, com foco na solução dos entraves enfrentados pela comunidade científica e pelo setor industrial. Este é o maior desafio que temos hoje no Brasil. O marco regulatório vigente necessita desses ajustes para viabilizar o uso e a agregação de valor, e consequentemente gerar maior competitividade da atividade industrial brasileira. O uso da biotecnologia poderá trazer um diferencial relevante para o desenvolvimento e a produção otimizada de insumos químicos, por melhoramento genético de oleaginosas (soja, por exemplo), possibilitando a

195

Os desafios da Política Industrial Brasileira

alteração do conteúdo de lipídeos, amidas, ésteres, aminas, álcoois, entre outros insumos para utilização como produção de polímeros, amaciantes, surfactantes, emulsificantes, entre outras finalidades no setor de HPPC. A nanotecnologia pode ser definida como o desenvolvimento, caracterização, produção e aplicação de estruturas, dispositivos e sistemas obtidos pela manipulação controlada do tamanho e forma da matéria na escala nanométrica. Os sistemas nanoestruturados são aqueles que apresentam tamanho menor do que 1.000nm, entretanto, o efeito nano é realçado na área biológica para estruturas abaixo de 100nm. No segmento de HPPC, o nanocosmético pode ser conceituado como “uma formulação cosmética que veicula ativos ou outros ingredientes nanoestruturados e que apresenta propriedades superiores quanto a sua performance em comparação a produtos convencionais”. As nanopartículas estão presentes em xampus, condicionadores, pastas de dente, cremes antirrugas, cremes anticelulites, clareador de pele, hidratantes, pós-faciais, loções pós-barba, desodorantes, sabonetes, fotoprotetores, maquiagens de modo geral, perfumes e esmaltes. As nanoemulsões constituem uma classe de emulsões com gotículas uniformes e de dimensões muito diminutas, na faixa entre 20 e 500nm, que estão se tornando cada vez mais populares como veículos para a liberação controlada e dispersão otimizada de ingredientes ativos. A produção de nanocosméticos está mundialmente inserida na indústria de cosméticos convencionais, constituindo-se em uma linha de produtos diferenciados de base nanotecnológica. No Brasil, a primeira empresa a desenvolver e colocar no mercado um nanocosmético foi O Boticário, com um creme antissinais para a área dos olhos, testa e contorno dos lábios, chamado Nanoserum. A nanotecnologia voltada para a cosmética tem como foco os produtos destinados à aplicação na pele, com ação antienvelhecimento e de fotoproteção, capazes de penetrar nas camadas mais profundas da pele, potencializando os efeitos do produto. Hoje no mundo e no Brasil o desenvolvimento tecnológico de produtos que utilizam a nanotecnologia aplicada a cosméticos é certamente uma das estratégias empresariais que mais agregam valor aos produtos finais e passou a ser tratada como uma prioridade de P&D e inovação neste segmento industrial.

MODELOS DE P&D PARA PRODUÇÃO GLOBAL E A INSERÇÃO DO BRASIL Desde a crise de 2008, constata-se uma tendência de aquisições e fusões das

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indústrias de HPPC, envolvendo inclusive as grandes empresas. O mesmo está ocorrendo com as indústrias de insumos químicos para cosméticos, e essas operações procuram atender pelo menos três componentes estratégicos globais: 1) Relevância crescente para que os principais fornecedores sejam capazes de oferecer um portfólio diversificado de insumos, em especial aqueles de origem natural (biodiversidade). 2) Presença em diferentes regiões geográficas, necessidade dos fornecedores em atender clientes globais, bem como explorar os mercados emergentes. 3) Acesso a novas tecnologias e produtos que contenham ativos tecnológicos de exigência dos mercados. As empresas de cosméticos querem fornecedores que sejam capazes de oferecer inovação para diferenciar os seus produtos e que ao mesmo tempo atendam a maior fatia possível do mercado global, com muita eficiência na cadeia de fornecimento. Este cenário é preocupante para a indústria brasileira de cosméticos, sendo que a plataforma de crescimento das empresas locais deve estar apoiada na base de conhecimento existente no país, que envolve competência técnico-científica nos extratos naturais advindos da biodiversidade e também em competências mercadológicas e entendimento das tendências locais e globais. Há, por exemplo, demanda crescente por produtos antienvelhecimento no Brasil e no mundo, o que cria um segmento diferenciado dos produtos básicos da indústria de cosméticos. Em adição, admite-se ser de extrema relevância o fortalecimento das competências e o apoio a projetos de P&D que envolvam as novas tecnologias, em especial a biotecnologia e a nanotecnologia. Elas são utilizadas transversalmente em vários setores da economia, sendo o segmento de HPPC um dos mais promissores, juntamente com as pequenas empresas de P&D de base tecnológica (EBT). A biologia sintética, uma tecnologia de fronteira mundial, permite a utilização de plataformas tecnológicas que, por exemplo, possibilitam a conversão de açúcar de origem vegetal em hidrocarbonetos (Amyris, com filial em Campinas/SP), os quais podem ser utilizados como ingredientes para a indústria, incluindo a de cosméticos, alimentos, polímeros, entre outras. No caso da nanotecnologia, existem hoje vários exemplos no Brasil de pequenas EBTs utilizando vários insumos nanoestruturados como ingredientes na produção de cosméticos. A entrada em cadeias globais, de fornecimento e de valor, depende intrinsecamente da capacidade competitiva, e no

197

Os desafios da Política Industrial Brasileira

Brasil passa certamente pelas principais oportunidades de inovação em produtos de origem natural, bem como pela consolidação das competências em novas tecnologias (biotecnologia e nanotecnologia).

DESAFIOS PARA A INDÚSTRIA DE INSUMOS QUÍMICOS E DE HPPC A indústria de HPPC apresentou um alto desenvolvimento e dinamismo desde 1994, resultado em especial de aprimoramento das estratégias empresariais e de suas associações. Entretanto, no Brasil a produção de insumos químicos para a indústria de cosméticos ainda é incipiente e hoje não consegue acompanhar o crescimento e a complexidade de sua demanda. Em 2014 foi desenvolvido um trabalho da ABDI, em cooperação com a Abiquim, que teve como objetivo contribuir para o entendimento dos desafios que impedem a produção de insumos químicos para HPPC. Esse estudo propõe quatro eixos norteadores, os quais, se forem entendidos e atendidos pelo governo e pelas empresas, poderiam alavancar a competitividade neste setor. São eles: 1) Inserção do Brasil nos fluxos de exportação e importação, pois no país hoje a grande maioria dos insumos químicos que as empresas de cosméticos utilizam é importada e, como agravante, as empresas de insumos químicos para cosméticos investem pouco em P&D no Brasil (0,7% das vendas, enquanto no mundo investem 2,7%). As empresas dependem de fatores competitivos que não conseguem controlar e que são fortemente influenciados por políticas governamentais e fatores ligados à concorrência externa. 2) Déficit brasileiro de matérias-primas, em especial os ácidos graxos e o eteno, bem como as matérias-primas renováveis. Embora o Brasil possua alta competitividade na agroindústria em alguns produtos (algodão, milho, soja, entre outros), a cadeia de cosméticos depende fortemente de matérias-primas importadas, o que deveria ser pensado como uma potencial agenda nacional de desenvolvimento deste setor. 3) Regulatório diferenciado entre os países que exportam para o Brasil e a produção local. A diferença entre os padrões regulatórios do Brasil e dos países exportadores concorrentes de insumos químicos revela alta assimetria competitiva, em especial com os países asiáticos. O que se

198

pretende não é rebaixar a norma brasileira regulatória, mas não aceitar as práticas inferiores, pois a isonomia competitiva deve ser feita em favor do consumidor e da qualidade dos processos e produtos. A morosidade dos processos no Brasil, como os procedimentos de importação e exportação, trava o fluxo de entrada e saída, o que dificulta o papel do Brasil como “centro regional” da América Latina, perdendo espaço para o México. 4) Custo elevado do investimento no Brasil, que está em níveis inferiores às necessidades em função do ritmo de crescimento pretendido para o país. A economia brasileira tornou-se cara, de custos elevados, com deficiências de produtividade importantes, muito em função da despadronização dos processos produtivos. No caso da química, existe uma dificuldade de implantação e expansão de laboratórios de P&D por parte das empresas nacionais, o que geraria perspectivas de crescimento e reforço de sua competitividade. Isso poderia ser contemplado com uma agenda de política de atração de centros de P&D deste setor. O estudo propõe ainda 7 ações prioritárias, necessárias para o aumento da competitividade das indústrias de HPPC, a saber: 1) Revigorar o tecido industrial existente, por meio da consolidação e ampliação das indústrias. Aquelas que sobreviveram aos movimentos econômicos pós-abertura (nesta fase o déficit aumentou 20x) são as melhores candidatas a uma expansão que revigore a indústria de insumos químicos para cosméticos. Isso facilitará que essas empresas se tornem globais, exportando o seu modelo vencedor e carregando consigo as empresas brasileiras de insumos químicos para cosméticos. 2) Revigorar o tecido industrial existente, por meio da internacionalização de empresas que tenham produtos inovadores de elevado potencial de mercado, tais como aquelas indústrias de insumos químicos, com sólida posição competitiva no mercado local. 3) Programa de apoio aos negócios da indústria química de insumos para cosméticos com base em biodiversidade. Propõe-se a criação de um Programa BNDES/Finep Inova-Biodiversidade e o Inova-Sustentabilidade (ou um único por fusão desses dois), com foco na descoberta e no

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

desenvolvimento de produtos inovadores competitivos de alcance mundial, partindo da biodiversidade brasileira. 4) Estimular a criação e consolidação de pequenas e médias empresas de insumos químicos para cosméticos, por meio de crédito não reembolsável, mas podendo ser convertido em futura participação societária a critério dos financiadores (BNDES/Finep), que proponham projetos fundamentados em produtos da biodiversidade para a indústria de cosméticos, o que serviria para alavancar e expandir o setor. 5) Aprimoramento do marco regulatório de acesso ao patrimônio genético (biodiversidade), pois representa uma oportunidade para vários segmentos industriais, incluindo os segmentos de insumos químicos e de cosméticos. A indústria brasileira considera que a repartição de benefícios é algo desejável e importante do processo, entretanto deve ser realizado de maneira desburocratizada e com segurança jurídica. Os benefícios representam uma parcela pequena da riqueza criada na cadeia de valor e da carga fiscal associada, mais uma razão para se descomplicar este processo. 6) Estímulo ao lançamento de editais de P&D, valorizando assim as atividades de P&D, em conjunto com CNPq, Finep e FAPs estaduais, visando ao desenvolvimento de conhecimento e tecnologias que gerem produtos de alta competitividade (algodão, milho, soja) à produção de insumos para cosméticos. 7) As deficiências gerais na questão de propriedade intelectual no Brasil, em especial o que diz respeito ao uso econômico por agregação de valor à biodiversidade, representa uma fragilidade da cadeia de valor de cosméticos e de insumos químicos. Isso fragiliza a recomposição da capacidade competitiva por meio da PD&I.

CONCLUSÃO A ABDI participou ativamente do trabalho realizado em parceria com a Abiquim, o que permitiu o entendimento e a proposição das ações para nortear o aumento da competitividade da indústria de insumos químicos no elo da cadeia produtiva de HPPC. Os estudos recentes mostram que os maiores desafios para alcançar um

200

patamar competitivo elevado das indústrias de insumos químicos e de HPPC são as dificuldades que o Brasil enfrenta para: 1) realizar novas configurações de produção e novos fluxos de comércio; 2) aumentar a competitividade por diferenciação de insumos e especialização; 3) diminuir o custo de investimento no Brasil; 4) atrair investimentos; 5) descentralizar as atividades de P&D e fazer conexão dos fornecedores locais com as cadeias globais; e 6) acessar a biodiversidade brasileira para diferenciação de insumos. Esses desafios são aqueles que propiciarão maior competitividade do setor de HPPC no elo de sua dependência com o segmento de insumos produzidos pelo setor da indústria química. Apesar de todos os desafios mencionados, a indústria de cosméticos brasileira tem grande potencial, inclusive em seu posicionamento como player global. A capacidade de solucionar esses desafios e possibilitar uma vinculação produtiva e organizada entre os segmentos de cosméticos e seus insumos químicos será crucial para que a indústria brasileira de cosméticos consiga se projetar em âmbito global. O desenvolvimento de insumos da indústria química para o segmento de cosméticos passa pelo potencial do Brasil quanto aos seus recursos naturais e a sua biodiversidade. Em adição, a expansão internacional das empresas de cosméticos será fortalecida por meio da exportação de insumos tipicamente brasileiros, ou porque são competitivos ou ainda porque são diferenciados, em âmbito internacional. Internamente, sustentar o crescimento da indústria de cosméticos depende do crescimento do mercado, o qual é diretamente ligado aos fatores econômicos gerais, como o crescimento do emprego, da renda familiar, da prosperidade e da qualidade dos mercados de trabalho.

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Estratégias de política industrial para o setor de Petróleo, Gás e Naval

Jorge Luís Ferreira Boeira Vandete Cardoso Mendonça

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

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Resumo

O volume crescente de investimentos no setor de petróleo e gás, em especial para o desenvolvimento do pré-sal, somado à necessidade de atendimento competitivo ao conteúdo local e ao desafio de posicionar a cadeia nacional de fornecedores na cadeia de valor global do setor petróleo, representa uma oportunidade de desenvolvimento tecnológico e industrial para o Brasil. Neste sentido, o objetivo deste artigo será propor estratégias para o desenvolvimento de fornecedores da cadeia de petróleo, gás e naval, tendo como pano de fundo as distintas etapas da política industrial (PITCE, PDP e PBM), a trajetória e as características do investimento no setor de petróleo no Brasil no período compreendido entre os anos 2000 e 2014, bem como as alterações ocorridas nos regimes jurídico-regulatórios e contratuais de exploração e produção (E&P), especialmente no conteúdo local, nas regras de gastos em P&D pelas operadoras e nas regras de acesso para exploração e produção de petróleo no Brasil. Palavras-chave: petróleo e gás, pesquisa e desenvolvimento, política industrial

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

INTRODUÇÃO A pergunta sobre o que não queremos ser em relação à cadeia de valor originada da exploração e produção de petróleo pode ser um ponto de partida útil para o desenho de políticas públicas para o desenvolvimento de fornecedores de bens e serviços para esta cadeia. A resposta é que não desejamos ter uma das maiores empresas de energia do mundo em meio a uma estrutura industrial fragilizada e com baixa inserção em mercado tão competitivo e globalizado, como é o caso do setor petróleo. Este é o que podemos chamar de cenário indesejado. A perspectiva concreta de se tornar um player relevante para o crescimento da oferta global de petróleo nos próximos 20 anos – reconhecido pelas agências internacionais9 e expresso por meio dos sucessivos planos quinquenais de negócios da Petrobras – aumenta o desafio na superação daquele cenário indesejado e coloca a inserção da indústria brasileira na cadeia de valor global de fornecedores de maneira competitiva como elemento central da política industrial para o setor petróleo no Brasil. Há fortes evidências de que as novas descobertas aumentarão as receitas de petróleo do país na próxima década. O aumento das reservas provadas e da produção de petróleo nos próximos anos apresenta-se como oportunidade única para conduzir uma trajetória sustentável de crescimento e desenvolvimento no Brasil. O papel da política de conteúdo local é amplificado no contexto do elevado investimento na indústria de petróleo e gás, o qual representa nos últimos anos um percentual significativo do total das perspectivas de investimento industrial. De acordo com o BNDES10 (2014), os investimentos na indústria para o período 2014-2017 podem superar R$1,1 trilhão, o que representa um aumento de 53%

9 Publicação da IEA WEO 2014. 10 BNDES. Perspectivas do investimento. 2014. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2014.

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se comparado ao período 2009-2012. O setor de petróleo e gás vai liderar os investimentos na indústria, representando quase 45% do total. O aumento previsto para o PIB e as receitas do governo serão significativos, mas de acordo com Arbache e Arbache (2013), o real ouro negro que pode surgir a partir da camada pré-sal não é: nem petróleo nem royalties, mas sim as soluções para os desafios científicos e tecnológicos, logística, equipamentos e materiais necessários pela indústria do petróleo. Se desenvolvidos em colaboração com universidades e centros de pesquisa no Brasil e absorvidos pela indústria nacional, tais conhecimentos e habilidades podem ter efeitos profundos sobre muitos outros setores industriais, com impactos econômicos e sociais sem precedente. Ainda, o projeto do pré-sal é aquele que tem todas as características e potencial para se tornar a fronteira mais promissora para o desenvolvimento tecnológico e industrial e tornar-se uma porta de entrada para a nova geografia da produção e da inovação. Da mesma forma, Fajnzylber considera que, com o projeto do pré-sal, o Brasil estaria bem: servido, poupando uma grande quantidade dos recursos financeiros, garantindo que o aumento da riqueza do país beneficie aos mais pobres por meio de um planejamento fiscal robusto que oriente o investimento de forma efetiva e que desenvolva a capacidade de pesquisa e de inovação no país. Apesar das perspectivas positivas para o Brasil em relação ao setor de petróleo – enquanto ofertante de uma commodity energética e matéria-prima industrial – é cristalino que o desafio da inserção da indústria nacional nos elos a jusante do setor se agiganta ao se constatar que a cadeia de fornecimento é complexa, extensa e global. Nesse sentido, buscando contextualizar o leitor sobre o tema, organizaremos este artigo em mais quatro partes, além desta introdução. Na segunda parte, apresentaremos informações sobre mercado, dinâmica do investimento e cadeia de fornecedores global. Na terceira seção, faremos uma descrição do ambiente de negócios, desempenho recente e nível de investimento no Brasil. Na quarta seção do artigo, utilizaremos os três ciclos de política industrial desenvolvidos no país, desde 2004, como pano de fundo, para apresentar os projetos para o setor que tiveram

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

a contribuição direta da ABDI e de seus quadros técnicos. A título de conclusão, faremos um breve relato da nossa experiência e sugeriremos uma abordagem para o processo de uma política setorial que permita mais efetividade para inserção competitiva da indústria nacional na cadeia global de valor de petróleo e gás.

MERCADO, DINÂMICA DO INVESTIMENTO E A CADEIA GLOBAL DE FORNECEDORES Mercado e Dinâmica do Investimento no Setor de Petróleo Em termos de mercado, a existência de reservas expressivas de petróleo e gás no mundo indica que o petróleo continuará a ter papel preponderante na matriz energética mundial. No entanto, a dinâmica global aponta para uma dificuldade maior em obter petróleo convencional (easy oil) para sustentar a demanda energética futura. Esses aspectos aliados às questões geopolíticas, tão presentes nesse setor, posicionam o Brasil como o principal mercado para as atividades de exploração e produção offshore nos próximos anos. Outro fato importante é que o acesso às reservas petrolíferas e de gás natural transcende a questão meramente econômica, mas deve ser entendido como uma questão de ordem geopolítica, onde as políticas nacionais de segurança energética implicam garantir o fornecimento contínuo, em volume e qualidade, de insumos e produtos energéticos. De acordo com estudo do BNDES (PIB, 2010), essa configuração condiciona o setor na busca e na exploração de novas reservas, de preferência em grandes volumes e em regiões fora do Oriente Médio, influenciando, por sua vez, a dinâmica internacional de investimento no setor. Nesse processo, alguns aspectos destacamse como entraves a serem superados, quais sejam: 1) O aumento dos custos relacionados à produção petrolífera. 2) As descobertas cada vez mais raras de grandes campos. 3) A reduzida disponibilidade de reservas sob uma forma contratual favorável às empresas privadas. Para o primeiro caso, observa-se que o índice de custo de capital no upstream dobrou no período compreendido entre 2005 e 2008. Os custos com fornecimentos de bens e serviços também vêm sofrendo substanciais aumentos. Além disso, entre 2000 e 2008, os custos com atividades de E&P cresceram 93%. Os custos

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de exploração/desenvolvimento e de esforços para aumento da recuperação dos campos elevaram-se entre 2002 e 2006, respectivamente, de 5,82% para 14,42% e de 5,16% para 13,6%, conforme dados da BP (2008). O segundo aspecto relevante para o processo de inversão por busca de novas reservas no setor petrolífero corresponde à frequência cada vez menor de descobertas de grandes campos. A reduzida probabilidade de descoberta de campos de classe mundial condiciona o esforço exploratório das companhias petrolíferas em termos da relação risco/recompensa das atividades de E&P. O terceiro aspecto condicionante ao processo de investimento destinado a procura de novas reservas de óleo diz respeito aos sistemas regulatórios referentes às atividades de E&P na indústria petrolífera. As evidências mostram que, atualmente, grande parte das reservas descobertas não está sob a forma de contratos que favoreçam a empresa privada. Atualmente, mais de 60% das reservas provadas no mundo encontram-se sob o controle total ou predominante do Estado.

A CADEIA GLOBAL DE FORNECEDORES DE PETRÓLEO As companhias petrolíferas são os principais atores produtivos do setor de petróleo, no sentido de que são elas que comandam a cadeia global de fornecedores por meio da sua demanda por serviços, equipamentos e infraestruturas especializadas para os elos de exploração, produção, refino, distribuição e comercialização. A Tabela 1 apresenta as 10 principais empresas de capital aberto integradas de petróleo no mundo, do poço ao posto. Tabela 1 – Principais players – IOC e NOC

Tabela 1 - Principais players - International Oil Companies (IOC) e National Oil Companies (NOC) 2013 2012 Market Cap %Share Price Company Name Primary Business HQ Country Rank Rank (SUS billon) Change (YoY) 1 1 ExxonMobil 442.1 0,17 Integrated IOC US 2 4 Chevron 240.2 0,16 Integrated IOC US 3 3 Royal Dutch Shell 233.8 0,04 Integrated IOC Netherlands 4 2 PetroChina 229.4 -0,12 Integrated NOC China 5 5 BP 150.7 0,17 Integrated IOC UK 6 8 TOTAL 145.9 0,19 Integrated IOC France 7

13

Schlumberger

118.7

0,3

Drilling &Oilfield Services

US

8 9 10

9 7 11

Gazpronm Petrobras Sinopec

99.2 91.0 88.2

-0,12 -0,24 -0,14

Integrated NOC Integrated NOC Integrated NOC

Russia Brazil China

Fonte: IHS Energy 50. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014. 209

Os desafios da Política Industrial Brasileira

As empresas que fornecem serviços especializados diretamente para as IOC e NOC podem ser categorizadas como drivers da cadeia ou fornecedores diretos, com destaque para empresas especializadas. Nas tabelas que serão apresentadas a seguir é possível ter uma visão sobre as principais empresas atuando no setor. Tabela 2 – Cinco principais empresas de perfuração e serviços de campo

Tabela 02 - Cinco principais empresas de perfuração e serviços de campo 2013 Rank

2012 Rank

Company name

Market Cap ($US billion)

% Share Price change (YoY)

Est P/E

Debt/Capital

HD Country

1 2 3 4 5

1 2 3 4 5

Schlumberger Halliburton Baker Hughes Seadrill Transocean

118.7 43.0 24.5 19.1 17.8

30% 47% 34% 11% 9%

20 18 22 8 11

25% 38% 20% 64% 40%

US US US Norway Switzerland

Fonte: IHS Energy 50, Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014.

Tabela 3 – Principais empresas de equipamentos, engenharia e construções

Tabela 03 - Principais empresas de equipamentos, engenharia e construções 2013 Rank

2012 Rank

Company name

Market Cap ($US billion)

% Share Price change (YoY)

Est P/E

Debt/Capital

HD Country

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 4 5 8 7 6 3 13 14

National Ollwelll Varco Tenaris Keppel Cameron Fluor FMC Technologies Technip Saipem Oceaneering Jacobs

34.0 25.8 16.0 14.2 13.1 12.4 10.9 9.5 8.5 8.3

16% 4% 1% 5% 36% 21% -19% -45% 46% 45%

14 N/A 11 18 17 25 14 N/A 24 20

15% 9% 34% 22% 12% 43% 35% 52% 2% 9%

US Luxembourg Singapore US US US France Italy US US

Fonte: IHS Energy 50, Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014.

A dinâmica da cadeia de fornecedores é fortemente dirigida pelos investimentos em E&P das companhias petrolíferas. Esses investimentos ocorrem continuamente em função da necessidade de reposição de campos maduros e foram intensificados, a partir de 1995, pelo aumento significativo da demanda asiática. O estudo do BNDES (2009) indica que desde o final da década de 1990 as empresas petrolíferas vêm

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terceirizando11 um conjunto significativo de serviços de exploração e produção, cujos benefícios pelo compartilhamento de investimentos são tanto mais relevantes quanto maior for a necessidade de desenvolvimento e uso de tecnologias avançadas, especialmente para companhias petrolíferas de menor porte ou que não possuem tecnologias apropriadas a todo tipo de campo ou situação. A Figura 1 exemplifica a cadeia de fornecedores dos segmentos primários do mercado de equipamentos e serviços para E&P. Pode-se perceber que empresas dos mais variados segmentos oferecem serviços à atividade, tendo o estudo do BNDES (2009) agrupado estes fornecedores em seis grandes grupos: empresas integradoras, empresas de perfuração (drillers), empresas de serviços de construção (EPCistas/estaleiros), empresas fabricantes de sistemas/equipamentos, empresas de apoio logístico e empresas altamente especializadas (nichos tecnológicos e de serviços). Figura 1 – Segmentos primários do mercado com base nos serviços e equipamentos para E&P

Fonte: BNDES, 2009

11 Pelos seguintes motivos: 1) redefinição e foco do negócio principal das operadoras, que voltaram sua atenção e esforços para o gerenciamento de reservas e produção, contratando fornecedores para executar inúmeras atividades; 2) pela busca de otimização do uso do capital por parte das operadoras pela necessidade de redução do capital a ser imobilizado em ativos; 3) pelos benefícios de compartilhamento de custos e investimentos, tendo em vista as economias de escala dos prestadores de serviços e fornecedores de equipamentos, viabilizada por atender mais de um cliente com situações similares, propiciando menores custos e investimentos para as operadoras.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Esta cadeia de fornecedores, em especial para E&P – foco dos principais estudos dos últimos três anos e o elo da cadeia com menor percentual de conteúdo local indicado no último PN 2010-2014 da Petrobras (53%) – é caracterizada pelo predomínio de empresas transnacionais e que atuam há dezenas de décadas fornecendo bens e serviços às companhias petrolíferas e pode ser vista por meio dos distintos níveis de conteúdo tecnológico e do conhecimento acumulado em cada segmento da cadeia, conforme figuras a seguir. Figura 2 – Segmentação a partir de níveis de conteúdo tecnológico e conhecimento acumulado na cadeia de valor de E&P

Fonte: BNDES, 2009.

Nesse sentido, pode-se observar que a cadeia de fornecedores global também se caracteriza pela formação de oligopólios em diversos dos seus segmentos, com um padrão de concorrência bastante agressivo e um processo de consolidação fundamentado em fusões e aquisições e que a presença no país de empresas de capital estrangeiro de grande porte é bastante significativa, em especial nos segmentos de maior conteúdo tecnológico. Em relação ao Brasil, a cadeia de fornecedores nacional é pulverizada (MPMEs ≈ 85%) e se concentra nos elos de menor valor agregado, tendo em geral seu foco voltado para o mercado nacional, embora o espaço para a consolidação no setor seja bastante amplo. As empresas estrangeiras têm buscado uma posição de

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entrada mais vantajosa no mercado nacional através de fusões e aquisições de empresas já instaladas no país, em geral, outras empresas estrangeiras. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) realizou uma pesquisa com a Petrobras, que analisou as compras da operadora entre 1998 e 2007, que constatou que, mesmo representando apenas 2% do número total de fornecedores do cadastro, as empresas de capital estrangeiro instaladas no Brasil responderam por 20% das compras realizadas pela Petrobras no período de 2004-2007. Analisando apenas o setor de transformação, estes valores são elevados para 6% (em relação ao total de fornecedores) e para 56% das compras realizadas12. Esta constatação aponta para um predomínio de empresas estrangeiras nos segmentos de maior valor agregado e, por outro, aponta para barreiras de entrada em termos de escala e de padrões tecnológicos que precisam ser superadas pela indústria brasileira por meio de investimentos significativos em capacidade produtiva, tecnologia, inovação, modelos e estratégias comerciais e corporativas de classe mundial para uma inserção efetiva na cadeia global de fornecedores do setor de petróleo e gás.

AMBIENTE DE NEGÓCIOS, DESEMPENHO RECENTE E NÍVEL DE INVESTIMENTO NO SETOR PETRÓLEO NO BRASIL Ambiente de Negócios e Desempenho Recente do Setor Em relação ao ambiente de negócios no país, desde a quebra do monopólio da Petrobras, o ambiente de negócios do setor é regulado pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, segundo a qual, após a extração, o concessionário passa a ser o titular do direito de propriedade sobre os recursos, mas para isso deverá dar como contrapartida as participações governamentais (bônus de assinatura, royalties, participação especial e pagamento pela ocupação ou retenção da área). A mesma lei instituiu também o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)13

12 O mesmo estudo ainda aponta que, de um total de 8.944 empresas industriais, as empresas de capital estrangeiro sediadas no país representam apenas 6% do total dos fornecedores, mas respondem por mais de 56% das compras da Petrobras, de um total de R$21,4 bilhões. O ticket médio das empresas estrangeiras é mais de 20 vezes maior que o das empresas de capital nacional. 13 CNPE: ritmo de contratação dos blocos e o conteúdo nacional; blocos para contratação exclusiva e blocos para licitação; parâmetros técnicos e econômicos dos contratos; alterações (para mais) na definição da área chamada pré-sal; áreas a serem classificadas como estratégicas; política de comercialização do petróleo e gás natural da união e “propor medidas para melhor aproveitamento racional

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)14, além das prerrogativas do Ministério de Minas e Energia (MME), que completa a tríade institucional15 que tem como objetivo a defesa dos interesses do Estado brasileiro quanto a assuntos relacionados ao setor petróleo. O Quadro 1 busca resumidamente caracterizar o ambiente de negócios do setor em relação ao conteúdo local. Quadro 1 – Arcabouço legal relativo à política de conteúdo local no Brasil Lei/Regulamentos

O que estabelecem

Lei Nº 9.478, 6 Agosto 1997

Os requisitos de conteúdo local mínimos deverão ser estabelecidos em rodadas de licitação para a concessão de exploração de petróleo e gás e os direitos de produção, definindo alterações ao longo do tempo e para diferentes tipos de bloco (com base na maturidade relativa e localização). Compromissos específicos serão definidos nos contratos de petróleo entre ANP e operadoras.

Lei Nº 12.276, 30 Junho 2010

Autoriza a União a ceder, com custo definido, o exercício da pesquisa e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos em áreas do Pré-Sal para a Petróleo Brasileiro SA - PETROBRAS

Autoriza o Executivo a criar a empresa Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural SA - Pré-Sal Petróleo SA (PPSA) O texto prevê a exploração e produção de petróleo, gás natural e outros Lei Nº 12.351, 23 Dezembro 2010 hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção em áreas do pré-sal e estratégicas.

Lei Nº 12.304, 2 Agosto 2010

Regulamento ANP - Resolução Especifica os critérios e os procedimentos para o cálculo e a certificação de Nº 6/2007 e Resolução Nº 36/2007 conteúdo local Regulamento ANP - Resolução Especifica o processo de auditoria da certificação de conteúdo local Nº 8/2007 e Resolução Nº 38/2007 Regulamento ANP - Resolução Especifica o procedimento e o formato e de relatórios Nº 9/2007 e Resolução Nº 39/2008

Fonte: Legislações indicadas, compiladas pelos autores.

dos recursos energéticos do país até induzir o incremento dos índices mínimos de conteúdo local de bens e serviços” (atribuição incluída pela Lei nº 12.351, de 2010). 14 ANP: promover estudos visando a subsidiar MME na delimitação dos blocos para partilha; elaborar minutas de editais e dos contratos; promover as licitações; analisar e aprovar os planos de exploração e produção e programas anuais de trabalho relativos aos contratos de partilha; regular e fiscalizar; compatibilizar e uniformizar as normas aplicáveis sob diferentes regimes, bem como “promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis” (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005). 15 MME: planejar o aproveitamento do petróleo e gás natural; propor ao CNPE, ouvida a ANP, blocos para partilha; propor ao CNPE os parâmetros técnicos e econômicos dos contratos (critérios para óleo lucro/percentual mínimo do óleo lucro; participação mínima da Petrobras; critérios e percentuais máximos para custo em óleo; conteúdo local mínimo; bônus de assinatura); estabelecer diretrizes para ANP relativas à licitação, minutas de editais e de contratos; aprovar as minutas de editais e de contratos.

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A Lei do Petróleo também introduziu a obrigatoriedade da aplicação de recursos em pesquisa, desenvolvimento e inovação em seu art. 8º, inciso X, que atribui à ANP estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias na exploração, produção, transporte, refino e processamento. Esta atribuição resultou no Regulamento Técnico nº 5/2005 da ANP, que fundamenta os contratos de concessão que obrigam as concessionárias a investirem 1% do faturamento bruto nos campos em que a participação especial é devida em pesquisa e desenvolvimento. Desse valor, 50% deverão ser aplicados em universidades em instituições de pesquisas, que sejam credenciadas pela ANP; e os outros 50%, na própria concessionária. Observe-se que ocorreram alterações na oferta de blocos, em 2003 na Rodada 5 e posteriormente em 2004 na Rodada 6, onde foram introduzidas modificações significativas. Diferentemente das rodadas anteriores, foram estabelecidos os percentuais mínimos obrigatórios, alterando-se também o peso na nota da oferta do bloco de 15% para 40%. A Figura 3 resume, para o modelo de concessão, os critérios de conteúdo local máximo/mínimo, medição e comprovação de conteúdo local. Figura 3 – Esquema simplificado dos critérios de conteúdo local para o regime de concessão

Fonte: Petrobras, apresentação institucional em inglês, adaptada pelos autores.

Do ponto de vista do desempenho produtivo recente do setor petróleo, exibimos o Gráfico 1, que apresenta alguns dados importantes para contextualizar o setor em termos econômicos, tais como reservas provadas, produção diária e relação reserva/produção.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Gráfico 1 – Evolução das reservas provadas, produção diária e relação reserva/produção – período 2003-2012

Fonte: ANP, adaptado pelos autores

Os dados de crescimento das reservas provadas demonstram que o setor tem tido um sucesso exploratório significativo, considerando que o país produziu mais de 7 bilhões de barris equivalentes de petróleo neste período e manteve a relação reservas/produção acima de 17 anos. Isso significa que, no ritmo da produção atual, as reservas do país ainda devem durar mais 17 anos. Em 2012, esta relação está acima de 19 anos. Nesse sentido, as descobertas na camada pré-sal se revestem da maior importância, visto que em 2009 as reservas provadas brasileiras eram da ordem de 15 bilhões de barris; e estima-se que – com base nos volumes recuperáveis anunciados para o pré-sal – elas alcancem o patamar de até 30 bilhões de barris. Do ponto de vista do comércio exterior, os dados dos últimos cinco anos apontam para dificuldades conjunturais na balança comercial do setor de petróleo e derivados, embora os dados de aumento crescente da produção na camada présal – mais de 500 mil barris/dia extraídos em tempo recorde de 7 anos após a sua descoberta, se comparado com a experiência do Mar do Norte (10 anos) e Golfo do México (12 anos) – nos permita antever uma recuperação em médio prazo. O Gráfico 2 retrata o desempenho comercial do país, em termos do saldo comercial de petróleo e derivados vis-à-vis o nível de preços no mercado internacional.

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Gráfico 2 – Desempenho comercial e preços internacionais do petróleo

Fonte: SECEX/MDIC, adaptado pelos autores.

É importante ressaltar que a política de preços dos combustíveis adotada pelo governo buscou manter a inflação sob controle em um trade-off legítimo, enquanto acionista majoritário da Petrobras, embora tenha levado a empresa a passar por dificuldades na sua capacidade financeira, comprometendo sua geração de caixa a curto prazo e a sua capacidade de investimento a médio prazo. A ampliação da capacidade e de melhoria da eficiência do refino no Brasil é outro aspecto importante na redução desse déficit, mas ela ainda está associada com a ampliação da oferta de petróleo, ora em curso, com a modernização das refinarias existentes e a possível posta em marcha do Comperj e das novas refinarias do Nordeste.

NÍVEL DE INVESTIMENTO NO SETOR PETRÓLEO NO BRASIL Em relação ao nível de investimentos no setor petróleo no Brasil, a análise dos planos quinquenais de negócios da Petrobras, que representou quase 95% do total nos últimos anos, é um exercício que mostra a pujança do setor no país. Foi a partir do ano de 2002 que o investimento anual da Petrobras, pela primeira vez, superou os US$5 bilhões. Já no Plano de Negócios 2003-2007, o investimento anual médio já era da ordem de US$5,8 bilhões e, desde então, vem crescendo continuamente. O valor atual previsto no PN 2014-2018, da ordem de US$221,

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

com média anual de US$55,15 bilhões, é uma evidência de um cenário promissor para a indústria brasileira. Do valor total previsto, quase 70% serão investidos nas atividades de E&P (cerca de US$153,9 bilhões). Símbolo visível da retomada do setor petróleo no país, os investimentos na construção naval e offshore brasileira – que na década de 1970 chegou a ocupar o 4º lugar em termos de ativos navais em carteira e que “submergiu” na década de 1990 – atingiram R$149,5 bilhões entre 2000-2012, conforme pesquisa do IPEA (2014)16. Em termos de investimentos, o levantamento do IPEA demonstra que as sondas e as plataformas encomendadas pela Petrobras despontam entre os maiores investimentos, revelando a importância do segmento offshore para a cadeia de fornecedores, seguidos por programas voltados aos barcos de apoio pelo Prorefam e Promef I e II, conforme pode ser visto na Tabela 7. Tabela 7 – Investimentos da Indústria Naval Brasileira (investimento) 2000-2012 Empresa/Programa

Investimento (R$ bilhões)

Petrobras – PROREFAM

10,9

Petrobras – EBN 1 e 2

4,4

Transpetro – PROMEF 1 e 2

11,0

Transpetro – PROMEF-HIDRO

0,4

Petrobras/Sete Brasil – Sondas

54,0

Petrobras – Plataformas

53,9

Marinha do Brasil – Submarinos

13,1

Marinha do Brasil – Navios-Patrulha

0,3

Log-In (porta-contêineres e graneleiros)

1,0

Aliança/Hamburg Süd (porta-contêineres)

0,5

TOTAL

149,5 Fonte: Ipea, 2014, adaptado pelos autores

16 A pesquisa considera outras embarcações não ligadas diretamente a petróleo e gás, tais como submarinos convencionais e nucleares, mas que fazem parte da indústria naval. Devem ser adicionadas a este montante mais 15 novas plataformas para atender o Campo de Libra a partir de 2020, gerando novos R$68,6 bilhões para esta indústria. Nessa conta ainda não estão os ativos que deverão ser utilizados na produção de petróleo na área conhecida como o Excedente da Cessão Onerosa (ECO).

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Apesar da pujança do investimento no Brasil pela Petrobras e ao longo da sua cadeia de fornecedores, é importante observar que a cadeia global de valor, distribuída em 32 segmentos, de acordo com a consultoria17 que produz um levantamento anualmente, gira com receitas que atingem até US$350 bilhões anuais.

CICLOS DA POLÍTICA INDUSTRIAL, PRINCIPAIS POLÍTICAS E PROJETOS LEVADOS A CABO PELA ABDI PITCE – 2004 a 2008 Nesse contexto de novas descobertas e crescimento do investimento do setor, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada em 31 de março de 2004, tinha como objetivo fortalecer e expandir a base industrial brasileira por meio da melhoria da capacidade inovadora das empresas. A PITCE foi articulada para atuação em três eixos: linhas de ação horizontais (inovação e desenvolvimento tecnológico, inserção externa/exportações, modernização industrial, ambiente institucional), setores estratégicos (software, semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos) e em atividades portadoras de futuro (biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis). Na questão de inovação e desenvolvimento tecnológico, cabe destacar a principal atuação do governo no setor por meio do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp), lançado em 2003, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia e pela Petrobras, que visava a fomentar a participação da indústria nacional fornecedora de bens e serviços, de maneira competitiva e sustentável, na implantação de petróleo e gás natural no Brasil e no exterior18. No mesmo ano, dentro deste programa, foi firmado o Convênio Petrobras-Sebrae, renovado até os dias atuais, com o objetivo de inserir de maneira competitiva e sustentável micro e pequenas empresas na cadeia produtiva de petróleo e gás. O anúncio da descoberta de gigantescas reservas de petróleo na camada présal, em 2006, reveste-se da maior importância, e as reservas provadas nacionais

17 De acordo com a Spears and Associates, em 1999 a receita total era de US$74,92 bilhões, ao passo que em 2012 estima-se que esse valor atingiu cerca de US$350 bilhões, em um crescimento anual médio da ordem de 13% e mais de 350% no acumulado. 18 Decreto nº 9.925, de 2003 – Presidência da República/Casa Civil

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

poderiam alcançar mais de 30 bilhões de barris, de acordo com especialistas do mercado – com base nos volumes recuperáveis, em uma estimativa conservadora. Diante desse cenário de oportunidades e desafios para a indústria brasileira, em especial para apoiar a Petrobras e demais operadoras privadas para a exploração do pré-sal, ficava claro para o conjunto das organizações públicas e privadas que era necessária uma avaliação crítica quanto ao crescimento da demanda anunciada vis-à-vis a capacidade produtiva e a competitividade da indústria brasileira. PDP – de 2008 a 2010 Em continuidade à PITCE, foi lançada em 2008 a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Seu principal objetivo era fortalecer a economia do país, sustentar o crescimento e incentivar a exportação. A PDP apresentou quatro macrometas que buscavam a aceleração do investimento fixo, estímulo à inovação, ampliação da inserção internacional do Brasil e aumento do número de micro e pequenas empresas exportadoras. A atuação da política para a cadeia de Petróleo e Gás foi focada na indústria marítima, que pertenceu ao conjunto dos Programas para Fortalecer a Competitividade. Diagnóstico realizado em 2007 sobre a indústria naval indicava que a importância que a indústria teve na década de 1970 – quando empregava cerca de 30 mil trabalhadores diretos e representava mais de 0,4% da receita líquida da indústria no Brasil – foi reduzida na década de 1990, em função de fatores externos e domésticos. Foi somente a partir do final da década de 1990, com a descoberta de novos campos de exploração de petróleo em alto-mar, que ativos de apoio offshore passaram novamente a ser demandados. A ABDI passou a integrar a Câmara de Desenvolvimento da Indústria Naval, fórum lançado em 14 de junho de 2007 pelo então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge. Nesse fórum, a ABDI desempenhou um papel importante na consolidação das informações e na sistematização do conhecimento sobre o setor19. Foi nesse contexto que foi concebido o projeto

19 A partir de um conjunto de trabalhos disponíveis, as informações foram organizadas em 5 grupos temáticos: 1) Navipeças; 2) Qualificação Profissional; 3) Tecnologia e Inovação; 4) Marinha Mercante e Mercado; e 5) Financiamento e Tributação. Este trabalho resultou em publicação da ABDI (2008) intitulada “Construção naval: breve análise do cenário brasileiro em 2007 – Síntese do Setor”. Eram 5 os Grupos Temáticos: 1) Navipeças; 2) Qualificação Profissional; 3) Tecnologia e Inovação; 4) Marinha Mercante e Mercado; e 5) Financiamento e Tributação.

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Catálogo Navipeças20, a partir do desafio de apoiar a consolidação empresarial numa parceria da ABDI com a ONIP, com a participação de representantes do MDIC, BNDES, Sinaval, Sindarma e associações empresariais ligadas ao setor de bens de capital, tais como Abimaq, Abinee e Abitam. Ainda em 2009, foi lançada a Rede de Melhoria da Gestão para o Desenvolvimento da Cadeia Nacional de Fornecedores de Bens e Serviços da Petrobras, a qual apresentou um conjunto de programas desenhados por instituições que contribuíram para a iniciativa. Essa mobilização ocorreu por um alinhamento das instituições relacionadas com a melhoria da gestão – pública e privada – do setor e das estratégias e investimentos da Petrobras 2010/2020. Vários pontos levantados nesse fórum foram levados às discussões da política industrial. É nesse período que, em resposta às descobertas do pré-sal, em 2010, a Lei nº 12.351 instituiu o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas, autorizando ainda a possibilidade de dispensa de licitação em casos em que o contrato de partilha de produção possa ser celebrado com a Petrobras, mas permitindo também a realização de licitações na modalidade leilão. O art. 20 explicita que o contrato de constituição de consórcio deverá indicar a Petrobras como responsável pela execução do contrato, o que a tornará operadora em todos os contratos sob este regime. Já a Lei nº 12.276 do mesmo ano autorizou a União a ceder onerosamente à Petrobras, dispensada a licitação, a exploração de áreas não concedidas localizadas no pré-sal por meio de contrato de cessão no limite de produção de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo. PBM – de 2011 a 2014 A partir das mudanças no marco regulatório e dos investimentos que continuarão a subir, foi discutida e planejada a agenda de ações do Plano Brasil Maior (PBM), política industrial lançada em 2011, que tem como foco o estímulo à inovação e à produção nacional para alavancar a competitividade da indústria nos mercados interno e externo. Os investimentos nesse período, conforme Planos de Negócios da Petrobras, tiveram previsão média de US$56,7 bilhões ao ano, conforme demonstra a Tabela 8.

20 Trata-se de uma base de dados eletrônica qualificada, disponível na internet para consulta dos demandantes do setor, congregando os fabricantes de bens e prestadores de serviços nacionais que atendem à indústria da construção e reparação naval em todos os seus níveis. Disponível em: .

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Tabela 8 – Planos de Negócios da Petrobras Plano de Negócios

US$ bilhões

Investimento Anual

Investimento E&P

2011-2015

213,5

42,7

57%

2012-2016

236,5

47,3

60%

2013-2017

236,0

47,2

62,3%

2014-2018

220,0

44,0

70%

Fonte: Planos de Negócios da Petrobras21

Na elaboração da Agenda do Conselho de Competitividade Setorial participaram instituições públicas, associações empresariais representativas do setor, empresas de vários segmentos e representantes dos trabalhadores, que inicialmente propuseram 48 medidas em torno de 6 objetivos macro, conforme Figura 4. Figura 4 – A agenda síntese para o setor de petróleo, gás e naval do Plano Brasil Maior

Fonte: Apresentação do PBM – Conselho de Competitividade de Petróleo, Gás e Naval

21 Disponíveis em: . Acesso em: 19 set. 2014.

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Para ampliar a participação de empresas nacionais na cadeia, algumas das medidas delineadas estão voltadas às atividades que buscam dar maior visibilidade às empresas brasileiras, a exemplo de desenvolvimento de cadastros de fornecedores como o Catálogo Navipeças e rodadas de negócios. Hoje estão aprovadas mais de 740 empresas no Catálogo Navipeças e há mais 500 em outras fases de cadastramento. Gráfico 4 – Empresas por estado aprovadas no Catálogo Navipeças

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do Catálogo Navipeças – ABDI-Onip

Uma pesquisa realizada pelo Ipea (2014) com empresas do catálogo revelou as seguintes constatações: •

Quase 80% das empresas do setor naval têm boas expectativas para os próximos anos em relação ao setor de navipeças.



Delas, 51,2% têm planos de novos investimentos que visam a aumentar suas capacidades operacionais acima de 16%.



Outros resultados da pesquisa informam que 98,6% das empresas pretendem aumentar a sua atuação em navipeças.



52,5% competem em preço, prazo e qualidade com as firmas internacionais.



15,9% são exportadoras desses produtos.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Outra ação complementar ao catálogo foi lançada em 2014, em parceria com o MDIC: o portal Embarcações Interativas22, que oferece a oportunidade de navegação interativa em embarcações, navio petroleiro e barco de apoio. Apoiando iniciativas de desenvolvimento de fornecedores da indústria naval, a ABDI também colaborou para a realização do programa Plataformas Tecnológicas (Platec), executado pela Onip com apoio da Finep, com foco em Barcos de Apoio – Sistema de Automação e Controle e Sistemas Elétricos. O Projeto de Desenvolvimento de Fornecedores da Cadeia de Petróleo e Gás iniciouse com a parceria entre ABDI e MDIC, em 2012, com foco em empresas médias e médias-grandes23 que atuam e pretendem intensificar sua atuação na cadeia ou empresas potenciais que tenham capacidade de adentrar no mercado exigente de petróleo e gás. Ainda no tema de desenvolvimento de fornecedores e do objetivo de polos, em uma parceria inédita entre o Prominp e o Plano Brasil Maior, viabilizado pelo Memorando de Entendimentos firmado entre Petrobras, MDIC e ABDI, em 2012 foi lançado o Projeto P&G IND 75 – Plano de Desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais para o Setor de Petróleo, Gás e Naval. O projeto contou com a parceria de instituições nacionais como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BDNES), Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Onip. Dos cinco polos produtivos24 apoiados, três estão voltados a projetos estruturantes da área naval e offshore: Rio Grande e Entorno, no Rio Grande do Sul; Ipojuca e Entorno, em Pernambuco; e Maragogipe e Entorno, na Bahia. Os outros dois polos são Ipatinga e Entorno, em Minas Gerais, reconhecido pela tradição de fornecimento para as indústrias de siderurgia e mineração; e Itaboraí e Entorno, que atenderá as demandas do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Dentre os arranjos produtivos locais apoiados, vale citar a título de exemplo os esforços realizados pelo APL Polo Naval e Offshore de Rio Grande, no Rio Grande

22 O portal Embarcações Interativas está disponível em www.onip.org.br/navipecas ou diretamente em www.embarcacoesinterativas. org.br. 23 Critério BNDES (maior que R$16 milhões ou menor ou igual a R$300 milhões). 24 Em busca de uma descentralização de fornecedores da cadeia de petróleo e da polarização São Paulo-Rio de Janeiro, a tentativa busca amenizar as diferenças levantadas pelo estudo do IPEA (2010), que também mapearam a concentração das empresas fornecedoras da Petrobras. São Paulo e Rio de Janeiro respondiam por 67% – respectivamente 47% e 20% – dos valores contratados pela operadora entre 2000 e 2003. Entre 2000 e 2007, essa concentração subiu para 70%.

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do Sul. Inicialmente a coordenação das ações ficou a cargo da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), que mobilizou os atores locais e regionais em busca do objetivo do APL de aumentar a eficiência das empresas localizadas no arranjo, promover o adensamento produtivo na região e mitigar as externalidades negativas do desenvolvimento econômico, mas atualmente o APL já possui uma governança estabelecida estruturada.25 Figura 5 – Localização dos Arranjos Produtivos Locais do Projeto P&G IND75

Fonte: Apresentações do PBM – Conselho de Competitividade de Petróleo, Gás e Naval

Com relação às alterações no marco regulatório, os contratos de concessão das rodadas 11 e 12 sofreram algumas alterações significativas. A principal mudança foi a revisão do montante aplicado em pesquisa, desenvolvimento e inovação – passando a ser denominada como Cláusula de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) –, segundo a qual no mínimo 10% do total de 1% do faturamento bruto deverão ser aplicados diretamente em empresas brasileiras da cadeia, com o objetivo de desenvolver tecnologia para o fortalecimento do conteúdo local. Desse 1%, metade vai para as universidades e instituições de P&D credenciadas na ANP e 40% podem ser aplicados diretamente na operadora. A mesma regra vale para o contrato de partilha.

25 Mais informações podem ser acessadas em: www.aplnavalriogrande.org.

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Mais recentemente, e também diretamente ligado ao desenvolvimento de fornecedores, podem ser observados pontos de melhoria que estão em debate pela sociedade por meio de consultas públicas da ANP em relação à aplicação de recursos das Cláusulas de Investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação dos Contratos para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e/ou Gás Natural. O tema deve ficar como ponto de atenção, pois quaisquer modificações em favor da cadeia de fornecedores serão significativas, tendo em vista o volume de investimentos em P&D do setor26.

CONCLUSÃO Apesar das iniciativas já realizadas e ora em curso – seja em termos estruturantes como o Prominp, seja com ações mais diretas para o desenvolvimento de fornecedores –, entende-se que há espaço para promover um protagonismo ainda maior para as empresas brasileiras no setor. Nesse sentido, é inegável que o Prominp terá cada vez mais um papel fundamental no processo de mobilização das forças produtivas, bem como o trabalho que o Sebrae desenvolve há mais de 10 anos em parceria com a Petrobras para a inserção de micro e pequenas empresas no setor. A abordagem de promover uma discussão estratégica quanto às possibilidades de inserção competitiva das empresas de porte médio e médio-grande, por meio da discussão e elaboração de planos de negócios, em projeto realizado em parceria entre ABDI, MDIC e Petrobras, deverá ser mantida em função dos resultados com as empresas beneficiárias e aprovação pelos parceiros regionais. Do mesmo modo, o trabalho realizado pelas instituições do Sistema Indústria (CNI, Federações de Indústria, Senai, IEL, etc.) é de extrema importância, pois essas organizações têm uma proximidade com as forças produtivas, que é o seu ponto mais forte, no sentido de avaliar melhor as necessidades e a potencialidade das empresas nas distintas regiões do país. Apesar de todas essas experiências bem-sucedidas, alguns pontos críticos ainda devem ser superados para o desenvolvimento da cadeia de petróleo, gás e naval no Brasil, com destaque para a necessidade de um maior aprendizado das empresas

26 Entre R$20 bilhões e R$30 bilhões por meio da cláusula de P&D nos próximos 35 anos, considerando o que já foi investido desde 1998 (mais de R$7,5 bilhões), os campos licitados até a 10ª Rodada de Licitações em 2008 (mais de R$27 bilhões) e ainda as projeções de aplicação do Campo de Libra e Cessão Onerosa. Esses valores podem variar de acordo com o preço do petróleo durante esse período.

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nacionais em relação aos níveis de conhecimento, tecnologia e práticas de negócio observadas no setor petróleo ao redor do mundo. Por um lado, dentre essas práticas, a dimensão escala técnica e a tendência cada vez maior da entrega de sistemas completos para as operadoras e seus principais contratados (EPCistas, estaleiros e produtores de grandes equipamentos), além das características dos serviços de campo (desde a operação até a instalação de sistemas complexos em ambientes hostis), são fatores que limitam e desafiam o país na constituição de empresas-âncoras nacionais para liderar, junto com a Petrobras, o desenvolvimento da nossa cadeia de fornecedores. Por outro lado, há necessidade de reforçar a coordenação e a convergência de interesses entre a indústria manufatureira e as universidades, elemento básico e essencial para o processo de inovação e de upgrading da indústria nacional. Outro aspecto é que talvez seja oportuno pensar em incentivos que promovam a especialização em determinadas regiões, causando melhor alocação de recursos financeiros, humanos e tecnológicos, criando ambientes de concorrência entre regiões na disputa por recursos para inovação. Nesse sentido, a atração de empresas globais deve ser associada a um pacote de incentivos, não somente de natureza fiscal, que gerem uma cadeia local de fornecedores aptos a almejar grau de competitividade internacional de maneira gradativa. Por fim, há necessidade de estratégias focadas por segmento, dada a enorme abrangência da cadeia de P&G e a limitação de recursos. Dessa maneira, propõese a identificação de setores com maiores potenciais de alcançar competitividade global para ações de estímulo. Alguns estudos já desenvolveram análises e categorizações de segmentos da cadeia que poderiam ter um impacto econômico mais efetivo em termos de valor agregado e na geração de empregos mais qualificados. Como conclusão, entendemos que as estratégias a serem desenhadas no próximo ciclo da política industrial possam levar em conta todos os pontos de melhoria aqui apontados, considerando-se todas as implicações técnicas do setor, bem como os objetivos de desenvolvimento econômico e social decorrentes da exploração e produção de petróleo.

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A Microeletrônica como fator de Competitividade da Indústria de TIC

Ricardo Gonzaga Martins de Araújo

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Resumo

O presente documento procura analisar a influência da microeletrônica na competitividade das empresas de TIC, considerando seu fator estratégico para o país. Serve de reflexão sobre a competitividade da indústria brasileira de equipamentos eletrônicos, como ela tem se posicionado no mercado e as deficiências do país em relação e ela, principalmente pela inexistência de uma indústria de microeletrônica, elo produtivo capaz de fornecer os componentes. O estudo explora o mercado brasileiro de produtos eletrônicos e procura estabelecer a conexão com a microeletrônica, desde o descobrimento do transistor, avançando até os microprocessadores e os produtos modernos. Nessa perspectiva, o estudo busca entender as causas da baixa competitividade dessa indústria, com sua reduzida capacidade de exportação. Por fim, o estudo sugere algumas alternativas para o país enfrentar o problema. Palavras-chaves: Microeletrônica. Indústria eletrônica. Competitividade.

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INTRODUÇÃO O artigo procura examinar os aspectos da competitividade da indústria de produtos eletrônicos em face do desenvolvimento da microeletrônica. O Capítulo 1 aborda alguns aspectos da história do semicondutor, avaliando seu papel como indutor de produtos de alta tecnologia. O Capítulo 2 avalia os aspectos da competitividade que a indústria de microeletrônica empresta à indústria de produtos de alta tecnologia, tais como computadores, tablets e smartphones. Algumas alternativas para a superação da baixa competitividade são tratadas no Capítulo 3. Finalmente, no Capítulo 4, o artigo conclui que, sem uma indústria de microeletrônica no país, fica praticamente impossível falar em competitividade de produtos de alta tecnologia. Nesse sentido a busca por investimentos estrangeiros torna-se fundamental para que o país participe de cadeias globais de produtos de alta tecnologia.

ASPECTOS GERAIS DO PAÍS Ao olhar o Brasil pela perspectiva dos mercados internos, observa-se uma situação muito promissora. O país tem o 3º maior mercado em computadores (atrás apenas dos EUA e da China), com 10 milhões de computadores e 14 milhões de tablets vendidos em 2013, com 66 milhões de lares com TVs e 18 milhões com TV a cabo; o 4º maior mercado de aparelhos celulares, com 272 milhões de acessos móveis em janeiro de 2014; o 3º mercado de automotivos, com 3,6 milhões de automóveis vendidos em 2012; o 3º maior mercado de caixas eletrônicos; e o 5º em equipamentos médicos. Esses números são suficientes para mostrar um mercado pujante para produtos eletrônicos, com características de volume e diversidade impressionantes. No entanto, a situação do país, pela perspectiva da balança comercial, que pode ser observada na Figura 1, não se mostra muito promissora.

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Figura 1 – Balança Comercial do Complexo Eletrônico (US$ milhões)

Fonte: BNDES a partir de dados Secex- 2014

A partir de 2002, pode-se observar um aumento consistente nas importações (exceto em 2009, quando o mundo passou por uma crise econômica global) e um decréscimo nas exportações do complexo eletrônico nacional. Vale destacar que os valores da exportação, ainda que decrescentes, sempre foram muito baixos, o que caracteriza um fluxo de comércio extremamente desigual. Essa situação provoca impactos significativos na economia do país, que precisa conviver com um déficit crescente na balança comercial a ser compensado por excedentes crescentes de outros setores da economia. Há, portanto, instalada uma situação na qual o acesso às tecnologias de ponta pela população brasileira precisa ser sustentado pelos produtos da nossa pauta de exportação, normalmente commodities de baixo valor agregado. Essa situação poderia ser tolerada, se os ganhos internos resultantes das importações gerassem uma riqueza capaz de alavancar o produto interno bruto (PIB) e melhorar a distribuição de renda. No entanto, o que se observa é muito diferente disso. A indústria brasileira de tecnologia da informação e comunicações (TIC) e de equipamentos eletrônicos, incluídos os de automação e controle, médicohospitalares e demais áreas, vem perdendo competitividade e capacidade de exportar ao longo dos anos. A Lei de Informática, através da concessão de incentivos fiscais, tenta incentivar a produção local desses equipamentos. As empresas que não produzem (montam)

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no país não acessam esses incentivos e teriam dificuldades em competir no mercado interno. Essa seria uma vantagem competitiva para as empresas nacionais se desenvolverem e crescerem com o mercado. No entanto, a situação não se estabeleceu conforme o imaginado. O que realmente aconteceu foi uma forte atração de multinacionais para produção (montagem) no país, seja por greenfield ou por aquisições, e um enfraquecimento das marcas nacionais. A engenharia de projeto de produtos nacionais foi praticamente extinta e a engenharia de processos se fortaleceu para adaptar os produtos internacionais às condições de produção local. Os produtos estão sendo, em sua maioria, projetados fora do ecossistema nacional e montados localmente para conseguir os benefícios fiscais da Lei de Informática. O país desenvolve apenas uma parte da tecnologia necessária a essa cadeia produtiva. Nessa vertente, o futuro apresenta-se como uma continuação do presente. Como a sociedade brasileira continua ávida por consumir as novas tecnologias de TIC, o déficit comercial deverá aumentar na mesma proporção que a tecnologia for colocada à disposição da população brasileira. A ascensão social, que os sucessivos governos têm promovido, pode agravar a situação da balança comercial de maneira que nossas exportações poderão se tornar insuficientes para fazer frente a essa crescente inclusão digital. Essa condição pode levar a um retrocesso perigoso. Como reverter essa situação? Como pode o país se apropriar desse mercado promissor que ora se apresenta e fazer que as empresas nacionais consigam competir e gerar excedentes exportáveis? Como promover nas empresas a consciência da necessidade de participar ativamente do mercado global e não se satisfazerem com o grande mercado interno? A microeletrônica, hoje ausente na cadeia produtiva nacional, pode ser uma alternativa para a reversão ou redução desse quadro, desde que se alavanque na engenharia de projeto de produto.

UMA BREVE HISTÓRIA DA MICROELETRÔNICA Os Laboratórios Bell dos EUA estavam, em 1947, procurando um dispositivo de estado sólido equivalente à válvula eletrônica, utilizando os estudos de superfícies em torno de um diodo de germânio. Com a introdução de um ponto de contato externo, eles conseguiram controlar a corrente elétrica que passa pelo diodo (MELLO, 1998). Esse controle utiliza a propriedade de condução de eletricidade denominada

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resistor de transferência. O dispositivo que utiliza essa característica de resistor de transferência foi batizado de transistor pela combinação, em inglês, das suas palavras TRANsfer reSISTOR (MELLO, 1998). Essa descoberta foi mantida em segredo até junho de 1948, quando foi revelada, atribuindo-se sua invenção a Bardeen, Brattain e Shockley27. Embora fosse uma realização científica com grande potencial, o transistor não alcançou de imediato a supremacia comercial. As dificuldades de fabricação, somadas ao alto preço do germânio, um elemento raro, mantinham o preço muito alto. Segundo Mello (1998), os melhores transistores custavam US$ 8 em uma época em que o preço de uma válvula era de apenas US$ 0,75. Figura 2 – Foto do primeiro transistor

Fonte: Mehl, 2014

O início da industrialização do transistor ocorreu a partir de 1951, quando os Laboratórios Bell, utilizando seu braço industrial Western Electric, resolveram oferecer licenças de fabricação de transistores por US$25.000,00. Segundo Mehl (1982), as americanas RCA, Zenith, Motorola, Raytheon, GE, Texas, Fairchild Camera Corporation e Transitron adquiriram essa licença. Na Europa, as inglesas Standard Telephones and Cables (STC) e a General Electric Company of England

27 John Bardeen, Walter H. Brattain e William Bradford Schockley, pesquisadores dos Laboratórios Bell, considerados os inventores do transistor.

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(GEC), a holandesa Philips e a alemã Siemens também o fizeram. A Tokyo Tsushin Kogyo Kabushiki Kaisha, de Akio Morita, foi a primeira empresa asiática a adquirir a licença. Mais tarde ele mudaria o nome da empresa para Sony, derivado do termo latino sonus (som) de seus rádios portáteis. As pesquisas e desenvolvimentos aumentaram e em 1955 o primeiro transistor de silício já era comercializado. De posse dos transistores, as empresas conseguiram projetar rádios receptores domésticos e para automóveis, radiocomunicador portátil (handie-talkie), receptor de TV empregando transistores, calculadoras eletrônicas, etc. Os projetos desses produtos eram feitos para utilizar os transistores produzidos pelas próprias empresas, e os preços desses produtos estavam ligados diretamente aos custos dos transistores utilizados. Em 1954, a Regency apresentou o rádio transistorizado portátil TR-1, a um custo de US$49,95, que utilizava quatro transistores da Texas Instruments. Em seguida a Sony lança o TR-608, um rádio com seis transistores comercializado por US$ 50,00. Figura 3 – Produtos percursores de transistores

Radio Regency TR-1 – 4 transistores

Radio Sony TR608 – 6 transistores

Fonte: Elaborada pelo autor, utilizando os sites dos fabricantes

Esses dois produtos exemplificam dois modelos de negócios em microeletrônica. No caso da Regency, os transistores são adquiridos de terceiros e o produto é projetado pela Regency; enquanto, no caso da Sony, a empresa projeta e produz o produto completo. Apesar de os preços serem similares, o produto da Sony tem dois transistores a mais, que melhoram a qualidade do rádio e consequentemente sua penetração no mercado.

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Em 1959 Robert Noyce, da Fairchild, construiu as primeiras pastilhas de silício com transistores epitaxiais lado a lado e interligou-os com fios de alumínio para formar um circuito eletrônico. Criava-se assim o circuito integrado. O primeiro circuito integrado fabricado em série pela Fairchild foi um flip-flop para uso militar com quatro transistores de silício de aproximadamente 3mm x 3mm. A partir dessa descoberta, outras empresas de eletrônica iniciaram a produção de circuitos integrados, oferecendo circuitos básicos que poderiam ser interligados em uma placa de circuito impresso de modo a permitir a criação de um produto final mais barato, eficiente e confiável. Os novos projetos passaram a ter sua competitividade vinculada à capacidade de aquisição dos circuitos integrados ofertados. Com o estabelecimento de parcerias, aumentou-se o número de componentes de um circuito integrado, possibilitando a criação de um novo circuito integrado, com a consequente redução de custo do produto final. A competitividade do produto final está atrelada ao projeto do produto e aos circuitos integrados utilizados. Figura 4 – Primeiro circuito integrado

Circuito integrado flip-flop com 4 transistores da Fairchild e 6 pinos – Unip, 2014

A LEI DE MOORE Em 1965, Gordon Earl Moore, fundador da Intel, profetizou que o número de transistores nos circuitos integrados dobraria a cada dezoito meses, mantendo seu

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custo. Essa profecia ficou conhecida como Lei de Moore e acabou se tornando um objetivo para as indústrias de semicondutores, fazendo com que elas investissem muitos recursos para alcançar as previsões. Esse fato torna a Lei de Moore realmente importante, pois sem ela talvez não tivéssemos um desenvolvimento tão acelerado de hardware e com custos cada vez mais acessíveis. Dessa forma foi possível colocar, em 1970, mil transistores no mesmo “chip” de 3x3mm2, desenvolvido em 1960; e, mais importante, por um custo menor. Além da redução geométrica dos transistores, a Lei de Moore provocou uma mudança significativa nos bens de capital e nos insumos utilizados. Os dispositivos microeletrônicos começaram a ser produzidos sobre wafers de 1 polegada de diâmetro. Considerando um chip de 3x3mm2, haveria aproximadamente 50 componentes em cada wafer produzido. Atualmente os wafers utilizados têm 300mm de diâmetro. Nessa condição, haveria 6.700 chips de 3x3mm2 em cada wafer. Somente essa situação provocou um aumento de produtividade de 134 vezes. A indústria está evoluindo, e os novos processos produtivos serão feitos com wafers de 450mm de diâmetro, aumentando a produtividade em 2,25 vezes, ou 225%. As empresas que compraram as licenças iniciais da Western Electric tiveram estratégias de produtos diferenciadas no seu processo evolutivo. A Sony, por exemplo, teve uma trajetória focada no desenvolvimento de componentes para produtos de entretenimento. Seu esforço em comprovar a Lei de Moore gerou uma série de vantagens comerciais. Fundada em 1946 por Masaru Ibuka e Akio Morita com o nome de Tokyo Tsushin Kogyo K. K., foi a primeira a fabricar um gravador de fita cassete no Japão. Morita licenciou a tecnologia de transistores e desenvolveu o processo produtivo. Em agosto de 1955 a empresa lançou o primeiro rádio com transistores do Japão, o Sony TR-55. A Sony continuou a miniaturizar esses rádios, investindo no desenvolvendo dos transistores para que pudessem ser vendidos a preços competitivos no mercado americano. Finalmente, em 1979 a Sony lançou seu primeiro e mais importante produto de sucesso para o mercado americano: o Walkman®. O equipamento portátil alimentado por pilhas tocava fitas magnéticas de áudio no formato K7, além de ter um rádio AM/FM integrado. O Walkman® teve imenso sucesso e popularidade, sendo um fenômeno de consumo nos Estados Unidos. O sucesso da empresa sempre esteve ligado à sua capacidade de projeto e de desenvolvimento dos componentes microeletrônicos, iniciados pelos transistores bipolares desenvolvidos nos Laboratórios Bell.

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O ciclo virtuoso da competitividade da microeletrônica estava estabelecido. Utilizar mais componentes em uma mesma área útil e com preços iguais ou menores proporcionou às empresas projetarem bens de consumo com mais funções sem aumentar os preços.

OS MICROPROCESSADORES A Intel foi protagonista na estratégia de aumentar a quantidade de componentes em um circuito integrado. Um dos seus primeiros trabalhos foi uma encomenda de um fabricante japonês de calculadoras, a ETI Busicom. Para atender a essa demanda, as empresas concordaram em desenvolver quatro circuitos integrados: um deles seria uma memória de acesso aleatório (RAM), o segundo uma memória de conteúdo fixo (ROM), o terceiro uma unidade lógica e aritmética (ALU) e o quarto um registrador de deslocamento (shift register) para atuar como interface de entrada e saída. O conjunto todo operaria de acordo com as instruções gravadas na ROM, podendo-se dessa forma executar instruções complexas, dividindo-as em uma sequência de instruções mais simples. Em 1971 a Intel deu início à produção dos circuitos 4001 (2k ROM), 4002 (320-bit RAM), 4003 (10-bit I/O shift-register) e 4004, uma unidade de processamento de 4 bits, para a Busicom. A calculadora produzida com esses circuitos integrados era extremamente poderosa e versátil para a época e, apesar de cada unidade custar mais de US$2 mil, vendeu cerca de 100 mil unidades, com grande sucesso comercial (MEHL, 1982). Figura 5: Primeiro microprocessador Intel 4004

Fonte: Intel 4004 – 2300 transistores na tecnologia de 10 mícrons – Intel Chip Timeline, 2014.

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A Intel percebeu o enorme potencial do circuito 4004, que podia ser usado em várias funções diferentes de acordo com as instruções que estivessem gravadas na ROM. Na verdade o Intel 4004 era um autêntico computador. A Intel apropriouse do projeto, com o consentimento da Busicom, e cunhou então o termo “microprocessador”. O Intel 4004 chamou a atenção dos cientistas da Nasa, que o utilizaram na espaçonave Jupiter 10. A Intel continuou investindo no desenvolvimento do componente e em 1972 lançou um novo microprocessador de 8 bits, como evolução em relação ao 4004, batizado de 8008. Esse componente foi rapidamente substituído pelo 8080, para corrigir operações de interfaceamento com as memórias. A partir daí os microprocessadores tiveram uma evolução rápida e determinante para a popularização dos microcomputadores pessoais (fixos e portáteis). A Intel hoje é a maior empresa de semicondutores do mundo. Em 2010, o Intel® Core™ processor continha 560 milhões de transistores na tecnologia de 32nm (espaço entre cada transistor). A trajetória da Intel mostra que a competitividade dos produtos eletrônicos está relacionada com a capacidade de projeto e de utilização dos componentes microeletrônicos.

DESENVOLVIMENTO A competitividade Competitividade refere-se à habilidade da empresa de concorrer no mercado – vale dizer, sua capacidade de igualar ou superar seus concorrentes na preferência dos consumidores. As empresas dispõem basicamente de dois mecanismos para conquistar essa preferência: preço e diferenciação de seu produto por meio de qualidade, inovação ou propaganda (CNI, 2013). Os produtos eletrônicos são o resultado de circuitos eletrônicos interconectados e, em alguns casos, comandados por um software residente ou embarcado. Nesse sentido, os circuitos eletrônicos têm um peso singular na competitividade dos produtos, pois carregam consigo os atributos de qualidade e inovação (inclusive propiciando a instalação de softwares inovadores). O domínio dessa configuração de circuitos eletrônicos (hardware), representada pela interligação de diversos

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circuitos integrados (CI) ou pela integração em poucos CIs, contribui fortemente para a competitividade final do produto. O acréscimo de software embarcado eleva a capacidade de inovação, porém fica condicionado à existência de um hardware capaz de possibilitar sua operação. No entanto, o Brasil fez uma opção estratégica que alterou radicalmente o processo de desenvolvimento de produtos na área eletrônica. Nesse contexto, todo o aparato de apoio que existia como instrumento efetivo de política industrial por parte do Estado, embora eminentemente protecionista do mercado interno, caracterizado pela reserva de mercado, foi abandonado no início dos anos 1990. As tarifas foram gradualmente abolidas, a reserva de mercado de certos produtos (especialmente computadores) foi eliminada e vários estímulos às exportações também foram removidos. (BAER, 2009) Segundo Bertolli e Medeiros (2014), nos anos 1980 a política industrial de fomento ao desenvolvimento industrial foi colocada em segundo plano, e os ajustamentos macroeconômicos de curto prazo passaram a ser a tônica da política econômica até meados da década de 1990. O apoio por parte do Estado foi sendo desativado e, em seu lugar, emergiu o mercado como o agente do desenvolvimento econômico nacional. A política tecnológica que promovia o desenvolvimento de um sistema nacional de ciência e tecnologia brasileiro, fundamental para a capacitação tecnológica das empresas, que havia sido iniciado ainda nos anos 1970, também começou a ser desarticulada na “década perdida” dos anos 1990 (BERTOLLI; MEDEIROS, 2014). Na década de 1990 foi possível identificar dois momentos distintos muito ligados à completa submissão nacional à difusão de bases tecnológicas adquiridas no exterior (BERTOLLI; MEDEIROS, 2014). No período compreendido entre 1990 e 1993, evidenciado pela abertura comercial indiscriminada da economia, observouse um forte ajuste defensivo. Na área de produtos eletrônicos foi criada a Lei de Informática para manter no país parte do processo produtivo dos produtos da nova economia. A partir de julho de 1994, com a estabilização promovida pelo Plano Real, verificou-se o aprofundamento da abertura econômica e a desregulamentação dos mercados, com o advento do processo de privatização das empresas públicas, responsáveis pela continuidade da reestruturação produtiva iniciada no período anterior.

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Diante dessa realidade e apostando na sobrevivência de curto prazo, as empresas de produtos eletrônicos interromperam suas atividades de projeto e passaram a comprar projetos desenvolvidos no exterior (normalmente de baixo custo) adquirindo kits de peças que permitiam a montagem desses produtos localmente. Esse fenômeno foi sustentado pela Lei de Informática, que incentivava a produção local dos produtos da nova economia. Produtos como computadores, celulares, TV, equipamentos de áudio e vídeo, etc., vinculam-se nessa situação. No entanto, a Lei de Informática pretendia se afastar dessa armadilha através da obrigatoriedade de investimento em P&D no país. Esse investimento foi feito mais para adaptação de processos produtivos do que para geração de novos produtos para o mercado. Ainda nesse período, algumas empresas de capital nacional foram adquiridas por multinacionais, que concentram ainda mais o processo de desenvolvimento de produto em suas matrizes, com pouca participação das filiais nacionais. O fato de concentrar os esforços na produção local utilizando projetos e componentes importados tem gerado desde então uma situação de vulnerabilidade de preços. Analisemos a situação com um exemplo. Vamos supor que determinado produto AAA tem seu projeto feito nos EUA e o kit de peças para sua montagem é importado da Ásia (Coreia do Sul, Taiwan e China). Tanto nos EUA quanto no país asiático, esse produto AAA é comercializado com a marca do projetista dos EUA. Produzido no Brasil, esse produto AAA terá custo de aquisição de peças definido pelo fornecedor asiático e a marca do produto americano. O valor agregado pela montagem e teste local situa-se na faixa de 5% na maioria dos casos. Esse percentual é o valor da competitividade brasileira para o produto. Se for vendido nos EUA, deverá seguir as estratégias mundiais do detentor da marca e o lucro ficará com ele. Se for vendido na Ásia, poderá ocorrer uma disputa de mercado baseada em preço. No entanto, a detentora da marca americana intermediará essa disputa e tenderá a fortalecer o produtor local, em detrimento do produto montado no Brasil. Ainda que possa haver uma inversão nessa escolha, os custos com frete das peças e do produto acabado reduzem a competitividade do produto AAA produzido no Brasil. Não há vantagem competitiva para a produção no país sem a incorporação de peças com menores custos. Nesse caso, seria necessária uma indústria de componentes no Brasil, com alta produtividade, que pudesse agregar valor ao produto final e tornálo mais competitivo. Essa seria a indústria de microeletrônica, capaz de agregar maiores valores ao produto eletrônico.

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Uma segunda alternativa para fazer frente a essa situação seria a aplicação de valor ao produto final pela adição de software embarcado de alto valor utilitário. Nesse caso, a indústria brasileira de software deveria estar preparada para ocupar esse espaço. Ainda assim, a ocupação desse espaço encontrará muitas dificuldades, se o projetista do produto AAA não se dispuser a compartilhar o hardware para a incorporação do software. Novamente, a definição da estratégia do produto fica atrelada ao projetista do produto e não ao provedor de soluções embarcadas de software. Acordos de desenvolvimento podem ser estabelecidos para permitir esse ajuste, mas a apropriação dos ganhos tenderá a ficar, na sua maior parte, com o detentor do projeto do produto AAA. O desenvolvimento de produtos passa então a ser fundamental para a competitividade do país. Esse desenvolvimento requer no mínimo que o projeto dos sistemas digitais, analógicos, de radiofrequência, de potência, etc., sejam feitos no país. O Brasil não possui indústria e serviços nessa vertente capazes de executar essa função, nem localmente, nem no mercado mundial. Já o projeto e a fabricação de sistemas digitais empregados em grande volume e com ciclos de vida longos, tais como memórias e microprocessadores, seguem regras próprias. Entretanto, segundo Calazans (2004), muitos sistemas digitais eletrônicos modernos exigem componentes dedicados à realização de um ou de outro conjunto limitado de tarefas. Esses componentes são denominados circuitos específicos para dada aplicação (ASICs) e ocupam hoje larga fatia do mercado de eletrônica. A capacidade de projetar e fabricar ASICs está diretamente relacionada à competitividade do produto final no mercado. Essa capacidade, no entanto, está condicionada à existência de uma indústria de microeletrônica no país, mesmo que alguns elos da cadeia produtiva tenham de ser adquiridos de outros países. Gerando Alternativas Como o Brasil está ausente da cadeia global de microeletrônica, fica muito difícil aumentar a competitividade da indústria de bens eletrônicos nacionais. No entanto é possível reverter essa situação. Vejamos os exemplos de Taiwan, Abu Dabi e Irlanda. As empresas taiwanesas, principalmente as startups, tiveram um considerável apoio do governo. No início da década de 1990, de acordo com Melo e Rosa (1996), o governo taiwanês detinha o controle de 7 dentre as 20 maiores empresas, e os

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ativos das empresas públicas eram superiores aos das 300 maiores empresas privadas de eletrônica. Além de incentivos fiscais e mecanismos de fomento, o governo de Taiwan criou o parque científico e tecnológico de Hsinchu e a Electronics Research Support Organization (ERSO). O parque é um distrito industrial dedicado à alta tecnologia, com participação governamental de até 49% do capital de empresas startup; e o ERSO é um centro de pesquisa com 1.500 engenheiros dedicados ao desenvolvimento tecnológico para fabricação de dispositivos microeletrônicos, responsável pela instalação da TSMC, hoje a maior foundry do mundo. Empresas taiwanesas como a ASUS e a ACER estão competindo mundialmente com laptops, tablets e smartphones. Os Emirados Árabes Unidos estão construindo uma trajetória similar. Adquiriram parte da empresa americana AMD e passaram a investir em foundries de alta tecnologia com a marca Global Foundries. Centros de desenvolvimento científico e tecnológico estão sendo criados em Abu Dabi, contando com laboratórios de última geração e com a atração de especialistas internacionais para trabalharem nesses centros. Os desenvolvimentos estão direcionados às tecnologias de microeletrônica, de displays e de produtos finais da nova economia (tablets, smartphones, IoT, etc.). O modelo de desenvolvimento da indústria de microeletrônica da Irlanda, no Reino Unido, passou por alternativas similares. Em missão do Brasil à Irlanda em 2013, constatou-se que o governo irlandês investiu maciçamente em formação de pessoal, com universidades muito bem preparadas e com grande oferta de vagas para os cursos de alta tecnologia, as engenharias modernas. Incentivou a criação de startups tecnológicas, oferecendo subsídios de até €50.000,00 para que essas empresas iniciassem o desenvolvimento de seus produtos eletrônicos e criou um ambiente de investimento de risco com grande oferta de capital-anjo para essas startups. Com esse ambiente virtuoso, a Irlanda atraiu uma fábrica de processadores da Intel, que em 2012 foi responsável pela exportação de US$8 bilhões em microprocessadores. Esse valor assemelha-se ao déficit comercial de componentes eletrônicos do Brasil naquele mesmo ano. Considerando-se os resultados obtidos ou em andamento pelos países citados e por outros que já dominam o mercado mundial, tais como EUA, Coreia do Sul e Japão, pode-se constatar que, mesmo para países de industrialização tardia como o

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Brasil, existe a possibilidade de inserção na cadeia produtiva com reflexos positivos na indústria e na balança comercial. Ainda há espaço para países dispostos a fazer os investimentos necessários.

CONCLUSÃO Uma participação ativa e continuada do governo na promoção do reposicionamento da engenharia de projeto de eletrônicos e na atração de investimentos produtivos para o ambiente de microeletrônica, seguindo os modelos adotados pelos países que tiveram sucesso nesse desafio, pode resultar em avanços significativos para o Brasil no ecossistema de produtos eletrônicos. Um vetor de consumo caracterizado pelas smart cities, que estão se iniciando no mundo, pode ajudar o país nessa construção, se conseguirmos velocidade e investimentos no volume adequado. No entanto, sem essas ações, a competitividade da indústria eletrônica brasileira pode ficar comprometida, e as definições sobre produção local poderão se deslocar para os países reconhecidos como grandes players dessa indústria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAER, W. A economia brasileira. Tradução Edite Sciulli. 3. ed. São Paulo: Nobel, 2009. In: SANTOS, Artur Tranzola. Abertura comercial na década de 1990 e os impactos na indústria automobilística. Fronteira, 2009. BERTOLLI, S.; MEDEIROS, N. H. Evolução da Competitividade da Indústria Brasileira: uma análise a partir do movimento de reestruturação setorial nos anos 90. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2014. BNDES. Oportunidades e Desafios para a Indústria de Microeletrônica no Brasil. 2014. CALAZANS, N. L. V. Métodos e Ferramentas para o Projeto de Sistemas Digitais. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004. CNI – Competitividade Brasil 2013 – Comparação com Países Selecionados Brasília. 2013.

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GUTIERREZ, R. M. V.; MENDES, L. R. Complexo eletrônico: o projeto em microeletrônica no Brasil. BNDES Setorial 30. p. 157-209. INTEL. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2014. ______. Disponível em: . Acesso em: 2014. MEHL, E. L. M. Do Transistor ao Microprocessador. 1982. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2014. MELLO, J. A verdadeira História do Transistor. 1998. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2014. MELO, P. R. S.; ROSA, S. E. S. A Indústria eletrônica de Taiwan. 1998. (Série Cadernos Setoriais do BNDES). UNIP – Universidade de São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 2014.

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Sustentabilidade ambiental na indústria da construção civil no Brasil: oportunidades para a indústria

Antônio Carlos Tafuri Claudionel de Campos Leite

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Resumo

A indústria da construção civil tem importância singular, que se traduz na sua extensa cadeia produtiva e no fato de estar na base do desenvolvimento e aprimoramento da infraestrutura do país. É notório, porém, o impacto ao meio ambiente do setor de construção no mundo sob a ótica do consumo de energia, emissão de gases de efeito estufa, demanda por matérias-primas, demanda por água e a geração de resíduos. Tratar o setor de maneira sustentável é uma oportunidade que o Brasil tem não apenas pelo fato de poder incorporar experiências internacionais como também desenvolver e aprimorar processos internos, tendo como uma das suas ferramentas executivas a sua política industrial. Palavras-chave: Construção Civil. Sustentabilidade Ambiental. Coordenação Modular.

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INTRODUÇÃO As transformações em curso da economia mundial demandam a formulação de estratégias e respostas nacionais em uma dinâmica e contexto de complexidades crescentes. A competitividade da indústria brasileira é sensível a essas transformações. Boa parte das mudanças futuras é permeada por elevado nível de incerteza. Contudo, há fenômenos com forte impacto na atividade econômica e industrial cujos desdobramentos futuros podem ser vislumbrados com certo grau de previsibilidade. Entre as tendências mundiais com forte impacto na indústria destacam-se o crescimento dos países emergentes, o conhecimento e inovação como motores da economia, a nova geografia da produção mundial, a emergência e difusão de novas tecnologias, mudanças climáticas e economia de baixo carbono (CNI, 2013). O avanço dos países emergentes salta aos olhos. O forte crescimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) talvez tenha sido a mais significativa novidade deste início de século. O PIB combinado desses países passou de US$2,8 trilhões, em 2002, para US$13,3 trilhões, em 2011, e a participação na economia global saltou de 8% para 19%. Juntos, eles controlam US$4,4 trilhões em reservas internacionais, cerca de 40% do total. Os programas econômicos para mitigarem os efeitos da crise de 2008/09 levaram a que esses países fossem responsáveis por nada menos que 75% do crescimento global dos últimos quatro anos (ARBACHE, 2013). Muitos países vêm intensificando seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de forma a criar um estoque de conhecimento a ser utilizado em inovações que contribuem para a sustentabilidade econômica, política e institucional das organizações. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais da metade da riqueza mundial é gerada pelo conhecimento, que superou a parcela atribuída aos fatores de produção tradicionais no final da década de 1990. O investimento anual global em P&D foi da ordem de US$1,39 trilhão, em 2011 (CNI, 2013a).

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O relatório da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO, 2011) ressalta que a globalização da produção abre portas para países em desenvolvimento, porém, acompanhadas por ameaças. A globalização tem tornado os países em desenvolvimento mais vulneráveis a choques globais, como a crise financeira de 2008. Como consequência da crise iniciada nos Estados Unidos, a produção manufatureira global caiu 4,1% em 2009, reagindo à redução dos gastos dos consumidores e investimentos das empresas e dos países, principalmente afetando os países desenvolvidos, mas os países em desenvolvimento também não ficaram imunes. Importante notar que o processo de redistribuição da produção manufatureira global não atingiu um ponto final, e mesmo o movimento de transferência da produção dos países desenvolvidos para os menos desenvolvidos parece mostrar algum revés. Ainda que os países desenvolvidos tenham focado na geração de conhecimento, alguns estudos mostram o retorno da atividade manufatureira para essas economias (CNI, 2013a). No que tange à emergência e difusão de novas tecnologias, destacam-se aquelas que estão modificando os modelos de produção globais, entre elas a biotecnologia, a nanotecnologia, a automação e a robótica, tecnologia da informação e comunicação, bem como a convergência dessas tecnologias em aplicação. O relatório UNIDO (2013) considera a tecnologia essencial para dissociar o crescimento econômico dos encargos que pesam sobre o meio ambiente e reforça que explosões de inovação estão associadas com o desenvolvimento econômico cíclico. A partir desta perspectiva, argumenta que estamos entrando em uma área de inovações relacionadas à sustentabilidade, abrindo o caminho para a “próxima grande era econômica” (Figura 1). Sob a perspectiva de mudanças climáticas e economia de baixo carbono, importante notar que em apenas 40 anos nosso planeta terá um acréscimo de cerca de 30% em seu número de habitantes. Para o mundo corporativo, isso certamente representaria bilhões de novos consumidores ávidos por habitações, carros e outros objetos de consumo. No entanto, esses 9 bilhões de possibilidades, aproximadamente, deverão ter suas opções de consumo cerceadas pela escassez de recursos e mudanças climáticas, considerando a manutenção do estilo de vida e o padrão de consumo atuais (CEBDS, 2009).

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Figura 1 – Ondas de Inovação (UNIDO, 2013)

A tendência mundial rumo a uma economia sustentável e de baixo carbono representa oportunidades e riscos para a indústria brasileira. Para o horizonte de 2022, a CNI (2013a) aponta riscos relacionados às barreiras no comércio internacional impostas com base em requisitos e padrões ambientais mínimos, sendo que o Brasil não pode estar ausente desse debate e precisa participar e influenciar nas definições dos requisitos e padrões, tendo em consideração as especificidades da nossa economia. Já no campo de oportunidades, destaque para o desenvolvimento e a manutenção de cidades e infraestruturas com baixa emissão de carbono e zero de desperdício até o aprimoramento e o gerenciamento de biocapacidades, ecossistemas, estilos de vida e modelos sustentáveis (CEBDS, 2009). Sob esse aspecto, importa destacar que, dentre os bens de consumo, especialmente os duráveis, o ambiente construído ou edificação é sem dúvida um dos produtos de maiores impactos relacionados à potencialidade para redução de desperdício e de emissão de carbono. Não obstante o grande volume e massa da edificação em si, a sua cadeia produtiva envolve processos críticos relacionados à emissão de carbono, como é o caso dos insumos aço, alumínio e cimento. Este artigo, portanto, tem o propósito de analisar e identificar as oportunidades geradas por uma abordagem de economia sustentável e de baixo carbono para a indústria de construção civil no Brasil.

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A POLÍTICA INDUSTRIAL BRASILEIRA 2011-2014 O Plano Brasil Maior (PBM) O Plano Brasil Maior é a política industrial, tecnológica e de comércio exterior do Brasil lançada em 2010, no governo Dilma Rousseff. Construído a partir do acúmulo de experiências, o PBM beneficiou-se dos avanços obtidos com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE (2003 a 2007), a Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP (2008 a 2010) e o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional – PACTI (2007 a 2010). O PBM surgiu em um contexto conturbado da economia mundial: de um lado os países desenvolvidos mergulhados numa crise sem precedentes desde a Grande Depressão de 1929, podendo levar o mundo para uma crise sistêmica; de outro, o vigor econômico dos países emergentes, liderados pelo crescimento chinês, tem garantido o crescimento mundial e evitado um fracasso maior. No caso do Brasil, a estabilidade monetária, a retomada do investimento e crescimento, a recuperação do emprego, os ganhos reais dos salários e a drástica redução da pobreza criaram condições favoráveis para o país dar passos mais ousados em sua trajetória rumo a um estágio superior de desenvolvimento social, econômico e tecnológico. Tendo como desafios sustentar o crescimento econômico inclusivo em um contexto econômico adverso e possibilitar ao país sair da crise internacional em melhor posição do que entrou, ou seja, maior inserção do país na economia mundial, o PBM foi estruturado buscando viabilizar uma trajetória de crescimento sustentável e inclusivo. A inovação tecnológica e o adensamento produtivo e tecnológico das cadeias de valor são a força-motriz que pode levar a uma mudança positiva do país. Nesse contexto a estrutura do PBM contou com duas dimensões – a estruturante e a sistêmica, e uma organização setorial em cinco blocos, conforme mostrado na Figura 2.

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Figura 2: Síntese da organização do PBM

Fonte: Brasil Maior, 2010

Da dimensão estruturante constam as diretrizes que visam à melhoria da eficiência produtiva, à modernização tecnológica e ao aumento da produtividade da indústria brasileira. A dimensão sistêmica, de natureza horizontal e transversal, está voltada para o aumento da eficiência econômica agregada da economia e para a evolução de conhecimentos estratégicos em direção à matriz tecnológica mundial. Os blocos agrupam setores com características relevantes e ajudam a ordenar o processo de formulação de propostas de programas e projetos que envolvam mais de um setor. O agrupamento dos setores em cada bloco, detalhado na Figura 3, decorre das especificidades técnicas e da capacidade de transformação da estrutura industrial e de serviços especializados de cada setor.

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Figura 3: Blocos Setoriais do PBM

Fonte: Brasil Maior, 2010

Com intensa participação do setor privado e também da academia, sociedade civil e trabalhadores, o plano busca definir agendas estratégicas e rumos tecnológicos de médio e longo prazo, que possibilitem orientar e formular medidas de apoio à competitividade. O plano reúne todos os dispositivos, medidas e instrumentos públicos disponíveis, ou que podem ser instituídos, para execução das ações. A operacionalização do Brasil Maior ocorre em três níveis: articulação e formulação; gerenciamento e deliberação; e aconselhamento superior. Essa organização define o Sistema de Gestão e Governança do PBM. Sob a ótica da sustentabilidade, na estrutura do PBM existe formalmente instituída uma coordenação sistêmica denominada Produção Sustentável. A atuação dessa coordenação tem focado a orientação junto às demais coordenações sistêmicas e setoriais para o estabelecimento de ações estratégicas no tema Sustentabilidade,

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entre elas: ecodesign, em busca de melhorias de produtos e processos para a produção mais limpa; construção modular, para a redução de resíduos em obras de construção civil; definição de critérios de sustentabilidade para edificações; apoio ao desenvolvimento de cadeias de reciclagem (em consonância com a Política Nacional de Resíduos Sólidos); desenvolvimento regional sustentável a partir de competências e recursos disponíveis localmente; e estímulos ao desenvolvimento e à adoção de fontes renováveis de energia pela indústria (em consonância com a Política Nacional de Mudança do Clima e com a Política Nacional de Energia). Importa destacar que, apesar de o tema sustentabilidade ter dimensão transversal, as ações ou iniciativas correntes e mais efetivas têm origem e foco nas especificidades e prioridade de cada setor, conforme veremos mais adiante. Na página oficial do Plano Brasil Maior podem ser encontradas informações detalhadas sobre todas as Agendas Estratégica Setoriais, as medidas que as constituem, bem como situação de andamento (grau de execução) de cada uma.

A CADEIA PRODUTIVA DA CONSTRUÇÃO E A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL Caracterização da cadeia produtiva da Construção O conceito de cadeia produtiva está ligado aos vários estágios percorridos pelas matérias-primas, nos quais elas vão sendo transformadas e montadas. Por trás de um edifício pronto há, portanto, um complexo processo de produção. As empresas investem seu capital para empreender o negócio, contratam mão de obra e adquirem materiais e serviços que são transformados e montados na obra. Enquanto consumidores, lidamos com agentes financeiros e de venda na negociação do imóvel, cada qual ofertando um serviço que agrega valor a este imóvel (ABRAMAT; FGV, 2007). O termo “cadeia produtiva da construção” envolve todos os elos desse complexo processo produtivo, e existem muitas maneiras de representá-la graficamente. Na Figura 4 podemos ver os principais elos que constituem a cadeia, lembrando que à montante do setor de materiais estão as cadeias produtivas de insumos da construção, com destaque para aço, alumínio, cobre, cimento, cerâmico, vidro, madeira e plásticos (PVC).

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Figura 4 – Cadeia Produtiva da Construção Civil

Fonte: Deconcic-FIESP, 2008. Adaptado ABDI, 2009.

De maneira simplificada, a cadeia produtiva da construção é composta pelas indústrias de materiais de construção, pela rede de distribuição e comércio desses materiais, pelos escritórios de projetos e consultorias especializadas, pelas grandes empresas construtoras, às vezes especializadas em edificações ou em construção pesada (obras de infraestrutura – portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, barragens, etc.) ou ainda atuando nos dois segmentos, pelas incorporadoras que comercializam e, finalmente, pelas empresas prestadoras dos serviços de operação e manutenção, também com destaques para reformas (retrofit), montagem/desmontagem e demolição e a indústria de equipamentos, todas de fundamental importância para a cadeia produtiva. Muito embora uma das características marcantes da cadeia produtiva da construção civil seja apresentar-se bastante heterogênea, importa notar que o setor da construção civil é o núcleo da cadeia produtiva. O setor da construção determina, em grande medida, o nível de atividade de todos os setores que a circundam não só pela sua elevada participação no valor da produção e do emprego gerados em toda a cadeia, mas também por ser o destino da produção dos demais segmentos envolvidos.

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PERFIL DA CADEIA DA CONSTRUÇÃO Em 2012 o valor adicionado pela cadeia produtiva da construção civil somou R$328,5 bilhões, o que representou 8,8% do PIB do Brasil (ABRAMAT-FGV, 2013). Nos últimos anos, a construção civil tem tido a maior média de crescimento no PIB nacional. Por segmento ou setor da cadeia, a construção tem maior peso, com 65%; seguido pela indústria de materiais, com 16,8%; pela rede de comércio de materiais, com 8%; e serviços, com 6,5% (Gráfico 1). Gráfico 1 – Composição da Cadeia Produtiva da Construção – Participação por PIB

Fonte: ABRAMAT-FGV, 2013. Elaboração CBIC.

De acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o setor da construção compreende mais de 220 mil empresas, sendo que 79% delas são individuais ou até 9 empregados, 16% de 10 a 49 empregados, 4% de 50 a 249 empregados e acima disso não chegam nem a 1%. Destaque para a região Sudeste, onde se concentra quase metade das empresas.

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Por outro lado, em termos de faturamento, o peso se inverte. Segundo dados da CBIC, apenas o ranking 2013 das 50 maiores construtoras do país, que integram 410 mil empregados, teve em 2012 receita bruta superior a R$65 bilhões. A receita bruta total do setor da construção foi de R$336 bilhões. O faturamento das indústrias de materiais, máquinas e equipamentos para a construção foi próximo a R$137 bilhões em 2012. Segundo ABRAMAT-FGV/2013, o total de pessoas ocupadas ao longo de toda a cadeia produtiva da construção em 2012 superou os 13,4 milhões – com e sem carteira de trabalho, trabalhadores por conta própria e proprietários –, sendo grande parte delas (9,6 milhões) no setor da construção. Oportuno destacar que a CBIC considera 2,8 milhões a quantidade de empregados formais no setor. As indústrias de materiais ocuparam 746 mil; a rede de comércio, 942 mil; e a de serviços, 673 mil. O restante está ocupado nos demais elos da cadeia. Os impostos e taxas gerados pelas atividades da cadeia produtiva da construção somaram R$77,5 bilhões em 2012, o que representou uma carga tributária de 23,6%, percentual semelhante ao observado nos anos recentes. Os dados supramencionados evidenciam a pujança da cadeia produtiva da construção. Contudo, os desafios correntes tanto na área da infraestrutura, interpostos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), quanto na área habitacional, onde o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) tenta fazer frente ao déficit habitacional de 7 milhões de casas, a produtividade da construção tem sido a tônica das discussões nos fóruns público-privados. Em 2008, estudo do Deconcic-Fiesp apontava a produtividade da indústria brasileira da construção como 20% da produtividade europeia e apenas 15% da produtividade americana. Desde então ocorreu significativa melhora da produtividade brasileira, puxada essencialmente pelo crescimento acentuado do setor nos últimos anos, ancorado nos programas PAC e MCMV. Estudo recente da Ernst&Young e Poli-USP (2014) indica que, entre 2007 e 2011, o conjunto das sete maiores incorporadoras e construtoras de capital aberto no Brasil apresentou forte crescimento de lançamentos (em m2), na ordem de 24% de incremento ao ano. Contudo, a produtividade da construção civil do Brasil ainda é baixa e inspira maior foco. O mesmo estudo da E&Y-Poli também informa que, junto com o crescimento das receitas das empresas, também cresceram de maneira acentuada os custos da produção, resultando em redução das margens do negócio (Ebitda). No mesmo período o Ebitda caiu de 21% para 16%.

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Além dos custos crescentes e seus impactos na margem, o estudo aponta a carência de recursos humanos especializados e o aumento da complexidade dos negócios, devido à gestão múltipla de obras simultâneas resultante do crescimento das empresas, como fatores também importantes para maior preocupação e foco das empresas no tema “produtividade”. Como proposta estruturada para discussão sobre ganhos de produtividade, o estudo definiu sete alavancas: planejamento da execução de empreendimentos; adoção de métodos de gestão; equipamentos; materiais; métodos construtivos; melhorias de projeto; e qualificação de mão de obra. Essas alavancas ou temas foram submetidos à avaliação de 74 executivos do setor no Brasil. Metade deles atua em grandes empresas com mais de quinhentos empregados, os demais estão em médias (30%) e pequenas empresas (20%). Na avaliação dos empresários, nos últimos dois anos foram empreendidos maiores esforços em melhorias de projetos e no aprimoramento do planejamento de empreendimentos. Atualmente os problemas no planejamento de empreendimento aparecem em terceiro lugar. As principais lacunas estão na baixa qualificação de mão de obra e na falta de métodos de gestão apropriados. Em termos de relevância, na perspectiva dos entrevistados, destaca-se o planejamento de empreendimentos, seguido de perto por melhorias de projeto, qualificação da mão de obra e adoção de métodos de gestão. Apesar dos impactos atuais de falta de recursos humanos qualificados, essa lacuna não será foco de maior atenção nos próximos dois anos, segundo os executivos. E a razão disso foi atribuída ao uso intensivo de recursos humanos terceirizados, o que dificulta os investimentos em qualificação. Os eixos que demandarão mais esforços serão o de planejamento de empreendimentos e de métodos de gestão. Cabe destacar que a pesquisa identificou baixa utilização e acompanhamento de indicadores de produtividade de maneira sistematizada (Gráfico 2). Na argumentação dos executivos, o baixo uso é atribuído à dificuldade de coleta de dados e de comparação entre empreendimentos, que podem ter caraterísticas muito específicas, diferentes para cada obra. Além disso, a qualificação de mão de obra e métodos empregados variam conforme as empresas subcontratadas para cada obra.

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Gráfico 2 – Grau de utilização/acompanhamento de indicadores de Produtividade

Fonte: Ernst&Young/Poli-USP, 2014

Como se pode notar, não é tarefa simples medir a produtividade da construção. A sua complexidade advém de vários fatores, além do produto e da mão de obra. O termo “produtividade” é muitas vezes empregado de diferentes formas, tais como: produtividade do trabalho, produtividade do capital físico, produtividade de um processo produtivo, produtividade de um insumo, produtividade total dos fatores, entre outros. A depender do que se pretende analisar, utiliza-se a definição apropriada. Em todos os casos está implícita a ideia de processo produtivo. Em 2013, a CBIC produziu, em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), estudo completo sobre a produtividade na construção. O conceito de produtividade adotado no estudo é a relação entre o produto (valor adicionado) gerado pelo setor da construção em dado ano e a quantidade de trabalhadores empregados (ou estoque de capital). A Produtividade Total dos Fatores (PTF) das empresas de construção é definida na relação entre produtividade do trabalho e produtividade do capital. A PTF é um indicador importante, porque expressa e torna comparáveis diversas combinações de capital e trabalho, de modo a identificar a mais eficiente. O estudo considera que os principais fatores que influenciam a produtividade são: crescimento econômico do setor de construção; formalização das empresas e da mão de obra do setor de construção civil; qualificação dos trabalhadores do setor; e expansão dos investimentos em capital físico.

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O período considerado no estudo CBIC-FGV (2013) abrange os anos de 2003 a 2009, com dois subperíodos de análise: 2003-2005, caracterizado por uma série de aprimoramentos institucionais decisivos para o setor; e 2006-2009, em que se deu a retomada das atividades da construção. Entre as principais conclusões do estudo, merecem destaque: Crescimento e produtividade: a PTF cresceu 3,1% ao ano no período 20062009, o que coincidiu com a expansão do setor da Construção. Considerando o período 2003-2009, essa expansão foi mais discreta, de 1,2% ao ano. Apenas nos últimos três anos da série, entre 2006 a 2009, a PTF passa a ser positiva, crescendo 3,1% ao ano ou 9,7% no período. Produtividade e mão de obra: de 2003 a 2009, a produtividade da mão de obra cresceu 5,8% ao ano. O investimento realizado pelas empresas em máquinas e equipamentos e terrenos contribuiu para aumentar a produtividade do trabalho e diminuir a do capital nos seis anos como um todo. A produtividade do trabalho se reduz para 4,4% ao ano em 2006-2009, em razão do aumento das contratações, da formalização e dos salários. Produtividade do capital: a produtividade do capital (valor adicionado/unidade de capital) foi negativa, com queda de 3,5% ao ano no período 2003-2009. O investimento realizado pelas empresas em máquinas e equipamentos e terrenos contribuiu para aumentar a produtividade do trabalho e diminuir a do capital. Entre 2006-2009, a produtividade do capital torna-se positiva e registra incremento de 1,6% ao ano. Em resumo (Tabela 1), de 2003 a 2009, a produtividade total dos fatores cresceu à taxa média de 1,2% ao ano. Esse resultado positivo deve-se ao crescimento de 3,1% ao ano da PTF no período mais recente, de 2006 a 2009

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Tabela 1 – Produtividade do setor da Construção – 2003/2009

Fonte: CBIC-FGV, 2013

O estudo da CBIC-FGV mostra também que o resultado favorável de evolução da produtividade deve ser atribuído exclusivamente ao desempenho das maiores empresas (com 30 ou mais pessoas ocupadas) no período de 2006 a 2009. Isso significa que, nos três últimos anos da pesquisa, o grupo das maiores empresas expandiu o produto (valor adicionado) em um ritmo superior ao do aumento do estoque de capital e de mão de obra. Houve, no período analisado, avanços na produtividade induzidos pela própria dinâmica de crescimento. Mas há um longo caminho em direção aos resultados que esperamos alcançar, como mostram os indicadores de produção e a própria percepção empresarial. Existe a disposição para os investimentos, porém é preciso criar condições favoráveis para que eles se viabilizem em maior escala, o que envolve a mobilização das entidades setoriais e dos governos. (SIMÃO, Paulo Safady – Ex-Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL A ideia da sustentabilidade está associada à preservação da capacidade de atender as necessidades das gerações presentes e futuras. Para Pearce e Warford (1993), o desenvolvimento sustentável é interpretado como um contínuo aumento – ou ao menos a manutenção – do bem-estar humano ao longo do tempo. O caminho para o desenvolvimento é sustentável apenas caso todos os bens de capital permaneçam constantes ou cresçam ao longo do tempo. Os bens em questão incluem capital manufaturado (máquinas, rodovias e indústrias), capital humano (conhecimento e habilidades) e o capital ambiental (florestas, qualidade dos solos e

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fronteiras geográficas). Para uma nação estar em um caminho de desenvolvimento sustentável, precisa viver dentro de suas limitações, o que, neste contexto, significa não baixar o seu estoque de capital. Em setembro de 2000, 191 países firmaram um compromisso para combater a extrema pobreza e outros males da sociedade. Esta promessa acabou se concretizando nos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que deverão ser alcançados até 2015. Em setembro de 2010, o mundo renovou o compromisso para acelerar o progresso em direção ao cumprimento desses objetivos. Entre os seis valores fundamentais determinados como essenciais para as relações internacionais no século XXI afetos ao tema da sustentabilidade, destacam-se: Respeito pela natureza. É necessário atuar com prudência na gestão de todas as espécies e recursos naturais, de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável. Só assim poderemos conservar e transmitir aos nossos descendentes as imensuráveis riquezas que a natureza nos oferece. É preciso alterar os atuais padrões insustentáveis de produção e consumo, no interesse do nosso bem-estar futuro e no das futuras gerações. Responsabilidade comum. A responsabilidade pela gestão do desenvolvimento econômico e social no mundo e por enfrentar as ameaças à paz e segurança internacionais deve ser partilhada por todos os Estados do mundo e ser exercida multilateralmente. Sendo a organização de caráter mais universal e mais representativa de todo o mundo, as Nações Unidas devem desempenhar um papel central neste domínio (NAÇÕES UNIDAS, 2000). No que concerne ao Objetivo de Desenvolvimento do Milênio – Garantir a Sustentabilidade Ambiental (ODM 7) – o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento fornece informações atualizadas sobre as ações e resultados alcançados (PNUD, 2014): Brasil: O país reduziu o índice de desmatamento, o consumo de gases que provocam o buraco na camada de ozônio e aumentou sua eficiência energética com o maior uso de fontes renováveis de energia. O acesso à água potável deve ser universalizado, mas a meta de melhorar condições de moradia e saneamento básico ainda depende dos investimentos a serem realizados e das prioridades adotadas pelo país. A estimativa é de que o Brasil cumpra, na

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média nacional, todos os 8 ODM, incluindo o ODM 7. Mas este é considerado por muitos especialistas como um dos mais complexos para o país, principalmente na questão de acesso aos serviços de saneamento básico em regiões remotas e nas zonas rurais. Mundo: A proporção de áreas protegidas em todo o mundo tem aumentado sistematicamente. A soma das áreas protegidas na terra e no mar já é de 20 milhões de km² (dados de 2006). A meta de reduzir em 50% o número de pessoas sem acesso à água potável deve ser cumprida, mas a melhoria das condições de vida em favelas e bairros pobres está progredindo lentamente. Entre 1990 e 2006, mais de 1,6 bilhão de pessoas ganharam acesso a água potável, aumentando de 76% para 86% a proporção da população com esse acesso. São 76 os países que estão no caminho para o cumprimento dessa meta, mas 23 estão estagnados e 5 apresentaram retrocesso de acordo com dados mais recentes do Banco Mundial (PNUD, 2014). Como exemplo de olhar da indústria brasileira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera a agenda do desenvolvimento sustentável no Brasil, resumidamente, da seguinte forma: A agenda do desenvolvimento sustentável apresenta grandes desafios e numerosas oportunidades para o Brasil. Dotado de uma indústria diversificada e sofisticada, o país conta com uma combinação de recursos naturais que o coloca em posição privilegiada para lidar com as tarefas e aproveitar as chances decorrentes da sustentabilidade. Os desafios à sociedade estão postos também ao setor industrial, que está totalmente engajado em iniciativas conjuntas para a busca de soluções (CNI, 2012a). Importante destacar que a causa ambiental vem conquistando um número crescente de adeptos, em todas as camadas da sociedade brasileira. Mais do que isso, muitos atores já começam a perceber que, em vez de uma restrição, a proteção do meio ambiente e as medidas para combater as mudanças climáticas podem tornar-se um grande ativo para o Brasil (AMARAL, 2010). Os motivos são vários, sejam eles oriundos de arranjos internacionais ou mesmo de caráter doméstico. No âmbito internacional, a reunião do G20, realizada em Londres, em 2009, emitiu sinais claros de que a economia internacional estaria em vias de ingressar numa nova era: a economia verde. Para o Brasil, este novo momento, mais do que travas

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para o desenvolvimento, pode representar uma oportunidade. Para a indústria, a oportunidade de produzir novos equipamentos mais eficientes ou menos poluentes. Do ponto de vista da energia, a capacidade de avançar ainda mais na utilização das energias renováveis. No campo do agronegócio, a agricultura brasileira só utiliza a metade das terras cultiváveis disponíveis e é beneficiada por amplo manancial de água. Ademais, o Brasil tem uma das mais ricas biodiversidades do planeta. O país reúne, assim, vantagens comparativas suficientes para ser uma potência ambiental e para exercer uma liderança mundial nesse campo.

O IMPACTO GLOBAL DO SETOR DE CONSTRUÇÃO O relatório recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente descreve o impacto ao meio ambiente do setor de construção no mundo sob a ótica do consumo de energia, emissão de gases de efeito estufa, demanda por matériasprimas, demanda por água e a geração de resíduos (UNEP, 2014). Cerca de um terço do consumo final de energia mundial ocorre no interior dos edifícios, enquanto a fabricação de materiais de construção consome mais 10% da oferta global de energia. O setor é um dos maiores contribuintes individuais para as mudanças climáticas. Apenas os edifícios, isoladamente, são responsáveis por 30% a 40% das emissões totais de gases de efeito estufa. A cada ano, cerca de três bilhões de toneladas de matérias-primas – 40% a 50% do fluxo total na economia global – são usados na fabricação de produtos e componentes de construção em todo o mundo. Estima-se que edifícios em uso sejam responsáveis por 12% do uso global de água, mas indiretamente podem representar uma proporção muito mais significativa da demanda total de água, ao considerar a produção de materiais, a construção e outros processos de apoio. A construção civil e a demolição contribuem com cerca de 40% dos fluxos de resíduos sólidos nos países desenvolvidos. Com relação aos desafios da disponibilidade futura de recursos relevantes para o setor da construção, o mesmo relatório identifica os seguintes pontos críticos (UNEP, 2014): demanda por aço deverá aumentar cerca de 80% entre 2010 e 2030, impulsionada principalmente pelo aumento da demanda da China, Índia e outros mercados emergentes; é estimado um aumento da produção global de cimento de 43% a 72% entre 2006 e 2050, com grande parte da demanda extra oriunda da China até 2030; o uso da água pela indústria deverá crescer para mais de 20% da demanda total mundial em 2030, criando um déficit potencial de água de 40% em

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relação à demanda esperada, com base na oferta máxima sustentável global; e o esgotamento da oferta dos minérios metálicos de alta qualidade, enquanto ainda não percebido como um problema imediato para a maioria dos metais, cada vez mais exige substituição de minérios de qualidade inferior e o uso de mais energia para extrair o conteúdo de metal útil igualável.

INICIATIVAS PÚBLICAS Conforme citado anteriormente, a política industrial do governo contempla diversas medidas relativas à sustentabilidade. Especialmente no caso do PBM e relacionadas à construção civil podemos constatar que, nas orientações estratégicas da Coordenação Sistêmica de Produção Sustentável, as ações para “implantação da construção modular para a redução de resíduos em obras de construção civil” e “definição de critérios de sustentabilidade para edificações” se alinharam fortemente ao tema. Estas ações constam do objetivo “Industrialização da Construção” da Agenda Estratégica Setorial da Construção Civil, estruturada em conjunto com o setor privado e coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Nesse contexto, a implantação e difusão da Coordenação Modular (CM) e da Modelagem da Informação da Construção, também conhecida como BIM (do inglês Building Information Modeling), são eixos fundamentais para se alcançar esse objetivo. A Coordenação Modular vai permitir a interoperabilidade e intercambialidade dos componentes, elementos e sistemas aplicados à construção. Um dos grandes benefícios da CM, se não o maior, é a redução significativa dos resíduos da construção, que hoje podem chegar até 40%, dependendo dos materiais e processos empregados. Buscando contribuir com a implantação e difusão da CM no país, em 2010 a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), publicou o Relatório de Avaliação dos Esforços para Implantação da Coordenação Modular no Brasil, no qual se pode identificar que ainda poucos setores, ou segmentos, fazem uso corrente da CM, dentre eles gesso e blocos de concreto. Desde então muitos

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segmentos vêm empreendendo ações para esse alinhamento e já melhoraram as suas posições, contudo, esforços para adequação dos produtos ainda não aderentes à CM ainda são recorrentes e envolvem investimentos de planta e processos produtivos. Nesse sentido, linhas especiais de financiamento devem ser disponibilizadas pelos bancos e demais agentes públicos. A importância do BIM ancora-se na sua capacidade de introduzir e disseminar na cadeia produtiva da construção o conceito e o uso de tecnologias para gestão sistematizada, integrada e coordenada de empreendimentos, permitindo visão e operação sistêmica, ou ainda detalhada, do projeto ou empreendimento desde a fase de concepção, projeto, especificação e orçamentação, compra, execução e fiscalização, aceitação e liberação, uso, manutenção (desempenho), reforma (retrofit), até a desmontagem ou demolição e remoção para reúso ou descarte (logística reversa). Muito além da visão 3D, o BIM permite a gestão e execução integrada e coordenada do empreendimento, resultando também em outros benefícios, tais como: acurácia nos projetos – especificação, quantificação e orçamentação; verificação na fase de projeto que permite eliminar conflitos antes da construção; simulações operacionais de desempenho de elementos, componentes e sistemas do ambiente projetado e/ ou construído; simulação comparativa das fases de execução, permitindo identificar possíveis eventos críticos e as medidas preventivas; redução de desperdício; e redução do prazo de execução. Além dos ganhos de produtividade e qualidade, o BIM resulta efetivamente em ganhos econômicos. Estudo da Federação Francesa de Edifícios relata economia de €35/m² – cerca de €1,4 bilhão por ano, em novas construções com uso do BIM (Fonte: DECONCIC-FIESP, 2014). Buscando contribuir com a implantação e difusão do BIM no Brasil, MDIC e ABDI articularam e estabeleceram parcerias estratégicas importantes com o Exército Brasileiro (MD-EB) e o Instituto Brasileiro da Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), com vistas à estruturação e execução de Projeto-Piloto BIM no âmbito da estrutura operacional do EB, aproveitando da sua larga experiência em gestão sistematizada, integrada e coordenada de obras, ancorada no Sistema Unificado do Processo de Obras (OPUS). No âmbito dessa parceria, um conjunto de ações foi definido e a sua execução viabilizada por meio de Convênio ABDI-MDIC. Dentre os desafios que constituem o escopo do Projeto-Piloto BIM, o mapeamento das informações essenciais dos componentes da construção, incluindo dados de

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Sustentabilidade, para incorporação às bibliotecas virtuais (templates) BIM, alinhase à estratégia e diretrizes do PBM no que tange à sustentabilidade. Esse mapeamento visa a construir o conjunto de dados e informações que caracterizem os produtos de construção com relação à responsabilidade ambiental e social, desempenho ambiental (no processo de produção do produto e no processo construtivo, quando aplicável), critérios de qualidade e desempenho com relação à segurança, habitabilidade, vida útil, durabilidade e requisitos de manutenibilidade e parâmetros de coordenação modular. O projeto prevê ativação de um website ou portal BIM, que deve evoluir para um sistema ou plataforma BIM, onde serão disponibilizadas as bibliotecas virtuais (templates) e toda a documentação relativa ao BIM e à CM. A proposta é que essa plataforma se torne o repositório nacional das bibliotecas BIM, devendo ser criado um comitê público-privado para sua administração. O acesso dos usuários ao portal será livre e gratuito, mediante prévio cadastro. Futuramente os fabricantes poderão carregar e atualizar no portal os seus portfólios de produtos em templates BIM. Outra contribuição relevante que ABDI e MDIC prestam à difusão da CM e do BIM está no apoio contínuo à normalização técnica. Aportes financeiros do MDIC junto à ABNT possibilitam acelerar a produção das normas técnicas de CM e BIM aplicáveis à construção. Já foram produzidas e publicadas as seguintes normas: ABNT NBR 15873:2010 – Coordenação modular para edificações; ABNT NBR ISO 120062:2010 – Construção de edificação — Organização de informação da construção Parte 2: Estrutura para classificação de Informação; ABNT NBR 15965-1:2011 – Sistema de classificação da informação da construção Parte 1: Terminologia e Estrutura; e ABNT NBR 15965-2:2012 – Construção de edificação — Organização de informação da construção Parte 2: Estrutura para Classificação de Informação. Outras quatro normas BIM estão em fase final de elaboração ou consulta, devendo ser publicadas ainda em 2015. Ainda relativo à difusão da normalização, em dezembro de 2013 a ABDI contratou a ABNT para disponibilização gratuita de normas via web pelo período de um ano. Dentre as normas constam as da CM, do BIM e de Desempenho, aplicáveis à construção. O sucesso foi tão grande que os recursos do contrato se esgotaram em poucos meses. A ABDI avalia a possibilidade de relançar e ampliar a iniciativa, tão logo os recursos sejam viabilizados.

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Outra ação importante que ABDI e MDIC coordenaram em 2012, no tema “sustentabilidade”, foi a elaboração de notas técnicas como “Subsídios para elaboração de uma estratégia industrial brasileira para economias de baixo carbono”, em atendimento à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). No âmbito do convênio com o MDIC, a ABDI contratou a Fundação Getulio Vargas, que, por meio do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces), coordenou uma série de reuniões e workshops setoriais, buscando levantar e estruturar as informações relevantes para a elaboração das seguintes notas técnicas: Mensuração, Relato e Verificação de Inventários Bottom-up de Gases de Efeito Estufa no Brasil; Papel e Celulose; Cimento; Química; Alumínio; e Eficiência de Motores de Automóveis de Passeio. Destaque para as notas de Cimento e Alumínio, que constituem insumos importantes para a cadeia produtiva da construção civil. As notas técnicas (Cadernos 1, 3 e 5) podem ser baixadas ou acessadas na sua íntegra em www.abdi.com.br. Estudos para as indústrias de Ferro e Aço, Cal e Vidro, que também se agregam à construção, devem ser desenvolvidos até 2020, segundo preconiza a PNMC.

A EVOLUÇÃO DA CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL NO BRASIL A construção civil é potencialmente uma das atividades que poderão desempenhar um papel estratégico para o crescimento e a sustentabilidade econômica do Brasil. A importância dessa indústria se traduz na sua extensa cadeia produtiva e no fato de ela estar na base do desenvolvimento e aprimoramento da infraestrutura do país. O DNA desenvolvimentista da construção civil a induz, porém, a enfrentar desafios relacionados às questões ambientais, decorrentes das ocupações de áreas (e consequente alteração das características locais), da geração de resíduos, da extração de recursos naturais (para aplicação direta nas construções) ou da fabricação dos insumos utilizados (CNI, 2012b). A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) é representante nacional e internacional das entidades empresariais da indústria da construção e do mercado imobiliário. Cabe à Câmara formular propostas que norteiem toda a cadeia produtiva. Além de encabeçar o processo no Brasil, a CBIC tem a oportunidade de participar da coordenação do projeto Construction Industry Sustainability Initiative (CISI), da Confederation of International Contractors Associations (CICA), cuja iniciativa é elaborar plataformas para ajudar países emergentes a colocar em

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prática estratégias de mobilização integrada da sociedade, da cadeia produtiva e do governo focadas na construção sustentável. Os eixos prioritários e programas da CBIC estão em sinergia com a tendência global de se adotar uma economia verde. A câmara acredita que, por meio do cumprimento das ações previstas nos seus programas, a indústria da construção no Brasil poderá consolidar as condições necessárias para viabilizar o desenvolvimento sustentável no país. Na lista de condições necessárias para esse salto almejado pela câmara estão: valorizar o ser humano, reduzir os impactos ambientais na cadeia produtiva, promover a eficiência energética nas edificações, usar racionalmente a água, utilizar materiais e sistemas construtivos que reduzam o consumo de recursos naturais e promover o desenvolvimento urbano de maneira harmônica com o meio ambiente. Segundo relato da Confederação Nacional da Indústria (CNI, 2012b), as dificuldades da mudança de paradigma no sentindo do desenvolvimento sustentável trazem oportunidades para as empresas do setor. As firmas enxergam nessa inflexão uma forma de promover competitividade com elevação de desempenho socioambiental de produtos e promoção tecnológica e de gestão, tudo com aumento de produtividade, geração de renda, redução de custos, melhoria das condições de trabalho e qualificação dos profissionais; além do aprimoramento das relações com clientes e com o mercado. A construção sustentável no Brasil tem se estruturado em função de três grandes fontes de pressão: a regulamentação governamental, a necessidade de resposta aos resultados dos impactos ambientais e as demandas de diferentes agentes do mercado e do terceiro setor (CNI, 2012b). Houve no Brasil fatores indutores que despertaram na construção civil a necessidade de desenvolvimento de pesquisa, tecnologia e capacitação na área ambiental. Entre eles encontram-se a escassez de energia ocorrida no ano de 2001; a questão do racionamento da água em regiões metropolitanas ocorrido nos anos de 2002 e 2003; e a aprovação da resolução do Conama nº 307, em julho de 2002, disciplinando a gestão dos resíduos da construção civil. Além dos fatores relevantes citados, a CNI elencou temas prioritários, tratados no âmbito de programas de governo e programas setoriais da construção civil (CNI, 2012b): qualidade e produtividade; resíduos de construção e demolição;

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eficiência energética; uso racional da água; materiais e sistemas construtivos; uso responsável da madeira; avaliação ambiental de edifícios; e consumo sustentável. A construção civil assimila no Brasil a sustentabilidade em uma fase ainda de conscientização. No entanto, já é nítido que as questões ambientais no país se encontram conectadas aos projetos e obras da indústria nacional. O setor internaliza progressivamente – em movimento que não parece permitir recuos – avanços como: 1) edifícios sustentáveis; 2) consumo sustentável de recursos naturais; 3) desenvolvimento de tecnologias e produtos que agridam menos o meio ambiente; 4) gestão ambiental de resíduos dos canteiros de obras; e 5) educação ambiental. A CBIC, no seu papel de governança da construção civil brasileira para o desenvolvimento sustentável, tem desenvolvido programas para dar maior visibilidade ao conceito de “economia verde” no país. Essas iniciativas são estruturadas com a participação direta do setor e em consonância com as políticas públicas. A indústria da construção lançou, ainda em 2011, o Programa Construção Sustentável (PCS), que reúne as principais propostas do setor para fortalecer a cultura e as práticas de uma economia verde no Brasil. Entre os programas prioritários CBIC destacam-se: Sanear é Viver, Moradia Digna, Próximo Passo, Inovação Tecnológica, Construção Sustentável (PCS), Inovação e Sustentabilidade do Ambiente Construtivo, Valorização do Trabalhador (CNI, 2012b). No Brasil, a transformação do mercado é evidente, mas ainda temos poucas análises sobre custo-benefício. Pesquisa recente, conduzida pelo Secovi-SP (2014), mostra que 61% dos incorporadores consideram a transformação de mercado uma das principais razões para o desenvolvimento de empreendimentos sustentáveis. Na opinião de Hamilton Leite, diretor do Secovi-SP responsável pela pesquisa, para que o obstáculo do custo adicional nas construções sustentáveis seja superado, deve-se buscar: maior valor de mercado dos imóveis sustentáveis em relação aos convencionais equivalentes, mais incentivos públicos para construções sustentáveis e escolha de itens que agreguem sustentabilidade com pouco ou nenhum custo adicional. Assim os incorporadores podem construir de modo sustentável, mantendo o equilíbrio econômico de seus empreendimentos.

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OPORTUNIDADES PARA O SETOR DE CONSTRUÇÃO Oportunidades para o setor de construção geradas a partir de uma abordagem em sustentabilidade podem ser ilustradas por iniciativas dentro e fora do Brasil, entre elas: 1) projeto Visão 2050, do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD); 2) iniciativa Greening the Building Supply Chain, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep); 3) o estudo Greening our Built Environment: costs, benefits and strategies; e 4) programa Construção Sustentável, da Câmara Brasileira de Construção Civil (CBIC). Para o projeto Visão 2050, do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), 29 empresas-membro do WBCSD desenvolveram uma visão de um mundo a caminho da sustentabilidade até 2050 e a rota em direção a esse mundo – uma rota que exigirá mudanças fundamentais nas estruturas de governança, nas estruturas econômicas, nos negócios e no comportamento humano. A revelação é que essas mudanças são necessárias, viáveis e oferecem incríveis oportunidades de negócios, que transformam sustentabilidade em estratégia. (CEBDS, 2009). No que tange ao setor de construção, o projeto Visão 2050 esboçou a meta “Edifício com consumo líquido de energia quase zero”, que apresenta oportunidades em uma abordagem de edifícios integrados, materiais e equipamentos de alto desempenho acessíveis e novas soluções de financiamento. Para tal, políticas, incentivos e normas de construção progressivos deverão assegurar que todas as inovações demandadas sejam utilizadas nos projetos de construções. A expectativa é que as oportunidades geradas impulsionem as inovações no setor de construção: os edifícios oferecem formas mais econômicas de poupar energia e de reduzir as emissões de CO2. Concomitantemente a essas oportunidades: 1) sejam gerados muitos empregos novos, considerando o setor de construção intensivo de conhecimento; 2) as questões energéticas tornaram-se altamente prioritárias para proprietários e locatários, ou seja, custos e incentivos influenciam as decisões; 3) as normas de uso de energia para edifícios novos e existentes são mais rigorosas e bem aplicadas; 4) rótulos de desempenho energético em todos os edifícios conferem transparência; 5) As incorporadoras incluem altas metas de eficiência energética em seus projetos para atender as normas de construção e aumentar seu valor para os compradores; 6) Todas as partes envolvidas são incluídas nos estágios iniciais

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do planejamento do projeto e do compartilhamento de riscos em apresentações de propostas, superando a fragmentação do setor e as proposições conflitantes de diferentes participantes (CEBDS, 2009). Como resultados que deverão ser atingidos, o projeto Visão 2050 destaca: Reformas integradas completas dos edifícios diminuem custos e proporcionam benefícios sinergéticos. O desperdício de energia dos equipamentos eletrodomésticos e eletroeletrônicos foi minimizado pelo aumento da eficiência e pela otimização. Todas as instalações residenciais e comerciais possuem medidores e controles individuais, e há um intercâmbio de informações entre os serviços públicos e os equipamentos. Nesse contexto, as empresas, por serem grandes clientes altamente visíveis ao setor de construção, desempenharam um papel primordial. As construções comerciais e industriais tornam-se modelo de tecnologia em economia de energia e emissões. As empresas documentam as melhores práticas e abrem suas instalações para aumentar a conscientização e educação do público. (CEBDS, 2009) Já no campo de política governamental e incentivo fiscal, o projeto Visão 2050 sugere “políticas energéticas agressivas”, que conduzam o mercado da construção em direção à sustentabilidade, no que tange à utilização de energia. Os responsáveis pela elaboração das políticas incluiriam requisitos rigorosos de eficiência energética nos códigos de construção e se comprometeriam a fazer que fossem cumpridos e a aumentar a rigidez ao longo do tempo. Os governos ofereceriam incentivos e subsídios fiscais que possibilitassem investimentos eficientes em termos de energia com períodos de retorno mais longos. Os exemplos incluiriam a vinculação do imposto sobre propriedade a uma classificação do desempenho energético da construção, sendo as receitas das cobranças adicionais redistribuídas como subsídios. Os serviços públicos fariam os investimentos iniciais em tecnologia para os proprietários dos imóveis e depois distribuiriam o custo como uma sobretaxa nas contas mensais de energia (CEBDS, 2009). Por fim, os edifícios entrarão na “Visão 2050”, na “Era Inteligente”: As normas de energia para edifícios novos são rigorosamente aplicadas, e todos os eletrodomésticos e eletroeletrônicos fabricados são eficientes em termos de energia. Os edifícios novos e reformados são projetados para usar tecnologia da informação e comunicação (TIC), como sensores, sombreamento

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automático e dados sobre carga e preço, que ajudam os edifícios a funcionar com um nível ótimo de utilização de energia. Por meio de computadores, redes inteligentes possibilitam o gerenciamento adaptativo em tempo real da energia renovável gerada localmente e de cargas de energia elétrica distritais. Os serviços públicos utilizam informações coletadas remotamente para indicar desvios das melhores práticas nos demonstrativos de utilização. (CEBDS, 2009) Por seu turno, a iniciativa Greening the Building Supply Chain, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, preconiza que a indústria de construção tem geralmente reconhecido que edifícios verdes entregam muito mais que eficiência energética por si só. Ou seja, estão incluídos os benefícios ambientais, como a redução do uso de água e materiais perigosos; os benefícios econômicos, tais como retorno sobre o investimento; e a mitigação de riscos e benefícios ao usuário, tais como maior produtividade dos funcionários e benefícios para a saúde (UNEP, 2014). Neste contexto, a iniciativa adota uma abordagem inteligente ao consumo de energia; cria salvaguardas à demanda por recursos hídricos; minimiza a geração de resíduos e maximiza seu reúso; promove a saúde e o bem-estar do usuário; mantém a nossa paisagem verde; cria estruturas resilientes e flexíveis; tem a capacidade de nos conectar; e considera todos os estágios de ciclo de vida da construção de determinado edifício (UNEP, 2014). Vê-se a incorporação da sustentabilidade na cadeia de abastecimento da construção como uma condição necessária para se alavancar a entrega de “edifícios verdes” e perceber essas oportunidades de maneira viável e difundida no campo comercial. Em seu contexto socioeconômico mais amplo, o “esverdeamento” da cadeia tem potencial para realizar múltiplas oportunidades ambientais, sociais e econômicas, o que se estende muito além das fronteiras de um “edifício verde” propriamente dito. A transição para o uso de métodos mais eficientes de utilização dos recursos, materiais e tecnologias pode trazer consigo uma vantagem competitiva e permitir novas economias de escala para as empresas e os países que se adaptarem mais rápido a este novo contexto. As novas habilidades e mudanças organizacionais que serão necessárias podem criar empregos, estimular o crescimento econômico e contribuir para a economia verde e de baixo carbono emergente (UNEP, 2014).

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Até o momento, percebe-se que há atenção considerável em assuntos como o consumo de energia e as emissões de gases de efeito estufa a partir de edifícios durante a sua operação. No entanto, os esforços para entender e minimizar o uso dos recursos na cadeia de abastecimento da construção parecem ser tentativas sistemáticas menos avançadas, e algumas têm sido feitas para avaliar as oportunidades para reduzir os impactos ambientais de um edifício e seus componentes ao longo de todo o seu conceito de ciclo de vida, abraçando a definição, a concepção, a construção, o uso e a demolição. O objetivo final deve ser identificar as opções e ações que, ao longo de todo o ciclo de vida do edifício ou em todo o setor da construção civil, possam obter benefícios ambientais, sociais e econômicos, tanto para negócios como para a sociedade (UNEP, 2014). O estudo Greening our Built Environment: costs, benefits and strategies, traduzido recentemente no Brasil pelo Secovi-SP, destaca o potencial de replicabilidade no Brasil da iniciativa americana de escolas verdes (green schools), onde foram verificados importantes benefícios, tais como: 25% de redução de sintomas de asma; 15% de redução de resfriados e gripes; e 3% de aumento em aprendizado, produtividade e desempenho. Detalhes na Figura 5. Figura 5 – Benefícios das escolas verdes

Fonte: KATS, 2009

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A iniciativa brasileira – Programa Construção Sustentável, da Câmara Brasileira de Construção Civil (CBIC) – reflete a visão e a vivência de todos os setores produtivos da construção com os diversos atores públicos, a sociedade civil, as universidades, as organizações não governamentais, os parceiros regionais e especialistas. O objetivo do programa é fazer com que as empresas, governos e sociedade repensem seus produtos, relações, serviços e estratégias, a partir das dimensões ambiental, social e econômica; a combater e erradicar a ilegalidade e a informalidade na cadeia produtiva da construção; a atuar de forma segura, eficiente e responsável junto a todos os seus públicos de interesse e ao meio ambiente; a conhecer e cumprir a legislação e, voluntariamente, exceder suas obrigações naquilo que seja relevante para o bem-estar da sociedade; e, por fim, a se comunicar com funcionários, fornecedores, parceiros e colaboradores para motivá-los ao protagonismo e ao desenvolvimento sustentável (CNI, 2012b). Os temas prioritários do Programa Construção Sustentável (PCS) são: água; desenvolvimento humano; energia; materiais e sistemas; meio ambiente, infraestrutura e desenvolvimento urbano; mudanças climáticas e resíduos. Conforme destacado pela CNI (2012b), o PCS aponta para o futuro, ou seja, para um tempo em que o setor da construção no Brasil esteja plenamente harmonizado com os conceitos de uso e reúso racional de recursos naturais; reciclagem; eficiência energética e redução das emissões de gases de efeito estufa e da produção de resíduos sólidos, tendo como objetivo central o desenvolvimento humano em toda a sua plenitude. Outro aspecto relevante a considerar é a visão de sustentabilidade na construção defendida pela academia. Em entrevista realizada pelos autores com a professora Raquel Naves Blumenschein, diretora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB (CDS-UnB), identificou-se a importância do tema para o país. No entanto, para efetiva quebra de paradigma e incorporação do tema “sustentabilidade” na construção, há de se buscar mais do que vontade política. Experiências internacionais sugerem o estabelecimento de uma rede de atores-chave – governo, indústria, academia e sociedade civil – atrelada a uma governança efetiva. Destaca-se o caso do Reino Unido, onde em 2006 o parlamento aprovou o Code for Sustainable Homes. O programa britânico estabelece padronização para sustentabilidade na concepção e construção de novas habitações. Busca reduzir as emissões de

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carbono e promover padrões elevados de sustentabilidade comparados aos padrões atuais. Abrange as seguintes medidas: energia, água, resíduo, poluição, materiais, prevenção de inundações, gerenciamento, saúde e bem-estar e ecologia. Usa métrica de ranqueamento de uma a seis estrelas para mensuração das nove medidas citadas. O programa é voluntário e não deve ser confundido com outras ações como a meta nacional de carbono zero em 2016.

CONSIDERAÇÕES GERAIS A partir das iniciativas públicas e privadas apresentadas, constata-se que a cadeia da construção civil é um complexo produtivo de peso relevante para o país em termos de geração de emprego, renda, produtividade crescente, mas que ainda se encontra em um estágio inicial de inserção no tema “sustentabilidade”, tal qual boa parte do resto do mundo. Na estrutura do PBM – política industrial 2011-2014 – existiu formalmente instituída uma coordenação sistêmica denominada “produção sustentável”, na qual duas orientações estratégicas se aplicam diretamente à construção civil: construção modular para a redução de resíduos em obras de construção civil e definição de critérios de sustentabilidade para edificações. Importa reforçar que essas ações estão contempladas na Agenda Estratégica Setorial da Construção, coordenada pelo MDIC e ABDI e, juntamente com o BIM, são eixos fundamentais para alcançar a construção industrializada e sustentável no país. Não obstante os esforços empreendidos pelo governo e setor privado nessa direção, há de se destacar a oportunidade e o enorme espaço que o Brasil tem para liderar avanços no tema, uma vez que a cadeia produtiva da construção civil, apesar de longa e heterogênea, permite incorporar ações de melhorias em seus diversos elos, refletindo em benefícios ao longo da cadeia, como é o caso da Coordenação Modular (CM) e do Building Information Modeling (BIM). A CM implica custos iniciais de adaptação do parque fabril de materiais (componentes, elementos e sistemas), que são cobertos posteriormente pela redução significativa dos resíduos na construção. Já o BIM incorpora benefícios de gestão integrada e coordenada de empreendimentos em todas as suas fases, com destaque para a incorporação de parâmetros de sustentabilidade dos componentes, elementos, sistemas aplicáveis à construção, o que permitirá simulações diversas de desempenho (energia, água,

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climatização, etc.) do ambiente construído na fase de projeto e construção, bem como de monitoramento de uso e manutenção. Além das ações supracitadas, outras iniciativas de governo no ciclo de política industrial 2011-2014 com enfoque na sustentabilidade da construção centraram esforços no apoio à normalização do setor, que é um passo fundamental para difusão dos conceitos e práticas. Sob o ponto de vista de desenvolver no país as diretrizes e experiências internacionais, como as destacadas neste artigo, vê-se a clara oportunidade de ajustes e alinhamento da política industrial, tanto quantitativa como qualitativamente, mantida a interdisciplinaridade do assunto. Tendo citado a experiência exitosa do Reino Unido, sugere-se maior estreitamento na articulação entre governo, setor privado e academia, buscando-se estabelecer uma rede de atores-chave e governança efetiva para quebra de paradigma e inserção do tema na política industrial. Dada a missão e perfil da ABDI, sugere-se que a agência tome a iniciativa de coordenar essa articulação com vistas à agenda do próximo ciclo de política industrial. No contexto das iniciativas privadas nacionais, destacam-se as ações do Programa de Construção Sustentável (PCS) da CBIC pela amplitude e abordagem do tema sustentabilidade na sua concepção. Nesse sentido, sugere-se que o governo poderia, já no próximo ciclo de política industrial, acelerar os estímulos nessa direção por meio de, entre outras ações, contratação de obras públicas – escolas, hospitais, presídios, creches e administração – que contemplem os requisitos de sustentabilidade, ainda que progressivamente. Os dados mostram que construção civil se constitui como um dos setores produtivos de maior impacto ambiental, requerendo atenção e foco de ações no que tange à agenda ambiental, seja sob a ótica de consumo de energia, emissão de gases de efeito estufa, demanda por matérias-primas, água e geração de resíduos. Considerando-se que o Brasil abriga um dos maiores ativos ambientais do planeta, cabe o compromisso de governo, setor privado e sociedade civil buscarem alinhar esses desafios com o protagonismo de liderar uma agenda internacional positiva para o setor, sendo a política industrial um dos instrumentos para tangibilizar essa oportunidade.

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A política industrial brasileira para o setor automotivo: desafios & perspectivas

Jackson De Toni Luis Cláudio França

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Resumo

O governo federal brasileiro vem retomando políticas industriais mais ativas ao longo dos últimos dez anos. Nessas políticas, a concessão de benefícios fiscais está quase sempre dissociada de contrapartidas da indústria, seja em termos de metas tecnológicas ou resultados comerciais. O Programa Inovar-Auto, lançado em 2012, avança nessa perspectiva ao estabelecer metas de nacionalização progressiva de componentes e, sobretudo, investimento em eficiência energética dos motores. O artigo examina o contexto de desenvolvimento da indústria automotiva no ambiente das cadeias globais de valor, analisa o conteúdo do programa, indicando um balanço positivo, mas com desafios de design e no plano institucional, os quais precisam ser enfrentados para sua sustentabilidade no longo prazo. Palavras-chave: Política Industrial, indústria automotiva.

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INTRODUÇÃO Este trabalho aborda os desafios da política industrial brasileira contemporânea por meio da análise do programa de incentivo fiscal à indústria automotiva, o Inovar Auto, de sua lógica de operação e das perspectivas abertas a partir de sua execução, desde 2012. Após a análise da lógica e do design do programa, a conclusão a que chegamos é que as características básicas do programa: a subordinação da concessão de benefício fiscal a um conjunto de investimentos das montadoras ao longo do tempo, a nacionalização de conteúdos e a eficiência energética dos motores, podem produzir efeitos objetivos na atração de centros de P&D e na agregação de valor ao produto nacional, colocando o setor em um novo patamar de competitividade a médio e longo prazo nos mercados internacionais. Porém, para que isso efetivamente aconteça, um conjunto de arranjos institucionais deverá ser desenvolvido com políticas públicas complementares e soluções específicas, as quais agreguem serviços de alto valor com o propósito de serem implementadas ao produto final. A contextualização do debate sobre a representatividade da cadeia automotiva na indústria brasileira é feita a partir do conceito de cadeias globais de valor na primeira seção. Essa seção demonstra que os esquemas conceituais da abordagem das cadeias de valor são adequados para identificar o atraso relativo do Brasil, em especial nos elos de business services da cadeia automotiva. A segunda seção avança na contextualização da trajetória da indústria automotiva brasileira. Aqui se evidencia o porquê que essa indústria é talvez a mais importante em termos de valor adicionado da indústria e as razões de seu atraso relativo vis a vis à indústria mundial. Finalmente, na terceira seção abordamos o programa “Inova Auto”, seus objetivos, metas e estratégias, em especial, os mecanismos de contrapartidas esperados e os impactos desencadeados no mercado. Na quarta e última seção, tentamos deduzir os impactos do programa, em especial, sua lógica conceitual para o conjunto da política industrial brasileira. Tal padrão deverá ser baseado numa nova relação público-privada, baseada em contrapartidas claras,

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mensuração de resultados e internalização de serviços de alto valor agregado, capazes de reposicionar o país no longo prazo em elos mais favoráveis das cadeias globais de valor. As conclusões sintetizam os impactos positivos do programa e apontam desafios para seu sucesso num futuro próximo.

AS CADEIAS GLOBAIS DE VALOR E A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL Na busca do aumento da eficiência coletiva global, a “globalização dos mercados” promoveu mudanças no processo produtivo mundial ao longo dos últimos anos, deixando as indústrias cada vez mais internacionalizadas, afetando geograficamente as atividades econômicas, não só de comércio, como também de produção, especializando as indústrias e países também em etapas do processo produtivo, e não somente na fabricação de bens. Uma complexa rede global de intercâmbio de produtos intermediários, tecnologias e investimentos assumiu o lugar dos tradicionais fluxos de produção, aumentando a participação de nações emergentes na produção de produtos de empresas líderes (grandes companhias e compradores globais). Países com poucas estruturas industriais integradas ganharam oportunidade de se inserir nesses novos arranjos empresariais, chamadas de Cadeias Globais de Valor (CGV), pelo encadeamento de produção de produtos dispersos globalmente para atender a um determinado mercado. Porém, vários elementos devem ser analisados, como a capacidade inovadora (upgrading) capaz de ser absorvida pelos diversos agentes envolvidos, o poder de governança (governance) dos diferentes segmentos constituintes das cadeias de produção, e as relações entre os agentes envolvidos e a coordenação de atividades entre os diferentes elos de uma cadeia de valor. Uma cadeia de valor descreve toda a gama de atividades necessárias para produzir um produto ou serviço desde a sua concepção, por meio das diferentes fases de produção (envolvendo uma combinação de transformação física e de prestação de serviços), à entrega ao consumidor final e destinação após o uso. Sob esse enfoque, o produto entregue ao consumidor final é a soma dos valores adicionados por cada um dos elos ao longo da cadeia de valor (KAPLINSKY; MORRIS, 2001). A figura 1 mostra o encadeamento dos elos em uma cadeia de valor.

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Figura 1 - Encadeamento de elos de uma cadeia de valor simples

Fonte: Adaptado de Kaplinsky e Morris (2001).

Segundo Gereffi (2003, apud GEIGER, 2011), é importante a identificação das empresas líderes e de todo o processo de como essas empresas governam os relacionamentos na CGV, pois são elas que controlam o acesso aos recursos mais importantes, tais como o projeto de desenvolvimento do produto, novas tecnologias, relações comerciais e não comerciais, marcas, marketing ou a própria demanda, e todos esses fatores controlados geram os maiores retornos para a indústria. Para ele, são estabelecidos dois tipos de redes globais: uma dirigida pelos fabricantes, que define as regras centrais na coordenação de redes de manufatura, usualmente transnacionais (automobilística, aeronáutica, produção de computadores e mecânica pesada), e outra pelos compradores, que coordena e dirige redes descentralizadas de produção distribuídas em uma variedade de países exportadores, tipicamente, localizados no terceiro mundo (atacadistas, varejistas e industriais de marca). Lüthje (2002, apud STURGEON et al., 2014) também reforça esses argumentos, porém separa a rede dirigida pelos fabricantes em “empresas líderes”, que controlam a marca e a concepção do produto (por exemplo, a Apple), e “líderes de plataformas”, que fornecem tecnologias de núcleo e componentes avançados (por exemplo, a Intel). Ele ainda acrescenta os fabricantes por contrato (contract manufactures) e os prestadores de serviços de terceirização de processos de negócios (BPO) (por exemplo, centrais de atendimento), observando que esses fabricantes tendem a ficar com os menores lucros, além de não conseguirem desenvolver a autonomia e as competências necessárias para criar e comercializar os seus produtos de marca própria. Com efeito, empresas que fornecem serviços simples e rotineiros (por exemplo, montagem) ganham menos, remuneram menos os seus empregados e

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são mais vulneráveis aos ciclos de negócios, porque são obrigadas a sustentar empregos em larga escala e elevado montante de capital fixo. A importância dada por Gereffi à governança no desenvolvimento das CGVs também é explicada por Kaplinsky e Morris (2001), por essa governança criar condições para o melhor aproveitamento das externalidades do arranjo empresarial, assegurando que as interações sigam uma ordem lógica de produção evitando, assim, relações puramente mercadológicas, e, além disso, por estimular o aprendizado coletivo e a inovação. Por ser uma cadeia produtiva tipicamente comandada pelo “produtor”, e uma das mais importantes de geração de emprego, renda e investimentos industriais do século XX, a indústria automobilística tem sido alvo de vários estudos sobre CGV. Atualmente, as linhas de produção seguem a metodologia conhecida como “Sistema Toyota de Produção”, que trouxe uma nova forma de relacionamento entre as montadoras e os seus fornecedores, diferente do sistema inicial de produção em massa de Henry Ford, quem inventou esta linha de produção para produzir o Ford T. No Sistema Toyota de Produção, as montadoras transferem para os seus fornecedores de 1º Nível as atividades que fogem ao seu negócio principal. Esses fornecedores, que em algumas vezes instalam suas unidades produtivas dentro da linha de montagem de veículos dos seus clientes, também possuem outros fornecedores especializados de 2º Nível, os quais podem tanto fornecer produtos para os fornecedores de 1º nível quanto às próprias montadoras. Já os fornecedores de 3º ou 4° níveis suprem os fornecedores de 1º e 2° níveis, dificilmente, fornecendo diretamente para a montadora de veículos. Esse modelo cria uma pirâmide de fornecimento que permite às montadoras relacionarem-se com um número menor de fornecedores comparativamente ao modelo anterior de produção de massa. A cadeia de valor da indústria automobilística é representada, também, à jusante na cadeia, pelo comércio de veículos, representado principalmente pelas concessionárias e pelas empresas comerciantes de peças de reposição, embora envolva também a prestação de serviços de assistência técnica.

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Figura 2 - Modelo da cadeia de valor da indústria automobilística

Fonte: TORRES (2011)

Os 1° e 2° níveis de fornecedores são geralmente responsáveis pela coordenação dos elos e entregam as armações dos sistemas e conjuntos montados aos sistemas ou módulos do veículo, já no 3° nível, concentram-se as empresas que fornecem componentes que serão montados em subconjuntos, sistemas ou módulos. O 4°nível de fornecedores é composto por empresas de grande porte, em função dos altos investimentos iniciais necessários para gerar a escala econômica de forma a tornar os produtos competitivos, são fornecedores de matérias-primas como ferro fundido, aço, metais não-ferrosos, resinas plásticas, borracha, cerâmicas, compósitos etc. (TORRES, 2011). Segundo ANFAVEA (2006), é no 3° nível onde se encontra a maior pressão em função de seu pouco poder de barganha junto a fornecedores e clientes, baixa escala de produção e exposição à concorrência internacional. É nesse nível que se concentra a maior fatia das indústrias de autopeças do Brasil. Com a difusão do modelo organizacional da Toyota, a indústria automobilística se voltou para o processo de globalização, marcado fundamentalmente pelo aumento do investimento estrangeiro direto, pela produção global e pelo comércio exterior. Países como Brasil, China, México e Índia atraíram as grandes montadoras pelo

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crescimento do mercado interno e pela ampla oferta de trabalho. O objetivo destas montadoras era ganhar o mercado local e exportar de volta aos países centrais, conforme Sturgeon et al. (2009, apud TORRES, 2011). Essa corrida para os mercados emergentes proporcionou uma mudança geográfica na produção das quatro principais montadoras de veículos do mundo (TORRES, 2011). Conforme a Figura 3, A Ford, em 2000, tinha grande parte da sua produção dividida entre a América, com 67%, e a Europa, com 31%. Em 2009, a sua produção na América caiu para 49%, e na Europa subiu para 39%, aumentando também a participação da produção na Ásia, em função da estratégia de ingressar nos mercados emergentes (principalmente China e Índia). Figura 3 - Distribuição regional da produção de veículos da Ford, GM, Toyota e VW, 2000 e 2009

Fonte: TORRES (2011).

Movimento semelhante é observado na GM. Em 2000, 74% da sua produção estava na América, 24% na Europa e 2% na Oceania. Em 2009, a Ásia apresentava o mesmo percentual da América (40%), e a participação da Europa caiu para 18% do total. A Toyota, ao contrário da Ford e da GM, apresentava em 2000 sua produção concentrada na Ásia com 75%, apenas 16% na América e 6% na Europa. Em 2009,

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houve uma pequena redução da participação da Ásia (71%) e um aumento da participação da América (19%), resultante principalmente da estratégia de expansão da empresa na América Latina. Por fim, a VW, com produção concentrada na Europa e na América em 2000 (74% e 19% respectivamente), teve um forte crescimento na Ásia, a exemplo da GM, tendo a participação desse continente aumentado de 6% para 20% em 2009, reduzindo sua produção na Europa para 60% e manteando o percentual de 19% na América. Para analisar a inserção do Brasil nas CGVs, é necessário levar em conta sua posição relativa entre os exportadores mundiais e no grupo dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Estudos setoriais sobre a inserção brasileira às CGVs ainda são escassos, porém, um ranking de inserção em cadeias globais de valor elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD (UNCTAD, 2013) - relata que, em 2010, o Brasil detinha uma taxa de integração de 37%, figurando-se em 24° lugar dentre os 25 maiores exportadores mundiais. Com relação às economias em desenvolvimento, assumia o posto em 22° lugar, dentre os 25 maiores exportadores mundiais e, com relação aos BRICs, o Brasil só superava a Índia (36%), ficando atrás da China (59%), África do Sul (59%) e da Rússia (56%). Esses números apresentam o Brasil pouco integrado às CGV, mas, segundo ANFAVEA (2006, apud GEIGER, 2011), a cadeia automotiva brasileira vem evoluindo de forma alinhada às principais tendências mundiais. A internacionalização das empresas, o conceito de plataforma de veículos e o fornecimento de módulos e sistemas são tecnologias já dominadas pelas filiais das montadoras e sistemistas no Brasil, bem como nas demais empresas fornecedoras de autopeças. Um estudo recente publicado pela CNI no Brasil em 2014 (STURGEON et al., 2014) ressalta os ganhos que o Brasil poderia obter se tivesse uma inserção mais efetiva nesses arranjos empresariais (CGV). Eles apontam que “para os países em desenvolvimento, os fluxos de comércio, investimentos e conhecimento que sustentam as CGVs geram mecanismos de rápida aprendizagem, inovação e upgrading industrial”. Tais CGVs “garantem a empresas locais mais acesso a informações, novas oportunidades para uma rápida aprendizagem tecnológica e desenvolvimento de habilidades”, e que essas melhorias podem ser sentidas em muitas outras áreas e não apenas nas empresas e setores voltados para a exportação.

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Nesse estudo (STURGEON et al., 2014), os autores expõem que o Brasil está se integrando à CGV em um momento histórico diferente, e que conta com mecanismos de alavancagem que podem melhorar a sua participação. Descreve que em muitos aspectos a explosão das CGVs, na década de 2000, negligenciou o Brasil, mas que atualmente as cadeias estão se expandindo, e agora o país tem a oportunidade de virar a sua entrada tardia a seu favor. Afirma que empresas líderes estão começando a terceirizar e fazer offshoring de processos de negócios mais intensivos em tecnologia e conhecimento, colocando o Brasil em uma excelente posição, e as políticas de industrialização por substituição de importações adotadas no passado, embora não tenham tido sucesso em estimular o desenvolvimento de indústrias totalmente competitivas e independentes, criaram áreas de excelência que podem, com uma combinação adequada de políticas, desempenhar papéis importantes nas CGVs daqui para frente. O Brasil, como a China, tem um grande mercado interno, isso lhe permite implantar políticas industriais que em um país de menor tamanho seria impossível, como regras de conteúdo local e incentivos fiscais, além de ser um ator estratégico no centro do MERCOSUL. Como o México, a distância física do Brasil aos grandes mercados do Norte não é um obstáculo, diferentemente do que ocorre no caso das indústrias produtoras de bens, podendo rapidamente colaborar em atividades de conhecimento intensivas das CGVs. Pelas mesmas razões, a proximidade temporal e cultural do Brasil com a Europa Ocidental também é uma vantagem. Para Torres (2011), o fenômeno global das CGVs impõe às indústrias a necessidade de aumentar sua capacidade competitiva, não apenas a sua eficiência produtiva, mas também a eficiência dos fornecedores em toda a cadeia sistêmica. As novas tecnologias e formas de organização industrial, a internacionalização da produção e a facilitação do comércio exterior tornaram possível uma ampliação da divisão social do trabalho em escala mundial. A interligação e interdependência da produção de diferentes componentes de uma mesma mercadoria, cujas unidades produtivas estão dispersas geograficamente por todo o globo terrestre, implicam na necessidade de uma perspectiva analítica que transcenda o nível da firma, da indústria ou da nação. Tendo como visão a indústria automobilística, as frequentes críticas à isenção fiscal do setor, ao financiamento público dos investimentos, à baixa geração de empregos diretos e ao crescente número de benefícios ao setor automotivo em detrimento dos demais, a abordagem da CGV permite trazer à discussão elementos como a

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exigência de conteúdo local na composição dos veículos, a atualização tecnológica, a necessidade de centros de pesquisa e desenvolvimento para o mercado local e aumento da capacidade produtiva e sistêmica. Quais os desafios e oportunidades relacionadas à CGV? No contexto das CGVs, o Brasil tem muitas oportunidades e desafios para crescer, competir, formar pessoas, gerar empregos e elevar a qualidade de vida da população, além de desafios para oferecer maior arrecadação aos cofres públicos. Porém, necessita de ajustes importantes tanto por parte dos formuladores de políticas quanto do setor privado. A instabilidade das políticas industriais, a precária infraestrutura, a excessiva burocracia, corrupção e altas taxas de juros no país fazem com que os industriais tenham dificuldades para se projetarem no futuro e se integrarem às CGVs. Segundo o ranking “Doing Business 2013”, do Banco Mundial, o Brasil ocupa o 130° lugar do mundo em termos de facilidade de fazer negócios, atrás de China e Rússia e o 156° lugar em termos de pagamento de impostos. As políticas industriais e a própria indústria precisam identificar nichos específicos de alto valor nas CGV em que o Brasil é competitivo ou pode se tornar competitivo. O Plano Brasil Maior (PBM) trouxe várias medidas para melhorar a competitividade, produtividade e tecnologia, porém não identificou e incentivou o crescimento de nichos específicos com vantagens competitivas. Os instrumentos das políticas industriais devem acompanhar as mudanças globais. As exigências de conteúdo local devem ser ponderadas, pois oneram os mercados em que a terceirização global se torna norma. Essas exigências devem ser flexíveis a ponto de contribuir para que as empresas no Brasil se especializem em nichos específicos e adaptados tanto ao mercado interno quanto ao mercado similar no exterior. Considerando as novas características do comercio internacional como o grande facilitador da integração às cadeias produtivas globais, as políticas comerciais devem direcionar, de maneira positiva, a integração das empresas nacionais em CGVs, ou na atração de atividades de alto valor agregado para o país. Para isso, é necessário maior equilíbrio entre as políticas de proteção do mercado e as políticas de promoção da inserção nas cadeias produtivas globais. Nesse cenário, há reduzido

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espaço para economias que queiram internalizar o máximo das diversas etapas de agregação de valor de um produto, ou a exportação de bens finais, principalmente, aquelas com indústrias pouco inovadoras e ineficientes. Esse movimento seria inócuo frente à tendência vigente nos processos de globalização produtiva. Entre os desafios, o Brasil necessita superar a tendência histórica ao protecionismo não competitivo verificado ao longo de sua trajetória de industrialização, ainda que justificado conjunturalmente como reação ao agravamento da crise econômica e financeira internacional. Cabe também na agenda estratégica o provimento de um ambiente regulatório e de infraestrutura capazes de tornar o País mais atrativo para a internalização de etapas do processo produtivo global em seu território.

A REESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA DESDE OS ANOS OITENTA Nos anos oitenta, a indústria automotiva sofreu um grande processo de reestruturação mundial. Motivados pelos sucessivos aumentos dos custos do petróleo e pela queda mundial de vendas, novos padrões concorrenciais começaram a se consolidar. Tais padrões resultavam de um processo de inovação e adaptação que implicavam numa nova lógica de organização produtiva, de relacionamento com o mercado e fornecedores e novos modelos de negócios. O Japão foi o locus privilegiado dessas mudanças, imprimindo grandes rupturas no final dos anos oitenta e sobretudo nos anos noventa. O novo padrão concorrencial estava baseado em novas técnicas produtivas, novas tecnologias do produto e design. As tradicionais montadoras europeias e norte-americanas sofreram um processo abrupto de internacionalização e concorrência da indústria japonesa. O principal subproduto desse período foi a disseminação do conceito de “carro mundial”, isto é, da formação de cadeias de valor cada vez mais globalizadas e desterritorializadas em relação às matrizes. O processo inovativo é sempre cumulativo, combinando inovações incrementais e inovações radicais. A indústria tradicional já havia desenvolvido uma séria de itens relevantes nos anos sessenta e setenta. A tração dianteira, os freios a disco, a injeção de combustível, a compactação das carrocerias, a transmissão de cinco velocidades e uma alta relação entre força e peso, a direção hidráulica, o ar condicionado e o câmbio automático já haviam marcado o período precedente.

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A nova concorrência japonesa, baseada em inovações no comando de válvulas e eletrônicos para viabilizar motores pequenos de baixa potência e baixo consumo, induz inovações e melhorias incrementais na própria indústria brasileira. Na década de dois mil, entre 2000 e 2008, conforme a PINTEC-IBGE, o número de firmas da indústria que realizaram alguma inovação de produto foi de 39% para o setor de fabricação e montagem de veículos, e de 30% para fabricação de peças e acessórios. Mas esse processo tem origens bem mais remotas. Normalmente, a história da migração de plantas industriais automotivas dos países já desenvolvidos para os países em desenvolvimento implica na cópia quase total dos projetos elaborados em centros de P&D dos países onde estão as matrizes. Em 1973, a Volkswagen, montadora de origem alemã, quebra parcialmente esse paradigma ao lançar o automóvel “Brasília”, destinado exclusivamente ao mercado brasileiro e desenvolvido na sua maior parte em território nacional. Os ciclos de vida que eram de 11 a 15 anos foram progressivamente reduzidos até aos 4 a 5 anos da indústria contemporânea. A FIAT em seguida lança o modelo “Fiat 147” já fabricado na Itália, em 1976. Explorando a estratégia dos carros pequenos de baixa potência, a mesma montadora lança o “Uno Mille” na década de noventa, alavancando sua participação no mercado nacional de automóveis para 26% naquela década. Também na década de noventa, a FIAT agrega novas tecnologias como o air bag, injeção eletrônica multiponto e freios ABS aos seus modelos mais elitizados. Uma inovação importante, dessa vez no campo dos serviços de venda, foi o “Palio On Line”, permitindo a customização pelo consumidor de partes importantes do produto como a cor, modelos e equipamentos específicos. Os conceitos que presidiram essas inovações foram a diversificação de produtos, customização pelo cliente e priorização dos veículos de baixa potência. As demais montadoras seguiram a mesma trajetória, investindo em modelos compactos, como “Corsa” da General Motors, além de comerciais leves como a “S-10” e a “Silverado”. Uma diferença importante na estratégia da GM foi estabelecer uma segmentação de mercado a partir da mesma plataforma, por exemplo, no modelo Corsa com três versões: Classic, Prisma e Sedan. Além da inovação de produto as montadoras instaladas no Brasil, desenvolveramse ao longo da década de oitenta e noventa diversas inovações de processo, sobretudo, na maior flexibilização da produção e na introdução de tecnologias suportadas pelos avanços da microeletrônica. Técnicas hoje comuns e mesmo obsoletas provocaram grande aumento da produtividade naquele período: o controle numérico computadorizado (CNC), sistemas de desenho assistidos por

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computador (CAD), manufatura auxiliada por computador (CAM), entre outros. Novos métodos produtivos se associaram a novos materiais para dar mais versatilidade ao processo de customização dos produtos e a crescente automação das linhas produtivas. Tudo isso aumentou dramaticamente os investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento, feitos quase exclusivamente pelas matrizes em função da necessidade de uma força de trabalho muito mais qualificada. A necessidade de ciclos mais curtos de produto e rapidez nas modificações das linhas de produção alterou a relação entre as montadoras e sua cadeia de suprimentos e fornecedores. O resultado imediato foi a necessidade de maior grau de especialização da produção, então, as montadoras se concentraram na montagem de conjuntos inteiros dos automóveis, delegando para um conjunto de fornecedores a produção dos sistemas específicos. Esse processo ficou conhecido como single-sourcing, baseado numa relação mais permanente e de longo prazo entre a montadora e seus sistemistas, a montante na cadeia produtiva. A desverticalização produtiva transformou a montadora numa espécie de certificadora, as tarefas fabris de manufatura foram delegadas a terreiros. A disseminação de técnicas de produção compactadas (lean manufacturing ou Sistema Toyota de Produção) permitiu reduzir, cada vez mais, o tempo de fabricação de um veículo e seus dez mil componentes, distribuídos em cem sistemas específicos agrupados em três grandes grupos: chassis, carroceria e motor. Obviamente, as inovações de produto e processo só foram possíveis porque houve também um conjunto de inovações nos arranjos organizacionais e no modelo de negócio das montadoras brasileiras. Não há um único modelo organizacional em vigor, embora existam traços em comuns entre as grandes montadoras. Pelo menos, três vetores são importantes para definir os rumos da inovação organizacional: o core de competências adotado, as mudanças tecnológicas escolhidas e a evolução das formas de competição do mercado. A forma de organização do trabalho talvez seja a inovação organizacional mais visível. Tarefas mais complexas associadas ás máquinas multiusos e ciclos produtivos cada vez menores e mais customizados exigem equipes mais qualificadas, trabalhando mais coletivamente com achatamento de níveis hierárquicos e funcionários polivalentes, por exemplo. Uma das inovações mais importantes ocorreu na estratégia de gestão da cadeia de suprimentos. A cadeia de suprimentos de uma planta automotiva é uma rede complexa de firmas envolvidas nas etapas de comercialização do produto e dos serviços até o consumidor final em diversas funções (logística, distribuição e

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

vendas, por exemplo). Após a fase de proteção mais intensa da indústria nacional (o que conhecemos como fase de substituição de importações), a cadeia de suprimentos foi globalizada com maior integração aos mercados externos. Dois tipos de estratégia, a primeira conhecida como follow sourcing, incentivando os fornecedores a se localizarem geograficamente próximos às plantas, e a segunda, o carry over, na qual o mesmo projeto é usado em diversos países com fornecedores globais. O saldo da balança comercial de autopeças caiu de R$ 1,2 bilhões em 1990 para R$ 2,5 bilhões negativos em 2008, indicando, mais do que a constante apreciação cambial, um processo de desnacionalização e consolidação de uma estratégia de outsourcing. Exemplo mais notório desse modelo foi o condomínio industrial formado pela Volkswagen/Audi em São José dos Pinhais, reunindo no mesmo layout os serviços de comunicação, estamparia, treinamento, armação e montagem final dos componentes. Os resultados mais imediatos deste sistema foram os aumentos de produtividade, pela redução de custos logísticos e de mudanças nas especificações, ganhos de escala e mais flexibilidade na produção. Conforme Frainer (2010), as mudanças estruturais na indústria automobilística brasileira desde os anos noventa, mas especialmente na década de dois mil, podem ser resumidas – do lado da oferta – numa desconcentração de mercado, com ampliação da concorrência e diversificação tecnológica dos produtos e - pelo lado da demanda – na ampliação do mercado via crédito e na maior sofisticação nos padrões requeridos de qualidade e diversidade, resultado do aumento de renda média dos consumidores. Segundo alguns autores, esse processo notabilizou-se pela modularização do processo produtivo (SANTOS 2001; SALERNO, CAMARGO e LEMOS, 2007). A modularização não significa necessariamente proximidade física à montadora, dependendo do volume e dos custos logísticos envolvidos, as distâncias poderão ser variáveis. Nas atividades modularizadas (consórcio industrial ou condomínio industrial), há uma divisão dos riscos e dos investimentos com os fornecedores de primeiro escalão, isto é, daqueles componentes mais complexos e que agregam mais valor ao produto final. Nesta configuração, os fornecedores assumem responsabilidades no provimento de serviços de assistência técnica e participam diretamente das soluções de problemas que surgem na linha de montagem, como alterações no planejamento de entregas, mudanças no design ou especificações técnicas. Nos arranjos modulares, a montadora segmenta os fornecedores em quatro níveis ou escalões (ou camadas), conforme critérios de capacitação tecnológica, co-

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desenvolvimento de componentes, capacidade de oferta, logística de distribuição, preço e qualidade, reputação, importância dos itens na montagem final e capacidade financeira para investimento (COSTA, R. e HENKIN, H. 2012). Assim, no primeiro nível ficam os produtores dos sistemas de mais valor (conjunto motor, suspensão, etc.); num segundo nível, seus fornecedores, num terceiro nível, fornecedores de peças e elementos isolados e num quarto nível, os provedores de matérias primas. Em todos os casos, a montadora detém o controle da operação, o que diferencia as variações é a montagem dos módulos, ora feita pela própria montadora, ora realizada pelos sistemistas diretamente na linha de fabricação. Cabe à montadora os processos finais de certificação e controle da qualidade (ALVAREZ, 2004). Fica evidente que nesse esquema produtivo-organizacional a atividade preponderante é a coordenação das partes moduladas, papel desempenhado com exclusividade pela unidade-sede da planta industrial, normalmente, nos países de origem das plantas industriais, isto é, na sede do projeto. Em suma, o processo de reorganização da indústria automotiva ocorrido nas últimas duas décadas nos seguintes quesitos: •

Busca de economias de escala por meio da criação de plataformas mundiais para fabricação de veículos;



Busca de economias de escopo por meio do emprego maciço de microeletrônica e tecnologia de comunicações, implicando em automação crescente (produção enxuta), decorrentes da produção flexível;



Modelo de produção modularizada no qual cada sistema é montado de forma independente ou diretamente na montadora, reduzindo custos logísticos (tempos de produção, resposta e reparos). Atividade de coordenação torna-se competência estratégica no modelo de negócios;



Especialização produtiva em modelos customizados a partir de plataformas mundiais com escalas pequenas de alto valor agregado para consumo de alta renda (segmento luxo e off-road) e larga escala de compactos com menos potência para consumidores de renda média;



Redução do número de fornecedores e desintegração vertical da produção;



Criação de condomínios e consórcios industriais: produção enxuta, modularizada e flexível (passagem do fordismo para o toyotismo);

301

Os desafios da Política Industrial Brasileira



Acirramento das condições de concorrência no Brasil com entrada de novos players no mercado interno, em especial, montadoras asiáticas. Aumento das alianças estratégicas entre as empresas para atuação em mercados regionais28;



Aumento significativo no esforço de vendas com crescimento exponencial de gastos com fixação de marcas, publicidade e marketing, canais de distribuição (rede de concessionárias e serviços exclusivos) e sofisticação do pacote de serviços oferecidos aos consumidores, inclusive crédito e financiamento próprios;



Divisão do trabalho baseada na permanência da sede dos projetos (nas matrizes) as atividades de coordenação produtiva, Pesquisa e Desenvolvimento, Marketing e Design mundial dos produtos;



Globalização crescente das cadeias de suprimento (outsourcing, follow source e follow design), incluindo serviços, tendência crescente ao outsourcing com divisão de custos e responsabilidades de investimento;



Aumento de investimento externo direto para mercados emergentes com alto potencial de consumo.

Esse processo de reestruturação mundial aconteceu de forma desigual no Brasil. O mercado brasileiro está entre os seis maiores do mundo. Segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores, a ANFAVEA, que representa o setor, a produção de autopeças corresponde a 21% do PIB industrial do país e 5% do PIB total. O faturamento total gira em torno de US$ 120 bilhões/ano, gerando uma arrecadação tributária de US$ 31 bilhões/ano. O setor emprega direta e indiretamente 1,5 milhão de trabalhadores e possui uma capacidade instalada atual para produzir até 4,3 milhões de unidades anuais. As montadoras enviaram para suas matrizes lucros da ordem de R$ 5,6 bilhões em 2012. O mercado nacional historicamente foi muito protegido e por isso sofreu estruturalmente defasagem no padrão tecnológico dos produtos e serviços. A

28 Cabe registrar também o aumento do processo de fusões & aquisições como uma resposta à queda de demanda mundial e a necessidade de redução de custos. Os exemplos mais recentes foram a venda das marcas Jaguar e Land Rover pela Ford para a indiana Tata Motors em 2008 e a venda da Volvo para a chinesa Geely em 2010. Quanto às alianças estratégicas a mais notável foi a criação do grupo DaimlerChrysler entre 1998 e 2007.

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mesma proteção não incentivava investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento, essa deficiência não ameaçava a sobrevivência das empresas, dado o padrão não competitivo do mercado. Poucas montadoras operavam no Brasil29, fato que começou a mudar com a maior abertura comercial a partir do início dos anos noventa. A estabilização da moeda em meados daquela década gerou um efeito renda positivo na economia que, aliado à apreciação cambial, gerou intenso processo importador como se pode constatar no gráfico a seguir: Gráfico 01 - Licenciamento de Autoveículos Novos Importados pelo Brasil

Fonte: COSTA, R. e HENKIN, H. 2012

O interregno entre 1998 e 2003, quando cai a importação de veículos novos, pode ser resultante, conforme Costa e Henkin (2012), da combinação de diversas crises externas sobre os mercados: crise asiática em 1997, a moratória russa em 1998 e a crise argentina entre 1999 e 2002. Nesse período, houve também a instalação de novas marcas no país, contribuindo para reduzir, ainda que momentaneamente, a entrada de autoveículos novos. As políticas industriais mais recentes apoiaram efetivamente o setor- cabe assinalar o Regime Automotivo de 1995 que reduziu alíquotas de impostos de máquinas, equipamentos e matérias-primas do setor, elevação da tarifa de importação de veículos novos e fixação de índices mínimos de conteúdo nacional. Outro fator importante foi a constatação de que o Brasil, no contexto do Mercosul com uma tarifa externa comum de 35%, poderia se constituir numa plataforma de exportação regional para os demais países da América Latina.

29 Ford, General Motors, Volkswagen, Fiat, Toyota, Merceds-Benz, Scania, Volvo e Agrale.

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Essa conjuntura peculiar motivou uma retomada dos investimentos nos setores que eram cadentes desde 1996. Esse novo ciclo caracteriza-se pela entrada de novas marcas no mercado doméstico, tais como a Nissan (2002), Peugeot (2001), Iveco (2000), entre outras. Gráfico 02 - Investimentos da Indústria Automobilística no Brasil

Fonte: COSTA, R. e HENKIN, H. 2012

Além da ampliação da capacidade instalada, os novos investimentos inseriram, ainda que lenta e progressivamente, a indústria nacional nas mudanças em curso no mercado mundial. Novas tecnologias foram introduzidas, sobretudo na produção de motores bicombustíveis e em itens de segurança e conforto30, maior proximidade das subsidiárias e filiais nacionais às matrizes, algumas montadoras adotaram o conceito de produção enxuta, just in time, e condomínios industriais e, assim, houve significativos ganhos de escala e escopo. O resultado desse processo de modernização ou de ajuste doméstico às tendências internacionais pode ser checado pelo crescente aumento da produtividade desde o final da década de oitenta, conforme mostra a tabela a seguir.

30 Segundo McKinsey (2013), a incorporação da “internet das coisas” na tecnologia veicular vai provocar até 2025 um aumento de até 30% de uso de sensores na frota mundial com redução de até 25% nos custos de seguros e danos nos veículos gerados por colisões.

304

Tabela 01 - Produção, emprego e produtividade na indústria automobilística brasileira

A partir de 2004, há uma inflexão nesse processo. A taxa de motorização brasileira – de quase seis habitantes por veículo em 2012 - é historicamente inferior à dos países já desenvolvidos, que é de aproximadamente 2 habitantes por veículo. Havendo potencial de mercado, sobretudo pela política de incentivos fiscais do lado da oferta e de crédito do lado da demanda, verificou-se uma expansão acelerada da capacidade de produção, saltando de 2,3 milhões de unidades em meados da década passada para quase quatro milhões de unidades em 2013. Desses, aproximadamente 560 mil unidades são exportadas31. A importação de veículos saltou de quase 62 mil unidades em 2004 para 700 mil unidades em 2013 (20% dos licenciamentos). As condições de concorrência foram drasticamente alteradas pela entrada de montadoras japonesas e, depois, as chinesas, indianas e coreanas, com modelos de menor custo (mesmo incluindo o custo de importação) e com diferenciais de tecnologia embarcada superiores, resultado do longo processo de catching up e capacitação tecnológica por imitação das marcas tradicionais realizado desde os anos setenta nos países de origem. As montadoras já instaladas, por seu turno, responderam topicamente, acelerando o processo de “tropicalização” de alguns modelos. A FIAT, por exemplo, desenvolveu o modelo “Palio” com participação equivalente em P&D da subsidiária local e a matriz italiana. 31 O Brasil tem o 21º lugar no ranking dos exportadores mundiais (2013).

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

O efeito demonstração valeu também para balizar a reação de marcas mais recentes no país. A Renault, por exemplo, desenvolveu o modelo “Sandero” nesse mesmo contexto, sempre focando o segmento compacto de baixo preço, o core business do mercado brasileiro e latino americano. A complexidade da conjuntura atual depende muito de quão exitoso será o mais recente programa federal de incentivos ao setor, o novo regime automotivo (20122017), conhecido como “Inovar Auto”, que estabelece vários diferenciais com os programas anteriores, Segundo COSTA, R. e HENKIN, H. 2012: 4Os fatores capazes de influenciar o nível de competitividade do setor são variados e se inter-relacionam. A capacidade de inovação talvez seja o principal, pois o padrão concorrencial desse mercado, o oligopólio, baseia-se na diferenciação do produto, e menos na competição por custos e preços. A adoção crescente de eletrônica embarcada nos diversos sistemas (aceleração, frenagem, tração, estabilidade, combustão, dirigibilidade, injeção eletrônica, segurança, navegação e entretenimento) tem sido o principal drive de mercado. A capacidade de inovação nas novas formas de propulsão (biocombustíveis, híbridos, célula de combustível e elétricos) é atualmente o maior desafio tecnológico. A política macroeconômica é outro fator decisivo, em especial, a taxa de câmbio, o nível de juros e o regime tributário. O câmbio influencia diretamente a estratégia de suprimentos e os cenários de expansão da base produtiva. O nível de juros determina o peso do financiamento que atinge diretamente os níveis de demanda. Já a política tributária atua no incremento de custos diretos e indiretos, pela complexidade dos vários regimes sobrepostos, bem como no impacto variado de medidas fiscais específicas, como as desonerações e incentivos. Câmbio e tributos influenciam também a estrutura de proteção, adotada por diversos países, afetando o alcance dos acordos regionais e interblocos, bem como a possibilidade de acesso à novas tecnologias e mudanças nas barreiras de entrada ao mercado. Após a crise mundial de 2008, as montadoras instaladas no país aumentaram substantivamente a remessa de lucros às matrizes no exterior. Esse processo interrompeu ou diminuiu os níveis de investimento nas plantas locais. A interpretação dominante indica um processo de recuperação de resultados negativos diante da retração mundial de vendas e aumento da capacidade ociosa das plantas instaladas. O gráfico a seguir evidencia a disparidade entre o investimento direto externo no setor e a remessa de lucros e dividendos. Em 2010, a título de exemplo, para cada dólar investido no país, US$ 8,9 foram enviados às matrizes no exterior. Outros elementos

306

tornam a dependência de investimentos externos no mercado brasileiro um fato singular. Quase 90% da produção está concentrada em quatro grandes montadoras (Volkswagen, Fiat, GM e Ford), indicando um mercado muito mais concentrado do que os padrões mundiais, apesar do declínio dessas montadoras nos últimos dez anos (elas ainda detém 75% do mercado). Recentemente, no contexto ainda da crise de 2008, o aumento da demanda doméstica foi crescentemente atendido por oferta externa (importações), com baixa capacidade ociosa das plantas locais.32 Certamente a melhor condição para a economia nacional teria sido o aumento do investimento para ampliação da capacidade produtiva. Gráfico 03 - Remessas de lucro e IDE no setor automotivo brasileiro

Fonte: BCB

A crise internacional não afetou somente a capacidade produtiva das plantas localizadas no Brasil, houve uma retração nos investimentos em inovação e pesquisa

32 Em 2012 o Brasil se tornou o terceiro mercado mundial consumidor, ultrapassando a Alemanha e o Japão. A melhoria relativa do Brasil resultou como se sabe da combinação da retração de mercado nos países centrais, juntamente com políticas de aumento de renda, crédito e incentivos fiscais no Brasil.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

& desenvolvimento. Tradicionalmente, o setor investe muito em P&D. Entre as mil empresas que mais investiram em P&D no período 2009/2010, setenta e duas delas eram do setor automotivo, correspondendo a cerca de 16% dos investimentos totais. Houve uma redução dos gastos em relação ao período 2008/2009 (Guevara et ali, 2010), em especial, das montadoras de origem norte americanas em relação às europeias e asiáticas. Como já foi mencionado, as principais rotas tecnológicas na agenda de P&D estão relacionadas às novas formas de propulsão, conforme resumidas na tabela a seguir. Tabela 02 - Diferentes formas de propulsão dos veículos

Fonte: www.electricdrive.org

A venda de veículos elétricos tem crescido exponencialmente em mercados importantes, como o norte-americano (por volta de 3% a 4% da frota total), como também dos veículos com tecnologias híbridas. No Brasil, 85% a 90% das vendas já são de veículos bicombustível (gasolina e etanol), como decorrência de longos anos de investimento em P&D para adaptação dos motores e sistemas de injeção de combustível. Há claramente uma possibilidade, ainda em aberto, de focar o investimento brasileiro em P&D em veículos híbridos, combinando o uso do etanol – cujas vantagens comparativas já estão consolidadas – e a propulsão elétrica, ainda com desafios tecnológicos não dominados. O investimento em P&D das montadoras nacionais correspondeu em 2008 à quase 30% dos gastos realizados no país em inovação interna às empresas e 16% dos gastos totais (PINTEC, 2008).

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Os gastos do setor são superiores à média nacional, entretanto inferiores aos observados nas matrizes no exterior, em média, 5% de suas receitas. Na fronteira tecnológica do setor, está a pesquisa sobre veículos autônomos e quase-autônomos apontada como uma das megas tendências tecnológicas disruptivas para os próximos vinte anos. Um veículo autônomo poderá navegar para uma destinação específica (usando tecnologia GPS e Laser), movendo-se com segurança entre outros veículos e obstáculos, otimizando o gasto com combustível e o desgaste de materiais. A Google recentemente produziu um protótipo baseado no Toyota Prius, percorrendo trezentas mil milhas sem acidentes.33 Segundo McKinsey (2013), o impacto total poderá ser de até U$ 1,9 trilhão, como se pode ver na figura a seguir: Figura 04 - Impactos econômicos previstos dos veículos autônomos em 2025

Fonte: McKinsey, 2013

A proliferação de dispositivos de inteligência artificial, sistemas de reconhecimento óptico, e sensores de monitoramento diversos - a bordo e ao longo das vias para permitir a navegação autônoma ou semi-autônoma (self-driving vehicles)

33 Ver a interessante matéria sobre o veículo autônomo da Google em http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/28/ google-apresenta-carro-sem-volante-nem-pedais-que-dirige-sozinho.htm

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

- vai demandar uma nova gama de indústrias de tecnologia da comunicação e da computação, isso sem falar nas oportunidades criadas pelo tempo livre de passageiros e motoristas durante os percursos (o motorista médio americano gasta 750 horas por ano dirigindo). Os componentes de eletrônica embarcada responderão por mais de 80% das inovações na indústria automotiva nos próximos anos (McKinsey, 2012).34

O PROGRAMA INOVAR AUTO Tradicionalmente, os governos têm apoiado o setor automotivo. Seja pelo impacto no mercado de trabalho, seja por sua capacidade de gerar divisas e renda interna, o setor recebe tradicionalmente proteção por meio de tarifas de importação e requisitos mínimos de conteúdo produzido localmente, como atesta a figura a seguir. Figura 05 - Proteção ao setor automotivo – paises selecionados

Fonte: McKinsey, 2012

34 “Many new cars come with electronic stability control technology that improves safety by detecting an reducing the loss of traction. Parking assist systems steer cars into parking spaces, computer chips monitor tire pressure, and rain-sensing windshield wipers activate themselves. The all-electric Chevrolet Volt boasts ten million lines of software code for more than 100 electronic controllers, more than two million more than in the 787 Dreamliner” (McKinsey, 2012, p. 87)

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O setor automotivo não teve trajetória diferente, aqui a indústria sempre foi alvo prioritário de políticas industriais, sobretudo porque o setor automotivo foi um dos eixos centrais de industrialização no país. O programa Inova-Auto segue essa tradição com inovações importantes, como será detalhado a seguir. O Inovar-Auto, lançado em abril de 2012 e regulamentado pelos decretos 7.819/2012, 8.015/2013 e 8.294/2014, é um programa de adensamento da cadeia automotiva com o objetivo de apoiar o desenvolvimento tecnológico, a inovação, a segurança, a proteção ao meio ambiente, a eficiência energética e a qualidade de veículos e autopeças, gerando ganhos de competitividade e promovendo a atualização tecnológica dos automóveis produzidos e comercializados no Brasil (Decreto 7.819/2012). Esse programa teve origem na MP 540 (convertida na Lei 12.546/2011), que exigia 65% de conteúdo regional, dispêndio de 0,5% em PD&I e a realização de atividades fabris. É uma medida da política industrial brasileira - Plano Brasil Maior (PBM) - adotado pelo Governo Federal com o objetivo de estimular o investimento na indústria automobilística nacional. Poderão ser beneficiárias do programa Inovar-Auto (novo regime automotivo) as indústrias que produzem veículos no país, as que apenas comercializam e aquelas que apresentarem projeto de novo investimento no setor automotivo. No programa, as empresas são induzidas a investir em inovação, novas tecnologias, na incorporação de processos mais modernos de produção e em pesquisa e desenvolvimento dentro do Brasil, que resultarão em motores mais eficientes e menos poluentes, peças mais leves e automóveis mais econômicos, seguros e consequentemente mais competitivos. Em contrapartida, as indústrias habilitadas no programa poderão obter os benefícios do crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de até 30 pontos percentuais. O programa estabelece como condição de habilitação, o cumprimento de meta de eficiência energética para automóveis e veículos comerciais leves movidos à gasolina e/ou etanol. A partir de 2017, a média de consumo de combustível dos veículos dos beneficiários pelo programa terá que ser reduzida em 12,08% sobre a média de 2011. Ou seja, na habilitação, as indústrias terão que se comprometer a produzir veículos mais econômicos que, na média, deverão passar dos atuais 14 km/litro para 15,93 km/litro para gasolina e de 9,71 km/litro para 11,04 km/litro no caso do etanol.

311

Os desafios da Política Industrial Brasileira

Além das condições acima, as indústrias habilitadas deverão: (1) assumir de forma compulsória (com exceção para importadores) o compromisso da realização de um número mínimo de atividades fabris das etapas necessárias à produção dos veículos no Brasil, e (2) escolher dois de três compromissos relativos a dispêndios em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), ou dispêndios em Engenharia, Tecnologia Industrial Básica (TIB) e capacitação de fornecedores, ou a adesão no Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV), definido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e estabelecido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). A Tabela a seguir sintetiza essas condições. Tabela 03 - Condições de Adesão ao Inovar Auto

2 de 3 Requisitos

Compulsório

REQUISITOS

2013

2014

2015

2016

2017

Atividades Fabris – Automóveis e Comerciais Leves (12 etapas totais)

8

9

9

10

10

Atividades Fabris – Produção de Caminhões (14 etapas totais)

9

10

10

11

11

Atividades Fabris – Produção de Chassi com Motor (11 etapas totais)

7

8

8

9

9

Atividades Fabris – Exceções*

6

6

7

7

8

Dispêndios em P&D**

0,15%

0,30%

0,50%

0,50%

0,50%

Dispêndios em Engenharia, TIB e Capacitação de Fornecedores **

0,5%

0,75%

1,0%

1,0%

1,0%

Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV)

36%

49%

64%

81%

100%

Fonte: MDIC, 2014

* Para empresas instaladas no país com projetos de investimento de única fábrica, com capacidade produtiva anual de até 35 mil unidades e investimento mínimo unitário de 17 mil reais. ** Percentual incidente sobre a receita bruta total de venda de bens e serviços, excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda.

312

Para as indústrias que apenas comercializam veículos no Brasil, a habilitação consiste em: importar veículos mais econômicos seguindo os parâmetros dos decretos; realizar, no país, dispêndios em P&D; realizar, no país, dispêndios em engenharia, TIB e capacitação de fornecedores correspondentes; e aderir ao PBEV. Nesse caso, a isenção de 30% do IPI será até o limite de 4.800 unidades por ano ou a média de importação dos anos de 2009 a 2011, o que for menor. Para o caso de veículos movidos a diesel, como caminhões e ônibus, a meta de eficiência energética não é condição de habilitação, porém, terão de cumprir o requisito de atividades fabris e pelo menos um dos dois requisitos: investimento em P&D ou em engenharia e TIB. No caso dos investimentos em P&D, a exigência inicial será a aplicação de 0,15% da receita operacional bruta de cada empresa. Essa exigência aumentará, até 2017, para 0,5% da receita operacional bruta. O cálculo do crédito presumido do IPI é avaliado pela multiplicação do valor gasto nas aquisições de insumos por um fator criado para medir a contribuição da empresa nos objetivos do regime automotivo. No caso de automóveis e veículos comerciais leves, esse fator vai de 1,3, em 2013, a 1,0, em 2017. No caso de caminhões e chassis com motor, esse indicador fica entre 1,30 para caminhões pesados, semipesados e chassis com motores e 1,0 para caminhões semileves, leves e médios, em 2013, e cairá, ano a ano, até chegar entre 1,00 e 0,85, respectivamente, em 2017. Nesse caso, o fator será ponderado pelo perfil de faturamento de cada empresa com a fabricação de caminhões “pesados e leves”. Para aqueles casos considerados como exceção, o fator será de 1,3 para todo o período de vigência do programa (até 2017). Também é previsto, como benefício adicional para incentivar investimentos crescentes em P&D, um crédito presumido de IPI correspondente a 50% do valor dos dispêndios em P&D, limitados a 2% da Receita Operacional Bruta (ROB) menos encargos tributários. No caso dos investimentos em engenharia, TIB e capacitação de fornecedores, o crédito adicional presumido de IPI corresponderá a 50% dos gastos com esta finalidade, limitado a 2,75% da ROB menos encargos tributários. As empresas só terão direito a esse benefício adicional se superarem o piso estipulado no regime. Serão considerados, também, como investimentos em P&D os recolhimentos ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT.

313

Os desafios da Política Industrial Brasileira

Além dos benefícios adicionais acima, é previsto também a redução de IPI em até dois pontos percentuais para os fabricantes que ultrapassarem a meta de habilitação fixada em 12,08% no período entre 2017 e 2020. As empresas que reduzirem a média no consumo de combustível para 15,46% terão um desconto adicional na alíquota do IPI de um ponto percentual, e de dois pontos percentuais quando essa redução alcançar 18,84%. A meta de 18,84% equivale à meta europeia de 2015 de 130 g de CO2 /Km. Tabela 04 - Metas de eficiência energética Autonomia Km/l

Consumo

Incremento

Gasolina (E22)

Etanol (E100)

energético MJ/KM

de eficiência energética (%)

Linha de base – 2011

14,00

9,71

2,07

Meta para habilitação

15,93

11,04

1,82

12,08%

Meta para redução de 1% no IPI - 2017

16,57

11,48

1,75

15,46%

Meta para redução de 2% no IPI - 2017

17,26

11,96

1,68

18,84%

METAS

Fonte: MDIC, 2014

No programa, também é previsto regras para comtemplar novos entrantes após 2013, sejam empresas que ainda não têm fábricas no Brasil, mas pretendem investir no País, ou as novas fábricas e novos projetos. As contrapartidas serão flexibilizadas no tempo, exigindo os parâmetros iniciais do regime no momento em que as operações são iniciadas. Assim, se a empresa iniciar suas operações em 2015, ela utilizará os requisitos estabelecidos para 2013. Em 2016, essa mesma empresa estaria no segundo ano de operação, logo, utilizaria os requisitos de 2014. Nessa mesma linha, os fatores que dão direito ao crédito presumido de IPI correspondente a até 30 pontos percentuais também se orientam em função do ano de início das suas operações. Para os novos entrantes, será concedida uma cota-crédito de IPI correspondente a 50% da capacidade de produção de veículos, informada no projeto de investimento, podendo a empresa utilizar metade desse crédito durante a fase de construção da fábrica, e a outra metade em créditos para pagamento de impostos a partir da comercialização do primeiro veículo produzido nessa nova unidade fabril. Como resultados da implantação desse programa, é esperada uma mudança significativa em comparação aos regimes automobilísticos anteriores, assegurando

314

novas tecnologias ao mercado nacional. O gráfico a seguir apresenta os resultados de simulação de investimentos em tecnologia em função dos incentivos para eficiência energética no Brasil, comparando o ano de 2016 ao de 2012. A simulação está dividida em três seções/cenários: tecnologias já incorporadas nos veículos em 2012 (em azul); tecnologias já previstas para serem adicionadas aos veículos até 2016 (em vermelho); e adições de tecnologias até 2016 devido à legislação de emissões (em verde). Com a definição das metas pelo programa Inovar Auto, o investimento adicional, ao já previsto pelas empresas, será de R$ 2,0 bilhões no período 2013-2016. Gráfico 04 - Resultados da simulação de investimentos em tecnologia: Brasil- 2012-2016.

Fonte: IHS (2013, apud MDIC, 2014)

Outros resultados importantes dizem respeito ao impacto ambiental. Para tanto, foi realizada pelo IEMA (Instituto de Meio Ambiente e Energia) uma estimativa da redução nas emissões de CO2 fóssil e na demanda por gasolina C, considerando três cenários: •

Cenário base: baseado nas projeções de eficiência energética apresentadas no Plano Decenal de Energia – 2021 (EPE/MME), no qual são considerados apenas as forças de mercado e avanços tecnológicos espontâneos.

315

Os desafios da Política Industrial Brasileira

Nessas condições, foi projetada uma melhora de 0,7% ao ano na eficiência média dos veículos leves novos que entrarão em circulação no País. •

Cenário 1 (“meta compulsória” do INOVAR-AUTO): melhoria da eficiência energética dos veículos leves em 12,08% até 2017 em relação ao nível de 2011.



Cenário 2 (“meta voluntária” do INOVAR-AUTO): melhoria da eficiência energética dos veículos leves em 18,84% até 2017 em relação ao nível de 2011 (redução adicional de 2 pontos percentuais no IPI).

Segundo o cenário 1, as emissões a serem evitadas de CO2 fóssil acumuladas entre 2014 e 2021 são estimadas em 21,1milhões. e, de acordo com o cenário 2, são estimadas em 41,5 milhões. Gráfico 05 - Inovar-Auto: Impacto nas Emissões de CO2 Fóssil por Veículos Leves (mil ton.)

Fonte: IEMA (2013, apud MDIC, 2014)

Da analise desses cenários, também foi possível estimar que o potencial de redução de emissões de CO2 fóssil no Cenário 2, acumuladas entre 2014 e 2021, equivale aproximadamente aos compromissos do Brasil de redução de emissões com energia alternativa e com carvão vegetal. Com referencia ao Cenário 1 – meta obrigatória, a redução prevista supera os compromissos voluntários assumidos

316

pelo governo brasileiro até 2020 (Acordo de Copenhague - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) no que tange à eficiência energética. Gráfico 06 - Inovar Auto: Potencial de Redução de Emissões de CO2 (milhões t)

Fonte: IEMA (2013, apud MDIC, 2014). * Carvão vegetal: substituição de mata nativa por florestas plantadas na produção de ferro-gusa.

Ainda da análise dos cenários, foi possível avaliar o impacto na demanda por gasolina C. Estima-se que a economia acumulada entre 2014 e 2021 estará entre 12 bilhões de litros no Cenário 1 e 28 bilhões de litros no Cenário 2. Gráfico 07 - Inovar-Auto: Impacto na Demanda por Gasolina C (milhões l) – Veículos Leves

Fonte: IEMA (2013, apud MDIC, 2014)

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Por fim, ainda quanto ao impacto das metas de eficiência energética na demanda por combustível, estima-se uma economia para o consumidor equivalente a 447 litros anual de combustível a partir de 2016. Tabela 05 - Impacto das metas de eficiência energética na demanda por combustível em 2016

Fonte: MDIC, 2014

Para monitorar esse programa, foi instituído um sistema de grande porte que acompanhará todas as transações envolvidas pelos fabricantes automobilísticos. Este sistema, chamado de “Sistema de Rastreabilidade”, foi instituído pela Portaria MDIC nº 280/2013 e desenvolvido e implementado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI. Tem o objetivo de monitorar o cumprimento das obrigações e requisitos do Inovar-Auto, aferindo direitos, incentivos e benefícios fiscais, e, ainda, de identificar o comportamento das empresas que atuam nesse setor. Até 2014, haviam 51 habilitações no programa (21 fabricantes, 15 importadores e 15 novos investimentos), onde eram esperados investimentos na ordem de 9,4 bilhões de reais com impactos até 2016, divididos entre implantação de novas

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fábricas, ampliação da capacidade produtiva e dispêndios em P&D, envolvendo a nacionalização de autopeças e desenvolvimento de novos modelos. Nessas habilitações, estavam estimadas também a criação de 15,5 mil novos empregos e um incremento da capacidade instalada de produção de 629.7 mil veículos. Tabela 06 - Investimentos aprovados no âmbito do Inovar-Auto e respectiva expansão de capacidade produtiva em 2013 Valor do investimento previsto

Capacidade de produção (unid)

Início da produção

Empregos diretos

BMW do Brasil Ltda.

625,0

32.000

1º TRIM 2014

1300

Caminhões Metro-Shacman do Brasil, Com. e ind. de Veic. Automotores Ltda.

328,7

10.000

4º TRIM 2014

300

Caoa Montadora de Veic. Projeto (IX 35)

300,0

24.000

3º TRIM 2014

550

Chery Brasil Imp. Fab. e Dist. Veic.

351,0

100.000

1º TRIM 2014

1700

DAF Daminhões Brasil indústria ltda.

351,2

10.000

4º TRIM 2013

500

Jac Motors do Brasil Automóveis

900,0

80.000

1º TRIM 2015

3000

MMC Automotores do Brasil Ltda (Projeto ASX)

283,0

27.000

2º TRIM 2013

324

MMC Automotores do Brasil Ltda (Projeto Lancer)

193,0

21.715

1º TRIM 2014

300

Nissan do Brasil Automoveis Ltda.

2.500,0

160.000

1º TRIM 2014

2700

Volkswagen do Brasil Ind. de Veículos Automotores (Projeto Golf)

504,7

40.000

3º TRIM 2015

400

Audi do Brasil Dist. de Veículos Ltda (Projeto A3 e Q3)

670,0

26.000

4º TRIM 2015

400

Mercedes-Benz do Brasil Lltda (Projeto classe C e GLA)

708,6

20.000

1º TRIM 2016

1000

Foton Motors do Brasil Ltda. - Fábrica na Bahia

301,1

16.000

2º TRIM 2015

500

Empresas

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Valor do investimento previsto

Capacidade de produção (unid)

Início da produção

Empregos diretos

Foton Aumark do Brasil – Fábrica no Rio Grande do Sul

238,5

34.000

2º TRIM 2015

307

Jaguar e Land Rover Brasil Importação e Comércio de Veículos Ltda.

903,8

24.000

3º TRIM 2016

1360

SBTC Indústria de Veículos S/A

199,4

5.000

1º TRIM 2016

850

9.358,0

629.715

-

15.491

Empresas

TOTAL FONTE: SDP/MDIC (2014) (*) R$ Milhões

Segundo dados disponibilizados pelo BNDES (2014), até junho de 2014, foram realizados 2.458 operações com liberações de recursos que alcançaram 1,73 bilhões de reais. Se considerar o volume de desembolso ao setor automotivo a partir de 2011, esse volume sobe para de 19,16 bilhões de reais, um dos maiores do banco. Ainda, segundo o jornal Valor Econômico (30 de junho de 2014), citando o balanço do Banco Central, é a primeira vez, desde 2009, que os ingressos de capital estrangeiro no setor automotivo estão acima dos ganhos enviados para as matrizes. É o maior entre os setores industriais no Brasil. Esse cenário é associado em parte à chegada de novas montadoras ao país e ao crescente volume de investimentos estrangeiros no setor para modernização ou ampliação das fábricas já instaladas. Reflexo, então, do regime automotivo INOVAR-AUTO, que fechou as portas a veículos importados, atraiu fabricantes ao país, e cobrou da indústria mais investimentos em desenvolvimento tecnológico. Figura 06 - Remessa de lucros e investimentos no setor

Fonte: Valor Econômico (30.06.2014)

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO: DESAFIOS DA POLÍTICA INDUSTRIAL Como vimos o mercado brasileiro, pari i passu o mercado mundial, vem passando por rápidas e profundas transformações. Universalização da produção horizontal com fornecimento global na cadeia de valor, novos entrantes altamente capitalizados e uma grande dependência das estratégias desenvolvidas externamente. Além disso, a relação comercial com um dos nossos principais parceiros, a Argentina, no âmbito do Mercosul, está longe de seguir um padrão competitivo e previsível pelos agentes econômicos. Desde a crise em 2008, o Governo Federal vem utilizando medidas de incentivo fiscal para tentar manter os níveis de venda e faturamentos médios da indústria. Ainda em 2008, adotou-se uma alíquota zero do Imposto sobre Produtos Industrializados (o IPI) para veículos até mil cilindradas (1.0) de motorização e de 50% para os veículos de 1.1 a 2.0 cilindradas. A princípio, a medida teria duração de poucos meses, mas desde então vem sendo prorrogada por pressão da indústria automotiva que alega a continuidade dos efeitos da crise internacional sobre o setor. As alíquotas originais eram respectivamente de 7% e 13%, respectivamente. Medidas de desoneração fiscais temporária não constituem, de fato, medidas de política industrial stricto senso, são medidas conjunturais para manutenção da demanda agregada, elas não incidem em mudanças do padrão de concorrência ou modificações mais estruturais na lógica do mercado. Em 2012, o Governo Federal publicou um novo regime automotivo, já analisado neste trabalho, o Inovar Auto. O programa baseia-se na concessão de incentivo fiscal em troca de contrapartidas de investimento em inovação (até 1% da receita operacional bruta em 2017), na nacionalização de etapas da cadeia produtiva (10 em 12 etapas para veículos leves em 2017) e na elevação dos níveis de eficiência energética dos motores (100% em 2017). Em que pese a novidade positiva do programa, que exige contrapartidas claras e mensuráveis para concessão de benefícios, o que não tem sido o padrão de relacionamento público-privado ao longo dos anos com esse setor, há tarefas pendentes na elaboração de uma política industrial mais consistente e robusta para esse setor. Os desafios futuros de uma política industrial mais ambiciosa deverão estar alicerçados em três vetores básicos: uma reestruturação produtiva, uma nova

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

macroeconomia voltada para o crescimento industrial e um novo padrão de relacionamento público-privado. (1) Uma reestruturação produtiva é necessária, sobretudo no desenvolvimento de estratégias tecnológicas capazes de atrair e sustentar um novo ciclo de investimentos. Para isso, é necessário repensar o regime de proteção vigente no setor. Hoje a agregação de valor na cadeia automotiva ocorre pela incorporação de novas tecnologias e serviços ao produto final, o automóvel. É nesse âmbito que a política industrial deve atuar, não se limitando às dimensões tangíveis e tradicionais da cadeia, mas ampliando as perspectivas para envolver, por exemplo, pesquisa avançada em eletrônica embarcada e novos itens relacionados à navegação, entretenimento e segurança, por exemplo; (2) Do ponto de vista macroeconômico, a política industrial ganha efetividade num ambiente de redução progressiva da taxa de juros e repasse da baixa de custos financeiros ao consumidor final, ampliando o volume de crédito. O potencial de consumo brasileiro ainda é um terço da densidade habitante/veículo encontrada em países já desenvolvidos. O ajuste cambial, no sentido de diminuir o ritmo de apreciação da moeda nacional contribuiria sobremaneira para estimular as exportações, diminuído também a competitividade de veículos importados; (3) O padrão de relacionamento público-privado estabelecido pelo novo regime automotivo (2013-2017), o programa “Inovar Auto”, deve ser consolidado e usado como referência para outras dimensões do processo produtivo. Esse raciocínio deve ser estendido, por exemplo, para a inovação e atividades de P&D em relação aos veículos elétricos e híbridos (etanol e elétricos), área de fronteira mundial no setor, e passo fundamental para o catching up da indústria nacional. Essa dimensão se revela de especial relevância porquanto representa a agregação de valor em processos que já constituem uma vantagem comparativa nacional, como, de fato, é nossa indústria de etanol, a mais competitiva do mundo.

CONCLUSÕES Apesar das lacunas em aspectos de sua complexa regulamentação, das diferentes interpretações legais dos dispositivos e de divergências conceituais sobre seus benefícios, o programa representou uma inovação institucional não trivial no cenário da política industrial brasileira recente. O número de habilitações no programa e

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o aumento de investimentos no período sinalizam um aparente sucesso inicial (conforme elencado na Tabela 06), ainda que restrito aos critérios comerciais, de acesso ao mercado brasileiro. O Valor Adicionado dos serviços intermediários consumidos pela indústria automotiva aumentou de um patamar de 35% em 1996 para 44,6% em 2011 (CNI, 2014). O Inova Auto, ao concentrar as contrapartidas em serviços de P&D, converge para as recomendações mais atuais sobre política industrial na direção de maior agregação de valor e diferenciação de produtos. Nesse caso, a lógica do programa está em barganhar acesso ao gigantesco mercado brasileiro e de incentivos fiscais não desprezíveis em troca de investimentos das matrizes no país. O futuro do programa depende de um duplo desafio. O primeiro deles é incorporar cada vez mais incentivos que agreguem valor ao produto final por meio dos chamados business services, isto é, o programa deve incentivar a indústria instalada no país a buscar a fronteira desse setor, que está cada vez mais associada aos avanços de logística e navegabilidade, a novos materiais, a novos combustíveis e aos quesitos de confiabilidade e usabilidade (segurança ativa e conforto, por exemplo). Tais incentivos, no caso brasileiro, devem combinar com o acesso negociado ao nosso grande mercado consumidor, um dos maiores do planeta – dada que a propriedade do capital no setor é quase na totalidade de não-nacionais, que subordinam as estratégias de negócios ao ambiente vigente em seus países de origem. Ainda em termos de design do programa, o setor de autopeças, que em 2012 atingiu um déficit comercial de quase US$ 6 bilhões, deve ser incorporado progressivamente à estratégia de nacionalização de peças e componentes. Para isso, o programa deverá ainda consolidar um robusto sistema de rastreabilidade de componentes. Assegurando, em especial, a transparência e controle público necessários e imprescindíveis, evitando distorções e a simples captura pelas montadoras de um benefício de alto custo de oportunidade para o país e o contribuinte. O segundo desafio do Programa é de natureza institucional, já que sua consolidação depende da concorrência de um grande número de políticas públicas simultâneas e complementares, tais como, políticas de crédito para os atores envolvidos, fomento à inovação nos setores aderentes ao programa, formação acelerada de força de trabalho especializada, em particular, cientistas responsáveis por internalizar a tecnologia nos centros de P&D, promovendo seu transbordamento na longa cadeia automotiva, entre outras políticas públicas.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

Vencidos esses desafios, em um cenário global de demanda fragmentada, volátil e com altos custos produtivos, o Programa Inovar Auto criará condições competitivas para que a indústria automotiva brasileira aumente sua participação no mercado mundial, exportando não só o produto automóvel, mas um pacote de serviços e soluções mais sofisticadas para usuários cada vez mais exigentes nos mercados mais avançados.

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

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Bloco 3 CONSTRUINDO O MODELO DE GOVERNANÇA FOCADO EM RESULTADOS

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

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O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial durante os governos de Lula: participação e coordenação

Jackson De Toni

Tem gente esperando que o Estado abra a torneirinha do dinheiro. Isto é política do passado e não vai acontecer neste governo. Não haverá incentivo irrestrito. A política industrial será pragmática, seletiva e sem preconceitos... Depois de vinte anos sem política industrial, o Estado não pode ser o único responsável. Só empresários de cultura atrasada querem o Estado mandando em tudo... A política industrial tem de ser definida em debate público com a sociedade. Se assim não for, nossa margem de erro nas escolhas será enorme. (ARBIX, Glauco, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, 31 dez. 2003)

329 329

Os desafios da Política Industrial Brasileira

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Resumo

A existência de conselhos tripartites reunindo empresários, gestores públicos e trabalhadores na política industrial brasileira não é novidade. Durante o governo Lula, especialmente no seu primeiro mandato (2003-2006), a política industrial foi reabilitada como política oficial de apoio à indústria nacional. Uma política industrial mais negociada, regulada e baseada em incentivos e menos na intervenção direta estatal. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, o CNDI, criado em 2004, inaugurou um fértil período de debates, acordos e iniciativas tripartites. Este artigo analisa o contexto de funcionamento desta instância e conclui que a ação de empreendedores políticos, em um contexto de ideias neodesenvolvimentistas, foi capaz de criar relações institucionais suficientemente fortes para o funcionamento daquele colegiado. Sob circunstâncias semelhantes, aquela experiência ainda pode inspirar e motivar processos cooperativos na política industrial brasileira. Palavras-chave: conselhos, cooperação público-privada, coordenação

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

INTRODUÇÃO O surgimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) em 2004 representou uma alteração no equilíbrio estável das relações institucionais da política industrial brasileira. Desde os anos 1970, não se tinha notícia de um colegiado com características semelhantes. Ele representou, no período de maior ativismo (20032007), uma verdadeira “usina de ideias”, na qual convergiram dinâmicas políticas, projetos e programas e o debate das grandes questões da indústria brasileira e de sua crise estrutural. A simples criação de um conselho capaz de articular o debate direto, sem intermediários, entre o setor industrial e as autoridades públicas, foi um avanço institucional sem precedentes. Este processo não foi isento de contradições, tensões e conflitos, não se produziram soluções mágicas. Aliás, há uma longa tradição na literatura que identifica nestes mecanismos de participação uma baixa eficiência decisória. O CNDI herdou a trajetória de fracassos dos arranjos tripartites e seu legado de baixa efetividade, mas simultaneamente, pelo menos por um período determinado, rompeu este padrão. Este capítulo objetiva analisar, à luz das informações e argumentos precedentes, que processos políticos e institucionais explicariam a ruptura e sua dinâmica de funcionamento. Nos anos 1940 e 1950, durante o Plano de Metas, diversos conselhos e grupos executivos tiveram natureza e função semelhante, alguns inclusive obtiveram sucesso em suas atribuições. No governo Sarney, por exemplo, foi criado o Conselho de Desenvolvimento Industrial (Decreto nº 96.056), com colegiado interministerial – sem impactos na política, sem representação dos trabalhadores e com participação empresarial pequena. A criação de uma instância desta natureza já era demanda explícita de um setor mais moderno do capital industrial. Mais recentemente, o próprio setor empresarial, através do IEDI, propôs a criação de um conselho para debater o desenvolvimento industrial (IEDI, 2000).1

1 O IEDI (2000) propôs um conselho bem menor, com 9 membros e com representação dos governos estaduais. Os objetivos seriam “constituir um lócus de discussão empresarial, independentemente de associações de classe e de setores de atuação das suas empresas e contribuir para o estabelecimento da cooperação e de iniciativas coordenadas entre setor público e setor privado [...], encaminhar propostas de desenvolvimento industrial e acompanhar e avaliar a execução das políticas na perspectiva empresarial” (p. 7).

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O CNDI foi o vocalizador dos três grandes fluxos de agenda setting, o desaguadouro natural das dimensões sugeridas por Kingdon (2011): 1) a dinâmica das novas ideias de Lula com as propostas da PITCE e da PDP (retomada do ativismo estatal); e 2) o empreendedorismo de atores políticos, individuais e coletivos. Além disso, uma conjunção política destes fatores e uma conjuntura externa favorável que garantiu estabilidade macroeconômica interna, criaram as condições para uma policy window na agenda da política industrial e o surgimento de relações fecundas (generative relationships) no interior do conselho. O resultado foi um impressionante volume de temas, debates e decisões do colegiado tripartite, deliberados em tempo relativamente curto, concentrado em menos de quatro anos. Um efeito até certo ponto não despercebido pelos analistas e talvez uma consequência não intencional deste processo está claramente relacionado à efetividade do conselho como resultado imediato e direto do aumento da capacidade de autocoordenação do governo. A coordenação governamental é um atributo relacionado à capacidade de governo e às habilidades de liderança, comunicação e homogeneidade política interna do governo. No CNDI ela resulta de uma circunstância particular, qual seja a necessidade do governo de responder organizadamente às demandas do setor privado. Defendemos aqui que este processo não foi casual ou aleatório, mas uma estratégia deliberada, embora não visível ou formalizada, pelo bloco “desenvolvimentista” do governo Lula, liderado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Para comprovar este argumento de modo exemplar, basta analisarmos o processo de criação de alguns marcos legais ou regulatórios. A mudança de governança dos Fundos Setoriais, a criação da Lei do Bem e da Lei de Inovação, por exemplo, ilustram esta dinâmica do novo colegiado. Trata-se da criação de condições para a coordenação entre os atores públicos envolvidos, que de outra forma dificilmente chegariam a um consenso sobre os grandes projetos e iniciativas demandados pela agenda. A coordenação intragovernamental surge quando o ambiente do conselho combina elementos diversos: as propostas têm viabilidade técnica, quando há empreendedores que funcionam como “pontes”. Burt (2004), comentado por Abers e Keck (2008), chama estes personagens de “pontes” (bridging), porque mobilizam recursos (ativos) e identificam oportunidades na medida em que se localizam nas interfaces e nós das redes de políticas. Isto lhes permite mobilizar e reunir pessoas de maneira inovadora. Foi o caso do ministro Furlan (e, em certa medida, do empresário Jorge Gerdau) e o estabelecimento de um consenso sobre

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Os desafios da Política Industrial Brasileira

a proposta. A lógica do empreendedor político funciona também para o outro bloco governamental, denominado neste trabalho de “fiscalista”, liderado pelo Ministério da Fazenda. O ministro Palocci, pelas evidências coletadas, manteve sempre uma postura aberta à barganha, recepcionando demandas que em tese diminuíam o espaço fiscal disponível, em alguns casos, e bloqueando os debates em temas sensíveis à Fazenda, em outros. Por fim, cabe destacar o papel de uma “tecnologia organizacional” – uma ferramenta típica do empreendedor político –, fundada em técnicas empresariais de organização e decisão e simbolismos políticos diversos, que fez das reuniões do CNDI autênticos espaços para “relações fecundas” entre seus participantes.

OS COLEGIADOS TRIPARTITES: OS ANTECEDENTES A história das instituições ligadas às políticas de desenvolvimento econômico está cheia de iniciativas para criar comissões, colegiados e conselhos. Mais para tentar resolver o clássico problema da fragmentação estrutural do caleidoscópio organizacional e da cacofonia decisória (racionalizando procedimentos) do que uma tradição mais participativa ou democrática. Aqui nossa atenção não está focada nas arenas setoriais, já exaustivamente analisadas, mas naquelas arenas mais compreensivas, abrangentes, intersetoriais e geralmente no topo da hierarquia decisória. O Conselho de Desenvolvimento criado no governo JK, em 1956, foi a primeira agência deliberativa responsabilizada formalmente para decidir sobre os instrumentos de política econômica e vincular os famosos “grupos executivos”, criados para implementar o Plano de Metas. Subordinado diretamente à Presidência da República, ele foi esvaziado e substituído pela Comissão de Planejamento Nacional (Coplan), com a eleição de Jânio Quadros em 1961. Tanto o conselho quanto a Coplan são extintos em 1964, com a criação do Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. De 1964 até 1974, a centralização das decisões de política econômica coube ao Conselho Monetário Nacional (CMN). Em 1974 foi criado o Conselho de Desenvolvimento Econômico, o CDE. A mesma lei que criou o CDE também criou a Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan), organismo de assessoria direta do Presidente. Interessante observar que os Ministérios da Fazenda, Indústria e Comércio, Agricultura e Interior pertenciam ao CDE, na época, presidido pelo general Geisel. O processo de state building dos governos militares já foi amplamente estudado na literatura. Ele foi orientado pela necessidade de modernização do aparelho de Estado para

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adequação aos requerimentos da acumulação industrial e financeira, de um lado; e, do outro, dos setores médios conservadores dominantes, após a interrupção da experiência populista de centro-esquerda do Presidente João Goulart em 1964. Entre 1974 e 1981, o antigo CDE realizou 150 sessões plenárias, analisando e produzindo mais de trezentos temas de política econômica. Algumas delas exemplificam sua importância: medidas para implantação do II PND, regulamentação dos contratos de risco para prospecção de petróleo, reforma da Lei das Sociedades Anônimas, acordo nuclear Brasil-Alemanha, criação do programa Pró-Álcool, etc. (CODATO, 1995). O CDE, durante o governo do general Geisel, foi uma tentativa de racionalizar o processo de intermediação de interesses privados, concentrando autoridade numa arena controlada totalmente pelo governo e obrigando o setor privado a unificar suas demandas. [...] Através da eliminação da negociação “balcanizada” dos recursos públicos, o Executivo pretendia concentrar nas instâncias superiores do Estado além da extração e regulamentação “genérica” da receita “sua alocação específica”, diminuindo neste processo o peso das prioridades definidas pelos grupos privados. As alterações nesse padrão de relação Estado-sociedade terminaram por despertar “críticas abertas da coalizão civil, amplificadas pela imprensa liberal-conservadora”. [...] A partir da criação do CDE tornou-se extremamente mais complicado exercer [pressão e] influência sobre o processo decisório que se desenrolava na cúpula governamental. Se antes bastava à burguesia indicar um ministro da área econômica e convertê-lo, em seguida, em superministro, depois de 1974 esse esquema não mais funcionaria. (CODATO, 1995, p. 41. Grifo nosso) O conselho logrou maior capacidade executiva ao Estado, via insulamento e autonomia dos interesses empresariais corporativos. Ele forneceu uma tecnologia organizativa específica, centralizada no poder presidencial, para centralizar as demais agências estatais e implementar as medidas “estatizantes” do II PND. Segundo Codato (1995), a motivação básica do governo Geisel para criação do CDI foi a racionalização do aparelho de Estado. O objetivo desta descrição do CDE, dos anos 1970, é evidenciar que há certas regularidades históricas que se repetem porque as lógicas políticas que as justificaram continuam de alguma maneira presentes e se reproduzindo. Referimo-nos à sobreposição de competências, à indefinição de fronteiras institucionais, à cacofonia decisória e tantas outras adjetivações que caracterizam o funcionamento real, in action,

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da administração pública brasileira, em especial a ausência de flexibilidade para incorporar novas tecnologias de gestão e a permanência de gramáticas clientelistas e arcaicas (NUNES, 1999). Portanto, muitos problemas do processo decisório governamental, e por tabela do CNDI, devem ser entendidos e buscados em deficiências estruturais, de longa data, da formação do Estado brasileiro e do modo como funciona nosso sistema de governo. O diagnóstico anterior, retratando a situação concreta do governo federal no início dos anos 1970, contém muita similaridade com a realidade do governo federal durante os mandatos do Presidente Lula, inclusive as tensões interministeriais. Veja-se a constatação de Codato (1995), referindo-se ao contexto dos anos 1970 e 1980: “o Ministério da Indústria e do Comércio (MIC) encontrava dificuldades para sancionar a política industrial, uma vez que as principais agências executoras estavam subordinadas ao Ministério da Fazenda. (CODATO, 1995, p. 69). O CNDI não representou uma tentativa de recriar o antigo CDE, nem o ambiente democrático permitiria, muito mais plural e complexo, mas seu modus operandi guarda muitos traços semelhantes à experiência de quase trinta anos passados.2

O PROCESSO DE INTERAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO NO CNDI Os objetivos do conselho estão formalizados pelo Decreto nº 5.353, de 24/1/2005, que por sua vez regulamenta a Lei nº 11.080, de 30/12/2004, que criou o Conselho e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a ABDI. Pode-se identificar que os objetivos são focados na política industrial, em especial à Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, mas a agenda real do conselho acabou se tornando bem mais ampla e complexa, extravasando as previsões legais. A necessidade de um conselho trans-setorial de alto nível já havia sido manifestada por formuladores de política industrial vinculados ao campo desenvolvimentista, mesmo antes de o governo Lula iniciar: Os requisitos acima descritos – de articulação e de compatibilização entre

2 Durante o governo Figueiredo (1980-1984), o último Presidente militar, o CDE perdeu força, em especial pelo clima geral de redemocratização e pela própria pressão do empresariado nacional, mais articulado, pela mudança da política econômica recessiva. Durante o governo Figueiredo, o CDE teve 19 reuniões, deixando de se reunir entre 1981 e 1987, quando foi reativado no governo Sarney. Neste último período o conselho desempenhou papel importante na coordenação governamental para implementar o Plano Cruzado, em especial a harmonização de atuação entre o Conselho Interministerial de Preços (CIP) e a Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), no controle de preços. O CDE foi extinto em 1990, durante o governo Collor.

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as políticas industrial, tecnológica, de comércio exterior e regional – põem em tela de juízo o desafio institucional de dar forma, coerência e animação a essas relações no plano administrativo-burocrático. A coordenação, ágil e consistente, entre elas é imprescindível e terá que ser exercida sob formas eficientes a serem desenhadas por um novo governo. Uma opção mais convencional seria a de formar um novo Conselho de Desenvolvimento, outra seria a de coordenar as ações diretamente na Presidência da República, com apoio de Secretarias-Executivas. (COUTINHO, L. In: CASTRO, p. 202, 2002. Grifos nossos) Um fórum colegiado de alto nível composto por ministros de Estado (sem direito a suplência) e um conjunto de empresários, altamente representativos de grupos industriais de capital nacional. A análise das transcrições ipsis litteris das 11 reuniões do conselho no período de 2005 a 2007 (que corresponde ao período de sua criação formal e seu momento mais dinâmico na segunda metade do primeiro governo Lula) permite identificar claramente a natureza negocial e propositiva do colegiado, pelo menos naquele período3. Chama a atenção, entretanto, que, a despeito de a lei e do decreto de constituição indicarem a “sociedade civil” como contraparte aos 13 membros do governo (incluindo o BNDES), a representação não governamental foi feita por 10 representantes de entidades industriais (normalmente, CEOs de grandes grupos empresariais) e apenas 2 representantes de centrais sindicais de trabalhadores. As indicações dos líderes empresariais foi iniciativa de Furlan, então ministro do MDIC. Negociados com o Planalto, os critérios atendiam às condições de liderança empresarial de capital nacional e disponibilidade para o diálogo com o governo. Os ocupantes eram nomeados por portaria do MDIC. Não havia qualquer remuneração ou ajuda financeira para participar das reuniões ou de grupos de trabalho. Pelo perfil dos escolhidos, fica claro que os critérios de escolha privilegiaram aquelas lideranças nacionais da indústria (e a representação sindical), de líderes independentes, simpáticos ou menos críticos ao governo, além das entidades de natureza nacional, CNI, CUT, etc. Outras representações não vinculadas diretamente ao universo da produção industrial participavam eventualmente como convidadas. Foi o caso de pesquisadores acadêmicos e consultores privados.

3 Foram analisadas 11 reuniões, 9 delas de convocação ordinária e 2 extraordinárias. A 1ª reunião (realizada em 17/1/2005), a 4ª (realizada em 23/8/2005) e a 10ª (realizada em 12/12/2006) não foram analisadas em detalhe porque a transcrição das gravações sofreu problemas técnicos irrecuperáveis. Só há disponíveis as atas dessas reuniões, que de um modo geral são documentos muito formais e burocráticos, impossibilitando a captura da dinâmica real das reuniões, dos interesses em jogo, dos conflitos e consensos (fonte: ABDI).

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O CNDI debateu ao longo desse período (2004-2010) dezenas de assuntos relacionados a como viabilizar as propostas da PITCE e da PDP.4 A análise das reuniões evidencia que boa parte dos temas se concentrou em discussões sobre novas desonerações fiscais, setoriais ou transversais, diminuição ou suspensão de tributos em setores críticos para a indústria (bens de capital, por exemplo), ou naqueles temas relacionados à diminuição dos custos de produção, tais como a desoneração da cesta básica, por exemplo. O volume, a abrangência e a diversidade de temas abordados (em diferentes níveis de profundidade) foram significativos. Cabe lembrar que mesmo antes de sua formalização, ocorrida no final de 2004, o ministro Furlan já realizava reuniões informais do conselho desde 2003.5 A representação do setor público foi feita pelos titulares das pastas envolvidas, os próprios ministros de Estado. Já no setor privado, há uma combinação de representação das entidades tradicionais (CNI e Federação das Indústrias de Brasília, por exemplo), com entidades nacionais setoriais (tais como Abdib, Abimaq ou Abiec) e lideranças individuais, vinculadas a empresas líderes (Embraer, Grupo Gradiente ou Grupo Gerdau e Coteminas, por exemplo). Note-se que não participavam líderes empresariais ligados ao capital internacional, ainda que diversos dos participantes tivessem, em algum grau, associação com investidores estrangeiros. O grau de internacionalização dos grupos brasileiros e a relativa concentração dos setores de maior tecnologia talvez expliquem por que raramente o CNDI debateu temas relacionados à defesa comercial de produtos brasileiros. Do ponto de vista industrial, a representação privada foi bastante heterogênea, incluindo os setores de eletroeletrônica, têxtil, siderurgia, carnes processadas, bens de capital e papel e celulose. A relação de temas abordados e a profundidade dos debates registrados, a correlação entre temas debatidos e eventos posteriores, na edição de medidas e divulgação de projetos, autoriza a pensar que o CNDI de fato cumpriu no período analisado a função

4 Lançamento da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE (31/3/2004), criação do Profarma/BNDES (maio 2004), criação da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia – Hemobrás (Lei nº 10.972, de 2/12/2004), aprovação da nova Lei de Informática (Lei nº 11.077, de 30/12/2004, regulamentada pelo Decreto nº 5.906, de 26/9/2006), redução a zero das alíquotas de IPI para bens de capital (Decreto nº 5.468, de 15/6/2005), aprovação da Lei do Bem (Lei nº 11.196, de 21/11/2005, regulamentada pelo Decreto nº 5.798, de 7/7/2006), reestruturação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), aprovação da Lei de Inovação (Lei nº 10.973, de 2/12/2004, regulamentada pelo Decreto nº 5.563, de 11/10/2005), instituição do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da estrutura Portuária – Reporto (Lei nº 11.033, de 21/12/2004), lançamento da Política de Desenvolvimento da Biotecnologia (8/2/2007), criação do Comitê Nacional de Biotecnologia – CNB (Decreto nº 6.041, 8/2/2007) e criação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores – Padis (Lei nº 11.484, de 31/5/2007), entre outros temas e medidas. 5 Durante a gestão do Ministro Luiz Furlan (janeiro de 2003 a março de 2007), o CNDI reuniu-se treze vezes; na gestão do ministro Miguel Jorge (abril de 2007 a dezembro de 2010), o CNDI reuniu-se apenas uma vez. No período de 2005 a 2010, quinze reuniões foram realizadas.

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de uma arena de articulação público-privada, uma “arena de escolha ou decisão” (OSTROM et al., 1994), e formulação de grandes projetos. Mais do que isso, o CNDI serviu como um lócus para articulação de ações de advocacy em relação ao Legislativo federal em projetos de interesse comum do executivo e dos empresários. Segundo o principal empreendedor do conselho, o ex-ministro Luiz Furlan6, o que se construiu foi um autêntico lócus de debate entre o setor público e o setor privado. O ex-ministro chama a atenção para o sucesso do CNDI, como também uma decorrência de aspectos mais organizacionais e de uma tecnologia organizacional que, ao que tudo indica, deriva das práticas pessoais de Furlan provenientes de sua formação individual no universo empresarial privado: O CNDI foi importante porque havia falta de um lócus adequado para que o governo e o setor privado dialogassem em torno de uma pauta sintética e objetiva. Que não ficasse poluindo representantes, então uma das coisas que eu notei logo no governo é que [...] você tende a participar de tantos órgãos e que você acaba mandando representantes nas reuniões, inclusive órgãos, que eu presidi que cada vez ia um representante de um ministério ou mesmo de uma federação ou confederação. Aí a produtividade cai violentamente, não existe compromisso entre as pessoas, não existe memória também porque se virem um representante que não veio a uma reunião anterior, ele está por fora de qualquer assunto! E o presidente concordou em criar um órgão pequeno [...] com reuniões bimensais. Tinha um calendário anual, portanto, ninguém podia dizer: “olha, fui surpreendido, nessa data não posso [...]”; ter um calendário anual e você se organiza de acordo com as suas prioridades [...]. Então o terceiro ponto é que as reuniões teriam uma pauta muito sintética, três assuntos no máximo. E elas durariam duas horas com tolerância de 15 minutos [...]. (FURLAN, Luiz. Entrevista ao autor. 5. out. 2012. Grifo nosso)7 O Conselho operava sob regras estritas de funcionamento, havia um “regimento não escrito” determinando aspectos operacionais com impacto direto na qualidade do processo decisório. Como lembra o ex-Ministro, uma verdadeira “tecnologia

6 A primeira fase do CNDI foi marcada por diversas personalidades de forte empreendedorismo político. Destacam-se, por exemplo, o empresário Jorge Gerdau e Eugênio Staub, no setor público, além de Furlan, o primeiro presidente da ABDI, Alessandro Teixeira e a própria ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. 7 Todas as entrevistas citadas neste artigo constituem material de pesquisa do autor utilizado na tese de doutoramento em Ciência Política na Universidade de Brasília, em 2013. Eventuais consultas estão disponíveis, desde que solicitadas diretamente ao autor e mantido o sigilo das fontes (http://repositorio.unb.br/handle/10482/14854).

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organizacional”, sob sua responsabilidade direta, imprimia um ritmo “executivo” e voltado aos encaminhamentos práticos e decisórios. Isso era surpreendentemente cumprido. Porque em Brasília os atrasos são costumeiros, e também não tinha lugar fixo por ordem de importância. Os assentos vieram embaralhados e não se punha um ministro ao lado do outro, nem um do setor privado [...], se alternavam. Um do setor privado, um do setor público [...], e não eram os mesmos sempre. Trocava de lado. Para não formar panelinhas, então acho que funcionou bastante bem. Foram raríssimas [as] ocasiões que tivemos que remarcar datas, uma ou duas vezes se não me engano [...]. Os ministros passaram a valorizar essa possibilidade de um diálogo franco em torno de apresentações relevantes, porque os dois primeiros tópicos eram de apresentações de prioridades e depois havia um debate em que cada um podia usar a palavra por dois minutos. E a mim cabia infelizmente ou felizmente dar disciplina e andamento para a reunião e dizer: “olha, se você falar mais que dois minutos, a reunião não vai terminar no horário e as pessoas vão embora e nós não cumprimos a nossa tarefa”. Então houve um período de aprendizado e a partir daí funcionou muito bem. Disciplina é uma capacidade também de afrontar até os egos das pessoas e dizer: “olha, o seu tempo terminou”. (FURLAN, Luiz. Entrevista ao autor. 5 out. 2012. Grifo nosso) A percepção de que o colegiado permitia relações de fato produtivas entre seus participantes, viabilizando um processo de confiança recíproca e de redução dos riscos de manipulação recíproca, também foi identificado pela burocracia que assessorava os ministros nas reuniões. Conforme um assessor técnico de alto nível, vinculado à Secretaria de Assuntos Governamentais da Casa Civil e que monitorava as reuniões do CNDI à época sintetiza, a importância do conselho como arena de construção de consensos e barganhas: Acho que boa parte da qualidade da Lei do Bem derivou do fato de que as discussões que foram travadas ali foram discussões de boa qualidade. Eu me lembro que uma vez eu saí de uma discussão do CNDI muito impressionado com o fato de que aparentemente as pessoas colocavam muito mais as cartas na mesa ali, as lideranças que estavam ali colocavam muito mais as cartas na mesa do que as pessoas que participaram da Câmara de Política Econômica, por exemplo, que era só ministro, era só governo e alguns diretores do Banco Central. Havia um clima de desconfiança dentro da Câmara de Política Econômica [colegiado da Presidência, só com

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ministros e secretários do governo], que incomodava muito. No CNDI, pelo contrário, fiquei surpreso com o grau de franqueza com que as coisas eram trazidas. (P2 – entrevista ao autor. 5 jul. 2011. Grifo nosso) A análise do funcionamento do CNDI não deixa dúvidas sobre o papel exercido pelo ministro Luiz Furlan como empreendedor político responsável pelo dinamismo e pelo funcionamento gerencial e executivo do conselho. Ele mesmo – oriundo da alta administração de indústrias da área de alimentação e entidades empresariais representativas – implementou técnicas e tecnologias organizacionais que garantiram credibilidade, efetividade e objetividade às reuniões do conselho. A liderança do ministro Furlan, durante o primeiro mandato do governo Lula, parece incontestável e de fato explica em grande parte por que sua saída, no início do segundo mandato, representou literalmente o fim do dinamismo do CNDI, situação que ainda persiste até a primeira metade do mandato da presidente Dilma Rousseff. A melhor indicação da qualidade e intensidade do relacionamento, com certeza, é o alto grau de conteúdo teórico e conceitual dos debates realizados no conselho e o volume resultante de temas de sua agenda. Todos esses assuntos, compondo a pauta e se tornando agenda de políticas públicas, foram elaborados ou pelo corpo técnico da ABDI, agência criada também para esta finalidade, ou pelos quadros técnicos e gerenciais dos ministérios envolvidos. Isso evidencia uma relação virtuosa entre a dimensão da decisão política e da análise técnica dos projetos, ou visto pelo protagonismo de ambas as dimensões, entre políticos e burocratas, todos envolvidos nos temas relativos à política industrial, em especial a PITCE, do primeiro governo Lula. Outro aspecto relacionado à solução de assimetrias informacionais é o comportamento oportunista – no sentido positivo da prontidão para aproveitar oportunidades – dos dirigentes empresariais em orientar seu comportamento como investidores nas tendências e “janelas” abertas pelo discurso oficial no CNDI, como afirma antigo dirigente do MDIC: Antônio Maciel Neto, que agora está na Suzano, foi da Ford. Ele estava no governo quando eu entrei nesta área aqui do ministério [...]. Ele dizia o seguinte: o governo é um grande tocador de bumbo no sentido de Napoleão de orientar o exército, ou seja, a sociedade vai um pouco na direção daquilo que os líderes e todos mais. Eles são muito oportunistas, então eles olham as oportunidades dentro dos discursos que estão armados. Eles não vão contestar o discurso, a não ser que aquilo seja muito contrário aos seus interesses imediatos. Mas, se eles tiverem como se adaptar e se servir daquele

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discurso que está armado, eles vão procurar sempre. É como a água que escorre no vale, eles vão, eles olham onde é que eles vão ganhar mais, não interessa se isso vai ser bom para o país ou não vai ser [...]. Ele vai, ele olha aquilo que está, o discurso que está armado e onde é que estão as oportunidades, e ele começa a se perfilar e vai ajustando o posicionamento estratégico dele para tirar o melhor proveito que se apresenta, quer dizer, a tradição brasileira acho que é essa [...]. (P2 – entrevista ao autor. 12 jul. 2011. Grifo nosso) Uma das dimensões mais notáveis do CNDI foi sua utilização pelos protagonistas do conselho, em especial o ministro Furlan, para “pautar” um ambiente de negociações entre os interesses do MDIC (liderando o bloco desenvolvimentista, que incluía quase sempre o MCT), com o Ministério da Fazenda e deles com os representantes do setor privado. Este traço importante pode ser evidenciado, por exemplo, nos debates sobre a fixação de desonerações e incentivos fiscais para setores diversos, quando não só o escopo da desoneração (quem seria desonerado), mas também a medida da iniciativa (quais os percentuais a serem aplicados e por quanto tempo), foram debatidos livremente pelos participantes até um denominador comum. Conforme a percepção de um ex-dirigente da ABDI, o CNDI também cumpriu uma função de “organizar a fila” das demandas privadas. Esta dimensão é importante porque revela um aspecto racionalizador da relação público-privada. De um lado o governo abre espaço para uma instância onde pode ser criticado, mas ganha ao evitar os desgastes esperados dos atendimentos individualizados, paroquiais e pulverizados na cacofonia da Esplanada. A prática dos atendimentos a demandas individuais, além de revelar um traço clientelista e patrimonialista, é altamente ineficiente do ponto de vista administrativo. Outro aspecto já analisado conceitualmente é a questão da representação política. De fato, os participantes do CNDI não eram e nunca foram representantes deste ou daquele setor no ambiente do conselho (ainda que o fossem fora do conselho), eles constituíamse a si mesmos, eram os interessados em última instância nos temas envolvidos e tinham capital político para tomar as decisões sem intermediários ou outras mediações. Este aspecto facilitava o enfrentamento das pautas corporativas e das burocracias sindicais patronais e a paroquialização do debate, mas representava também certo risco de enfraquecimento das estruturas coletivas já constituídas. Como confirma o ex-dirigente do MDIC e da ABDI: [...] Porque estavam os ministros, e todos sublinhavam essa coisa que o Furlan

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fez, de que não havia suplentes. De qualquer maneira, conceitualmente, eu acho que isso é imprescindível, por quê? Porque o caminho normal, quer dizer, você tem uma apresentação de pleitos, tanto do setor privado quanto do governo, o contrário, quer dizer, o governo também, a própria PDP faz isso, estabelece uma meta para o setor privado investir mais em P&D, está certo? (P2 – entrevista ao autor. 6 jul. 2011. Grifo nosso) E acrescenta: Agora, tem que chegar no momento, acho eu, e me parece que foi um pouco a experiência do CNDI, em que você tem o outro nível, de avaliação, mesmo que você ainda não tenha a decisão, mas tem que ser uma avaliação, onde muito, digamos, das filigranas, dos penduricalhos, da questão vão sendo podados, porque o decisor alto não quer saber de detalhes, ele quer saber do fulcro da questão, e aí, se essas coisas efetivamente podem ser resolvidas, maravilha, porque você tem ministros, que têm uma capacidade delegada enorme de decisão e que podem decidir isso e acelerar junto com o setor privado o processo de transformação da economia brasileira, porque eu acho que uma das questões centrais do Brasil é velocidade, não é apenas fazer, é fazer bem-feito e fazer com velocidade para você não ter a síndrome da rainha vermelha, quer dizer, você está andando, andando, os outros estão correndo, e você na verdade, ao invés de avançar, está retrocedendo. (P2 – entrevista ao autor. 6 jul. 2011. Grifo nosso) Nesta altura, fica mais do que evidente que o CNDI atuou na contracorrente, no sentido de que forçou um ambiente de compartilhamento de interesses e responsabilidades, diminuindo, ainda que momentaneamente, a ascendência e a hipertrofia da área fazendária sobre os demais ministérios. Esta particularidade foi uma exceção extraordinária nas regras do jogo do poder na Esplanada dos Ministérios. O próprio ex-ministro Furlan reforça o ambiente de “aprendizado coletivo”, criado pela dinâmica do conselho, superando de um lado a ação muitas vezes oportunista do lobby setorial ou particularista e a inefetividade típica de colegiados desta natureza: Porque o empresário, e o meu DNA é de empresário, não é [...] ter uma oportunidade produtiva. Produtiva, não de ter só um diálogo, porque ou o empresário vai pedir alguma coisa para o governo, ou vai fazer uma terapia em grupo, onde ele chega lá e despeja um monte de problemas, vai embora

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aliviado e nada acontece! Ou então ele usa intermediários, lobistas e por aí afora [...]. Então, ali era um lugar onde todos nós aprendíamos, não havia nenhuma reunião em que cada um não levasse para casa uma soma positiva de aprendizado, não é? Ouvindo pontos de vista de pessoas, que não era uma questão de ser do contra ou a favor, estávamos simplesmente contribuindo em torno de um projeto de país, de [política] industrial! (FURLAN, Luiz. Entrevista ao autor. 5 out. 2012. Grifo nosso) Estas tensões não são novas na história da política industrial, o que reforça a ideia de um padrão relacionado ao modo como se organiza o Estado brasileiro e o governo federal. Rua e Aguiar (1995), analisando os conflitos na política industrial do governo Sarney, na segunda metade dos anos 1980, referem-se desta maneira à relação entre o Ministério da Indústria e o Ministério da Fazenda: Esta diversidade de interesses, prioridades e visões do mundo, associada ao contexto de crise e escassez, acentua a competição pelo poder entre as diferentes agências e faz com que as decisões sejam definidas por meio de complexos jogos de barganha, envolvendo os atores privados. Dentre os possíveis exemplos desta dinâmica de competição e barganha interburocrática, destaca-se a disputa, na primeira fase, entre o MIC e o MF, pela definição do centro decisório da política industrial. O MIC estabeleceu uma aliança com o empresariado, nos moldes dos anéis burocráticos. Em resposta, o MF e a Seplan se aliam e articulam um conjunto de argumentos técnicos, enfatizando a onerosa operacionalidade da proposta de política industrial do MIC, que acaba perdendo apoio às suas pretensões. (p. 258. Grifo nosso) Qual a novidade do CNDI? O colegiado logrou estabelecer acordos que superaram, pelo menos parcialmente, esta competição interburocrática. A competição não foi superada por negação, ao contrário, as regras criadas para seu desenvolvimento permitiram algum acúmulo progressivo de consensos parciais. O CNDI atuou como instância política com a participação frequente do ministro-chefe da Casa Civil e não raro com o próprio Presidente da República. Esse aspecto foi fundamental para resolver a competição e a barganha interburocrática, porque empresava autoridade política ao fórum e reforçava a liderança do MDIC, alargando lenta e progressivamente o espaço fiscal disponível para irrigar as metas da política industrial. Como já disse Kingdon (2011), o Presidente é o “empreendedor político” mais importante para criar situações de policy windows e fazer convergir problemas,

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soluções e a dinâmica política8. A autoridade do Presidente da República foi decisiva para explicar a disponibilidade do titular da Fazenda nas negociações com o setor “produtivista” do governo. A integração de políticas públicas complexas exige coordenação, demanda que surge quando há uma orientação clara para a descentralização e intersetorialidade, é uma característica normalmente atribuída às políticas de natureza social. A dinâmica do CNDI evidenciou que os requisitos de intersetorialidade também são elementos necessários para políticas de desenvolvimento econômico em geral e políticas industriais em particular, sobretudo se essas políticas implicam conceitualmente a associação entre os conceitos de competitividade, produtividade e inovação científica e tecnológica. Talvez o exemplo mais acabado dessa intersetorialidade sejam a Lei do Bem e a Lei de Inovação, discutidas a seguir, evidências intrínsecas, pela sua natureza e construção conceitual, da integralidade de uma política que combina dois arranjos institucionais distintos: a lógica da produção científica e tecnológica com a lógica do crescimento econômico, ou seja, do MCT e do MDIC. Um ex-dirigente da ABDI e da Apex Brasil (agência paraestatal de promoção comercial) reforça a ideia de que as tensões internas com a área fazendária são normais e esperadas no contexto da PI – e até positivas, porque as políticas resultam desses embates – e que o CNDI foi criado como parte central de uma estratégia para sensibilizar o governo para esta agenda, que até certo ponto era inédita: O segredo da política está em se ter Presidentes, estruturas e institucionalidade que mexam nessa questão, mas isso é natural, a Fazenda tem que ter poder de veto, eu defendo isso e essa briga, é através dessa fricção da briga que se consegue criar políticas. O que se pode discutir é que, dependendo de quem estiver no Ministério da Fazenda, você pode ter uma política mais eficiente e mais rápida, mas a grande sensibilidade foi o seguinte: nós tivemos grande parte dos primeiros 4 anos de política industrial, de sensibilização, porque a Fazenda, a estrutura do Governo, não estava acostumada com política

8 O CNDI também foi utilizado como instância de defesa política do governo em situações de crise. Em 23/8/2005, no auge da crise política que envolveu o ministro Palocci, Lula foi pessoalmente ao CNDI para manifestar seu desagravo ao ministro Palocci e dizer que a política econômica continuaria com ou sem ministro. Segundo Armando Monteiro, à época conselheiro e presidente da CNI: “Claro que as pessoas são importantes e caras ao Presidente, mas a política econômica é uma opção do governo, não de pessoas ou de ministros. É um compromisso que se sobrepõe às pessoas. O Presidente é o principal fiador dessa política. A política econômica tem um sentido de permanência. O Presidente disse que não vai fazer concessões nem tentativas de fazer médias com o setor”. (Folha de S.Paulo, 24 ago. 2004)

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industrial; a estrutura do Governo não falava em política industrial, por isso que no início do CNDI nós fizemos no Palácio do Planalto, porque a gente queria que o Presidente da República chancelasse, e por isso que é uma câmara, é o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial. A institucionalidade da política eu te diria que respondeu no início por 70% da política, inclusive para criar a interlocução com o setor privado; e o mais importante de tudo é o seguinte: só através dessa institucionalidade, da sensibilidade, o setor privado se organizou. (P2 – entrevista ao autor. 12 maio 2012. Grifo nosso) Ainda que seja metodologicamente impossível isolar todas as relações de causa e efeito em processos políticos e sociais complexos como este, a análise das pautas e debates do CNDI evidencia que um conjunto de políticas, propostas e iniciativas (algumas se efetivaram como normas legais, outras como programas de ministérios e outras ainda como linhas de crédito do BNDES) aconteceram com a rapidez e o impacto necessário, porque foram processadas naquela arena, com os atores estratégicos e decisivos para que pudessem ser efetivadas pelo quadro gerencial do governo.

CONCLUSÕES Não há uma métrica objetiva para definir os impactos das relações entre governos e empresários, sejam os conselhos de natureza deliberativa, consultiva ou executiva, ou ainda multifuncionais (SCHNEIDER, 2010). Uma possibilidade poderia ser comparar as expectativas de resultados, qualitativos e quantitativos, com aqueles efetivamente observados. Mesmo assim os impactos seriam de difícil identificação porque a linha de base estaria sempre sujeita ao argumento contrafactual: o que poderia ter acontecido caso o conselho não existisse? (PACK; SAGGI, 2006). Outra forma de mensurar os impactos seria a contribuição da arena para a qualidade da elaboração da política pública. Esta abordagem, entretanto, está sujeita a visões particulares do que seja a melhor qualidade da política, um problema extremamente subjetivo, relacionado aos interesses dos atores em jogo. A questão central é saber como os participantes reconhecem um problema e desenvolvem estratégias para resolvê-lo. Schneider (2010) sugere o uso de dois argumentos para se aproximar de avaliação mais realista: 1) o desenho institucional; e 2) a hipótese do custo-benefício. O desenho de um conselho poderia ser analisado a partir da gestão da arena, de como se formam os mandatos, da frequência e intensidade das interações, da representatividade dos participantes, do suporte técnico do staff e até do número

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de participantes. O segundo processo implica saber se os benefícios definidos pela estrutura de incentivos superam os custos de participação. Tanto uns quanto outros são intangíveis e variam de acordo com a natureza do participante, se público ou privado, o tipo de problema, etc. Como atuaram os empreendedores políticos na conexão de interesses entre os diversos atores envolvidos? Esta foi a variável-chave no modelo explicativo. Quase todos os casos analisados, os depoimentos e o próprio testemunho pessoal do autor podem confirmar a imprescindibilidade da atuação dos empreendedores políticos em todo o processo de articulação e cooperação público-privado. Pode-se dizer, sem margem para erro, que caso não houvesse a atuação de empreendedores políticos individuais, tais como o ministro Furlan e o próprio Presidente da República, naquelas circunstâncias conjunturais do governo Lula, o CNDI teria tido uma vida burocrática, protocolar, funcionando como mera instância para nivelar informações entre industriais e burocratas governamentais, ou quando muito como arena de legitimação e validação pseudoparticipativa de decisões e políticas propostas e deliberadas nos limites dos ministérios envolvidos. Cabe assinalar com igual vigor que o papel dos empreendedores políticos não se esgotava no âmbito do CNDI ou de qualquer outra arena institucionalizada, seu impacto se estendia também nas redes informais de decisão, que sempre foram fundamentais. Fica claro também que a performance dos empreendedores políticos não aparece como um processo de geração espontânea, autonomizada de condições objetivas. Pelo contrário, a trajetória do governo e dos empresários, as circunstâncias políticas e o domínio de novas ideias e relações fecundas entre os membros da arena funcionam como requisitos para sua atuação. Há casos, inclusive, como a discussão sobre o marco regulatório de acesso ao patrimônio genético ou a implantação do sistema brasileiro de TV digital, em que a ação dos empreendedores foi insuficiente para que o CNDI solucionasse os problemas. No primeiro caso, havia um conflito estrutural de conceitos e ideias divergentes dentro do próprio governo, isto é, a dinâmica ideacional não logrou formar uma base consensual sobre a qual os empreendedores pudessem desenvolver seu papel de conectores e mobilizadores. No segundo, a Casa Civil criou outro palco político (uma arena especializada), para encaminhar os debates, que, segundo os gestores entrevistados, exigiam um alto nível de especialização técnica e institucional. Cabe registrar que, apesar da variedade de mecanismos institucionais adotados, nenhum dos dois temas evoluiu durante o governo Lula. O novo pacto ideacional lulista, influenciado pelo próprio estilo pessoal do Presidente,

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demandava a busca permanente pela coordenação através da exaustão do debate dentro do governo; e, em um segundo momento, do governo com os industriais e trabalhadores. A ação de coordenação intragovernamental não foi algo imposto, ao contrário, foi construída bottom up. Mesmo quando este pacto de ideias excluía deliberadamente temas proibidos da agenda industrial, como era o caso das variáveis da política econômica (os níveis da taxa de juros e do câmbio), produziuse um acordo interno em que os atores negociadores aceitaram manobrar dentro dessas fronteiras, em nome de um benefício maior relacionado à governabilidade da coalizão lulista. As propostas mais robustas do CNDI, a formulação da Lei do Bem ou da Lei de Inovação, foram viabilizadas após a construção de uma relação de confiança e cooperação entre os membros do conselho. Tais relações dependiam, ao seu tempo, de um conjunto de processos que mudaram em cada conjuntura. Em alguns temas o embasamento técnico, viabilizado normalmente por empreendedores políticos coletivos, a ABDI ou a CNI, foi fundamental para que as partes cooperassem. Em outros momentos as relações internas foram influenciadas por visões compartilhadas sobre a indústria e o desenvolvimento nacional, por participantes que já acumulavam anos, senão décadas, de convívio e debate sobre este tema. Este era o caso, por exemplo, de um conjunto de industriais ligados ao IEDI desde os anos 1980. A própria condição do ministro Furlan, um empresário industrial “licenciado”, facilitava a manutenção destas relações cooperativas entre os pares. Ainda que seja subjetivamente difícil estabelecer uma relação causal precisa entre a efetividade do conselho, o grau de coordenação governamental atingido e a qualidade do relacionamento pessoal dentro dele, é evidente que o “clima interpessoal” contribuiu positivamente, mas talvez não de maneira decisiva. Os limites do processo de coordenação intragovernamental, ou seja, da função de “janela de política” e formador da agenda estavam na baixa accountability e no pouco enforcement, se comparada à tradição das “câmaras setoriais” durante o governo Sarney, ou mesmo ao antigo Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), dos anos 1970, fica evidente que os “fóruns setoriais” dos governos Cardoso e Lula não tiveram a mesma natureza deliberativa. Ao contrário de outras políticas públicas (sociais) com conselhos de natureza regulatória ou fiscalizadora9, os “fóruns” e o CNDI operavam como instâncias consultivas, isto é, auxiliares

9 Como são, a título de exemplo, o Conselho Nacional de Assistência Social, o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Nacional de Educação ou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e assim por diante.

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do poder Executivo, do Presidente da República e do ministro do MDIC. Esta “limitação” era parte das regras do jogo, desde o início. A baixa institucionalização das instâncias e sua consequente dependência de personalismos e preferências políticas particulares dos dirigentes contribuiu para as oscilações no seu ritmo e efetividade. A formalização precária dos procedimentos também resultou em baixa accountability.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABERS, R.; KECK, M. Representando a diversidade: estado, sociedade e “relações fecundas” nos conselhos gestores. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 52, 2008. BURT, R. Structural Holes and Good Ideas. The American Journal of Sociology, v. 110, n. 2, set. 2004 (ABI/Inform Global). CAMP, J.; ROOT, H. The Key to the Asian Miracle: Making Shared Growth Credible. Washington, DC, United States: Brookings Institution, 1996. CASTRO, A. C. Desenvolvimento em Debate: Novos Rumos do Desenvolvimento no Mundo. v. 2. Painel de Política Industrial do BNDES, 2002. CODATO, A. Estrutura Política e interesse de classe: uma análise do sistema estatal no Brasil pós-1964, o caso do Conselho de Desenvolvimento Econômico. Dissertação (Mestrado)–Campinas, Unicamp, 1995. IEDI. Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Indústria e Desenvolvimento, Principais Conclusões e Sugestões (mimeo), 2000. KINGDON, J. Agendas, Alternatives and Public Policies [updated second edition, foreword by James Thurber]. Longman, 2011. NUNES, E. A gramática política do Brasil, clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. OSTROM, E.; GARDNER, R.; WALKER, J. Rules, Games, and Common Pool Resources. Ann Arbor: The University of Michigan, 1994. PACK, H.; SAGGI, K. The case for industrial policy: a critical survey World Bank Policy

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O Modelo de Gestão da ABDI

Andreia de Oliveira Silva Eron Campos Saraiva Andrade Flávio Feitosa Costa Luis Cláudio Rodrigues França

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Resumo

Considerando a amplitude da missão da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e o contexto de mudanças econômico e político no qual está inserida, a agência adotou em seu modelo de gestão uma estrutura organizacional orientada a projetos, estratégia e processos, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso no alcance de seus objetivos com melhor aproveitamento dos ativos disponíveis. Assim, ao longo desses dez anos, foram traçados planos de ações e iniciativas que contemplaram a proposição e institucionalização de boas práticas em gerenciamento de projetos na agência. Neste sentido, os autores deste artigo descrevem o processo de amadurecimento da ABDI na gestão de projetos ao longo da sua existência e sua evolução em direção à excelência na implantação desses tipos de esforços organizacionais, servindo de alicerce para o monitoramento da execução das medidas e ações estratégicas inseridas na política industrial brasileira. Palavras-chave: Gestão de Projetos. Portfólio. Programas. Escritório de Projetos. Modelos de Maturidade em Gerenciamento de Projetos. Planejamento Estratégico. ABDI.

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INTRODUÇÃO A gestão orientada a projetos tem se constituído em um importante instrumento de apoio a mudanças, ao desenvolvimento e ao alcance dos objetivos estratégicos das organizações, principalmente naquelas que precisam dar respostas eficazes e ágeis aos desafios organizacionais. Nesse sentido, as vantagens da gestão de projetos têm sido largamente divulgadas, e a aplicação dos seus métodos e técnicas cada vez mais comuns, se transformando em um fator-chave para prover padronização, agilidade, consistência e excelência operacional na execução de projetos de uma organização. Assim, as principais mudanças e as iniciativas para gerar vantagens competitivas têm sido desenvolvidas, em sua maior parte, por meio do gerenciamento de projetos, que visa a estabelecer um processo lógico e estruturado, capaz de lidar com eventos que se caracterizam pela novidade, complexidade e dinâmica ambiental (VARGAS, 2009). Nesta linha, considerando a amplitude da missão da ABDI e o contexto de mudanças econômico e político no qual está inserida, a agência optou por adotar em seu modelo de gestão uma estrutura organizacional orientada a projetos, estratégia e processos, com o objetivo de aumentar as chances de sucesso no alcance de seus objetivos com melhor aproveitamento dos ativos disponíveis (financeiros, humanos e materiais). O enfoque desta gestão busca a excelência nos resultados, pois os projetos na ABDI são concebidos como empreendimentos finitos no tempo, com foco estratégico, alinhados à missão da agência e com ações que estabelecem claramente os resultados a serem alcançados. Ressalta-se, entretanto, que a evolução na maturidade em gestão de projetos em uma organização consiste no desenvolvimento de sistemas, processos, estruturas e competências que aumentem a probabilidade de que cada um dos projetos seja bem-sucedido. Por consequência, modelos de maturidade em gerenciamento de projetos vêm cada vez mais obtendo destaque como ferramenta de apoio

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ao desenvolvimento de competências organizacionais, pois, quanto maior a maturidade da organização, valorização e patrocínio para o gerenciamento de projetos, maiores serão os benefícios e resultados alcançados. Assim, ao longo dos anos de 2005 a 2014, diante dos diagnósticos de maturidade em gerenciamento de projetos realizados na ABDI, foram traçados planos de ação e iniciativas que contemplaram a proposição e a institucionalização de boas práticas em gerenciamento de projetos na agência. E neste ponto surgem perguntas, por exemplo: “Como ocorreu o processo de maturidade do gerenciamento de projetos na ABDI? Como foram implantados os primeiros modelos de gestão por projetos na agência? Quais foram as melhores práticas utilizadas para a gestão dos seus projetos? Que resultados foram alcançados? Como está sendo planejada a continuidade desses processos?” Para responder a essas questões, os autores descrevem neste artigo o processo de amadurecimento da agência na gestão dos seus projetos. Inicialmente será apresentada uma breve revisão da literatura sobre gerenciamento de projetos, programas e portfólio, escritórios de projetos e modelos de análise de maturidade que deram suporte aos diagnósticos citados. Na sequência será apresentado o resultado de uma pesquisa documental que considerou a análise do contexto e o histórico da ABDI, em relação às suas práticas de gerenciamento de projetos, evolução de sua maturidade, técnicas empregadas nos diagnósticos e resultados pretendidos e alcançados. O trabalho também inclui uma descrição da situação atual, além da apresentação de uma proposta com diretrizes evolutivas para que a maturidade em gerenciamento de projetos na agência continue sendo incrementada, buscando sempre melhorar a eficiência e a eficácia no alcance dos seus objetivos estratégicos por meio do gerenciamento de projetos.

REFERENCIAL TEÓRICO PROJETO Os projetos estão presentes em todos os níveis da organização e conforme o Guia PMBOK® (Project Management Body of Knowledge, PMI, 2013):

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Um projeto é um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado exclusivo. A natureza temporária dos projetos indica que eles têm um início e um término definidos. O término é alcançado quando os objetivos do projeto são atingidos ou quando o projeto é encerrado porque os seus objetivos não serão ou não podem ser alcançados, ou quando a necessidade do projeto deixar de existir. Um projeto também poderá ser encerrado se o cliente (cliente, patrocinador ou financiador) desejar encerrá-lo. Temporário não significa necessariamente de curta duração. O termo se refere ao engajamento do projeto e à sua longevidade. (Guia PMBOK®, PMI, 2013). Os projetos são normalmente autorizados para contribuir no resultado de uma ou mais diretrizes estratégicas da organização. São planejados e executados para criar novos produtos ou serviços e introduzir mudanças e inovações em seus processos. Segundo o Guia PMBOK® (PMI, 2013), um projeto pode criar: •

Um serviço ou a capacidade de realizar um serviço (por exemplo, uma função de negócios para dar suporte à produção ou distribuição).



Uma melhoria nas linhas de produtos e serviços (por exemplo, um projeto para reduzir falhas e incidentes).



Um produto que pode ser um componente de outro item, um aprimoramento de um item ou um item final.



Ou um resultado, como um produto ou documento (por exemplo, um projeto de pesquisa que desenvolve o conhecimento que pode ser usado para determinar se uma tendência existe ou se um novo processo beneficiará a sociedade).

Importante destacar que os projetos são utilizados como um meio de direta ou indiretamente alcançar os objetivos estratégicos de uma organização.

GERENCIAMENTO DE PROJETOS Segundo o Guia PMBOK® (PMI, 2013), o gerenciamento de projetos é a aplicação de conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas às atividades de um projeto, a fim de atender aos seus requisitos. Ou seja, acredita-se que um gerenciamento

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de projetos eficaz é indispensável para converter estratégias de negócios em resultados positivos de negócios. Para realizar isso, é preciso estabelecer prazos, definir tarefas, identificar itens de caminho crítico, especificar e adquirir materiais, acompanhar custos e a entrega dos produtos com a qualidade esperada. O planejamento das comunicações também é essencial e necessário para apoio à tomada de decisões. Todas essas práticas fazem parte do gerenciamento de projetos. O Guia PMBOK® (PMI, 2013), em sua quinta edição, descreve que o gerenciamento de projetos ocorre por meio de processos e a partir da aplicação e integração de 47 processos, agrupados dentro de cinco grupos: 1) Iniciação; 2) Planejamento; 3) Execução; 4) Monitoramento e Controle; e 5) Encerramento. Desta maneira, cada grupo de processos possui ferramentas, entradas e saídas específicas a serem seguidas, para garantir o sucesso do projeto em todas as suas fases (Figura 1). Figura 1 – Grupos de Processos de Gerenciamento de Projetos

Fonte: PMBOK® (PMI, 2013).

As organizações têm buscado aprimorar intensamente as habilidades em gerenciamento de projetos, buscando alcançar o seu sucesso. Isso é motivado por uma série de fatores, tais como aumento de competitividade, redução dos custos, exigência de clientes, dentre outros. Ou seja, trata-se de uma competência estratégica para as organizações, permitindo alcançar os seus objetivos por meio dos resultados dos projetos.

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PROGRAMA O Guia PMBOK® (PMI, 2013) define “programa” como um grupo de projetos, subprogramas e atividades de programas relacionados, gerenciados de modo coordenado, visando à obtenção de benefícios que não estariam disponíveis se eles fossem gerenciados individualmente. Ocorre um gerenciamento centralizado e coordenado de um grupo de projetos para atingir os objetivos e benefícios estratégicos do programa. Os programas têm uma estrutura de governança e são orientados pelos benefícios que pretendem gerar.

PORTFÓLIO “Portfólio” é um conjunto de projetos, programas e outros trabalhos agrupados para facilitar seu gerenciamento eficaz, com a finalidade de atender aos objetivos estratégicos da organização. É a ponte que liga as estratégias organizacionais às iniciativas formalizadas em projetos e programas (Guia PMBOK®, PMI 2013, com adaptações). Os programas e projetos que compõem um portfólio não necessitam obrigatoriamente ser inter-relacionados ou interdependentes. Uma das tarefas do gerenciamento de portfólio é manter apenas os projetos e programas alinhados aos objetivos estratégicos da organização.

ESCRITÓRIO DE PROJETOS O Escritório de Gerenciamento de Projetos (do inglês Project Management Office –PMO) é uma estrutura organizacional que centraliza as informações, apoia o planejamento e a estruturação dos projetos, determina padrões organizacionais, cria guias de orientação de determinadas técnicas e métodos, faz o acompanhamento e controla o desenvolvimento de um conjunto de projetos, mantendo informada a alta gerência do andamento e criticidade dos projetos. Para Kerzner (2004) o Escritório de Projetos tem a responsabilidade de manter toda a propriedade intelectual relacionada ao gerenciamento de projetos, além de suportar o planejamento estratégico corporativo, definindo hierarquias de objetivos e estratégias. Na mesma linha, para o Guia PMBOK® (PMI, 2013) o Escritório de Projetos reúne os dados e informações de projetos estratégicos corporativos e avalia como os objetivos estratégicos estão sendo alcançados. O Escritório de Projetos é a ligação natural entre os portfólios, programas e projetos da organização

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e os sistemas de medição corporativos. Entretanto, as funções de um Escritório de Projetos podem variar, de acordo com seu posicionamento, desde funções de suporte à gestão até ser responsável pelo gerenciamento direto de um projeto.

MODELOS DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS Considera-se “maturidade” um processo de aquisição de competências que ocorre no decorrer do tempo. Prado (2010) diz que as organizações e processos evoluem e amadurecem e que existe uma relação intuitiva entre o amadurecimento e o sucesso. Ainda segundo Prado (2010), diversas pesquisas e estudos realizados nos últimos anos têm demonstrado que maturidade e sucesso realmente caminham juntos. A maturidade, segundo Kerzner (2004), é representada por sistemas e processos desenvolvidos, que têm como característica própria a repetibilidade, aumentando a probabilidade de sucesso, embora não seja uma garantia de que isso aconteça; mas sua principal característica é o aumento dessa probabilidade. Desta forma, os modelos de maturidade em gestão de projetos têm como objetivo avaliar o contexto e os processos de gerenciamento de projetos dentro das organizações. Os resultados dessas avaliações devem apoiar as ações estratégicas que orientam o gerenciamento de portfólio, programas e projetos no sentido de aumentar o grau de sucesso dos projetos. Pennpacker e Grant (2003) afirmam que os modelos de maturidade proveem uma estrutura para avaliação que permite a uma organização comparar suas entregas de projetos com as melhores práticas ou contra seus concorrentes (processo de benchmarking), enfim, definindo uma rota estruturada para a melhoria contínua. Assim, aperfeiçoar a maturidade em gerenciamento de projetos, através do investimento em ferramentas, técnicas e melhoria nos processos, tem sido tratado como questão estratégica para as organizações que buscam melhorar seus resultados nos projetos. É neste contexto que os modelos de maturidade em gerenciamento de projetos estão sendo cada vez mais estudados e aplicados, pois são instrumentos que auxiliam as organizações a medirem o estágio atual de desenvolvimento para que aprimorem as competências a fim de evoluir. Alguns modelos de maturidade em gerenciamento de projetos são bastante utilizados e conhecidos no mercado. Dentre eles destacam-se o Modelo de Maturidade em Gerenciamento de Projetos (Prado-MMGP), o Kerzner Project

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Management Maturity Model (KPMMM) e o Organizational Project Management Maturity Model (OPM3®).

MODELO DE MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS (PRADO-MMGP) O modelo foi criado por Darci Prado para avaliar o estágio de maturidade das organizações onde prestava consultoria. A partir dele o autor sugeria planos de melhoria. O modelo, lançado em 2002, tem por base a experiência com diversas empresas e possui como principal característica a adaptação ao mercado brasileiro. Através dele a empresa pode medir sua habilidade desde o estágio inicial até o mais complexo, também sendo possível realizar comparações com outras empresas do mesmo segmento, além de estabelecer planos de crescimento. Outra característica deste modelo é a sua simplicidade, pois possui um questionário de 40 perguntas que pode ser aplicado tanto em setores isolados (setorial) quanto na instituição como um todo (corporativo). O Modelo Prado-MMGP está dividido em cinco níveis de maturidade: 1) inicial; 2) conhecido; 3) padronizado; 4) gerenciado; e 5) otimizado (Figura 2). Figura 2 – Modelo de maturidade

Fonte: (PRADO, 2010).

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Prado (2010) explica que a evolução nos níveis ocorre segundo seis dimensões: 1) conhecimento de gerenciamento; 2) uso prático de metodologia; 3) informatização; 4) estrutura organizacional; 5) relacionamentos humanos; e 6) alinhamento com os negócios da organização. Todas essas dimensões ocorrem nos cinco níveis e em diferentes momentos (Figura 3).

Figura 3 – Dimensões e níveis de maturidade

Fonte: (PRADO, 2010).

KERZNER PROJECT MANAGEMENT MATURITY MODEL (KPMMM) O Kerzner Modelo de Maturidade no Gerenciamento de Projetos (KPMMM), de Harold Kerzner, foi lançado em 1998, consistindo em um questionário de 183 perguntas. Ele permite medir a organização em cinco níveis de maturidade com as características apresentadas na Tabela 1.

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Tabela 1 – Níveis de maturidade Níveis Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5

Descrição Linguagem comum: neste nível a organização utiliza uma linguagem comum de gerenciamento de projetos. Processos comuns: existem processos comuns definidos na organização e aplicados de maneira sistemática Metodologia única: existe uma única metodologia aplicada na organização com processos integrados Benchmarking: neste estágio é realizada análise quantitativa e qualitativa dos processos Melhoria contínua: estabelecido um processo de avaliação e melhoria contínua dos processos de gerenciamento de projetos Fonte: (KERZNER, 2004).

Kerzner (2004) conceitua a maturidade em gerenciamento de projetos como a implementação de uma metodologia-padrão e processos acompanhados com alta probabilidade de sucesso repetitivo. Assim, cabe à organização a busca por padronizar, capturar, reter e disseminar a cultura e melhoria contínua das suas melhores práticas gerenciais com vistas a atingir a maturidade em gerenciamento de projetos.

ORGANIZATIONAL PROJECT MANAGEMENT MATURITY MODEL (OPM3®) O Organizational Project Management Maturity Model (OPM3®) é o modelo de maturidade em gerenciamento de projetos concebido pelo PMI. O propósito deste modelo é auxiliar as organizações a conhecerem e medirem sua maturidade no gerenciamento de projetos a partir de um conjunto abrangente e amplamente utilizado de melhores práticas, oferecendo subsídios para que a organização se planeje para aumentar seu nível de maturidade (PMI, 2013). É composto pelos seguintes elementos: •

Conhecimento: este elemento descreve gerenciamento de projetos e maturidade no contexto organizacional.



Avaliação: apresentam métodos, processos e procedimentos para a organização avaliar seu próprio grau de maturidade. Trata-se de um questionário de 151 questões pelo qual pode identificar forças e fraquezas da organização com relação a melhores práticas.

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Aperfeiçoamento: provê um processo para possibilitar que a organização aumente o grau de maturidade. Possui um banco de dados com a descrição de aproximadamente 600 melhores práticas, constituindo uma base para um plano de desenvolvimento.

O OPM3® aplica aos domínios de projetos programas e portfólio e segue os seguintes estágios a serem desenvolvidos: 1) padronização; 2) medição; 3) controle; e 4) melhoria contínua (Figura 4). A partir da aplicação de um questionário, é possível avaliar a maturidade da organização com relação às melhores práticas. Figura 4 – Escala de aumento da maturidade

Fonte: OPM3® (PMI, 2003).

O OPM3® tem o intuito de relacionar a estratégia da organização com o desenvolvimento bem-sucedido de projetos, principalmente por meio da compreensão organizacional das boas práticas em gestão de projetos. Neste sentido, a visão do PMI é ter um amplo modelo de maturidade que seja endossado e reconhecido mundialmente como um padrão para desenvolver e avaliar as capacidades de gerência de projetos em qualquer categoria de organização.

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EVOLUÇÃO DA MATURIDADE Histórico da Gestão de Projetos na ABDI Em 2005, ano inicial de operacionalização das atividades da ABDI, a missão da agência era articular, coordenar e promover a execução da Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE – período de 2004 a 2008) em interação com os órgãos públicos e com a iniciativa privada. Para alcançar estes resultados, a participação do meio empresarial, acadêmico e do governo era fundamental, pois por meio deles é que seriam identificadas as prioridades, os principais gargalos e a definição de possíveis planos de ação que atendessem as demandas do setor industrial brasileiro. A partir dessas diretrizes, a ABDI definiu dois macroprogramas que foram desdobrados em quatro desafios estratégicos. Assim, deu-se início ao processo de articulação com os principais parceiros e interessados para a estruturação dos primeiros programas e projetos a serem desenvolvidos pela ABDI. Passado o primeiro ano de estruturação da agência, percebeu-se a necessidade de se estabelecer um modelo formal de gestão direcionado ao acompanhamento estruturado dos programas e projetos, pois além dos projetos internos a ABDI também era responsável por acompanhar todo o andamento dos programas e ações da PITCE realizados pelos ministérios e entidades a eles vinculados. Esse trabalho demandava a necessidade de uma organização e controle que permitissem à agência ter uma visão abrangente dos resultados alcançados, das atividades em andamento e dos riscos e problemas mapeados, pois de posse dessas informações era possível definir novos rumos ou estratégias de ação para superar os possíveis obstáculos, buscando assim a efetiva concretização dos resultados esperados. Para dar sustentação a esse novo modelo de gestão por programas e projetos, em março de 2006, foi realizado um diagnóstico inicial da maturidade em gerenciamento de projetos na ABDI. A metodologia utilizada para avaliar a maturidade teve como elemento central a aplicação de um questionário de avaliação adaptado a partir do modelo OPM3®. O resultado desse trabalho delineou um plano de ação que contemplava a proposição e a institucionalização de boas práticas em gerenciamento de projetos na agência, tendo como principal ação a implantação de um escritório de projetos. Assim, no mesmo ano, foi criada a Unidade de Apoio a Programas e Projetos (UAPP), vinculada à diretoria executiva da ABDI. O objetivo da UAPP era estabelecer

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uma unidade de coordenação e integração dos diversos programas e projetos que orientasse a formulação e a execução da estratégia organizacional dentro de um contexto metodológico fundamentado nas melhores práticas, contribuindo assim para o aumento do nível de maturidade da agência no gerenciamento dos seus programas e projetos. A implantação da UAPP foi estruturada como um projeto, e o seu plano de trabalho incluiu como objetivos a criação e a divulgação de um modelo padronizado para a gestão dos projetos, o desenvolvimento de um sistema informatizado e a capacitação dos colaboradores. Partindo destas definições, a UAPP foi estruturada em cinco grandes áreas de atuação: 1) Instrumentos e Padrões: responsável pela prospecção de melhores práticas, a definição, manutenção e disseminação de instrumentos metodológicos, incluindo a ferramenta de suporte a gestão dos projetos e programas. 2) Consultoria e Suporte: responsável por estabelecer processos para atuação nas atividades de assessoria, apoio e suporte aos líderes e equipes de projetos, assegurando o uso das melhores práticas e disponibilizando capacitações em gerenciamento de projetos. 3) Monitoramento e Controle: responsável por acompanhar e divulgar a situação atual, riscos e problemas de todos os projetos da agência. 4) Gestão Documental: responsável por definir os processos para armazenagem, recuperação e manutenção da documentação dos projetos. 5) Maturidade em Gerenciamento de Projetos: responsável por medir periodicamente e monitorar o nível de maturidade, buscando caminhos para a evolução da agência na gestão dos seus programas e projetos. Assim, cabe destacar os primeiros resultados da implantação da UAPP, como a realização do inventário de todas as demandas e ações da agência, a definição de uma metodologia de gestão de projetos, com os principais modelos de documentos e com o estabelecimento de métricas para a comunicação da situação atual e futura dos projetos, e a definição de um plano de treinamento para as equipes de projetos.

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Em paralelo à implantação da UAPP, no segundo semestre de 2006, foi realizado um seminário de planejamento estratégico da Agência. Neste evento foram estabelecidas as diretrizes estratégicas para o horizonte 2007-2010. Com isso, surgiu o primeiro portfólio de programas e projetos da ABDI, estruturado a partir das diretrizes decorrentes do planejamento estratégico. Com a definição desse portfólio, iniciou-se a etapa de operação da UAPP. Na sequência, considerando que o monitoramento e a avaliação de programas e projetos na agência seja uma função gerencial efetiva, apoiando o processo de gerenciamento e decisão estratégica da organização, a prioridade da UAPP voltou-se para a implantação de uma ferramenta sistematizada de gestão. Desta forma, para atender a essa necessidade, no final de 2006 foi contratada uma consultoria para desenvolvimento e implantação do sistema informatizado de apoio à gestão de projetos e demandas. Esta ferramenta foi denominada Sistema de Gerenciamento de Projetos (SGP), sendo utilizada para o planejamento e o acompanhamento da execução dos programas e projetos, permitindo a atualização de informações, armazenamento de documentos e geração de relatórios sobre os projetos da agência. O SGP representou um marco importante na agência, pois viabilizou a disseminação de uma cultura voltada para resultados por meio da definição de um processo de gestão integrada com monitoramento informatizado do progresso dos projetos, desempenho das metas, controle financeiro e alinhamento orçamentário do portfólio. O objetivo da gestão dessas informações era justamente orientar a formulação e execução da estratégia da ABDI por meio do apoio ao planejamento estratégico e à condução dos seus projetos. Para realizar esse trabalho, a UAPP promoveu uma atuação sinérgica e integrada de todas as áreas da agência. O envolvimento de todos foi essencial para a obtenção dos resultados alcançados ao longo de todo o processo. Evolução da maturidade de Gerenciamento de Projetos da ABDI Concluída a implementação do plano de institucionalização de boas práticas em gerenciamento de projetos na agência, foi realizada em setembro de 2007 uma reavaliação da maturidade, que fez parte da última etapa do projeto de implantação da UAPP. O resultado obtido pela reavaliação indicou que a ABDI já estava adotando 55% das práticas sugeridas pelo modelo OPM3®, nas três dimensões: projetos, programas e portfólio. A Figura 5 apresenta um gráfico comparativo do percentual

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geral de maturidade nos três momentos, quais sejam: 1) os resultados obtidos na avaliação inicial (março de 2006); 2) as metas estabelecidas no projeto de implantação da UAPP; e 3) os resultados da reavaliação (setembro de 2007). A maturidade inicial compreendia apenas 3% das práticas previstas no modelo, assim, com base no plano de implantação proposto, foi estabelecida a meta geral de implementação de 50% das práticas. A reavaliação demonstrou que a meta foi superada, alcançando 55%, ou seja, já dentro do estágio de controle. Figura 5 – Evolução da maturidade de projetos na ABDI – 2005 a 2007

Fonte: ABDI.

Esse resultado retratou o esforço da agência no aumento da maturidade organizacional nos quatro estágios definidos no modelo OPM3®, relacionados a padronização, medição, controle e melhoria contínua. Ou seja, houve dispêndio de esforços e investimento na definição de uma linguagem única e padronizada para a gestão dos projetos, na capacitação das equipes e envolvidos nos projetos, na disponibilização de uma ferramenta para gerenciamento, divulgação e consulta ao processo de planejamento, acompanhamento e desempenho dos projetos, além da existência de um escritório de projetos, a UAPP, em funcionamento efetivo.

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Todavia, apesar da coerência e dos bons resultados apresentados, o diagnóstico de reavaliação também identificou pontos para subsidiar um novo ciclo de melhoria e continuidade na institucionalização das melhores práticas de gerenciamento de projetos na ABDI. Nesse sentido, a UAPP integralizou essas sugestões no plano de ação da área, pois ainda eram necessárias ações gerenciais encadeadas e sistematizadas, incluindo reformulações de alguns processos da gestão de projetos, além da criação de indicadores de desempenhos dos projetos. Entretanto, ao longo do ano de 2008, as novas ações a serem implementadas pela UAPP foram desaceleradas em razão da prioridade da agência em acompanhar o término das ações da política industrial (PITCE) e a elaboração e início da nova política que daria continuidade a ela, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Neste processo o papel da UAPP foi prover informações com análise do desempenho dos projetos, procurando identificar oportunidades, possíveis descontinuidades, mudanças ou possíveis impactos com a implantação da PDP. Ressalta-se aqui que, com base nos resultados já alcançados pela ABDI, o MDIC optou por utilizar o Sistema de Gerenciamento de Projetos (SGP), já utilizado pela agência no âmbito dos seus programas e projetos, para realizar o monitoramento programático da PDP. Assim, coube à ABDI, por meio da adequação do SGP, a tarefa de alimentar e monitorar o sistema de gestão da PDP e elaborar um conjunto de indicadores de metas e de desempenho, com vistas a mensurar de maneira clara e objetiva a eficácia, não apenas das ações implementadas, mas também das medidas de incentivo ao investimento e às exportações adotadas. Com a PDP já em andamento, a UAPP voltou a trabalhar em seu plano de ação para a melhoria contínua no gerenciamento de projetos. Assim, no ano de 2009, devido às variações de execução comuns no contexto de projetos e em decorrência de cenários externos, foi criada a etapa de realinhamento/planejamento operacional, cujo objetivo era analisar a execução de cada projeto, adequando ou renegociando sua continuidade no planejamento estratégico da ABDI. Esta etapa, de responsabilidade da UAPP, passou a ocorrer no início do segundo semestre de cada ano, delineando-se como de extrema importância, pois analisa as ações que devem ser tomadas no sentido de definir novos projetos ou reajustar o foco das ações em andamento para atender aos objetivos estratégicos e metas estabelecidas na agência.

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Em 2009, também foi estabelecida uma nova forma para calcular o Índice Geral de Desempenho (IGD) dos projetos da agência em relação ao cumprimento das metas estabelecidas. Por não existir uma padronização no detalhamento do escopo de trabalho dos projetos, encontrou-se inicialmente dificuldade para o cálculo do referido indicador. Assim, objetivando diminuir a subjetividade na avaliação da execução de determinado produto ou serviço e facilitar o seu acompanhamento, a UAPP desenvolveu um modelo contendo quatro etapas predefinidas para monitoramento das entregas do projeto: 1) planejamento; 2) formalização; 3) execução; e 4) entrega do produto ou serviço. A Tabela 2 apresenta o detalhamento das etapas e os respectivos pesos associados. Tabela 2 – Etapas e pesos associados no monitoramento da execução de um produto ou serviço

Fonte: Etapas e Pesos – MGP (ABDI, 2013).

Assim, o produto ou serviço só estará concluído após o cumprimento de todas as etapas. Esse método representou um grande avanço no monitoramento da gestão dos projetos na agência, pois criou um padrão a ser seguido no planejamento e na definição das frentes de trabalho estabelecidas na Estrutura Analítica dos Projetos (EAP). Além disso, ao término das etapas de formalização e entrega do produto ou serviço, as equipes de projetos passaram obrigatoriamente a incluir no SGP as respectivas evidências de cumprimento, facilitando o processo de auditoria dos projetos pela UAPP, conferindo maior transparência na validação das entregas previstas.

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Em consonância com a expectativa de aprendizado e maior envolvimento das equipes nos resultados dos projetos, produzindo os produtos com qualidade e com as restrições de custo e tempo definidos, a UAPP sugeriu a inclusão de metas de projetos nas Avaliações Individuais de Desempenho (AID) das equipes. Assim, no ano de 2010, foram incluídos o Indicador de Desempenho de Escopo (IDE) e o Indicador de Desempenho de Custo (IDC) nas AID. Estes indicadores, o IDE e o IDC, são instrumentos de medição que fornecem informações sobre o esforço e o resultado da execução com relação ao desempenho na realização do escopo e custos do projeto, comunicando o alcance das metas e sinalizando as necessidades de correções de rumo. Esta iniciativa mostrou-se de grande valor, pois incluiu o processo de gestão de desempenho pessoal alinhado à gestão de projetos, tendo como propósito o alinhamento dos colaboradores nos resultados da agência. Em 2011, com o encerramento da PDP, foi instituído pelo governo federal o Plano Brasil Maior (PBM), que estabeleceu a política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o período de 2011 a 2014. O PBM tem seu foco no estímulo à inovação e à produção nacional para alavancar a competitividade da indústria nos mercados interno e externo, objetivando o desenvolvimento econômico e social do país. Com o lema “o país vai mobilizar suas forças produtivas para inovar, competir e crescer”, o plano estabeleceu um conjunto de ações e medidas a serem implementadas a partir do diálogo com o setor produtivo. Alicerçada na nova abordagem dada à competitividade setorial estabelecida pelo PBM, a agência percebeu a necessidade de ter uma estrutura organizacional capaz de prover suporte à complexidade dessa nova política com maior agilidade e flexibilidade. Assim, foram realizados alguns ajustes na estrutura organizacional, e nesse movimento a UAPP foi extinta, dando lugar à criação de novas coordenações: a Coordenação da Política Industrial (CORPI), responsável por produzir e disponibilizar dados e informações da Política industrial; e a Coordenação de Planejamento (CPLAN), ambas subordinadas à Gerência de Planejamento (GERPLAN). Coube à CPLAN incluir em seu escopo de trabalho todas as atividades realizadas pela antiga UAPP, incluindo também a responsabilidade pelo planejamento estratégico, gestão do conhecimento e gestão de processos da agência. Essa nova estrutura, além de fortalecer a área, representou um ponto máximo na busca pela melhoria permanente nos resultados, pois a fusão das atividades de planejamento

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estratégico, processos e projetos pode ser vista como a criação de um centro de excelência, potencializando a geração do valor organizacional na medida em que melhora a comunicação, aumenta a capacidade para a priorização do portfólio e finalmente apoia a otimização da utilização dos recursos, sendo sua principal responsabilidade manter o nível de excelência alcançado. Paralelamente, em razão da importância da comunicação na gestão dos projetos, sendo o elo entre pessoas, ideias e informações, ainda em 2011 foi instituído um comitê colegiado de natureza consultiva denominado Comitê Técnico Consultivo (CTC). Sua finalidade foi criar um espaço de debate coletivo e comunicação interna do corpo gerencial da agência, em especial para o acompanhamento e avaliação de programas e projetos do portfólio em vigor e temas de interesse coletivo, sejam eles relacionados às atividades-fim ou administrativas. O CTC foi formado por gerentes, coordenadores, chefe de gabinete da Presidência e membros convidados, com periodicidade mensal. Neste mesmo período, compreendido entre o final de 2011 e o primeiro semestre de 2012, a ABDI executou o projeto de reformulação de sua estratégia para o horizonte 2012-2015. Sua missão foi reescrita, sua visão repensada, seus valores explicitados e o novo Mapa Estratégico consolidado. O Planejamento Estratégico 2012-2015 visou a definir diretrizes e estratégias para a exploração de oportunidades, atender necessidades de novas demandas e construir uma identidade institucional. Ele foi elaborado para garantir o alinhamento dos trabalhos da agência aos seus objetivos estratégicos, centrados no apoio técnico e operacional das instâncias de gestão e na execução do PBM, confirmando o compromisso institucional da ABDI no apoio à indústria brasileira, na geração de empregos e na busca do desenvolvimento sustentável. Como desdobramento deste trabalho, foi identificada na agência uma tendência crescente no volume de projetos, tanto em áreas-meio como em áreas finalísticas, entretanto a receita financeira da ABDI não acompanhou este crescimento na mesma velocidade, culminando na necessidade de eliminar redundâncias, selecionar as melhores propostas e planejar os projetos de modo a maximizar o retorno com base nos preceitos de eficiência e do PBM. Para tanto foi realizado um esforço de reavaliação e realinhamento geral de novas ações e também das já iniciadas. A partir daí, além dos projetos finalísticos, a CPLAN também passou a acompanhar os projetos estruturantes, ou seja, projetos da área-meio da agência.

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Ainda no ano de 2012, houve a implantação de um novo sistema integrado de gestão empresarial (Enterprise Resource Planning – ERP) na agência. O novo Sistema Integrado de Gestão (SIG) proporcionou maior integração dos projetos com sua gestão orçamentária e financeira, por meio da disponibilização de novos relatórios gerenciais de execução financeira, possibilitando melhor acompanhamento dos indicadores de custos dos projetos. O SIG também informatizou a gestão dos contratos e convênios, vinculados aos projetos, passando a ser o repositório único de informações sobre os projetos da agência. Após todas as mudanças e evoluções ocorridas no período de 2005 a 2012, verificouse a necessidade e a oportunidade para a revisão da metodologia de gestão de projetos, com o objetivo de torná-la mais completa e aderente às melhores práticas de gerenciamento de projeto, mais didática e portanto mais acessível, além de incorporar sugestões recebidas desde a sua primeira edição. Assim, no ano de 2013, foi lançada a segunda edição da Metodologia de Gerenciamento de Projetos da ABDI (MGP). Com a nova edição da MGP, foram realizadas três etapas de capacitação em Gerenciamento de Projetos com foco no referencial do PMI e em conformidade com a Metodologia de Gerenciamento de Projetos da ABDI. Essas capacitações foram disponibilizadas a todos os colaboradores da ABDI que atuavam com projetos, proporcionando aos participantes conhecimentos práticos sobre as ferramentas e técnicas em gestão de projetos, sendo utilizadas dinâmicas simulando ambientes de projetos, apresentação conceitual teórica e aplicação prática dos conceitos. As capacitações em gestão de projetos e na MGP passaram desde então a integrar a Trilha de Desenvolvimento da Coordenadoria de Recursos Humanos (CORH) da agência, com planejamento anual de replicação do treinamento. No ano de 2013, foi incluído nas AID o Indicador de Aderência à Metodologia de Projetos (IAM) para cumprimento pelas equipes de projeto. Este indicador tem como objetivo medir a aplicação da MGP na formulação e execução dos projetos na ABDI, avaliando o uso correto dos métodos, técnicas e ferramentas em conformidade com a metodologia. Esta iniciativa trouxe novamente grandes benefícios, pois, como a atualização periódica dos documentos dos projetos é um dos itens para o cálculo do IAM; os projetos passaram a ser atualizados constantemente; requisições de mudanças

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passaram a ser elaboradas para a formalização de ajustes no escopo, custo ou prazo dos projetos; e os projetos passaram a ser concluídos apenas com a elaboração dos termos de encerramento e com o registro de lições aprendidas. Assim, estas atividades, constantes no ciclo de vida dos projetos, foram internalizadas por todos, passando realmente a fazer parte da rotina de trabalho das equipes de projetos. Já no ano de 2014, representando um dos grandes avanços da instituição, foi aprovada a Metodologia de Gerenciamento de Portfólio da ABDI (MGPort). Este documento consolidou as práticas já realizadas na agência, formalizando as etapas de identificação, análise, seleção, priorização, autorização e controle de projetos ou programas. Combinou o foco da organização em garantir que os projetos selecionados para o investimento contribuam para a estratégia (fazer o projeto certo) com o foco do gerenciamento de projetos em implementar projetos com eficiência e com a contribuição planejada para o portfólio (fazer certo o projeto). O Gerenciamento de Portfólio na ABDI é pautado em três grandes objetivos: 1) O alinhamento dos programas e projetos com a estratégia da agência. 2) A análise do mérito dos projetos quanto a: a) coerência (resultados/entregas – problema/oportunidade – premissa/restrições); b) exequibilidade (recursos humanos, financeiros, entregas, prazos e custos – articulações com parceiros); c) sinergia (complementariedade com outros projetos – consenso entre os principais atores); e d) alinhamento estratégico à política industrial (missão, visão, objetivos, identidade e diretrizes). 3) A maximização do valor do portfólio, levando em consideração os recursos disponíveis e o balanceamento entre projetos. Esse gerenciamento determina que cada componente (programas, projetos e outros trabalhos) esteja alinhado com uma ou mais metas estratégicas, orientando as decisões de alocação de recursos financeiros e humanos com a definição da prioridade, medindo a contribuição de cada componente no contexto da respectiva meta e ainda avaliando cada componente sob a ótica de riscos e como esses riscos podem afetar o alcance dos objetivos estratégicos da ABDI. Na MGPort, a análise do mérito dos projetos finalísticos é realizada por meio de um comitê consultivo formado pelo gabinete da Diretoria, assessores técnicos da Presidência e pelos gerentes das áreas finalísticas da agência. Este comitê,

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denominado de Comitê de Avaliação e Seleção de Projetos (CAP), é coordenado pela GERPLAN, com a responsabilidade de auxiliar nos processos de planejamento estratégico e na estruturação dos programas de trabalho anuais. Após a priorização dos projetos pelo CAP e aprovação pela Diretoria Executiva da agência, é iniciado o processo de monitoramento e controle dos projetos selecionados, que é alimentado pelas informações de desempenho vindas da fase de implementação dos projetos e programas. Este processo é apoiado diretamente pelo CTC, responsável por equacionar, quando necessário, pendências relativas aos projetos e promover o alinhamento dos projetos em relação às demais áreas na organização e aos demais projetos relacionados. Em consonância com os processos da MGPort, a CPLAN desenvolveu internamente uma ferramenta sistematizada para o gerenciamento do portfólio. Essa ferramenta será utilizada no ciclo de replanejamento anual para o período de 2014-2015. Por fim, ao término deste relato histórico, observa-se que, ao longo destes dez anos de atuação, a ABDI acumulou conhecimentos e experiências na aplicação das melhores práticas em gerenciamento de projetos, programas e portfólio, sedimentando uma cultura voltada para resultados e com o estabelecimento de uma linguagem comum no âmbito da agência. Cada nova iniciativa, com intenção de mudança e de melhoria, teve por objetivo maior a evolução da ABDI nos seus processos internos, aumentando assim a sua maturidade na gestão dos seus projetos, alinhados ao planejamento estratégico da agência e com o objetivo de promover o investimento produtivo, o emprego, a inovação e a competitividade da indústria brasileira; e consequentemente no apoio ao monitoramento, acompanhamento e avaliação das políticas industriais do país, afinal essa é a razão de ser da ABDI. Coordenação de Planejamento (CPLAN) A missão da CPLAN é orientar e promover ações de capacitação, suporte, monitoramento e controle dos projetos com base no plano de ação e nas orientações estratégicas da agência. Ainda como escritório de projetos, atuando nos níveis estratégico, tático e operacional, a CPLAN também tem a responsabilidade de manter toda a propriedade intelectual relativa à gestão de projetos e de ativamente sustentar o planejamento estratégico da agência. Assim, a CPLAN vem cumprindo os princípios que nortearam a sua criação e hoje direciona a sua operação, por

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meio da orientação da formulação e da execução da estratégia da ABDI, no apoio e integração dos diversos programas e projetos; na contribuição para o aumento do nível de maturidade da agência; na uniformização de ferramentas, instrumentos e técnicas de gestão de projetos; nos controles centralizados dos projetos; no acompanhamento e avaliação física financeira dos projetos; no suporte na alocação dos recursos para os projetos; na identificação, antecipação e correção de desvios; na diminuição de custos imprevistos; e na facilidade da transmissão de conhecimento e da comunicação. A CPLAN está a serviço da agência e nesse sentido atualmente possui cinco áreas de atuação, com as seguintes atividades: 1) Gestão da estratégia do planejamento estratégico da ABDI: responsável pela formulação, implementação, monitoramento e avaliação do planejamento estratégico da agência. 2) Acompanhamento dos projetos finalísticos e estruturantes: responsável por prover apoio à estruturação e à gestão física e financeira dos projetos; elaboração de relatórios executivos mensais, relatórios consolidados semestrais e anuais; acompanhamento das metas do Contrato de Gestão; apoio ao processo de realinhamento dos projetos; e gestão das informações de projetos cadastrados no SIG (pessoal, escopo e financeiro). 3) Metodologia e padrões: guardiã das metodologias de gerenciamento de projetos e de portfólio e da metodologia de gestão de processos. Responsável por prover treinamentos nas ferramentas, instrumentos e metodologias e pela implantação de ciclos de melhoria contínua. 4) Gestão do conhecimento (GC): responsável pela definição e implementação dos processos de gestão do conhecimento, pela manutenção do portal de GC e pela implementação de práticas de GC na agência. 5) Gestão dos processos: responsável pelo mapeamento e redesenho dos processos internos da ABDI e pela implantação do ciclo de melhoria contínua. Além destas atividades, a CPLAN ainda integra alguns comitês internos e externos, participando e contribuindo também em atividades relacionadas a projetos da agência.

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PROPOSTA DE DIRETRIZES PARA CONTINUIDADE DA EVOLUÇÃO DA MATURIDADE EM GERENCIAMENTO DE PROJETOS DA ABDI O esforço para elevar de maneira coordenada o nível de maturidade em gerenciamento de projetos da agência teve início no ano de 2006 com a identificação de ações de curto, médio e longo prazo. A ABDI desde o início visualizou a importância e o custo-benefício na melhoria da maturidade de gerenciamento de projetos, contando sempre com o envolvimento participativo das diversas áreas da agência e especialmente com um forte patrocínio da sua Diretoria Executiva. Esse apoio é considerado um dos fatores-chave de sucesso para o patamar em que a agência se encontra na gestão dos seus projetos, programas e portfólio, gestão classificada como participativa e por resultados. Entretanto, sabe-se que a busca da excelência é um processo contínuo; e, mesmo com os resultados e benefícios já alcançados, a CPLAN continua se estruturando para dar perenidade a esse processo. Nesse sentido, algumas diretrizes já foram estabelecidas, entre elas: 1) Realização de uma nova avaliação da maturidade em gerenciamento de projetos na ABDI, objetivando mapear os gaps existentes, apoiando-se na elaboração de um plano de ação rumo ao estágio de melhoria contínua. 2) Continuidade no desenvolvimento de competências interpessoais com a realização de treinamentos relacionados à gestão de projetos, motivação, liderança, negociação, conflitos e novas ferramentas de apoio. 3) Estímulo para o desempenho, de modo a corroborar a relação entre as características do modelo gerencial e a melhoria da maturidade em gerenciamento de projetos na agência. 4) Implantação da sistemática de melhoria contínua, estabelecendo uma rotina com o intuito de identificar e avaliar periodicamente as oportunidades de melhoria no gerenciamento e na execução dos projetos. 5) Implantação de benchmarking: realização de visitas a organizações semelhantes com o intuito de identificar práticas de gerenciamento de projetos para ser incorporadas à abordagem já adotada.

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6) Criação e divulgação de um banco de lições aprendidas nos projetos. 7) Estabelecimento de um modelo para avaliar o retorno que os projetos implementados estão trazendo para a agência. Com essas diretrizes traçadas, a CPLAN elaborará um plano de ação para os próximos dois anos, contendo as ações e medidas a serem trabalhadas a fim de alcançar a excelência na gestão dos seus projetos, programas e portfólio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando que a evolução na maturidade em gerenciamento de projetos conduz a melhorias na gestão e no nível de desempenho dos projetos e programas, o objetivo do presente artigo foi apresentar a evolução da maturidade em gerenciamento de projetos na ABDI no período de 2005 a 2014, detalhando as ações e práticas implementadas, bem como os resultados e benefícios alcançados, incluindo também uma proposta de diretrizes para a continuidade deste processo, buscando a melhoria contínua nos processos e nos resultados da agência. As melhorias identificadas no gerenciamento de projetos com a evolução da maturidade da ABDI são bastante significativas. Dentre os muitos avanços verificados, merecem destaque: 1) a institucionalização de boas práticas em gerenciamento de projetos com o estabelecimento de uma linguagem única para o planejamento e monitoramento dos programas e projetos; 2) a criação da metodologia de gerenciamento de projetos (MGP) e da metodologia de gerenciamento de portfólio (MGPort); 3) melhor capacidade na alocação dos recursos financeiros; 4) acesso mais rápido às informações de maior qualidade sobre o desempenho do portfólio, programas e projetos; 5) a gestão integrada de programas e projetos; 6) a adoção de ferramentas e instrumentos para a gestão; e 6) a realização de capacitações e treinamentos para os envolvidos na gestão dos projetos. Atualmente a gestão de projetos e a gestão por projetos fazem parte da cultura da ABDI. Esses e outros resultados demostram os esforços da agência, há uma década, na busca pela evolução na realização dos seus programas e projetos, com o objetivo maior de servir de alicerce para o monitoramento da execução das medidas e ações estratégicas inseridas na política industrial brasileira.

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E, independentemente de qual seja a política industrial em vigor, das mudanças que possam existir e que se façam necessárias, o objetivo da ABDI é estar sempre preparada para executar a sua missão, pronta para os novos desafios e oportunidades, e nesse sentido está sempre na busca pela excelência por resultados, adotando as melhores práticas disponíveis e contando sempre com o engajamento das equipes e patrocínio da alta direção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDI. MGP – Metodologia de Gerenciamento de Projetos da. 2. ed. Brasília: ABDI, 2013. ______. MGPP – Metodologia de Gerenciamento Portfólio de Projetos da. 1. ed.. Brasília: ABDI, 2014. KERZNER, H. Using the Project Management Maturity Model: Strategic Planning for Project Management. 2. ed. New York: John Wiley & Sons, 2004. PENNYPACKER, J. S.; GRANT, K. P. Project Management Maturity: An Industry Benchmark. Project Management Journal, v. 34, p. 4-11, mar. 2003. PRADO, D. Maturidade em Gerenciamento de Projetos. 2. ed. Nova Lima: INDG-Tecs, 2010. PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE – PMI. Um guia do conjunto de conhecimentos em gerenciamento de projetos. 5. ed. (Guia PMBOK®). Pennsylvania USA: Newtown Square, 2013. ______. Organizational Project Management Institute Maturity Model (OPM3®). 3.  ed. Pennsylvania USA: Newtown Square, 2013. VARGAS, Ricardo Viana. Gerenciamento de Projetos. Estabelecendo diferenciais. 7. ed. Rio de Janeiro: Brasport, 2009.

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ABDI: Uma Agência Intensiva em Conhecimento

Andreia de Oliveira Silva Eron Campos Saraiva Andrade Luis Cláudio Rodrigues França

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Resumo

A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) é uma instituição intensiva em conhecimento, multifocal e com um quadro de competências altamente qualificado. Na ABDI, a gestão do conhecimento (GC) busca, de um lado, ser percebida pelos seus principais stakeholders como um processo essencial para o aumento da produtividade do trabalhador do conhecimento; e, de outro, disponibilizar um ambiente com ferramentas e práticas que estimulem a criação, o armazenamento e o compartilhamento do conhecimento essencial da organização. Nessa esteira, segundo Peter Drucker, o maior desafio do século XXI é como as organizações farão para aumentar a produtividade do trabalhador do conhecimento. Assim, a agência realizou um esforço (projeto) para estruturar a gestão do seu conhecimento, em que, partindo de um diagnóstico inicial, foi possível chegar à elaboração de um Modelo de Operação da GC na ABDI. Este artigo apresentará o caminho trilhado pela agência na condução desse projeto. Palavras-chave: Gestão de Conhecimento, Projeto, ABDI

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INTRODUÇÃO As instituições geram e utilizam conhecimento no seu dia a dia, no entanto, para que este conhecimento seja mais bem aproveitado, é necessário que elas sejam capazes de identificá-lo e compartilhá-lo por meio das pessoas, dos seus sistemas, processos e projetos. As ideias criativas e inovadoras tornam-se uma fonte de vantagem e reconhecimento para os indivíduos, organizações e nações, prometendo o aumento do desenvolvimento humano e da qualidade de vida. Assim, a capacidade de uma organização e em especial a do setor público para desenvolver contextos e sistemas que apoiem o compartilhamento, a criação e a aplicação de conhecimento visando a gerar benefícios para a sociedade aumenta em importância e deve ser objeto de maior consideração. Por este motivo, a gestão do conhecimento tem sido foco de discussão nos cenários nacional e internacional. Corroborando com esta tendência, o diagnóstico resultante das oficinas para elaboração do Planejamento Estratégico ABDI 2012-2015 indicou como pontos fracos “ausência de feedback (individual e coletivo), ausência de discussões relacionadas com as lições aprendidas e ausência de um processo de gestão do conhecimento na agência”. Para ajudar nestas questões, a gestão do conhecimento foi inserida como um dos temas do planejamento estratégico (Figura 1), objetivando a execução de ações de estruturação de informações a partir das quais a agência pode criar conhecimento ou processar de terceiros, tanto para utilização interna, guiando a execução dos processos e rotinas, quanto auxiliando a definição das melhores formas de execução de seus projetos finalísticos. A gestão do conhecimento tem caráter de apoio ao ciclo de inteligência da instituição, à melhoria dos projetos e processos internos e ao apoio na promoção da política industrial, contribuindo diretamente para o foco da excelência organizacional. Contudo, sua implantação não é algo trivial e apresenta inúmeros desafios que envolvem uma mudança cultural da instituição.

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Figura 1 – Mapa Estratégico da ABDI 2012-2015

Fonte: Planejamento Estratégico ABDI 2012-2015.

O artigo está organizado de modo a apresentar o projeto de implantação da GC na ABDI, ao mesmo tempo em que revela os principais drivers na sua condução. Na sequência, são apresentados os resultados dos diagnósticos da maturidade da GC aplicados na agência e o modelo de operação desenvolvido, documento que define como a GC deve ser implantada na agência. Por fim, as considerações finais tecem aspectos relacionados aos próximos passos e aos fatores críticos de sucesso desta implantação.

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A GESTÃO DO CONHECIMENTO (GC) E O PROJETO DE GC NA ABDI A ABDI é uma agência centrada em conhecimento, que produz dados e informações sobre a política industrial e sobre seus desdobramentos no contexto do desenvolvimento da indústria brasileira. É uma agência que já internalizou boas práticas de gestão, por exemplo o gerenciamento de projetos, o planejamento estratégico, a gestão de portfólio e a análise individual de desempenho. Avançando nesse processo e comprometida em alcançar os seus objetivos estratégicos, a agência aprovou, no segundo semestre de 2012, a elaboração de um projeto para estruturar a gestão do conhecimento (GC). O escopo do projeto envolveu a realização de benchmarking, o estudo de referenciais teóricos, a realização de um diagnóstico inicial da maturidade da agência na gestão do conhecimento e a elaboração de um modelo de operação, concluído em 2013. O benchmarking realizado envolveu duas organizações públicas: a Embrapa e o Serpro. Essas visitas tiveram como objetivo conhecer e refletir sobre outras experiências de implantação da gestão do conhecimento. Nessa oportunidade, três pontos merecem ser destacados: o primeiro diz respeito à persistência, implantar gestão do conhecimento em organizações públicas parece requerer persistência e forte dedicação por parte da equipe de implantação; o segundo diz respeito ao patrocínio, nas organizações visitadas houve consenso da importância em sensibilizar e comprometer pelo menos a média gerência, em colocar a gestão do conhecimento na ordem do dia; o terceiro ponto é reconhecer que a gestão do conhecimento é transversal à organização e portanto deve possuir um núcleo de implantação ou apoio multidisciplinar. Uma equipe multidisciplinar composta pelas áreas da comunicação, planejamento, gabinete, recursos humanos, tecnologia da informação, áreas finalísticas e biblioteca foi responsabilizada pelo apoio à implantação da GC na ABDI, contribuindo com ideias, sugestões e com a sensibilização da importância do tema na agência. O estudo do referencial teórico foi realizado por meio de uma revisão na literatura, que resultou na utilização de conceitos e práticas de GC estabelecidas principalmente nos livros e artigos dos autores Nonaka e Takeuchi, e Fábio Batista. Dentre as contribuições desses autores, pode-se citar a de Nonaka e Takeuchi (1997), que em sua teoria de criação do conhecimento organizacional classificaram o conhecimento em tácito e explícito. O conhecimento tácito é altamente pessoal e difícil de formalizar, tornando árdua a tarefa de comunicar ou compartilhar com outros; é representado pelos modelos mentais, técnicas e habilidades. O

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conhecimento explícito, ou codificado, pode ser articulado em linguagem formal, expressões matemáticas, especificações e manuais, facilitando a transmissão entre as pessoas. Ainda segundo esses autores, para se tornar uma instituição que gera conhecimento para a organização, deve completar uma espiral de conhecimento, formada pela transmissão de conhecimentos que vai de tácito para tácito, de tácito a explícito, de explícito para explícito, e deste novamente a tácito (Figura 2); bem como deve garantir e estimular a existência desses processos de conversão dentro da instituição.

Figura 2 – Modos de conversão do conhecimento (adaptada de Nonaka e Takeuchi, 1997)

Fonte: Elaboração própria, adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997).

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Na Figura 2, cada quadrante representa um dos quatro modos de conversão do conhecimento. No sentido horário, o primeiro quadrante representa a conversão de tácito em tácito, por meio da socialização; o segundo quadrante, a conversão do tácito em explícito, por meio da externalização; o terceiro quadrante, a conversão de explícito em explícito por meio da combinação; e finalmente o quarto representa a transformação de explícito em tácito por meio da internalização. O projeto de GC da ABDI fez uso desse referencial e contemplou, em 2013, a entrega do modelo de operação, que, além de definir ferramentas para suportar o registro e a organização do conhecimento explícito, definiu técnicas e práticas para que os profissionais da organização tenham acesso ao conhecimento explícito e tácito, estabelecendo então o ciclo de transformações. A contribuição do referencial teórico do professor Fábio Batista ocorreu por meio do seu livro Modelo de Gestão do Conhecimento para a Administração Pública com o conceito dos seus direcionadores estratégicos, viabilizadores, processos, resultados e partes interessadas, que serão detalhados mais adiante na seção relacionada ao modelo de operação da GC. O instrumento para avaliação da GC na administração pública foi outra contribuição importante do referencial e permitiu a realização do diagnóstico de maturidade da GC na ABDI. O instrumento de avaliação é um questionário contendo perguntas distribuídas em sete critérios (dimensões): liderança em GC; processo; pessoas; tecnologia; processos de GC; aprendizagem e inovação; e resultados da GC. Esses critérios são utilizados para agrupar as perguntas do questionário e buscam identificar onde a organização está melhor ou pior e quais as lacunas (deltas) de melhorias que a organização precisa diminuir ou eliminar. As perguntas formuladas no critério 1 – Liderança em Gestão do Conhecimento (Tabela 1) procuram verificar se as lideranças da organização estão empenhadas em promover e patrocinar o compartilhamento do conhecimento. Também fazem uma reflexão sobre a existência de estruturas, alocação de recursos, organização e planejamento, que possibilite criar um ambiente para formalizar e executar as iniciativas de GC.

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Tabela 1 – Critérios agrupadores: Liderança em GC

Item

CRITÉRIO 1: LIDERANÇA EM GESTÃO DO CONHECIMENTO

1.

A organização compartilha o Conhecimento, a Visão e a Estratégia de GC fortemente alinhados com a visão, missão e objetivos estratégicos da organização?

2.

Arranjos organizacionais foram implantados para formalizar as iniciativas de GC (exemplos: Uma unidade central de coordenação da gestão da informação/conhecimento; Gestor Chefe de Gestão da Informação/Conhecimento; Equipes de Melhoria da Qualidade; Comunidades de Prática; e Redes de Conhecimento)?

3.

Recursos financeiros são alocados nas iniciativas de GC?

4.

A organização tem uma política de proteção da informação e do conhecimento (exemplos: proteção da propriedade intelectual, segurança da informação e do conhecimento e política de acesso, integridade, autenticidade e sigilo das informações)?

5.

A alta administração e as chefias intermediárias servem de modelo ao colocar em prática os valores de compartilhamento do conhecimento e de trabalho colaborativo. Eles passam mais tempo disseminando informação para suas equipes e facilitando o fluxo horizontal de informação entre suas equipes e equipes de outros departamentos/ divisões/unidades?

6.

A alta administração e as chefias intermediárias promovem, reconhecem e recompensam a melhoria do desempenho, o aprendizado individual e organizacional, o compartilhamento de conhecimento e a criação do conhecimento e inovação?

Fonte: BATISTA, 2008.

As perguntas formuladas no critério 2 – Processo (Tabela 2) avaliam se a organização possui uma gestão de processos finalísticos e de apoio, estruturada para garantir a padronização de suas rotinas e dos seus projetos de modo a atender os requisitos do cidadão-usuário e manter seus resultados. Avalia se a organização monitora e melhora continuamente seus processos para alcançar melhor desempenho.

387

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Tabela 2 – Critérios agrupadores: Processo

Item

CRITÉRIO 2: PROCESSO

7.

A organização define suas competências essenciais (capacidades importantes do ponto de vista estratégico, o que concede à organização vantagem comparativa) e alinha-as à sua missão e aos objetivos da organização?

8.

A organização modela seus sistemas de trabalho e processos de apoio e finalísticoschave para agregar (ao invés de criar) valor ao cidadão-usuário e alcançar alto desempenho institucional?

9.

Na modelagem de processos são contemplados os seguintes fatores: novas tecnologias, compartilhamento de conhecimento na organização, flexibilidade, eficiência, eficácia e efetividade social?

10.

A organização tem um sistema organizado para gerenciar situações de crise ou eventos imprevistos que assegura a continuidade das operações, prevenção e recuperação?

11.

A organização implementa e gerencia os processos de apoio e finalísticos chave para assegurar o atendimento dos requisitos do cidadão-usuário e a manutenção dos resultados da organização?

12.

A organização avalia e melhora continuamente seus processos de apoio e finalísticos para alcançar melhor desempenho, reduzir a variação, melhorar produtos e serviços públicos, e para manter-se atualizada com as práticas de excelência em gestão? Fonte: BATISTA, 2008.

As perguntas formuladas no critério 3 – Pessoas (Tabela 3) analisam se a organização possui uma política estruturada de gestão de pessoas com foco na ampliação dos conhecimentos, das habilidades e das capacidades do funcionário.

388

Tabela 3 – Critérios agrupadores: Pessoas

Item

CRITÉRIO 3: PESSOAS

13.

Os programas de educação e capacitação, assim como os de desenvolvimento de carreiras, ampliam o conhecimento, as habilidades e as capacidades do servidor público, servem de apoio para o alcance dos objetivos da organização e contribuem para o alto desempenho institucional?

14.

A organização dissemina de maneira sistemática informações sobre os benefícios, a política, a estratégia, o modelo, o plano e as ferramentas de GC para novos funcionários/ servidores da organização?

15.

A organização tem processos formais de mentoring, coaching e tutoria?

16.

A organização conta com banco de competências dos seus servidores públicos?

17

A colaboração e o compartilhamento do conhecimento são ativamente reconhecidos e recompensados/corrigidos?

18

A organização do trabalho contempla a formação de pequenas equipes/grupos (exemplos: grupos de trabalho, comissões, círculos de qualidade, equipes de melhoria de processos de trabalho, equipes interfuncionais, equipes interdepartamentais, comunidades de prática) e a estrutura por processos para enfrentar as preocupações e os problemas no local de trabalho? Fonte: BATISTA, 2008.

As perguntas formuladas no critério 4 – Tecnologia (Tabela 4) verificam se a organização possui uma infraestrutura tecnológica de informação (hardware e software) alinhada com a estratégia da organização que contribua e agregue valor aos processos de GC.

389

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Tabela 4 – Critérios agrupadores: Tecnologia Item

CRITÉRIO 4: TECNOLOGIA

19.

A alta administração implantou uma infraestrutura de tecnologia da informação – TI (exemplos: internet, intranet e site na rede mundial de computadores (web) e dotou a organização com a estrutura necessária para facilitar a efetiva GC?

20.

A infraestrutura de TI está alinhada com a estratégia de GC da organização?

21.

Todas as pessoas da organização têm acesso a computador?

22.

Todas as pessoas têm acesso à internet/intranet e a um endereço de email?

23.

As informações disponíveis no site da web/intranet são atualizadas regularmente?

24.

A intranet (ou uma rede similar) é usada como a principal fonte de comunicação em toda a organização como apoio à transferência de conhecimento e ao compartilhamento de informação? Fonte: BATISTA, 2008.

As perguntas formuladas no critério 5 – Processos de Conhecimento (Tabela 5) examinam se a organização tem processos sistemáticos de identificação, criação, armazenamento, compartilhamento e utilização do conhecimento. Tabela 5 – Critérios agrupadores: Processos de Conhecimento

Item

CRITÉRIO 5: PROCESSOS DE CONHECIMENTO

25.

A organização tem processos sistemáticos de identificação, criação, armazenamento, compartilhamento e utilização do conhecimento?

26.

A organização conta com um mapa de conhecimento e distribui os ativos ou recursos de conhecimento por toda a organização?

27.

O conhecimento adquirido após a execução de tarefas e a conclusão de projetos é registrado e compartilhado?

28.

O conhecimento essencial de servidores públicos que estão saindo da organização é retido?

29.

A organização compartilha as melhores práticas e lições aprendidas por toda a organização para que não haja um constante “reinventar da roda” e retrabalho?

30.

As atividades de benchmarking são realizadas dentro e fora da organização, os resultados são usados para melhorar o desempenho organizacional e criar novo conhecimento?

390

Fonte: BATISTA, 2008.

As perguntas formuladas no critério 6 – Aprendizagem e Inovação (Tabela 6) avaliam se a organização articula e reforça como valores a aprendizagem e a inovação, criando um ambiente onde as pessoas são incentivadas a trabalhar junto com outros e a compartilhar informação e conhecimento. Tabela 6 – Critérios agrupadores: Aprendizagem e Inovação

Item

CRITÉRIO 6: APRENDIZAGEM E INOVAÇÃO

31.

A organização articula e reforça continuamente como valores a aprendizagem e a inovação?

32.

A organização considera a atitude de assumir riscos ou o fato de cometer erros como oportunidades de aprendizagem, desde que isso não ocorra repetidamente?

33.

Equipes interfuncionais são formadas para resolver problemas ou lidar com situações preocupantes que ocorrem em diferentes unidades gerenciais da organização?

34.

As pessoas sentem que recebem autonomia dos seus superiores hierárquicos e que suas ideias e contribuições são geralmente valorizadas pela organização?

35.

As chefias intermediárias estão dispostas a usar novas ferramentas e métodos?

36.

As pessoas são incentivadas a trabalhar junto com outros e a compartilhar informação?

Fonte: BATISTA, 2008.

As perguntas formuladas no critério 7 – Resultados da Gestão do Conhecimento (Tabela 7) analisam se a organização identificou alguma melhoria nos seus resultados com a implementação da GC e se os objetivos dessa iniciativa estão sendo alcançados.

391

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Tabela 7 – Critérios agrupadores: Resultados da Gestão do Conhecimento

Item

CRITÉRIO 7.0: RESULTADOS DA GESTÃO DO CONHECIMENTO

37.

A organização tem um histórico de sucesso na implementação da GC e de outras iniciativas de mudança que pode ser comprovado com resultados de indicadores de desempenho?

38.

São utilizados indicadores para avaliar o impacto das contribuições e das iniciativas de GC nos resultados da organização?

39.

A organização melhorou – graças às contribuições e às iniciativas da GC – os resultados relativos aos indicadores de qualidade dos produtos e serviços?

40.

A organização melhorou – graças às contribuições e às iniciativas de GC – os resultados relativos aos indicadores de eficiência?

41.

A organização melhorou – graças às contribuições e às iniciativas de GC – os resultados relativos aos indicadores de efetividade social?

42.

A organização melhorou – graças às contribuições e às iniciativas de GC – os resultados dos indicadores de legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e desenvolvimento? Fonte: BATISTA, 2008.

Cada pergunta precisa ser cuidadosamente analisada e pontuada com base em evidências, utilizando-se as seguintes escalas: Escala 1 (a ser utilizada nos itens de 1 a 36 dos critérios de 1 a 6 e nos itens 37 e 38 do critério 7): 1 = As ações descritas são muito mal realizadas ou ainda não são realizadas. 2 = As ações descritas são mal realizadas. 3 = As ações descritas são realizadas de forma adequada. 4 = As ações descritas são bem realizadas. 5 = As ações descritas são muito bem realizadas.

392

Escala 2 (a ser utilizada no critério 7: resultados. Itens de 39 a 42): 1 = A organização não melhorou ou ainda não é possível comprovar melhorias por ausência de indicadores. 2 = Houve melhoria nos resultados de alguns indicadores utilizados. 3 = Houve melhoria nos resultados da maioria dos indicadores utilizados. 4 = Houve melhoria em quase todos os indicadores utilizados. 5 = Houve melhoria em todos os indicadores utilizados. A pontuação máxima por respondente é de 210 pontos (7 critérios x 6 perguntas x 5 pontos) e a pontuação mínima é de 42 pontos. A pontuação total é obtida pela média aritmética de cada critério do conjunto de respondentes. Conhecido o escopo do projeto e seus principais drivers de orientação, a CPLAN trabalhou no planejamento e execução do primeiro diagnóstico de maturidade da gestão do conhecimento na agência.

DIAGNÓSTICO DA GC NA AGÊNCIA A realização do diagnóstico teve como referencial teórico o livro Modelo de Gestão do Conhecimento para a Administração Pública Brasileira, do professor Fábio Ferreira Batista (BATISTA, 2012). O fluxograma da Figura 3 ilustra as atividades realizadas nesse processo. Figura 3 – Fluxograma do processo de realização do diagnóstico

Fonte: Elaboração própria.

393

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Em 2012 foi realizada na área-piloto a Gerência de Planejamento, uma reunião para nivelamento de conceitos básicos sobre gestão do conhecimento. Em seguida foi aplicado o questionário, na área-piloto, que contou com a participação de dezoito respondentes. Essa experimentação proporcionou ajustes na formatação e na automação do questionário. Posteriormente, todos os funcionários da agência foram convidados para uma palestra de sensibilização no tema da GC, que foi proferida pelo professor Fábio Batista. Na sequência, o movimento de sensibilização continuou com pílulas do conhecimento, uma série de pequenos informativos com o objetivo de fixar conceitos básicos sobre o tema. A etapa seguinte consistiu em enviar o questionário para todos os colaboradores da agência. O questionário foi divulgado via email para todos os 203 colaboradores da agência, sem exceção, e foram recebidas 37 respostas. Na divulgação do questionário ficou decidido que o critério 7 – Resultados da Gestão do Conhecimento teria sua pontuação preenchida automaticamente com “1”, evidenciando que as ações ainda não são realizadas. Isso foi motivado pelo fato de o critério ser aplicado apenas em organizações que já possuem a Gestão de Conhecimento implantada, o que não era o caso da ABDI à época. Os resultados e as análises consolidadas foram apresentados no dashboard da Figura 4. Os gráficos e tabelas ilustradas nesse dashboard trabalham sempre com a mesma informação, apresentada de formas diferentes. No gráfico Consolidação das Pontuações por Critério, o foco está na lacuna de melhoria. Percebe-se aqui que os critérios Liderança, Pessoas e Processos de GC possuem as maiores lacunas10 de melhorias. A tabela Consolidação das Pontuações por Critério e Resultado Final explicita o valor da pontuação para cada critério, que corresponde à soma das pontuações médias de cada pergunta correspondente. O resultado final é a soma das pontuações recebidas em cada critério, que posicionará a maturidade da Gestão do Conhecimento da organização segundo uma escala de maturidade.

10 Ressalta-se que o critério de resultados da GC foi preenchido automaticamente com “1”, portanto esse seria o de maior lacuna, pois a GC ainda não está implantada na agência.

394

Figura 4 – Dashboard – Análise dos resultados

Fonte: ABDI.

O gráfico Radar de Distribuição da Pontuação Final por Critérios ilustra o comportamento das pontuações obtidas pelos critérios, enfatizando as dimensões que precisam de maior atenção e o grau de uniformidade desses critérios, por exemplo percebe-se que processos de conhecimento, pessoas e lideranças possuem certo nivelamento em suas pontuações. O gráfico Percentual de Participação dos Critérios na Pontuação Final da Organização ilustra como essas pontuações contribuíram para o resultado final da organização. Por fim, a figura Escala de Maturidade definiu o grau de maturidade em que a organização se encontra com relação ao tema Gestão do Conhecimento. O resultado obtido na pesquisa declarou o grau de maturidade da Gestão do Conhecimento da ABDI como sendo de iniciação (84-125), ou seja, a organização começa a reconhecer a necessidade de gerenciar conhecimento, evidenciando a necessidade de realizar um grande esforço para alcançar patamares superiores. Os critérios que tiveram maiores lacunas de melhorias foram os de Pessoas, Processos de Conhecimento e Liderança. À época, o critério tecnologia foi o mais bem avaliado, verificando que a organização possuía uma infraestrutura tecnológica de informação (hardware e software) com menor carência e alinhada

395

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com a estratégia da organização para contribuir e agregar valor, podendo direcionar essa infraestrutura em benefício da Gestão do Conhecimento. A partir desse diagnóstico inicial e dos drivers de orientação (referenciais teóricos), a CPLAN desenhou o modelo de operação da gestão do conhecimento a ser implantada na ABDI.

O MODELO DE OPERAÇÃO DA GESTÃO DE CONHECIMENTO (GC) Modelo é uma descrição concisa e holística dos principais elementos, conceitos e princípios de uma área de conhecimento. Ele busca explicar essa área do conhecimento e definir um desenho padronizado do seu conteúdo, essencial como referência para a implementação de desenhos no futuro. Um modelo de gestão do conhecimento oferece a referência para a tomada de decisões sobre como implantar GC. (WEBER, F.) Fazer a gestão do conhecimento consiste em aplicar conhecimentos, habilidades, atitudes, métodos e ferramentas, com o objetivo de mobilizar o conhecimento organizacional, presente nas pessoas, projetos e processos, para o alcance da missão institucional da agência. Nesse contexto a gestão do conhecimento na ABDI busca, de um lado, ser percebida pelos seus principais stakeholders como um processo essencial para o aumento da produtividade do trabalhador do conhecimento e, de outro, disponibilizar um ambiente com ferramentas e práticas que estimulem a criação, o armazenamento e o compartilhamento do conhecimento essencial da organização. Embora o conceito de essencial carregue certa subjetividade na sua avaliação, define-se por essencial aquilo que a organização entende ser elemento-chave na sua sobrevivência e que fortemente contribui para agregar valor ao seu negócio. O modelo de operação definiu uma estrutura de governança com o propósito de fortalecer a iniciativa da GC, enraizando-a na ABDI com o objetivo de incorporála à cultura organizacional. A Figura 5 apresenta a estrutura de governança da GC na ABDI.

396

Figura 5 – Estrutura de Governança de GC

Fonte: Modelo de Operação da GC – ABDI.

O Conselho Editorial e de Gestão do Conhecimento foi criado pela Resolução nº  10/2013 da diretoria da ABDI com a responsabilidade de definir diretrizes e monitorar a implementação do processo de gestão do conhecimento na agência. Tem como atribuições a análise e proposição de encaminhamentos para o conjunto de estudos e pesquisas de autoria dos empregados no exercício de suas funções e contratados junto a consultorias e instituições de ensino e pesquisa, de propor e estruturar pesquisas de avaliação quantitativa e qualitativa de estudos realizados pela ABDI e de emitir pareceres técnicos sob demanda. A Coordenação Operacional assumiu a responsabilidade de centralizar as operações de governança dos dados e informações, segundo taxonomias, processos e procedimentos definidos no modelo de operação da GC, e as atribuições de realizar treinamentos e orientações nas práticas e ferramental disponíveis, de conduzir as práticas de GC implementadas, de realizar ações para elevar a maturidade da agência na GC e de prospectar novas práticas de GC e interagir com outras organizações interessadas no tema. À Equipe Multidisciplinar coube a tarefa da contribuição de sugestões, críticas e ideias no desenvolvimento da GC na ABDI. O desenho estrutural do modelo de operação da gestão do conhecimento compõese de diversos elementos, ilustrados na Figura 6, que serão detalhados a seguir.

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Figura 6 – Modelo de Operação da GC na ABDI

Fonte: Elaboração própria, adaptada de Batista (2008).

O primeiro componente e ponto de partida do modelo são os direcionadores estratégicos da organização que formam a base de sua estrutura. São eles: visão de futuro, missão, objetivos estratégicos, estratégias e metas. É fundamental para o sucesso da iniciativa alinhar a GC com esses direcionadores, pois a GC deve ser implementada para gerar resultados e contribuir com o alcance dos objetivos da organização. A ABDI fez isso acontecer, quando no seu planejamento estratégico de 2012-2015 percebeu a importância da gestão do conhecimento para o alcance dos seus objetivos estratégicos. O segundo componente do Modelo de GC para a organização são os fatores críticos de sucesso ou viabilizadores da GC. Heisig resumiu os fatores críticos de sucesso da GC – resultado da análise de 160 modelos de GC – em quatro categorias: 1) Fatores Humanos: cultura, pessoas e liderança; 2) Organização: processo e estrutura; 3) Tecnologia: infraestrutura e aplicações; e 4) Processo de Gestão: estratégia, objetivos e mensuração (HEISIG, 2009). No modelo de GC da ABDI, adotaram-se os seguintes fatores críticos de sucesso ou viabilizadores da GC: 1) liderança; 2) tecnologia; 3) pessoas; e 4) processos (da organização e os específicos da GC).

398

LIDERANÇA A liderança ou alta administração desempenha um papel fundamental para o sucesso da implementação da GC nas organizações. Em primeiro lugar, é ela quem deve dirigir o esforço de implementação da GC. Cabe à liderança apresentar e reforçar a visão e as estratégias de GC que devem estar alinhadas com os direcionadores estratégicos da organização. Compete também à liderança estabelecer a estrutura de governança e os arranjos organizacionais para formalizar as iniciativas de GC. É a liderança quem aloca recursos financeiros para viabilizar as iniciativas de GC e assegurar a utilização da GC para melhorar processos, produtos e serviços. Finalmente, a alta administração e as chefias intermediárias devem servir de exemplo à força de trabalho no que diz respeito a pôr em prática os valores de compartilhamento do conhecimento e de trabalho colaborativo.

TECNOLOGIA A tecnologia viabiliza e acelera os processos de GC por meio de práticas efetivas cujo foco central é a base tecnológica. Essas práticas (ferramentas e técnicas) contribuem para a criação, o armazenamento, o compartilhamento e a aplicação do conhecimento. A tecnologia ajuda na gestão do conhecimento explícito mediante várias ferramentas, tais como: mecanismos de busca, repositórios de conhecimentos, intranet e extranet. No caso do conhecimento tácito, a tecnologia facilita a colaboração presencial e virtual, melhorando a comunicação e o compartilhamento tanto no nível formal como no informal. A tecnologia fornece uma plataforma para a retenção do conhecimento organizacional por meio de repositórios de conhecimentos. A infraestrutura de tecnologia de informação (TI) deve estar alinhada com as estratégias de GC da organização. Assim, se uma das estratégias de GC é transferir conhecimento tácito entre profissionais que estão distantes geograficamente, uma infraestrutura para compartilhamento de conhecimento via comunidades de práticas virtuais pode ser essencial para viabilizar essa estratégia. Finalmente, é essencial para os processos de GC que a intranet ou portal corporativo seja utilizado como principal fonte de comunicação em toda a organização como apoio à transferência do conhecimento e ao compartilhamento de informação.

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PESSOAS As pessoas desempenham um papel importante nos processos principais de GC. Por isso, a organização deve investir em programas de educação e capacitação, assim como em planos de desenvolvimento de carreiras para incrementar a habilidade dos funcionários e gestores em identificar, criar, armazenar e aplicar conhecimento. É importante disseminar de maneira sistemática informações sobre os benefícios, a visão, a estratégia, o modelo, o plano e as ferramentas de GC para novos funcionários, para que eles possam rapidamente aderir ao esforço de institucionalizar a GC.

PROCESSOS Processo é um conjunto de atividades inter-relacionadas que transformam insumos (ou entradas) em produtos e serviços (saída), com valor agregado, por meio de pessoas, que utilizam recursos materiais e financeiros. É uma sequência de decisões que aumenta a contribuição do conhecimento na organização. Em uma instituição temos os processos tradicionais de rotina (Contabilidade, RH, Financeiro, etc.), os processos envolvidos com projetos (esforços temporários que produzem algo único) e, mais recentemente, os processos específicos de gestão do conhecimento. Os processos organizam, sistematizam e padronizam a forma de trabalhar da organização. São essenciais para o funcionamento dela e precisam ser mapeados e monitorados continuamente com o objetivo de recepcionar melhorias. Os processos modelados de maneira efetiva podem contribuir para aumentar a eficiência, melhorar a qualidade e a efetividade social e contribuir para a legalidade, impessoalidade, publicidade e moralidade. O terceiro componente do Modelo de Operação da GC da ABDI é o processo de Gestão do Conhecimento, que é executado por cinco processos principais: Identificar, Criar, Armazenar, Compartilhar e Aplicar Conhecimento (Figura 7).

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Figura 7 – Processos de GC

Fonte: Elaboração própria.

PROCESSO – IDENTIFICAR As competências essenciais da organização, assim como as lacunas do conhecimento, devem ser identificadas para que a organização alcance seus objetivos estratégicos. As seguintes práticas, ferramentas e técnicas de GC são exemplos para identificação do conhecimento organizacional: 1) instrumento para a avaliação da maturidade da GC na organização; 2) conversas na ABDI; 3) comunidades de prática; 4) diretórios do conhecimento; e 5) ambientes virtuais colaborativos.

PROCESSO – CRIAR A organização elimina as lacunas do conhecimento por meio da conversão do conhecimento e a criação de novo conhecimento. A criação do conhecimento pode ocorrer em três níveis: individual, da equipe e organizacional. As seguintes práticas, ferramentas e técnicas de GC são exemplos para fomentar a criação do conhecimento organizacional: 1) brainstorming; 2) conversas na ABDI; 3) comunidades de prática; 4) revisão pós-ação; 5) ambientes virtuais colaborativos; 6) blogs; 7) repositórios de conhecimento; e 8) capacitação.

PROCESSO – ARMAZENAR O armazenamento permite a preservação do conhecimento organizacional. Existem várias formas de armazenamento, no entanto, nem sempre é possível armazená-lo. Por exemplo, é muito difícil explicitar e armazenar a experiência e a especialização, pois são formas de conhecimento tácito. Nesse caso, em vez de armazenar o conhecimento, será necessário colocar as pessoas detentoras dessa

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experiência e especialização em contato com outras para viabilizar a transferência do conhecimento. As seguintes práticas, ferramentas e técnicas de GC são exemplos para armazenar o conhecimento organizacional: 1) revisão pós-ação; 2) conversas na ABDI; 3) comunidades de prática; 4) taxonomia; 5) repositórios de conhecimento; 6) blogs; e 7) ambientes virtuais colaborativos.

PROCESSO – COMPARTILHAR O compartilhamento do conhecimento promove a aprendizagem contínua e a inovação, permitindo consequentemente atingir os objetivos organizacionais. Depende da confiança entre as pessoas. Para que alguém queira compartilhar algo com outra pessoa é fundamental que perceba que haverá um benefício mútuo. O compartilhamento, isto é, o intercâmbio sistemático de conhecimento entre os membros da organização pode ocorrer pelo método de armazenamento ou pelo método de fluxo (APO, 2009). No método de armazenamento, os dados e informações são colocados em repositórios ou bases de dados e depois disponibilizados para todos que dele necessitem. No método de fluxo, a transferência do conhecimento ocorre diretamente entre as pessoas. Essa é a forma mais eficaz de compartilhamento. As seguintes práticas, ferramentas e técnicas de GC são exemplos para compartilhar conhecimento: 1) lições aprendidas; 2) conversas na ABDI; 3) comunidades de prática; 4) taxonomia; 5) repositórios de dados; 6) blogs; 7) ambientes virtuais colaborativos; 8) ambientes físicos colaborativos; e 9) capacitação.

PROCESSO – APLICAR O conhecimento agrega valor apenas quando é aplicado nos processos de apoio e de melhoria de produtos e serviços da organização. A aplicação é o uso e reúso do conhecimento na organização. É transformar o conhecimento em ação ou em decisão (APO, 2009). As seguintes práticas, ferramentas e técnicas de GC são exemplos para aplicação do conhecimento: 1) conversas na ABDI; 2) comunidades de prática; 3) taxonomia; 4) repositórios de dados; 5) blogs; 6) ambientes virtuais colaborativos; 7) ambientes físicos colaborativos; e 8) entrevistas.

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Os cinco processos de GC (Identificar, Criar, Armazenar, Compartilhar e Aplicar) precisam atender a dois requisitos importantes para proporcionar melhorias na organização. Em primeiro lugar, essas atividades devem estar alinhadas ou integradas aos processos e projetos de apoio e finalísticos da organização. Em segundo lugar, tais atividades devem ser planejadas e executadas cuidadosamente de acordo com as especificidades de cada processo/projeto da organização. Portanto os processos de GC devem estar integrados ao gerenciamento de processos e ao gerenciamento de projetos da organização. Assim faz sentido perguntar aos processos ou projetos: que conhecimentos serão necessários para conduzi-los? (Identificar); é necessário criar novo conhecimento? (Criar); onde será armazenado o conhecimento explícito (documentos) dos processos e projetos? (Armazenar); como esse conhecimento será distribuído? (Compartilhar); e quando utilizar/reutilizar esse conhecimento? (Aplicar). O modelo de operação também propõe algumas práticas, mecanismos e ferramentas que podem ser implementados na ABDI com o objetivo de aumentar a maturidade da gestão do conhecimento. São eles: •

Portal da Gestão do Conhecimento: ferramenta que possibilite ser o ponto central para a busca de referenciais, conteúdos, divulgação e compartilhamento de dados e informações essenciais para a organização. Essas informações/referenciais serão catalogadas de ambientes externo e interno da ABDI.



Conversas na ABDI: prática que possibilita, de um lado, estabelecer uma dinâmica de transferência do conhecimento tácito em explícito (externalização); e, do outro, a transferência do conhecimento explícito em tácito (internalização).



Rede social corporativa: utilização do recurso My Site do Sharepoint para que todos os funcionários estejam interligados em uma rede social interna com informações dos seus perfis profissionais, competências, preferências, artigos e documentos. Esse recurso possibilita curtir documentos, receber alertas individuais, facilitando assim o compartilhamento de ideias e a solução de problemas, no conceito shared mind.

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Plano de Comunicação: mecanismo de divulgação permanente sobre a gestão do conhecimento, notícias, benchmarking, resultados, curiosidades, etc.



Treinamento: capacitação de líderes em competências gerenciais mentoring, coaching e tutoria.



Gestão eletrônica de documentos: ferramenta/funcionalidade que permite estabelecer fluxos de documentos (docflow), assim como seu armazenamento.

O portal da gestão do conhecimento foi trabalhado em um protótipo, construído na plataforma sharepoint e sua tela de entrada está ilustrada na Figura 8. Figura 8 – Portal da Gestão do Conhecimento

Fonte: Print screen parcial da tela de entrada do Portal da Gestão do Conhecimento da ABDI.

No menu lateral esquerdo, os usuários encontram hiperlinks que o direcionam para outras páginas de conteúdos específicos: •

: Neste hiperlink o usuário tem acesso a uma lista para consulta de todas as publicações (artigos, relatórios, estudos, sondagens, etc.) elaboradas pela ABDI ou contratadas de terceiros.

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: Neste hiperlink o usuário tem acesso a uma lista para consulta e cadastro (a depender do perfil do usuário) das pílulas do conhecimento usadas na ABDI.



: É a rede social interna da ABDI (Figura 9). Neste hiperlink o usuário tem acesso ao mapa de sites internos da ABDI (My Site), onde terá acesso e consultará os sites específicos dos usuários com informações de: »» Foto. »» Nome. »» Telefone e ramal de trabalho. »» Celular. »» Email de trabalho. »» Cargo/função. »» Projeto(s) de atuação. »» Minicurrículo. »» Anexo para currículo completo. »» Competências. »» Outras experiências profissionais. »» Preferências pessoais (música, filmes, esportes, etc.). »» Links recomendados. »» Espaço para posts. »» Calendário de eventos. »» Lista de contatos, com cargo, nome, telefone e email (até o nível de coordenação nas áreas-meio e até especialistas líderes de projeto nas áreas-fim). »» Documentos produzidos.

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Figura 9 – Rede Social

Fonte: Elaboração própria.



: Neste hiperlink o usuário tem acesso a uma página contendo todos os fóruns para consulta, colaboração e cadastro de novos fóruns.



: Neste hiperlink o usuário tem acesso à consulta e emissão de relatórios consolidados de todos os eventos inseridos nos calendários do My Site e do portal da GC.



: O cadastro de publicações deverá seguir um workflow definido por meio de um procedimento operacional.



: Neste hiperlink o usuário tem acesso a uma página apresentando um diretório de temas para consulta e cadastro de dados e informações (Figura 10).

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Figura 10 – Diretórios de Conhecimento

Fonte: Print screen parcial da tela de entrada do Portal da Gestão do Conhecimento da ABDI.

A prática de Conversas na ABDI foi inspirada nos referenciais teóricos das investigações apreciativas, do movimento World Café e da técnica de narrativas (storytelling). De maneira resumida, a ideia consiste em conhecer um pouco sobre o tema/projeto colocado em discussão, escutar a experiência do colega (anfitrião), apreciando o que de positivo ocorreu, descobrindo os pontos fortes da sua iniciativa e com isso compartilhar o conhecimento tácito. A dinâmica tem como premissa não fazer uso de recursos tecnológicos do tipo PowerPoint ou similares, pois aprimorar o discurso e a escuta também fazem parte do exercício. Com um tempo de 40 a 50 minutos, o colega faz sua fala, como se contasse uma história, contextualizando o tema/projeto na agência, sua importância, características, objetivos, etc. Em seguida faz-se a abertura de três perguntas escritas, coletadas em momentos que antecederam o evento. O anfitrião responde às perguntas e os colegas ficam à vontade para realizar novas perguntas ou debater sobre as que foram formuladas. O resumo da conversa é

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posteriormente registrado em um repositório. Uma característica importante da dinâmica é criar um clima informal, descontraído, de confiança e respeito, de modo a facilitar a participação e o envolvimento de todos. Para isso um café é colocado à disposição e, a qualquer tempo, pode ser apreciado. Os principais aspectos e conteúdos do modelo de operação da GC foram apresentados. É importante destacar que o modelo é um documento aberto e, portanto, sempre estará em constante aperfeiçoamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O modelo de operação da GC prevê uma avaliação anual da maturidade da gestão do conhecimento na ABDI, assim, mesmo sem a aplicação das práticas, mecanismos e ferramentas propostas, em 2013 foi realizado um novo diagnóstico, que obteve o valor de 102 pontos para o grau de maturidade. O valor obtido em 2012 foi de 94 pontos. A diferença de apenas 8 pontos indica uma pequena evolução no grau de maturidade, porém ainda não suficiente para a mudança de patamar na escada de maturidade (126 pontos). A instituição continua posicionada no grau de iniciação, indicando que começa a reconhecer a necessidade de gerenciar conhecimento. Em 2014 foram colocadas em prática as Conversas na ABDI e construído o protótipo do Portal da Gestão do Conhecimento. A ABDI pretende concluir o projeto de estruturação da Gestão do Conhecimento até dezembro de 2014, para que em 2015 a GC entre em regime operacional e passe a pertencer ao portfólio de processos da agência. Apesar de todo esse esforço, considera-se que a gestão do conhecimento ainda é um tema novo na agência, portanto há necessidade de um plano de comunicação para divulgar permanentemente as práticas, os resultados e notícias a respeito deste processo. Nesse contexto os fatores críticos de sucesso dessa implantação passam pela disposição das coordenações, gerências e diretorias em promover e estimular suas equipes para contribuírem com os processos e eventos da Gestão do Conhecimento, e pelo engajamento de todos os colaboradores da agência neste processo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDI. Planejamento Estratégico ABDI 2012-2015. Brasília: ABDI, 2012. APO. Knowledge Management: Facilitator’s Guide, 2009. Disponível em: . BATISTA, F. et al. Gestão do Conhecimento na Administração Pública. Brasília: Ipea, 2005 (Texto para Discussão, n.  1.095). Proposta de um Modelo de Gestão do Conhecimento com foco na qualidade. 2008. 287 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação)–Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: DRUCKER, P. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Pioneira, 1999. HEISIG, P. Harmonization of knowledge management – comparing. 160 km frameworks around the globe. Journal of knowledge Management, v. 13, n. 4, p. 4-31, 2009. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação do conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

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O Planejamento Estratégico da ABDI: foco em resultados

Andreia de Oliveira Silva Eron Campos Saraiva Andrade Flávia Vanessa Martins Luis Cláudio Rodrigues França Vanderlei Antonio Carbone

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Resumo

O Brasil tem o desafio de promover um salto na produtividade da indústria e nos serviços para produção; os novos parâmetros mundiais exigem investimento, pesquisa, força de trabalho qualificada e uma ativa presença do Estado; e a economia do conhecimento demanda foco no adensamento das cadeias produtivas e sobretudo na inovação. E nesse contexto o planejamento estratégico da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) representa uma importante ferramenta para garantir o alinhamento das ações da agência aos seus objetivos, centrados principalmente na promoção da política industrial. O atual planejamento estratégico reforça o compromisso da agência no apoio à indústria, na geração de empregos e na busca do desenvolvimento sustentável. Este artigo tem por objetivo demonstrar a importância do planejamento estratégico como instrumento de gestão, descrevendo o processo de formulação do planejamento estratégico da ABDI. Palavras-chave: BSC. Gestão Estratégica. Planejamento Estratégico. Projetos. Política Industrial. ABDI.

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INTRODUÇÃO Segundo Jackson De Toni11, quando a ABDI foi criada pela Lei nº 11.080/2004, acreditava-se que a agência pudesse cumprir um papel de ligação entre o setor público e o setor privado, por onde pudessem transitar ideias, ações, projetos e estratégias para apoiar a indústria nacional. Foi assim na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) em 2004 e na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) em 2008. Da mesma forma, uma vez definido o Mapa Estratégico do Sistema MDIC12 e com o lançamento da nova política industrial do Brasil em 2011, o Plano Brasil Maior (PBM), o seu monitoramento e avaliação passaram a ser os principais desafios da ABDI. Neste cenário, os desafios estavam principalmente ligados à capacidade da agência em empregar esforços, recursos e instrumentos de maneira coordenada e articulada entre a iniciativa pública e privada e os diversos atores do PBM. Designada oficialmente para apoiar o MDIC, a ABDI necessitava transparecer sua identidade, papel e capacidade de interface com outras instituições, bem como consolidar e alinhar uma série de ações, programas e projetos que seriam demandados para serem monitorados e até mesmo executados pela agência. Assim, era necessário alinhar as expectativas da ABDI e de seus parceiros, definindo papéis, visões, objetivos e o pipeline13 de programas e projetos mais adequados ao novo desafio da agência, em cumprimento a sua missão. Ressalta-se também que (acentuados pelo PBM) fatores como a necessidade de se obter maior eficiência no sistema de gestão da política industrial, as restrições

11 Gestor da Gerência de Planejamento da ABDI, em De Toni (2013). 12 Sistema de entidades governamentais, agências e outras instituições de âmbito nacional, as quais revolvem em torno de uma agenda comum para o desenvolvimento industrial brasileiro, organizados virtualmente em torno do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC (MDIC, ABDI, Apex-Brasil, BNDES, Inmetro, Inpi e Suframa). 13 À época do planejamento estratégico, optou-se pela utilização do termo “pipeline de projetos” para representar o portfólio de projetos finalísticos da agência.

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do cenário internacional e a necessidade permanente de coordenação interna e acordo com o setor privado impuseram enormes desafios à capacidade de resposta e qualidade das entregas da ABDI. Dessa forma, objetivando cumprir a sua missão e principalmente enfrentar os novos desafios e necessidades impostas, a ABDI estruturou um projeto para elaboração do seu planejamento estratégico para o ciclo 2012-2015. Esse planejamento objetivou revisitar sua missão e visão, definindo objetivos a serem perseguidos e valores a serem respeitados, tornandose uma peça fundamental de alinhamento governamental para a plena promoção da política industrial brasileira. Nas palavras do presidente da agência: Pensar estrategicamente a agência é um trabalho que exige sobriedade, capacidade de detalhamento e muita concentração e não pode – e não deve – ficar restrito apenas à Diretoria Executiva ou a um grupo de trabalho. Deve envolver todo o corpo funcional da agência. Por isso, o empenho para que todos participem do nosso planejamento estratégico, que conta com mecanismos de interatividade. É nos detalhes, nos olhares diferenciados e na visão do que está fora do nosso alcance que poderemos construir uma perspectiva de futuro coerente. Destaca-se também que o processo de planejamento estratégico da agência foi pensado de modo a incluir visões díspares e complementares, atores internos e stakeholders externos, temas recorrentes e inovações, alcançando resultados significativos, tais como: 1) reforço da identidade institucional da ABDI, por toda a organização; 2) consolidação da missão (razão de ser) da ABDI; 3) desenvolvimento de uma visão de futuro compartilhada; 4) entendimento de como a ABDI entrega valor (sistema de geração de valor ABDI); 5) definição de objetivos estratégicos; 6) redesenho da estrutura dos projetos finalísticos da ABDI; e 7) criação de projetos estruturantes internos para as áreas-meio. Para Jackson De Toni, a qualidade das discussões realizadas, o grau de envolvimento, o compromisso coletivo e o espírito republicano que o processo de planejamento estratégico evidenciou fazem da ABDI uma organização singular no conjunto de instituições do Governo Federal, fundamental para a gestão das políticas industriais. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é compartilhar o aprendizado, as experiências, as técnicas e ferramentas utilizadas no processo de planejamento estratégico na ABDI, que foi pautado em uma metodologia que contou com o

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esforço interno, com uma gestão participativa e com um plano de comunicação eficiente, visando à mudança cultural da agência, tornando-a uma instituição orientada para a estratégia.

A IMPORTÂNCIA DA ESTRATÉGIA CORPORATIVA Dentro de uma organização, o fluxo de informações é intenso, tanto interno quanto externo, e essas informações devem ser administradas e gerenciadas com foco nos interesses da organização. Os gestores precisam acompanhar o mercado e o cenário nos quais está inserida, que normalmente estão em constante mudança e crescimento. Assim, o conhecimento organizacional é essencial e precisa ser estudado e interpretado, a fim de atender aos anseios e necessidades da organização e dos seus objetivos. Mintzberg, Ashlstrand e Lampel (2000) ensinam que a estratégia se trata da forma de pensar no futuro, integrada no processo decisório, com base em um procedimento formalizado e articulador de resultados. A estratégia começa com uma visão de futuro para a organização, bem como com a definição do seu campo de atuação, visando assim ao crescimento, aonde se quer chegar, traçando estratégias e metas para alcançar esses objetivos. Já os objetivos representam os fins que a organização está tentando alcançar, enquanto a estratégia é o meio para alcançar esses fins. Michael Porter (1980) lembra que a estratégia competitiva é como uma empresa decide competir em um mercado em resposta às estratégias e posições de seus competidores, de modo a ganhar uma vantagem competitiva sustentável. Considera-se, portanto, vantagem competitiva o avanço que a organização tem entre as demais do mesmo ramo. Para isso, a organização deve ter um diferencial, algo que a torne única e sustentável.

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO Planejamento estratégico é um processo gerencial utilizado para estruturar os objetivos da organização com intuito de formular a estratégia organizacional de longo prazo, buscando o conhecimento no qual a organização está inserida, estudando as condições internas e externas da organização e mapeando o que se espera para o futuro.

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Para Bateman e Snell (1998), a administração estratégica é um processo que envolve todos os níveis da organização para a formulação e implementação dos objetivos estratégicos. Já o planejamento estratégico é o processo de elaboração da estratégia, no qual se define a relação entre a organização e o ambiente interno e externo, bem como os objetivos organizacionais, com a definição de estratégias alternativas (MAXIMIANO, 2006). Segundo Drucker (1998), o planejamento estratégico é o processo contínuo, sistematicamente e com o maior conhecimento possível do futuro contido, de tomar decisões atuais que envolvem riscos; organizar sistematicamente as atividades necessárias à execução dessas decisões; e, através de uma retroalimentação organizada e sistemática, medir o resultado dessas decisões em confronto com as expectativas alimentadas. Conforme Oliveira (2001), considerando os grandes níveis hierárquicos, o planejamento pode ser dividido em três tipos: estratégico, tático e operacional. Os tipos de planejamento relacionam-se diretamente aos níveis de decisão por meio de uma pirâmide organizacional, apresentada na Figura 6. Figura 6 – Tipos de planejamento estratégico

Fonte: OLIVEIRA, 2001.

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Para Almeida (2001), o planejamento estratégico pode ser definido como uma técnica administrativa que procura ordenar as ideias das pessoas, de modo que se crie uma visão do caminho que se deve seguir. No seu modelo, o processo de planejamento pode ser dividido em cinco grandes blocos (Figura 7). Figura 7 – Processo de planejamento estratégico

Fonte: Almeida, 2001.

Neste modelo, cada um dos blocos tem um objetivo específico: 1. Orientação: definição da missão e visão da organização. 2. Diagnóstico: é uma fase de análise dos aspectos internos, onde se procuram identificar pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, a fim de se levantarem as possíveis estratégias a ser traçadas, que servirão de base para a gestão e para o processo de planejamento estratégico. 3. Direção: momento em que serão definidas as estratégias, os objetivos e metas. 4. Viabilidade: bloco que é composto pelos instrumentos de verificação da viabilidade das decisões tomadas. 5. Operacional: caso sejam consideradas viáveis as estratégias definidas, devem ser estabelecidas ações e um cronograma para implementação.

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A partir da definição da missão e da visão, a fase de diagnóstico é fundamental para obtenção de sucesso de qualquer processo de planejamento estratégico, uma vez que é sinalizado por toda a equipe, da alta direção ao operacional, por meio de técnicas que permitirão à organização identificar e aproveitar os seus pontos fortes e reduzir os pontos fracos. O objetivo desse esforço é aproveitar as oportunidades e evitar as possíveis ameaças, por meio do desenvolvimento de processos, técnicas e atitudes administrativas que possibilitem avaliar as implicações futuras de decisões presentes, de modo a reduzir a incerteza envolvida no processo decisório e consequentemente aumentar a probabilidade de alcance dos objetivos e desafios estabelecidos para a organização, maximizando resultados e minimizando deficiências. Ao fim desse processo, o plano estratégico deve responder a todos os questionamentos feitos em sua construção, explicitando o rumo maior a ser seguido pela organização e priorizando as ações estratégicas a serem empreendidas.

BALANCED SCORECARD (BSC) O BSC é uma metodologia de gestão da estratégia de classe mundial criada pelos norte-americanos David Norton e Robert Kaplan e utilizada por grandes organizações ao redor do mundo para executarem suas estratégias. A execução da estratégia é o maior desafio dos executivos e, nesse ponto, as organizações enfrentavam dificuldades no seu desenvolvimento e enormes barreiras na sua execução. Foi neste contexto que o desenvolvimento do BSC chegou como uma solução para resolver problemas como traduzir a estratégia em termos operacionais, alinhar a organização à estratégia, transformar a estratégia em tarefa de todos, converter a estratégia em processo contínuo e mobilizar a mudança por meio da liderança executiva. Com isso os executivos esperam direcionar as energias, habilidades e conhecimentos específicos das pessoas em toda a empresa como forma de alcançar os objetivos de longo prazo. A Figura 3 ilustra o posicionamento do BSC na escada de valor.

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Figura 8 – O BSC na escada de valor.

Fonte: Kaplan; Norton, 2004.

Segundo Kaplan e Norton (2004), a utilização cada vez maior da metodologia possibilitou em determinado momento abordar os executivos destas empresas e perguntar sobre o avanço do BSC na sua organização, e quase sempre a resposta resumia-se às seguintes palavras: “alinhamento” e “foco organizacional”. Estrutura do BSC e suas quatro perspectivas O BSC traduz a missão e a visão da estratégia segundo quatro perspectivas: 1) financeira; 2) do cliente; 3) dos processos internos; e 4) do aprendizado e crescimento. Essas quatro perspectivas equilibram os objetivos de curto e longo prazo, onde os objetivos dessas perspectivas relacionam-se uns aos outros numa cadeia de relação de causa e efeito. Ainda segundo Kaplan e Norton (2004), essa ligação de causa e efeito que interliga as perspectivas é a estrutura na qual se

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desenha o mapa estratégico, conforme ilustrado na Figura 9. A organização pode, se necessário, fazer adaptações no mapa estratégico de maneira que reflita como a instituição gera valor. Figura 9 – Modelo de Mapa Estratégico para criação de valor

Fonte: Kaplan e Norton, 2004.

Em grandes linhas, a Perspectiva Financeira procura responder as questões sobre como os acionistas veem a organização e quais são os objetivos financeiros que deverão ser alcançados do ponto de vista deles. A Perspectiva Cliente procura responder a questão sobre como a organização é vista pelos seus clientes e como ela deve atender as necessidades desses clientes dentro de seus objetivos financeiros. A Perspectiva Processo Interno responde quais são os processos críticos para satisfazer os clientes e acionistas da organização.

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A Perspectiva Aprendizado e Crescimento procura responder a questão de como a organização deve aprender, aperfeiçoar e inovar para que atinja seus objetivos estratégicos. O BSC traduz a missão e a visão da estratégia em objetivos e medidas, organizados através de indicadores segundo as quatro perspectivas apresentadas.

O PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA ABDI Planejar é imperativo para as organizações preocupadas com seu bom desempenho e seus resultados de curto, médio e principalmente de longo prazo. E foi com essa convicção que a ABDI se preparou para enfrentar os desafios do período de 20122015, revisitando sua missão, visão e valores e formulando suas estratégias, ações e projetos, certa de que é preciso planejar para crescer. Nesse sentido, o projeto de planejamento estratégico da ABDI, executado pela Coordenação de Planejamento (CPLAN), teve início em outubro de 2011, com a participação e apoio de uma consultoria especializada e das diversas equipes definidas como relevantes e necessárias para o seu desenvolvimento. Para dar sustentação ao modelo de gestão existente na agência e para aperfeiçoar o processo de tomada de decisões, a metodologia adotada para elaboração do planejamento estratégico foi o Balanced Scorecard (BSC), adaptado para a gestão pública, representando a cadeia causal de grupos de ações (perspectivas) e efeitos (objetivos estratégicos) orientados por metas (indicadores) e direcionados ao cumprimento da visão e missão da ABDI. Com esta definição, foi construída uma proposta contendo a metodologia das dinâmicas e ferramentas de trabalho, a definição do público a ser trabalhado, a programação e o formato dos workshops e/ou eventos e um plano de trabalho contendo as etapas e atividades a serem realizadas no processo de formulação da estratégia da ABDI.

GRUPOS DE TRABALHO DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO Considerando a diretriz do planejamento estratégico da ABDI em utilizar uma metodologia participativa, contando com o envolvimento de todos os colaboradores

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internos e parceiros diretos da ABDI na construção das ações estratégicas, a primeira etapa do trabalho consistiu em definir os grupos de trabalho. Assim, de modo a produzir e refinar os conteúdos gerados ao longo das fases do planejamento estratégico, foram designados três grupos distintos de trabalho, com funções específicas, a saber: 1. Equipe de Desenvolvimento (ED) e Grupos de Trabalho (GT): responsáveis por tomar providências e realizar atividades operacionais; além de elaborar, revisar, ajustar e consolidar conteúdos. A ED é responsável por analisar, consolidar e dar encaminhamento ao material elaborado pelos GTs, para apresentação ao Comitê Técnico Consultivo e ao Grupo de Controle. 2. Comitê Técnico Consultivo (CTC): responsável por receber, revisar e avaliar em colegiado as proposições e conteúdos da ED, preparando a tomada de decisão dos membros do Grupo de Controle. 3. Grupo de Controle (GC): responsável por fornecer comando, visão para o processo e aprovar os conteúdos propostos do planejamento estratégico. Os grupos foram formados por colaboradores da agência, parceiros e outros stakeholders das organizações envolvidas, sendo convocados de acordo com as atividades em desenvolvimento. A criação desses grupos, com uma atuação coordenada, possibilitou a convergência de opiniões e percepções sobre os diversos temas relacionados ao planejamento estratégico da ABDI, sendo este um dos fatores críticos de sucesso do projeto.

FRENTES DE TRABALHO DO CICLO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA ABDI O projeto do planejamento estratégico da ABDI foi estruturado em duas grandes frentes de trabalho: 1) Formulação Estratégica; e 2) Plano Operacional, conforme apresentado na Figura 10.

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Figura 10 – Frentes de trabalho do ciclo de planejamento estratégico

Fonte: ABDI.

As duas frentes de trabalho foram estruturadas em quatro macroetapas: 1) Entendimento sobre o posicionamento e papel da ABDI; 2) Desenvolvimento do Plano Estratégico 2012-2015; 3) Revisão do pipeline de projetos e programas; e 4) Avaliação de potenciais implicações organizacionais devido ao novo planejamento estratégico. Os conteúdos de cada uma das etapas foram produzidos primeiramente pela Equipe de Desenvolvimento (ED) e eventuais Grupos de Trabalho (GT), para temas específicos, em grandes sessões de trabalho, validados em primeira instância pelo Comitê Técnico Consultivo (CTC) em workshops periódicos de validação e refinamento e aprovados pelo Grupo de Controle (GC). Esse trabalho contou com a realização dos seguintes eventos: •

8 Reuniões Técnicas: encontros mais complexos orientados por dinâmicas de grupo específicas, com a participação de cerca de 10 pessoas, onde foram discutidos e construídos conteúdos sobre os temas do planejamento.

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3 Oficinas CTC: grandes encontros para consolidação e validação de conteúdo, orientados por dinâmicas de grupo específicas.



3 Oficinas GC: oficinas com o objetivo de validação final dos conteúdos, orientadas por dinâmicas de grupo específicas.

É importante mencionar que para a realização desses eventos foi necessário um esforço adicional da equipe da CPLAN no bloqueio de agendas e no alinhamento de expectativas entre as principais lideranças da ABDI envolvidas no processo, bem como na validação e no cumprimento do cronograma de trabalho estabelecido. Este esforço foi fundamental para a trajetória bem-sucedida dos eventos realizados, considerando o comprometimento de todos os envolvidos. A Figura 11 apresenta o cronograma dos principais marcos do projeto. Figura 11 – Cronograma dos principais marcos do projeto

Fonte: ABDI.

Na sequência será detalhado o trabalho realizado em cada uma das etapas e os principais produtos gerados no processo de planejamento estratégico da ABDI.

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ENTENDIMENTO SOBRE O POSICIONAMENTO E O PAPEL DA ABDI Objetivando conhecer o posicionamento e o papel da ABDI perante os seus colaboradores e parceiros, entender como a agência toma decisões, como se relaciona com seus clientes e de que forma oferece seus produtos e serviços, foi realizado um diagnóstico situacional. Esse diagnóstico permitiu conhecer melhor as oportunidades e ameaças externas, mensurar com precisão as forças e fraquezas da agência e estabelecer orientações estratégicas para a definição de objetivos, diretrizes, indicadores e metas para os próximos quatro anos. O processo de análise situacional interna e externa da ABDI foi realizado em três etapas: 1) análise dos stakeholders; 2) entrevistas com stakeholders; e 3) pesquisas internas. Vale ressaltar que stakeholders são atores (indivíduos ou organizações) que atuam internamente ou externamente em relação à ABDI em uma troca de influências direta ou indireta. A agência é por eles afetada e portanto deve ter a capacidade de atuação frente a suas expectativas, alinhando-as à sua própria estratégia. Na mesma linha, o cumprimento da missão da organização está intimamente ligado à satisfação das expectativas – explícitas e implícitas – de seus stakeholders, ao passo que o atingimento da sua visão passa pelo alinhamento das estratégias com as oportunidades criadas pela interação com este mesmo grupo. Nesse sentido, o diagnóstico situacional iniciou-se com a análise dos stakeholders da ABDI, por considerá-la de especial importância para uma organização com íntimas relações com o setor público. Por análise entendem-se a identificação, a categorização, a priorização e a extração de diretrizes estratégicas deste grupo de atores. Nas atividades de identificação, categorização e mapeamento de expectativa de stakeholders externos, a Equipe de Desenvolvimento trabalhou a partir de uma pré-listagem de 98 stakeholders, os quais foram organizados em quatro categorias: 1) Governo; 2) Sistema MDIC; 3) Cadeias Produtivas; e 4) Sistema Indústria e Provedores de Tecnologia e Informação. Após a categorização, dos 98 foram priorizados 51, que passaram para a fase de extração de diretrizes estratégicas. O resultado do trabalho considerou duas variáveis: 1) influência sobre a ABDI (polaridade, reciprocidade, pressão); e 2) capacidade de atendimento (foco estratégico, produtos e relacionamento). Graduado nas duas variáveis, em uma escala de 1 a 5, cada stakeholder foi alocado em um quadrante

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originado do cruzamento entre os scores dessas variáveis, conforme a matriz apresentada na Figura 7. Figura 12 – Quadrante de influências sobre a ABDI versus capacidade de atendimento a demandas

Fonte: ABDI.

A alocação dos stakeholders no quadrante de análise e diretrizes estratégicas permitiu uma avaliação do nível de influência exercido por cada um deles e da capacidade da ABDI em atender a todas as expectativas. Essa análise foi necessária para dar à agência uma diretriz clara de atuação para os stakeholders em cada um dos quadrantes. A análise também considerou o atual mapa de relacionamentos da agência com um mapa desejado, ou seja, uma proposta de aumento da capacidade de relacionamento entre dos diferentes stakeholders nas suas diversas esferas (pública, privada, etc.). Esse trabalho reforçou o interesse da ABDI em aumentar a sua capacidade de influenciar e articular com foco na execução de suas prerrogativas institucionais e no pleno apoio às políticas industriais, permitindo maior sinergia com seus parceiros, eliminando eventuais redundâncias de recursos e alavancando resultados.

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Com a conclusão da fase de análise, foram realizadas entrevistas presenciais com 31 stakeholders considerados de relacionamento-chave, objetivando coletar informações sobre como a ABDI era vista por esses parceiros e quais eram as suas expectativas em relação à atuação da agência. As entrevistas foram realizadas de maneira semiestruturada, com base no modelo conceitual Pestal14, com discussões acerca de temas centrais previamente identificados pela Equipe de Desenvolvimento. Complementando o conjunto de análises para compor o diagnóstico situacional, foram empreendidas duas frentes de pesquisa voltadas para o público interno da ABDI. Uma delas, direcionada a todos os colaboradores, teve cunho essencialmente individual e teve como objetivo a identificação de pontos fortes, fracos, percepções sobre a atuação da agência frente a seus clientes, além de oportunidades imediatas e futuras de melhoria. A segunda frente teve como público-alvo os membros do Comitê Técnico Consultivo (CTC), formados por coordenadores, gerentes e líderes de projeto da agência. Esse grupo foi investigado de modo mais aprofundado sobre questões tático-operacionais, além de percepções que deram insumos para diretrizes estratégicas à Equipe de Desenvolvimento. A pesquisa interna com colaboradores da agência foi realizada utilizando um formulário online e sem identificação dos respondentes, com o objetivo de permitir maior grau de liberdade no desenvolvimento das respostas. A pesquisa com o CTC foi particularmente importante, considerando a visão gerencial dos colaboradores das áreas-meio e finalísticas da agência, estabelecendo uma ponte entre a diretoria e os demais colaboradores de linha média e operacional, enriquecendo os entendimentos e direcionando vários debates. Todas as informações coletadas nas entrevistas com os stakeholders e nas pesquisas internas foram incluídas em banco de dados comum sob a forma de “situações-problema” para análise conjunta e elaboração do relatório contendo os resultados do diagnóstico situacional. O diagnóstico foi organizado por temas: 1) expectativas internas de atuação; 2) visão sobre os serviços prestados pela ABDI; 3) percepções sobre o ambiente de trabalho; e 4) pontos fortes e pontos fracos da agência. Seu resultado permitiu

14 O modelo Pestal é uma ferramenta de leitura do ambiente externo às organizações de acordo com fatores políticos, econômicos, sociais, tecnológicos, ambientais e legais.

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a identificação dos principais elementos e atores que compõem a realidade de atuação da ABDI e sobre a qual se deseja atuar e mudar, insumos necessários para uma correta orientação das ações estratégicas a serem construídas no processo de planejamento.

DESENVOLVIMENTO DO PLANO ESTRATÉGICO 2012-2015 A partir da reflexão dos resultados obtidos no diagnóstico situacional, esta etapa tratou de desenvolver o Plano Estratégico da ABDI, definindo os clientes estratégicos, a missão, visão e valores da agência, bem como seus objetivos estratégicos para o horizonte temporal 2012-2015. O desenvolvimento do Plano Estratégico também foi realizado em três etapas: 1) conceitos fundamentais e identidade da ABDI; 2) formulação do mapa estratégico; e 3) definição de indicadores e metas do mapa estratégico da ABDI. A definição dos conceitos fundamentais de uma organização (missão, visão, clientes e valores) é necessária para uma correta orientação das ações estratégicas a serem construídas no processo de planejamento. Nesse contexto, foi realizada uma oficina para apresentação e discussão das atribuições legais, missão e visão da ABDI. A finalidade deste trabalho foi aprofundar as discussões no Grupo de Controle (GC) sobre a necessidade de alinhamento entre os papéis esperados pelos seus stakeholders, suas funções de Estado, de governo e de apoio à formulação e execução da política industrial brasileira. Na oficina de trabalho, a atual missão foi revisitada; e, após as discussões, o GC chegou ao consenso de uma nova declaração de missão para a ABDI.

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Figura 13 – Nova declaração da missão da ABDI

Fonte: ABDI.

Assim, a nova missão substituiu “promover” por “desenvolver ações estratégicas” enfatizando conceitos como planejamento, longo prazo, coordenação, entre outros. Também houve a preocupação em colocar a política industrial como principal direcionador, dando destaque aos focos de atuação da ABDI: investimento produtivo, emprego, inovação e competitividade. Como a nova declaração de missão, o grupo trabalhou na definição da visão da agência (Figura 14) para o período 2012-2015. Figura 14 – Visão da ABDI

Fonte: ABDI.

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A inclusão do termo “Ser referência” teve como objetivo destacar o anseio e o desejo da agência em ser reconhecida como um centro de excelência na articulação público-privada e em inteligência industrial, sendo uma referência nacional e internacional, tendo como resultado das suas atividades a promoção do emprego, da inovação e da transformação da indústria brasileira. Com relação aos clientes da estratégia, ressalta-se que, do mesmo modo que a identificação dos clientes de uma organização com fins lucrativos pode representar o mapeamento extensivos dos perfis de compra dos variados clientes atendidos, identificar os clientes de uma organização de interesse público é igualmente relevante. Especialmente no caso da ABDI, esta tarefa mostrou-se algo si ne qua non no processo de planejamento, primeiramente devido às diversas interpretações identificadas no diagnóstico sobre o papel da ABDI nas diferentes esferas. O diagnóstico situacional evidenciou, de fato, uma gama considerável de percepções. Além disso, declarar e, mais do que isso, compreender os anseios dos clientes permitem à ABDI concentrar esforços e adquirir foco. Deste modo, foram identificados os fornecedores e clientes relacionados com a atuação da ABDI (Figura 15). Figura 15 – Fornecedores e clientes da ABDI

Fonte: ABDI.

A partir da identificação dos clientes e das suas expectativas, desenvolveu-se um instrumento de coleta de dados online para que os colaboradores da agência

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respondessem a seguinte questão: Que fatores culturais e comportamentais são imprescindíveis para que a ABDI consiga oferecer estes resultados (expectativas) de maneira satisfatória aos seus clientes? O objetivo desta atividade era a identificação do que a ABDI declarava ser importante para o seu funcionamento alinhado às novas diretrizes construídas, aquilo que era valorativo, a identificação de seus valores organizacionais. As respostas foram categorizadas e as definições que mais representavam a orientação fornecida pelos itens auxiliaram na definição de seus atributos principais. Os valores definidos foram: •

Ética: Agir de forma íntegra no relacionamento interno e externo, com respeito às políticas e normas de conduta estabelecidas pela ABDI, indústria e sociedade.



Transparência na gestão: Compartilhar sistematicamente informações sobre a utilização de recursos, ações e contribuições da ABDI para a indústria e a sociedade.



Trabalho colaborativo: Compartilhar experiências, conhecimentos e ações que conduzam à formação de equipes orientadas para resultados comuns.



Excelência no desempenho: Buscar continuamente superar as expectativas de desempenho da instituição, da indústria e do país, por meio do alcance de padrões de excelência na realização de suas atividades.



Valorização profissional: Garantir o reconhecimento profissional e pessoal dos colaboradores da ABDI, por meio de uma gestão que valorize o resultado, o alcance de metas e as competências técnicas e humanas.



Compromisso com o Brasil: Garantir atuação que promova a integração entre as diferentes esferas públicas e privadas, primando pelos princípios constitucionais e orientados ao bem comum.

Com a definição dos conceitos fundamentais e identidade da ABDI, passou-se para a etapa de formulação do mapa estratégico, que é uma representação gráfica da

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missão, visão e dos objetivos estratégicos formulados durante o planejamento. É por assim dizer a tradução da estratégia para que todos a compreendam. O mapa estratégico da ABDI 2012-2015 foi desenvolvido obedecendo a uma lógica de desdobramento a partir do Mapa Estratégico do Sistema MDIC e do PBM. Foi estruturado considerando-se a metodologia BSC no que se refere às perspectivas, relações de causa e efeito, temas e disposição de missão, visão e objetivos. A sua leitura deve ser feita como uma relação causal, partindo das perspectivas da base do mapa para as mais superiores. As perspectivas definidas no mapa estratégico da ABDI (Figura 16) foram: •

Base para Ação: Aglomera os objetivos estratégicos relacionados à preparação interna para a execução estratégica em termos estruturais e financeiros, bem como ao aumento de capacidades da equipe.



Processos Internos: Trata dos objetivos estratégicos referentes às atividades cíclicas e rotineiras, cuja excelência é fundamental para que a estratégia seja executada.



Desenvolvimento Industrial: Congrega os objetivos estratégicos que dizem respeito às atividades finalísticas da ABDI, ou seja, serviços que efetivamente entregam os resultados esperados pelos stakeholders.



Impacto Social e Econômico: Representa os principais clientes da estratégia da agência. Põe foco nos benefícios entregues pela ABDI a cada um desses atores.

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Figura 16 – Mapa Estratégico da ABDI 2012-2015

Fonte: Planejamento Estratégico ABDI 2012-2015.

Um dos fatores críticos para o êxito na execução da estratégia, descrito no Mapa Estratégico da ABDI, foi o estabelecimento de indicadores e metas associados aos objetivos estratégicos definidos, que permitissem o acompanhamento e a mensuração da execução do plano. Assim, os indicadores e metas do Mapa Estratégico da ABDI definiram, por meio de um encadeamento lógico, as principais responsabilidades e compromissos de cada uma das unidades da agência no alinhamento com a estratégia definida, com o Sistema MDIC e com o PBM. Uma vez formulada a estratégia da ABDI 2012-2015, esta frente de trabalho teve como objetivo elaborar o plano operacional da agência por meio do alinhamento entre a estratégia, projetos estruturantes e programas e projetos finalísticos. Também contou com uma avaliação de potenciais implicações organizacionais devido ao novo planejamento estratégico, sendo apresentadas recomendações de ajustes no modelo organizacional da ABDI, com foco na adaptação da agência para a execução das atividades previstas no planejamento estratégico.

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REVISÃO DO PIPELINE DE PROGRAMAS E PROJETOS No processo de formulação da estratégia da ABDI, verificou-se uma tendência crescente no volume de projetos, tanto nas áreas finalísticas quanto nas áreas-meio, em articulação nos últimos anos, seguida consequentemente de um crescimento no total de recursos investidos nesses projetos. A receita da agência não acompanhou esse crescimento na mesma velocidade, culminando na necessidade de eliminar redundâncias, selecionar as melhores propostas e planejar os projetos de modo a maximizar o retorno com base nos preceitos de eficiência e de alinhamento com o PBM. Para tanto, foi realizado um esforço de reavaliação e realinhamento de todos os projetos propostos, inclusive os já iniciados, frente às novas diretrizes estratégicas. Durante esta etapa, todas as ações foram avaliadas e hierarquizadas, conforme diretrizes da diretoria, para identificação de eventuais lacunas ou oportunidades de melhoria no pipeline de projetos da ABDI. O recebimento e a análise dos projetos pela Equipe de Desenvolvimento ocorreram por meio do formulário de pré-projeto, um documento formulado para confrontar uma ideia ou uma proposta aos objetivos da estratégia da ABDI 2012-2015 e ao PBM. Esse documento nasceu com a premissa de guiar a elaboração dos projetos e permitir à Equipe de Desenvolvimento efetuar uma avaliação prévia (ex-ante) dos projetos, além de permitir que houvesse um “retrato” para possibilitar a priorização e a pactuação de um conjunto de itens que deveriam ser observados no momento do desenho de um projeto. Os pré-projetos para a área-meio foram avaliados quanto à intervenção direta ao atendimento dos objetivos estabelecidos no Plano Estratégico da ABDI. Foram decididos de modo a corrigir lacunas operacionais e funcionais na agência. As análises dos pré-projetos da área finalística procuraram evidenciar o nível de aderência das ações às diretrizes do PBM, do Mapa Estratégico do Sistema MDIC e do Mapa Estratégico da ABDI. Foram verificadas também, ainda que superficialmente, as bases práticas do projeto, contemplando critérios de custeio, prazo, recursos humanos, eventuais apoios financeiros e políticos, além dos indicadores de monitoramento do projeto, tudo para analisar a capacidade interna de execução da demanda.

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De modo a garantir a isenção e a presença dos conhecimentos técnicos e práticos necessários para que esses critérios fossem avaliados, foi criado o Comitê Técnico de Projetos (CTP), composto pelos gerentes finalísticos, pela Gerência de Gestão e pela Gerência e Coordenadoria da área de Planejamento da agência. O CTP recebeu 59 pré-projetos para serem analisados. Designou-se um membro relator para cada conjunto de pré-projetos, o qual foi o responsável pela primeira análise e avaliação de cada um deles, além de apresentar os resultados da avaliação durante as reuniões do comitê. Cada avaliação era então reanalisada pelo comitê, refinando (corroborando ou refutando) a avaliação dos respectivos relatores. Ao final das análises dos pré-projetos da área finalística da ABDI, foi iniciada uma série de reuniões com a Diretoria da agência para definição dos projetos que seriam executados no período de 2012 a 2015. A análise dos scores de alinhamento estratégico e de capacidade interna de execução, somada à orientação da Diretoria da agência no sentido de se formular projetos mais coesos, relevantes e sinérgicos internamente, permitiu que a Equipe de Desenvolvimento propusesse um portfólio renovado, com programas e projetos mais articulados e alavancados sob o ponto de vista financeiro. Estes projetos foram redesenhados de modo a tratar de questões-chave do PBM de maneira pragmática, focada e racionalizada, com maior riqueza técnica nas equipes.

AVALIAÇÃO DE POTENCIAIS IMPLICAÇÕES ORGANIZACIONAIS DEVIDO AO NOVO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO Com base nos resultados das etapas e atividades anteriores, foram realizadas recomendações de ajustes no modelo organizacional da ABDI, com foco na adaptação da organização para a execução das atividades previstas no planejamento. A avaliação dessas implicações organizacionais deve ser explicada com a utilização de projetos que desenvolvam a agenda de mudanças gerada no planejamento. Tais projetos objetivaram ter impacto nas áreas-meio e fim, bem como na estrutura organizacional da agência. Denominados Projetos Estruturantes, essas ações, fruto das avaliações de potenciais implicações na organização, permitiram melhor destaque técnico e orçamentário para a mudança organizacional, de maneira independente do pipeline de projetos finalísticos da agência.

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Assim, foram definidos seis projetos estruturantes que contribuíram significativamente ao suporte dos negócios. Tais projetos e processos foram executados no âmbito das áreas-meio, acompanhados pela CPLAN no âmbito da gestão da estratégica. Alguns dos projetos definidos, após sua implantação, tornaram-se processos contínuos.

SISTEMA DE GERAÇÃO DE VALOR ABDI Analisando a estratégia traçada de maneira holística, foi possível compreender melhor de que forma a ABDI acrescenta valor aos seus clientes e por quais meios ela o faz. O planejamento estratégico permitiu declarar, por fim, o que se chamou de Sistema de Geração de Valor ABDI. Trata-se de uma representação visual que mostra a cadeia ideal de eventos de geração de valor aos clientes. O entendimento deste sistema dentre todos os níveis hierárquicos da ABDI tornou-se extremamente importante (Figura 17). Figura 17 – Sistema de geração de valor

Fonte: Planejamento Estratégico ABDI 2012-2015.

Assim, dentre os maiores ganhos do planejamento estratégico, pode-se destacar a organização sistemática do pensamento de toda a instituição em torno dos mesmos objetivos, com uma mesma linguagem, criando uma cultura de planejamento que visa a orientar o desenvolvimento de iniciativas e de impacto, dentro e fora da ABDI.

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A COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA ABDI Para que um processo de planejamento estratégico gere os resultados desejados, é fundamental que seja criado um clima de comprometimento, envolvimento e senso de priorização entre todos os envolvidos na instituição. E, para superar este desafio, a comunicação tem um papel fundamental, sendo o fio condutor para unir as pessoas às ações e atividades necessárias ao desenvolvimento do plano estratégico organizacional. Nesse sentido, considerando a necessidade do comprometimento, da participação e do alinhamento das diversas áreas da agência, o plano de comunicação interno do planejamento estratégico da ABDI teve como objetivo maior a divulgação de modo transparente das ações a serem realizadas e dos resultados alcançados; e principalmente a busca do envolvimento dos colaboradores neste novo processo, sensibilizando e instituindo uma cultura de planejamento. Desta forma, para assegurar esse objetivo, o plano de comunicação primou por uma comunicação interna, abrangente e eficaz, contemplando desde os integrantes da alta administração até os colaboradores que exerciam funções mais simples, reforçando a todos a sua importância no ambiente organizacional e a relevância da sua participação e contribuição em um processo importante para a agência. Para isso, a ABDI investiu em algumas ferramentas para auxiliar na divulgação das ações a serem realizadas e os objetivos que se pretendia atingir na formulação do planejamento estratégico. Foram utilizados diversos canais de comunicação com diferentes focos. Mas, antes de iniciar a campanha de comunicação do planejamento estratégico, a etapa mais importante foi a definição da sua identidade visual (Figura 13). Após algumas discussões com a equipe da área de Comunicação da agência, foi criado o slogan “Planejar para crescer”. Considerando a razão de ser da ABDI, o objetivo desse slogan foi justamente mostrar a importância do ciclo de planejamento para o crescimento e evolução da agência, criando também uma vinculação com a atual política industrial, pois as iniciativas e programas do PBM somaram-se em um esforço integrado e abrangente de geração de emprego e renda em benefício da sociedade, buscando a inovação para aumentar a sua competitividade e, por meio dela, o crescimento do país.

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Assim, da mesma forma, esse também era o objetivo do planejamento estratégico da agência, ou seja, ser um instrumento de gestão para apoiar a indústria brasileira, por meio de ações, projetos e estratégias derivadas do seu processo de planejamento. Figura 18 – Identidade visual do planejamento estratégico

Fonte: Planejamento Estratégico ABDI 2012-2015.

Após a definição da identidade visual, para atingir os objetivos da campanha do planejamento estratégico da ABDI, foi proposta uma linha de comunicação integrada, visando a agir de maneira direcionada e atingir eficientemente todos os colaboradores da agência. As seguintes peças e instrumentos foram desenvolvidos: •

Portal na intranet: para divulgação do plano de trabalho, do calendário de eventos e documentos relacionados ao planejamento estratégico, foi desenvolvido o Portal do planejamento estratégico, que serviu como repositório de todos os dados e informações, além de vídeos, fotos das reuniões de trabalho, etc.



Pílulas do Planejamento Estratégico: tiveram como objetivo a disseminação de conceitos e definições sobre os temas relacionados ao planejamento estratégico, visando a alinhar entendimentos e aperfeiçoar o trabalho a ser desenvolvido. As Pílulas do Conhecimento foram divulgadas sistematicamente, ao longo de todas as etapas do planejamento estratégico da ABDI, por email e disponibilizadas também no portal.



Adesivos de chão e descanso de tela nas estações de trabalho: visando a intensificar e sinalizar o momento do planejamento estratégico da agência, foram distribuídos, nos andares, diversos adesivos de chão e descansos de tela nas estações de trabalho.

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Banners: com a intenção de informar sobre as próximas atividades, seus prazos e local de realização, na entrada de cada um dos andares da agência foram distribuídos banners informativos.



Boletim Conexão: para apresentar os resultados já alcançados e especialmente o andamento das etapas do planejamento estratégico a todos os colaboradores, foi utilizado o boletim interno da ABDI, incluindo o tema como matéria de capa.

A campanha do planejamento estratégico ainda contou com a produção de um vídeo institucional com participação de vários colaboradores da agência, versando sobre a história da ABDI, desde a sua criação até as diretrizes para o futuro, propostas no atual planejamento estratégico. Também foram realizados dois eventos institucionais. O primeiro ocorreu em 9/12/2011, em Anápolis-GO, e teve como objetivo apresentar o resultado do intenso trabalho realizado até aquele momento. O segundo evento foi realizado no dia 20/3/2012, quando foi divulgado oficialmente o Planejamento Estratégico 20122015 para todos os colaboradores da ABDI. Neste evento, foi distribuído a todos os colaboradores o produto final deste grande esforço, uma publicação contendo todas as decisões estratégicas. Para finalizar a campanha de comunicação do planejamento estratégico e objetivando manter viva a nova fase que se iniciava na agência, cada colaborador também recebeu um calendário anual destacando em todos os meses a nova missão e visão da ABDI, além do reforço dos objetivos estratégicos e um caderno contendo um resumo dos objetivos estratégicos e uma cópia destacável do mapa estratégico. Todas essas ações de comunicação foram essenciais para os resultados obtidos ao longo de todo o processo do planejamento estratégico na ABDI. Esta experiência reforçou o importante papel de uma comunicação integrada, coordenada e abrangente, que envolveu e sensibilizou todos os colaboradores da instituição, apoiado na transformação de ações em resultados e principalmente em uma mudança institucional com foco em planejamento.

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O PORTAL DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO COMO REPOSITÓRIO DE CONHECIMENTO O Portal do Planejamento Estratégico foi um dos canais interativos disponibilizados para promover a participação e a contribuição de todos os colaboradores da agência, por meio de fóruns e discussões, no processo de planejamento. O portal também foi utilizado para a realização de algumas pesquisas internas, tais como a pesquisa para a definição da missão e valores da ABDI, e também para disseminação de conceitos por meio das Pílulas do Planejamento Estratégico. Entretanto, o Portal do Planejamento Estratégico vai além do processo de elaboração do plano estratégico da ABDI. Ele também foi estruturado e desenvolvido para suportar e organizar o ciclo da gestão da estratégia da agência, disponibilizando documentos, modelos e notícias a respeito da gestão da estratégia. É um espaço para divulgação da estratégia da ABDI. Por meio dele são divulgados os objetivos, metas, indicadores, diretrizes, resoluções, padrões, andamento dos projetos e resultados alcançados. Assim, o portal funciona como um repositório de conhecimentos aplicados ao tema da gestão da estratégia, abrigando a história do seu desenvolvimento (Figura 19). Figura 19 – Recorte do Portal da Gestão da Estratégia

Fonte: Print screen do Portal da Gestão da Estratégia – ABDI.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a execução do projeto de Planejamento Estratégico 2012-2015, a ABDI experimentou um momento organizacional diferente: uma atmosfera propícia a questionamentos, a mudanças. As pessoas estavam envolvidas e motivadas a contribuir, a fazer o melhor. Além dos objetivos propostos explicitamente, este projeto também teve como objetivo apoiar a agência na criação de uma cultura de análise, de discussão e evolução pautada nos processos de planejamento. Tem-se que, por natureza, a ABDI é uma instituição híbrida, mista, combinada, paraestatal, meio privada, meio pública, sendo sua principal força e virtude a fonte de oportunidades e desafios. Nesse sentido, o processo de planejamento estratégico da agência foi inovador ao combinar as melhores técnicas conhecidas com um debate intensivo em estratégia e gestão, voltado ao mesmo tempo para consolidar uma identidade única à ABDI, baseada no binômio “modelos de governança” e “inteligência industrial” de um lado, e numa estrutura ágil, flexível de pronta resposta, por outro lado. Novamente citando Jackson De Toni, o planejamento é um guia para ação, não uma “camisa de força”. Os objetivos estratégicos devem ser lidos e reinterpretados na medida em que são alcançados, executados e consolidados, na prática diária, cotidiana da gestão, do monitoramento e avaliação. O ciclo de gestão só terá sentido se as palavras deste processo ganharem vida e se transformarem em realidade no mundo da inovação, da competitividade e da produtividade na indústria brasileira, de maneira inclusiva e sustentável.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDI. Planejamento Estratégico ABDI 2012-2015. Brasília: ABDI, 2012. ALMEIDA, M. I. R. Manual de planejamento estratégico: desenvolvimento de um plano estratégico com a utilização de planilhas Excel. São Paulo: Atlas, 2001. BATEMAN; SNELL. Construindo Vantagem Competitiva. São Paulo: Atlas, 1998. DE TONI, J. Novos arranjos institucionais na política industrial do governo Lula: a força das novas ideias e dos empreendedores políticos. Tese (Doutorado)–Instituto de Ciência Politica da Universidade de Brasília, 2013. DRUCKER, P. F. Introdução à Administração. Tradução de Carlos A. Malferrari. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1998. KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P. Mapas estratégicos – Balanced Scorecard: convertendo ativos intangíveis em resultados tangíveis. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. MAXIMIANO, A. C. A. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Atlas, 2006. MINTZBERG, H.; ASHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de estratégia. Porto Alegre: Bookland, 2000. OLIVEIRA, D. P. R. Estratégia Empresarial e Vantagem Competitiva: como estabelecer implementar e avaliar. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. PORTER, M. E., Competitive Strategy. New York: Free Press, 1980.

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O Monitoramento e a Avaliação da Política Industrial Brasileira: lições da experiência recente

Jackson De Toni Roberto Sampaio Pedreira

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Resumo

Este artigo tem o objetivo de analisar em que medida as políticas industriais brasileiras recentes se preocuparam em construir um sistema de monitoramento e avaliação (M&A) e, de modo secundário, de verificar qual a contribuição da ABDI para esse processo de construção, tendo em vista se tratar de uma das tarefas centrais da agência. Foram analisadas as principais questões relativas aos problemas de M&A de políticas, em especial os problemas de desenho das políticas. Ficou evidenciado que as singularidades das políticas industriais, radicalmente diferentes das políticas sociais, exigem outro quadro conceitual e metodológico. Concluiu-se que, não obstante as deficiências metodológicas e de governança da PITCE, privando-a de um processo de M&A, ela foi essencial para a gestação de um sistema de M&A, consolidado na PDP e no PBM, em virtude da persistente utilização de métodos e ferramentas pela ABDI. Palavras-chave: Política industrial. Monitoramento. Avaliação.

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INTRODUÇÃO: UMA ABORDAGEM TEÓRICA SOBRE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A avaliação de políticas públicas é uma das etapas fundamentais do policy cycle que retroalimenta o processo de planejamento e garante a melhoria contínua da instituição. Qualquer política pública, além das fases de planejamento, implementação e monitoramento, demanda um processo de avaliação que deve ser tão complexo e sofisticado quanto a política que se pretende avaliar. Segundo Martinez et al. (2011): Evaluations are periodic, objective assessments of a planned, ongoing, or completed Project, program, or policy. Evaluations are used to answer specific questions related to design, implementation, and results. In contrast to continous monitoring, they are carried out at discrete points in time and oftens seek an outside perspective from technical experts. Their desing, method, and cost vary substantially depending on the type of question the evaluation is trying to answer. (MARTINEZ et al., 2011, p. 7). A avaliação, segundo esses autores, pode envolver três tipos de questões: 1) questões descritivas de processos, condições, relações organizacionais e pontos de vista de stakeholders; 2) questões normativas sobre o alcance de objetivos declarados, sobre a relação entre inputs, outputs e as atividades; e 3) questões do tipo “causa-efeito”, que examinam os resultados obtidos, em relação ao tipo de intervenção levada a cabo. A integração ao ciclo de gestão, contudo, não é trivial, pois os processos avaliativos envolvem a produção de juízos de valor sobre resultados, processos e organizações, o que repercute diretamente na acumulação ou desacumulação de capital político pelos seus protagonistas. Mokate (2002) identifica possíveis razões pelas quais a avaliação não seria facilmente compatibilizada com o ciclo de gestão:

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1) Os paradigmas gerenciais dificultam a apropriação da avaliação pelas equipes de gestão, pois focalizam mais as atividades e processos do que os resultados, metas e objetivos. 2) As aplicações convencionais do monitoramento e da avaliação têm se realizado apenas pelos avaliadores externos e com ênfase na fiscalização, auditoria ou controle, variáveis não tão centrais no processo decisório e gerencial. 3) A complexidade dos objetivos e a adoção de estratégias e tecnologias diferenciadas dificultam o estabelecimento de nítidas e inequívocas relações causais entre os instrumentos de intervenção e os resultados observáveis. Ainda mais do que muitas medidas, só geram impactos a longo prazo. Enquanto a avaliação acontece em um tempo discreto sobre um conjunto determinado de resultados, o monitoramento é um processo contínuo e mais detalhado ao longo da implementação da política pública. Em relação ao timing do processo avaliativo, há basicamente duas grandes possibilidades: a avaliação ex ante e a avaliação ex post. A avaliação ex ante corresponde à análise prévia das relações lógicas entre as categorias componentes do desenho do programa ou projeto. Avalia-se, por exemplo, a coerência interna do design do projeto; entre a explicação do problema, a identificação de suas causas e as ações projetadas para sua solução ou entre as metas e objetivos e seu alinhamento com as diretrizes estratégicas da organização. A avaliação ex ante relaciona-se também com a identificação das alternativas possíveis para o enfrentamento do problema e com a comparação das diferentes trajetórias possíveis em termos de custos e benefícios esperados. Quando os resultados são de difícil mensuração, como é o caso de alguns programas de política industrial – ou porque produzem efeitos só a longo prazo, ou porque os dados são protegidos por sigilo fiscal (no caso das desonerações tributárias) –, a avaliação ex ante parece ser, em uma primeira alternativa, relevante. Já a avaliação ex post, conhecida também como “avaliação somativa”, está focada no processo de implementação daquilo que foi planejado, nos custos incorridos e benefícios efetivos e identificados. A avaliação dos projetos de política industrial guarda relação estreita com os princípios da chamada “avaliação pela Teoria do Programa”, já que resultados e impactos são avaliados considerando-se a consistência teórica dos princípios que orientaram o design dos projetos. Essa

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dimensão valoriza basicamente o aspecto normativo, o dever-ser da política pública, metas e resultados esperados e as relações causais implícitas nesses princípios. Os métodos experimentais são inviáveis, pois não se pode isolar beneficiários e não beneficiários de medidas que ou têm um caráter universal e transversal ou abarcam setores e cadeias produtivas inteiras. Não há como estabelecer grupos de controle com a mesma natureza daqueles setores beneficiados com medidas para a ampla maioria das iniciativas em política industrial. Por exemplo, medidas de desoneração fiscal são aplicadas a todos os setores produtivos, tais como a desoneração da folha de pagamentos; ou especificamente para uma cadeia em particular, como a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados para os insumos da indústria química. A lógica do processo avaliativo consiste exatamente na aferição da consistência entre objetivos, metas, iniciativas (ou ações), produtos e impactos previstos. Normalmente, três grandes categorias funcionam como operadores ou filtros cognitivos na análise de conjunto dos impactos. São eles: a análise da eficiência, da eficácia e da efetividade das políticas. A eficiência implica a relação entre a quantidade e a qualidade dos recursos mobilizados e disponíveis para a operação ou o projeto e o produto esperado dessas ações. Está relacionada à intensidade de uso ou utilização dos recursos visà-vis a geração de um produto específico. Eficiência e produtividade são conceitos próximos. Podem-se referir à primeira, normalmente, os custos monetários envolvidos. É a análise da contribuição que qualquer evento faz ao resultado verificado de um programa ou projeto. A eficácia de uma atividade, operação ou projeto é sempre a relação entre o produto gerado pela aplicação de recursos ou insumos e o resultado (medido pelo nível de impacto na solução do problema) gerado. Operacionalmente traduz o grau em que se alcançam os objetivos e metas do projeto. Já a efetividade seria a relação entre os resultados do projeto específico ou operação e os objetivos do programa ou do planejamento (objetivo do projeto no marco lógico). Pode-se considerar a efetividade como a medida ou noção de impacto do projeto ou operação ou o grau de alcance dos objetivos. Relacionam-se os resultados de um projeto aos seus impactos e efeitos na realidade que se quer transformar, demanda uma análise mais holística e complexa. A análise dos projetos de política industrial não pode ser reduzida à contabilidade de fracassos ou sucessos pontuais. Deve-se analisar antes e sobretudo a política

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industrial como uma produção social e historicamente determinada, isto é, fazer uma análise política. Esse tipo de análise, que rompe com a fronteira artificial entre a dimensão técnica e política, coloca a política industrial em seu contexto histórico e institucional. Isso significa que as dimensões mais comuns da avaliação de políticas na tradição acadêmica usual, que enfatiza os aspectos de conformidade legal, da relação entre meios e fins e da racionalidade burocrática, devem obrigatoriamente ser combinadas com outras dimensões. A primeira delas é de natureza teleológica e normativa. Pergunta-se: Racionalidade e eficiência para quê? Que visão ou princípios valorativos mais fundamentais embasam a formulação da política? Que atores, interesses, ideias e estratégias estão envolvidos nas entregas, produtos e resultados? Os próprios conceitos e critérios de eficácia e eficiência não estão desvinculados de um balanço político mais geral, do capital político dos protagonistas de determinada política. Tais critérios, portanto, sempre serão relativos a quem os aplica, ou melhor, aos arranjos de poder e à correlação de forças dos atores envolvidos (MATUS, 1993). Há então uma dimensão técnica e uma dimensão política da eficiência, eficácia e efetividade que necessariamente não têm soma positiva e, em algumas situaçõeslimite, podem inclusive anular-se mutuamente. Este seria o caso, por exemplo, de hipotéticas medidas de suporte à indústria com alta racionalidade técnica, mas, se executadas em ambientes hostis e em um ecossistema institucional precário, reverter-se-iam em perda crescente de credibilidade e reputação governamental. Para cada dimensão – técnica ou política – caberia uma distinção cognitiva clara, como demonstra o Quadro 1. Quadro 1 - Características da Dimensão Política e Técnica

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A primeira dimensão exige uma distinção básica, ainda que simplificada, entre duas grandes posições da teoria e da práxis da política econômica em relação à política industrial. A primeira delas, tributária da escola neoclássica de economia, é abertamente hostil à política industrial, sinalizando as vantagens comparativas de um país como as variáveis-chave do crescimento econômico. A outra posição, vinculada à macroeconomia keynesiana e estruturalista, admite, e mesmo recomenda, políticas industriais ativas para correção de falhas de mercado (na sua posição mais soft e moderada) ou até para induzir e governar o crescimento econômico de acordo com escolhas políticas estratégicas (na sua versão mais hard e intervencionista). Seguindo as sugestões do enfoque da “teoria do programa”, o primeiro passo analítico é desvendar sob quais visões está abrigada e legitimada a política industrial concreta que se quer monitorar e avaliar. Cabe também identificar atores, ideias, interesses e estratégias que se manifestam de forma diferenciada (ora em cooperação, ora em disputa), tanto dentro do setor público como no setor privado. A dimensão institucional demanda uma avaliação da performance das organizações públicas e privadas, essencialmente, sobre o funcionamento do seu modelo de governança, sua capacidade de aprendizagem institucional, sua capacidade de enforcement e processo decisório e os diferentes graus de governabilidade a que está submetida em relação aos diversos projetos de política industrial – o equivalente ao conceito de “capacidade de governo” em Matus (1993). Essa visão teórica norteará este artigo a analisar em que medida as políticas industriais brasileiras recentes se preocuparam em construir um sistema de M&A; e, de modo secundário, verificar qual a contribuição da ABDI nesse processo de construção. Para isso, na sequência, apresentaremos aspectos metodológicos que a literatura considera importantes para se monitorar e avaliar políticas públicas do campo econômico. Na Seção 3, discutiremos como a PITCE proporcionou a gestação de um modelo de M&A. Na Seção 4, analisaremos as práticas e ferramentas adotadas na PDP e no PBM. E finalmente apresentaremos as conclusões, desafios e algumas recomendações para a consolidação do sistema de M&A nas próximas edições de política industrial.

ASPECTOS METODOLÓGICOS PARA AVALIAR POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Uma definição possível de políticas públicas as concebe como ações que compreendem um conjunto de decisões e ações de caráter imperativo, implicando

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necessariamente um processo de decisão política que envolve atores sociais diversos, a fim de atender uma demanda social que pode ter vários níveis de consolidação, legitimidade ou complexidade. Existem diversos modelos teóricos que analisam a formulação das políticas públicas. Na Ciência Política, por exemplo, podem-se identificar diferentes vieses explicativos, conforme os modelos adotados: incrementalismo, racional-compreensivo ou mixed-scanning, por exemplo. Uma questão central presente em todas as abordagens é o entendimento dos mecanismos que ligam o momento do planejamento e decisão ao momento da execução de determinadas ações efetivamente transformadoras da realidade. É neste ponto – a efetiva alteração das condições materiais de determinada população – que ganha relevância a análise de implementação das políticas (MAZMANIAN; SABATIER, 1989). Neste artigo são debatidas as principais questões relativas aos problemas de avaliação da implementação de políticas, em especial os problemas de desenho das políticas, ficando evidenciado que as singularidades das políticas industriais, radicalmente diferentes das políticas sociais, exigem outro quadro conceitual e metodológico. Um dos aspectos analíticos concentra-se na interpretação e adaptação do modelo de análise proposto por Mazmanian e Sabatier (1989), o qual enfatiza o desenho do programa como um dos fatores-chave para as avaliações de implementação. Segundo o referencial teórico adotado nas políticas sociais, as condições ideais para implementação de uma política pública qualquer sinalizam a complexidade do escopo de investigação nesta área. Entre várias condições, podese citar, por exemplo, que as circunstâncias externas à agência implementadora não devem impor restrições que a desvirtuem; o programa deve dispor de tempo e recursos suficientes; não deve haver restrições em termos de recursos globais, apenas, mas também em cada estágio da implementação; a combinação necessária de recursos deve estar efetivamente disponível; a política a ser implementada deve ser baseada em uma teoria adequada sobre a relação entre a causa (de um problema) e o efeito (de uma solução que está sendo proposta) – esta relação entre causa e efeito deve ser direta e, se houver fatores intervenientes, esses fatores devem ser mínimos; ou ainda deve haver uma só agência implementadora, independente de outras agências, para se ter sucesso – se outras agências estiverem envolvidas, a relação de dependência deverá ser mínima em número e em importância. A política industrial, assim como é concebida no quadro das democracias capitalistas ocidentais, reúne todas, ou quase todas, as condições caracterizadoras de uma política pública de alta complexidade de planejamento e implementação.

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Considerando a diversidade de objetivos da política industrial, é possível tentativamente classificar os diversos instrumentos disponíveis nas políticas industriais conforme método avaliativo apresentado pela literatura. O Quadro 2 apresenta essa classificação. Quadro 2 - Instrumentos de Avaliação e Iniciativas da Política Industrial

Evidentemente, o roteiro utilizado insere-se no contexto das abordagens que priorizam a investigação dos fatores, condições ambientais e variáveis relacionadas à implementação do programa. A preocupação em investigar as bases teóricas ou a relação causal entre hipóteses explicativas e ações concebidas versus resultados

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esperados persiste, embora não seja o foco desta reflexão. Esta é sua principal fragilidade, pouco reconhecida pela literatura clássica de avaliação de políticas. Em uma abordagem mais complexa, envolvendo as reflexões malthusianas, por exemplo, é necessário inquirir pontos relacionados às hipóteses teóricas e à coerência conceitual utilizada no programa. Nesse caso, as variáveis relacionadas às disputas de poder no aparelho de Estado e à dinâmica do processo decisório como embate entre grupos de pressão e frações de classe adquirem imenso valor cognitivo, isto é, impõe-se a combinação das abordagens “do programa” e “da implementação” em uma construção teórica mais completa. Esta combinação, sim, indica os elementos para uma agenda de pesquisa mais profunda no campo da avaliação de políticas industriais. As recomendações para uma agenda futura de pesquisa na avaliação da política industrial brasileira, de maneira consistente e necessária, devem considerar o sucesso ou falha de um programa desta natureza relacionado ao desempenho de um conjunto de variáveis interdependentes, influenciadas por fatores aleatórios e exógenos a serem considerados na modelagem. Entre esses fatores, a política é particularmente sensível à gestão da política macroeconômica, que influencia de maneira direta a estratégia de implementação, e à condição externa dos mercados internacionais, especialmente dos fluxos comerciais, de investimento direto e de transferência tecnológica.

VISÃO DA ABDI SOBRE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICA INDUSTRIAL Desde 2005, com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), até o momento atual, com a execução do Plano Brasil Maior (PBM), duas categorias de análise não saem das discussões sobre esse tipo de política pública: o desenho institucional, isto é, a estrutura de incentivos e esforços incorporados nas instituições e no direito de propriedade que fazem a diferença no desempenho de uma economia, e a implementação (execução, acompanhamento das ações e avaliação). Não obstante considerarmos que os estudos e pesquisas sobre essas duas categorias tenham uma relativa densidade no Brasil, especialmente na área social, as análises de políticas voltadas para o desenvolvimento econômico ainda estão muito incipientes, em especial as análises de impacto. Isso nos motivou a investigar os elementos da implementação – o monitoramento e a avaliação de

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políticas industriais, por se tratar de uma das tarefas centrais da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) 15. A avaliação, de modo geral, tem sido definida como instrumento imprescindível ao conhecimento da viabilidade de políticas, programas e projetos, para o redirecionamento de seus objetivos, quando necessário, ou mesmo para a reformulação de suas propostas e atividades. Neste sentido, a avaliação revela-se como um importante mecanismo de gestão, uma vez que fornece informações e subsídios para tomada de decisão dos gestores, formuladores e implementadores de políticas ou programas. Ela possibilita conhecer o que está acontecendo e atuar sobre os fatos de modo a realizar ajustes necessários, economizando-se dessa forma tempo e recursos, o que eleva a credibilidade das ações públicas. De acordo com Weiss (1998), “avaliação” é um termo abrangente, capaz de acomodar várias definições. No entanto, o que todas as definições têm em comum é a noção de julgamento de mérito, com base em critérios, segundo um método específico. Esse ponto em comum pode reproduzir quatro situações: 1) ênfase na natureza metodológica do trabalho, caracterizada pela análise sistemática; 2) foco na investigação, ou seja, no processo de execução e/ou nos resultados de um programa ou política; 3) tratamento dos critérios, que são padrões de comparação; e 4) enfoque no propósito da avaliação – contribuir para a melhoria do programa ou política, por meio da utilização de resultados (WEISS, 1988). Por sua vez, o monitoramento é tratado na ABDI como um processo de acompanhamento da implementação de programas, instrumentos e/ou medidas, a fim de identificar circunstâncias que comprometam os resultados esperados. O monitoramento visa a tornar mensuráveis os objetivos da política industrial, por meio de indicadores de desempenho, relacionando as ações e os recursos necessários para o seu alcance. O monitoramento e a avaliação (M&A) de políticas públicas não são um simples recurso utilizado para o aperfeiçoamento ou redirecionamento dos programas empreendidos pelo governo, mas, e especialmente, são ferramentas capazes de prestar contas à sociedade das ações governamentais. Ainda mais que, em ambientes democráticos iguais ao brasileiro, cresce a demanda da sociedade organizada pela transparência na gestão de recursos públicos, o que só é possível com a avaliação sistemática das ações empreendidas pelo governo.

15 A ABDI foi criada pela Lei nº 11.080, de 31 de dezembro de 2004, como um Serviço Social Autônomo, com a finalidade de promover a execução de políticas de desenvolvimento industrial, especialmente as que contribuam para a geração de empregos, em consonância com as políticas de comércio exterior e de ciência e tecnologia. É pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública.

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AVALIANDO O M&A DAS RECENTES POLÍTICAS INDUSTRIAIS A PITCE e a gestação de um modelo de M&A A cada ciclo político, a questão da adoção ou não de políticas industriais aquece o debate entre os defensores e os opositores à aplicação dessa política pública. De ambos os lados, procuram-se utilizar diversos tipos de elementos para verificar a conveniência ou não de se aplicar a política (avaliação ex ante) ou, durante o processo de implementação, subsidiar quanto à manutenção ou alteração do rumo (avaliação ex post). A atuação da ABDI, desde a sua criação, coincide com o período de retomada da aplicação de políticas industriais no país. Há dez anos, a agência segue uma trajetória de aprendizagem, aperfeiçoamento e especialização na tarefa de avaliar políticas industriais. A gestação de um modelo de M&A institucional ocorreu no processo de implementação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), que inaugurou a etapa de reinserção do Estado brasileiro na economia, como coordenador de atores, organizador do ambiente regulatório e estimulador do aumento da competitividade e da inovação tecnológica. A PITCE, implementada entre 2005 e 2007, constituía-se de um dos pilares da economia do primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva e tinha como objetivo o “aumento da eficiência econômica e do desenvolvimento e difusão de tecnologias que têm o potencial de indução do nível de atividade e de competição no comércio internacional” (BRASIL, 2005). Apesar do avanço na estrutura institucional, a ABDI demonstrou fragilidades para desempenhar suas atribuições de coordenação da PITCE, pois não recebeu o poder necessário para exercer o comando político sobre os demais órgãos envolvidos na política. E, por não ter esse poder, não teve a capacidade de construir ou colocar em operação um sistema de M&A, motivo pelo qual enfrentou a assimetria de informações provenientes dos vários órgãos de governo. O M&A na PITCE esbarrava não só nas questões relacionadas à governança, mas também nos problemas de design, tendo em vista que as metas propostas e as ações tomadas não eram acompanhadas. Essa fragilidade metodológica, somada à inexistência de um sistema de gestão e à falta de instâncias setoriais de articulação e formulação, produziu entraves para se avaliar a efetividade da implementação da política industrial. Sobre isso, em estudo recente, De Toni (2014) observou que:

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Muitos aspectos da PITCE sequer puderam ser avaliados porque não houve uma relação lógica entre produtos, efeitos e impactos. No seu planejamento, por exemplo, não foram concebidos indicadores associados aos objetivos ou às metas. Caso se queira procurar uma justificativa para as fragilidades metodológicas daquela política, certamente o seu ineditismo ocupará parte significativa do argumento. [...] na ausência de memória funcional e instituições adequadas, a PITCE foi vitimada pelo experimentalismo e o método de tentativa e erro, por certo, inevitáveis naquele contexto, situação que não lhe diminuiu o mérito, ao contrário (DE TONI, 2014). Não obstante essas deficiências metodológicas da PITCE, privando-a de um processo de M&A, sugerimos que ela foi uma experiência positiva para o Estado brasileiro, não só por proporcionar o retorno da aplicação de políticas industriais no país, pondo em prática um conjunto de medidas regulatórias de incentivo à inovação e de financiamento à indústria, mas também por acender na burocracia governamental e paraestatal o interesse em verificar se o retorno à adoção de políticas públicas tem produzido os resultados para os quais foi proposta. Durante o ciclo político da PITCE, tais questões não puderam ser respondidas. No entanto, a experiência da burocracia governamental, em particular da ABDI, com a execução da política industrial, favoreceu a gestação de um sistema de M&A mais apropriado ao papel da agência na política industrial. As lacunas somente foram corrigidas com a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em maio de 2008, no segundo mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; e com o Plano Brasil Maior (PBM), na Gestão de Dilma Rousseff, em agosto de 2011. Mesmo assim, ainda há um longo percurso para a ABDI avançar e se tornar uma referência institucional na prática de M&A, desafio generalizado no ambiente do governo federal, em especial no ciclo de políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento econômico lato sensu. A seguir, analisaremos a PDP e o PBM, baseando-nos em um grupo de critérios necessários para definir o grau de maturidade das práticas de M&A e o potencial para que essas práticas se convertam em um sistema de M&A.

A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA DE M&A NA PDP E NO PBM De maneira geral, os referenciais teóricos e os métodos e ferramentas analíticas aplicados no M&A de políticas e programas são elaborados, com relativa densidade, pelas instituições de pesquisa científica e organizações do terceiro setor, especialmente nas áreas sociais. Embora essa seja uma situação prevalecente, tem

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sido cada vez mais crescente o uso de sistemas de M&A pela burocracia governamental e agentes públicos nas ações de caráter econômico. E nesse campo há um esforço teórico em curso com a tarefa de delimitar objeto e metodologia aplicáveis à política industrial, no qual a ABDI se situa em uma posição de destaque, graças às atribuições e experiências obtidas durante a PDP e o PBM. Cabe ressaltar que mecanismos e ferramentas de M&A existentes apresentam grande diversidade de funções, modelos e instrumentos, assim como diferentes níveis de institucionalização, que dificultam identificar as características necessárias para se configurar um “sistema” de M&A. Neste sentido, tendemos a questionar em que medida a utilização de ferramentas de M&A de resultados praticados pela ABDI pode ser classificada como um “sistema” de M&A. A execução dessas atividades tem contribuído para a melhoria da gestão das políticas industriais e favorecido o accountability? Para responder a esses questionamentos e caracterizar as práticas de avaliação de políticas industriais, serão utilizados critérios considerados pela literatura “necessários para definir a unidade de análise da pesquisa, ou seja, os sistemas denominados de Monitoramento e Avaliação ou o conjunto de ferramentas potencial para converter-se em sistemas” (SERPA, 2011, p. 49). Para cada critério selecionado, será feita uma análise das práticas de M&A na PDP e no PBM. 1) Existência de sistema de gestão institucionalizado e formalizado, com unidade coordenadora. Em políticas anteriores, principalmente aquelas executadas pelos governos militares, o gerenciamento era feito pelo ministro da Fazenda ou pelo próprio Presidente da República, como foi o caso de Ernesto Geisel, durante o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Mas, no final da década de 1980, durante o governo de José Sarney, instâncias setoriais foram criadas em uma tentativa de estabelecer diagnósticos de competitividade setoriais. O processo de institucionalização das instâncias começou com o Decreto nº 96.056, de maio de 1988, que reorganizou o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), e estabeleceu que o presidente do conselho instituísse as câmaras setoriais, que deveriam ser constituídas por representantes de órgãos governamentais e do setor privado, para elaborar propostas de políticas e de programas setoriais integrados. A Resolução SDI (Secretaria Especial de Desenvolvimento Industrial, ligada ao CDI) nº 13, de 12 de julho de 1989, criou as câmaras setoriais com o objetivo de elaborar diagnósticos de competitividade setorial, identificar causas das distorções existentes e indicar estratégias para seu equacionamento (PEDREIRA, 2012). No início do governo Collor de Mello, as câmaras setoriais foram substituídas e rebatizadas como

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Grupos Executivos de Políticas Setoriais (GEPS), tendo a incumbência de definir estratégias setoriais de modernização das cadeias produtivas. Em 2001, na segunda gestão de Fernando Henrique Cardoso, o governo pôs em prática medidas de incentivo setorial, de financiamento a processos de fusão e aquisição (por intermédio do BNDES) e ressuscitou as câmaras setoriais. Durante os anos 1980 e 1990, as câmaras funcionaram como arranjos institucionais voltados a encontrar soluções consensuais para os problemas enfrentados por algumas cadeias produtivas. Esse modelo de governança seria reeditado e rebatizado, em 2008, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP); e, em 2011, no governo de Dilma Rousseff, no Plano Brasil Maior (PBM) (PEDREIRA, 2012). Em ambas as recentes políticas, os procedimentos adotados na formação da estrutura de governança atendem ao critério da existência de sistema de gestão. Tanto a PDP quanto o PBM requereram esforços de coordenação para integrar as ações governamentais e viabilizar a interlocução com o setor privado e a classe trabalhadora. A PDP foi lançada, em maio de 2008, em um cenário favorável de expansão da economia brasileira e mundial. Nesse sentido, a PDP reintroduziu o modelo de governança intermediária ou hierárquica, tendo em vista que a PITCE não previa esse elemento. Essa ferramenta de gestão não foi estabelecida por meio de uma medida legal, que determinasse modo de constituição e operação, como estabelece o critério que define se há ou não um sistema de M&A. No entanto, consideramos que a formalização da estrutura de gestão ocorreu com o lançamento da política e seus documentos de referência, como a publicação Modelo de Coordenação e Gestão da Política de Desenvolvimento Produtivo: Atribuições das instâncias de gestão e requisitos para o encaminhamento de propostas”, em julho de 2008, que preconizava a existência de: Comitê Executivo: instância de gestão da PDP, composta por representantes das instituições, órgãos e agências do Governo Federal envolvidos na formulação, execução, implantação, acompanhamento e monitoramento das ações relativas a um Programa Estruturante, Destaque Estratégico ou Ação Sistêmica. O Comitê Executivo tem o poder de vetar propostas de ação, mesmo aquelas que tenham obtido consenso nos espaços de articulação públicoprivada. [...] Instâncias de articulação público-privada: espaços institucionalizados de diálogo entre o setor público e o setor privado (sob a forma de representações de empresários e/ou trabalhadores) que auxiliam o entendimento, a proposição,

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o apoio e o acompanhamento de programas, projetos e ações relativos aos setores produtivos e/ou temas determinados. São exemplos de instâncias de articulação público-privada os Fóruns de Competitividade do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) (BRASIL, 2008). A Figura 1 apresenta a estrutura de governança da PDP, da qual destacamos em primeiro lugar, na base dessa estrutura, os Comitês Executivos, que, junto aos membros dos Fóruns de Competitividade, tinham a tarefa de planejamento, execução e monitoramento da Agenda de Ação. Em segundo, o envolvimento direto do Ministério da Fazenda com equipe técnica na secretaria executiva e também distribuída entre os Comitês Executivos, cuja presença permitia a “qualificação das demandas”, visto que aquelas de caráter fiscal ou tributário que não poderiam ser cumpridas não eram incluídas nas agendas de ação. E, em terceiro, a presença da ABDI, exercendo múltiplos papéis na promoção e monitoramento da PDP, tais como: 1) a produção de documentos periódicos sobre a situação das agendas; 2) o acompanhamento e monitoramento da realização das ações previstas em cada programa, por meio do Sistema de Gerenciamento da PDP, verificando o atendimento das metas e a evolução dos indicadores definidos; 3) o alerta aos coordenadores e gestores quanto aos problemas identificados na execução das agendas de ação; e 4) a realização de reuniões de avaliação com os coordenadores dos Programas Estruturantes, dos Destaques Estratégicos e das Ações Sistêmicas. Figura 1 – Estrutura de Governança da PDP

Fonte: Brasil, 2008: p. 7.

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Para o ciclo 2011-2014, o governo federal formulou o Plano Brasil Maior (PBM), com o intuito de dar continuidade e aprofundar as medidas relacionadas às políticas industriais adotadas nas políticas anteriores. O PBM foi regulamentado pelo Decreto nº 7.540, de 2 de agosto de 2011. Esse instrumento criou o sistema de gestão da política industrial e também estabeleceu a ABDI como instância oficialmente designada a promover, monitorar e avaliar o PBM. Com essas atribuições formalmente definidas, a ABDI necessitou alinhar as expectativas internas às de seus parceiros, reorganizando o seu mapa estratégico, redefinindo sua visão, valores e objetivos e adequando o seu portfólio de programas e projetos aos novos desafios. É importante assinalar que, com o lançamento do PBM, a ABDI teve seu papel institucional fortalecido, pois em caráter inédito foi incumbida formalmente do apoio técnico e operacional a todo o sistema de gestão da nova política industrial. Além disso, um grande esforço foi empreendido pela agência para contribuir na formulação e articulação intragovernamental e com a sociedade civil para a execução do PBM. A formação das instâncias que compõem o sistema de gestão da política industrial, por exemplo, exigiu dedicação exclusiva do quadro técnico da agência. De novembro de 2011 a abril de 2012 foram constituídas 38 instâncias, com cerca de 700 membros, dentre gestores públicos, empresários, representantes de entidades de classe empresarial e representantes dos trabalhadores. A Figura 2 apresenta a estrutura de governança do PBM. Ao compará-la com a da PDP, podemos destacar que: 1) não obstante o Ministério da Fazenda compor a instância de gerenciamento e deliberação da política industrial (Grupo Executivo do Plano Brasil Maior – GE-PBM), optou por não participar no nível técnico e tampouco esteve presente nas estruturas de governança responsáveis pela formulação de propostas setoriais. Com isso, diferentemente do que se viu na PDP, as coordenações setoriais propuseram em suas agendas medidas de difícil atendimento pelo governo federal, faltando-lhes um agente capaz de filtrar essas demandas; 2) a ABDI, além de assumir demandas técnicas e operacionais citadas anteriormente, contribuiu de modo substantivo para a estruturação das agendas estratégicas setoriais e sistêmicas, que orientaram o esforço do governo federal durante a implementação da política.

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Figura 2 – Estrutura de Governança do PBM

Fonte: Brasil, 2011, p. 32.

2) Operacionalização do sistema por uma entidade com função e autoridade sobre toda a administração pública, mas com funções especializadas. Esse é um critério que as recentes políticas industriais não cumpriram. Tanto na PDP quanto no PBM, a coordenação ou gerenciamento do sistema coube ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), tendo como braço operacional a ABDI. Para Almeida (2009), a deficiência estaria na criação da ABDI como serviço social autônomo, nos moldes das entidades do chamado “Sistema S”, tais como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a Agência de Promoção de Exportações e Atração de Investimentos (Apex Brasil). Na visão dele: [...] o formato de funcionamento da ABDI enquanto uma agência fora do governo comprometeu a capacidade desta agência de coordenar a política industrial. Desde a sua criação, a ABDI não tem poderes nem instrumentos de política para coordenar a complexa rede de relações com outros ministérios e

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instituições com relativa autonomia, como é o caso tanto do BNDES quanto da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) (ALMEIDA, 2009, p. 18). A organização que operacionaliza o sistema de M&A não detém autoridade sobre os demais órgãos do governo envolvidos na política, porém mantém funções claras e essenciais para a promoção da política industrial. Na PDP, à ABDI cabia, como instância operacional da secretaria executiva: 1) intermediar as relações entre as instâncias de decisão e de aconselhamento superior e os comitês executivos, seja na avaliação da viabilidade das propostas que compunham as agendas de ação, seja na identificação e alerta de problemas na execução das agendas; 2) fornecer suporte gerencial e apoio técnico para a execução das agendas e para o encaminhamento de soluções; 3) elaborar periodicamente relatórios de monitoramento das ações previstas; e 4) alimentar o Sistema de Gerenciamento da PDP. As funções da ABDI no PBM foram estabelecidas pelo Decreto nº 7.540, de 2 de agosto de 2011, como mencionamos anteriormente, entre as quais destacamse, além das que eram exercidas na PDP: 1) fornecer apoio técnico na execução dos trabalhos do CNDI e do Conselho Gestor para a consecução dos objetivos do PBM; 2) fornecer apoio técnico ao Grupo Executivo na execução das suas finalidades como o acompanhamento e monitoramento da realização das iniciativas previstas em cada agenda setorial, verificando o atendimento das metas e a evolução dos indicadores definidos ou a avaliação do desempenho do PBM sob a perspectiva dos resultados e impactos no desenvolvimento industrial e seus reflexos na sociedade. 3) Realização de atividades de avaliação da implementação (produtos ou instrumentos) e avaliação de impactos (resultados). Durante a implementação da PDP, as agendas de ação eram periodicamente atualizadas e se produziam relatórios setoriais e por programas estruturantes, destaques estratégicos ou ações sistêmicas. Os Relatórios de Acompanhamento Setorial eram um dos documentos direcionados para os três programas estruturantes e traziam informações atualizadas sobre a situação da proposta de ação e sobre resultados obtidos com a implantação dela. A Figura 3 ilustra a estrutura do Relatório de Acompanhamento de setores que faziam parte do Programa para o Fortalecimento da Competitividade.

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Figura 3 – Modelo de Relatório de Acompanhamento Setorial – Programa para Fortalecer a Competitividade

Fonte: ABDI/Sistema de Gerenciamento da PDP

Do mesmo modo, produziam-se relatórios de acompanhamento das ações sistêmicas e dos destaques estratégicos, como se pode ver na Figura 4: Figura 4 – Modelo de Relatório de Acompanhamento Setorial – Destaques Estratégicos

Fonte: ABDI/Sistema de Gerenciamento da PDP

A Figura 5 exemplifica como se estruturava o Relatório Anual da PDP.

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Figura 5 – Relatório Anual da PDP

Fonte: ABDI/Sistema de Gerenciamento da PDP

A PDP se notabilizou pelo estabelecimento de desafios e metas à indústria nacional, o que permitiu a aplicação de um permanente processo de monitoramento & avaliação. A Secretaria Executiva da PDP elaborava um dos principais relatórios do Sistema de Gerenciamento, o Relatório das Macrometas. Seu conteúdo buscava mostrar a evolução da política para o alcance das metas, e levantava impactos resultantes das ações implementadas. A figura a seguir ilustra a estrutura do Relatório de Macrometas. Figura 6 – Relatório das Macrometas da PDP

Fonte: ABDI/Sistema de Gerenciamento da PDP

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No Plano Brasil Maior, todo o Plano de Comunicação do Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI) foi divulgado no documento Metodologia de Elaboração das Agendas Setoriais e Sistêmicas e de Gestão do PBM, elaborado pela ABDI para nortear os trabalhos desenvolvidos nas instâncias setoriais e sistêmicas de formulação e articulação. Cabe mencionar que diversos dispositivos definidos na Metodologia não foram adotados, por exemplo as análises cruzadas de influência recíproca entre as medidas setoriais e as sistêmicas. O plano estabelece a periodicidade de distribuição das informações relativas aos produtos gerados no M&A das agendas setoriais e das agendas sistêmicas. Os produtos que compõem a Matriz de Comunicação são apresentados como se segue: o Relatório de Ajustes e Correções das Agendas Estratégicas Setoriais e o Relatório de Acompanhamento das Agendas Estratégicas Setoriais. A Figura 7 ilustra o Relatório de Acompanhamento das Agendas Estratégicas Setoriais. Figura 7 – Relatório de Acompanhamento das Agendas Estratégicas Setoriais

Fonte: ABDI/Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI)

O Relatório de Acompanhamento das Agendas Sistêmicas foi o documento constituído por um conjunto de informações utilizado para demonstrar, de modo analítico, a execução das agendas sistêmicas e a situação da implantação e operacionalização das medidas. O relatório é ilustrado na Figura 8.

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Figura 8 – Relatório de Acompanhamento das Medidas Sistêmicas

Fonte: ABDI/Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI)

O Relatório de Monitoramento dos Indicadores das Agendas Estratégicas Setoriais (AES) é um documento analítico, no qual se verifica se houve avanços em indicadores setoriais relacionados às orientações estratégicas e às macrometas do PBM. A Figura 9 ilustra o Relatório de Monitoramento dos Indicadores das AES. Figura 9 – Relatório de Monitoramento dos Indicadores das AES

Fonte: ABDI/Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI)

Os Relatórios de Balanço das Agendas e dos Impactos do PBM na Indústria Brasileira são documentos que apresentam uma avaliação de desempenho das AES e os impactos produzidos nos setores produtivos, uma avaliação de resultados das macrometas da política industrial e os impactos produzidos na indústria brasileira pela implantação e operacionalização das medidas e instrumentos do PBM. As

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Figuras 10 e 11 apresentam os dois relatórios de balanço. Figura 10 – Balanço Executivo Anual – Avaliação das Macrometas

Fonte: ABDI/Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI)

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Figura 11 – Balanço das Agendas Estratégicas Setoriais do PBM

Fonte: ABDI/Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI)

Os Relatórios de Alertas são boletins informativos destinados ao Grupo Executivo do PBM e coordenadores setoriais e sistêmicos que acompanham a situação das medidas quanto ao prazo final definido para a concretização da proposta. Seu conteúdo é fruto do monitoramento das medidas das AES, conforme mostra a Figura 12. Figura 12 – Relatório de Alertas das Agendas Estratégicas Setoriais

Fonte: ABDI/Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI)

Utilização das informações resultantes das atividades de M&A A recente retomada da formulação e execução de políticas industriais, coincidindo com o tempo de existência da ABDI, tem exigido um esforço na produção de

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materiais efetivamente utilizados pelos gestores. Na verdade, a agência nasceu e tem evoluído a cada ano com o intuito de produzir documentos consistentes sobre o M&A das políticas industriais e de universalizar o acesso a essa produção. Nessa direção, a ABDI tem tido papel fundamental, principalmente quando se levam em conta as práticas de M&A, tanto na PDP quanto no PBM, ao produzir documentos relevantes, com alto grau de disseminação, que servem para subsidiar os policy makers e gestores das políticas e para informar à sociedade a condução, os resultados e os impactos sobre a indústria brasileira. Em ambos os casos, a estratégia de comunicação preconizada pela ABDI baseouse na necessidade de tornar a política industrial mais conhecida pela sociedade, de tornar o setor privado coparticipante da implementação da política e do processo de restruturação e de desenvolvimento industrial em curso e de viabilizar aos gestores públicos uma visão ampla dos caminhos, das ações e dos resultados. Essa estratégia visava a atender cinco grupos: 1) os membros do CNDI, instância superior de debate e aperfeiçoamento das ações realizadas nas políticas industriais, compostas por ministros de Estado, representantes de grandes empresas nacionais e da classe dos trabalhadores; 2) os membros das instâncias de coordenação e gerenciamento das políticas, responsáveis por coordenar o processo de formulação, execução, M&A; 3) os membros das instâncias setoriais e sistêmicas, por ser a base institucional para a concertação intragovernamental e a articulação entre governo, setor privado e sociedade civil; 4) os membros do governo federal que ocupam posição decisória em diversos ministérios e órgãos, pela necessidade de envolvê-los na execução e no alcance das metas das políticas industriais; e 5) a sociedade, por ser a política industrial um conjunto de ações que visa ao bem-estar e à melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Durante o PBM, o CNDI reuniu-se em três momentos, utilizando pouco as informações sobre M&A. Para compensar, a ABDI forneceu acesso ao Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI) para todos os membros do conselho e divulgou periodicamente o Informe CNDI (Figura 13), que trazia um acompanhamento das ações realizadas pelas instâncias setoriais e sistêmicas.

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Figura 13 – Informe CNDI – PBM

Fonte: ABDI/Gerência de Comunicação

As informações sobre M&A prestadas aos membros responsáveis pelo gerenciamento das políticas tiveram um grau de utilização elevado. Tanto a Secretaria Executiva e a Coordenação Geral da PDP quanto o Grupo Executivo do PBM serviram-se dos documentos produzidos sobre M&A para reforçar ou corrigir rumos tomados nas instâncias setoriais e sistêmicas e para negociar com órgãos governamentais a implantação de medidas e reportar ao ministro do MDIC e à Presidência da República os avanços e os desafios para alcançar as macrometas estabelecidas. De modo semelhante, as coordenações setoriais e sistêmicas em ambas as políticas industriais utilizaram amplamente as informações sobre M&A, principalmente para ter uma visão da execução das agendas e para subsidiar a articulação com o setor privado e representantes dos trabalhadores.

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Figura 14 – Informe PBM

Fonte: ABDI/Gerência de Comunicação

É importante ressaltar que a PDP e o PBM criaram e alimentaram sistemas de M&A, cujo acesso estava disponível a todos os envolvidos nas políticas, sejam eles membros do CNDI e do núcleo de gerenciamento ou membros das coordenações setoriais e sistêmicas. Essas ferramentas foram fundamentais para disseminar as informações sobre M&A. O Sistema de Gerenciamento da PDP permitia aos gestores acompanhar e realizar o gerenciamento das agendas, como também oferecia informações sobre a evolução das metas setoriais. A Figura 15 ilustra a estrutura e a funcionalidade do sistema.

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Figura 15 – Sistema de Gerenciamento da PDP

Fonte: ABDI/Sistema de Gerenciamento da PDP

O Sistema de Acompanhamento da Política Industrial foi criado pela ABDI para ser a ferramenta de gerenciamento do PBM, destacando-se por apresentar mais recursos e maior funcionalidade do que o anterior, como ilustra a Figura 16. Figura 16 – Sistema de Acompanhamento da Política Industrial

Fonte: ABDI/Sistema de Acompanhamento da Política Industrial (SAPI)

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Para disponibilizar informações e estabelecer uma relação de transparência com a sociedade, foram criados sites contendo todos os documentos produzidos sobre o M&A das políticas industriais. As páginas da PDP (www.pdp.gov.br) e do PBM (www. brasilmaior.mdic.gov.br) caracterizavam-se por trazer um conjunto de informações sobre os objetivos e metas das políticas, a arquitetura teórica e metodológica, as cadeias produtivas priorizadas e documentos de referência do PBM, artigos e notícias veiculadas na mídia impressa. Além disso, eram disponibilizados os relatórios de acompanhamento, M&A e informes sobre as reuniões das instâncias setoriais de governança, informações bastante utilizadas pela imprensa nacional. Em síntese, a análise das práticas e ferramentas de M&A da PDP e do PBM produziram os resultados apresentados no Quadro 3. Quadro 3 - Atendimento das Políticas Industriais aos Critérios

Ao analisar essas práticas segundo os critérios selecionados, concluímos que as políticas industriais brasileiras constituíram sistemas de M&A, a despeito do pouco tempo de atuação da burocracia governamental nesse campo, dos reduzidos recursos humanos, técnicos e materiais das áreas responsáveis e da falta de clareza quanto à importância de se monitorar e avaliar as políticas industriais.

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Conclusão – desafios para o aperfeiçoamento do sistema de M&A A ABDI tem um percurso desafiador no processo de construção e aperfeiçoamento do sistema de M&A da política industrial, na medida em que se faz necessário conhecer e aprender boas práticas internacionais, sejam elas realizadas pelos Estados nacionais ou por organismos internacionais de prestígio políticoinstitucional, tais como Banco Mundial, BID, OCDE, CEPAL. Embora as práticas e ferramentas desenvolvidas pela ABDI no M&A tenham atendido aos critérios necessários para a definição de um sistema, é mister existirem outros critérios complementares e essenciais para a consolidação desse sistema. Por exemplo, é fundamental rever o papel e a relação político-institucional da ABDI perante os demais órgãos oficiais envolvidos na política industrial, a fim de que se exerça, sem atritos e com o devido status jurídico-legal, a função de coordenação na operação do sistema de M&A. Há a necessidade de hospedar o sistema na agência, incluindo o site da política industrial, para não se ter prejuízo na disponibilização das informações. É desafiador também o acesso ao sistema, afinal é necessário não só disponibilizar acesso universal ao sistema de M&A, como também incentivar a utilização permanente de suas ferramentas pelos diferentes usuários. Podemos resumir os desafios futuros para a construção de um sistema robusto de M&A da política industrial brasileira em três grandes dimensões: 1) a dimensão do planejamento estratégico; 2) a dimensão da gestão da informação e do conhecimento; e 3) a dimensão do modelo de governança. A primeira dimensão coloca o problema do design das políticas industriais, ou seja, do modo como são elaborados e desenhados os programas e projetos constituintes do escopo e definidores do mérito da política. Fica evidente, pela experiência desses últimos dez anos, que o escopo impreciso ou mal desenhado de iniciativas ou medidas, muitas vezes definindo metas e objetivos aquém das possibilidades do governo (fora da governabilidade), transforma o exercício do monitoramento em uma coletânea vazia de informações e a avaliação em uma simples descrição de fatos, eventos ou processos sem que se estabeleçam relações de causalidade entre a motivação do que foi planejado e o problema real que deveria ser enfrentado (ou a oportunidade que deveria ser aproveitada). Sem um bom planejamento, qualificado, seletivo, com prioridades claras, com uma estrutura de lógica interna robusta (a relação entre meios e fins ou entre recursos, produtos e resultados), com um entendimento suficiente sobre o problema e suas causas, com uma dimensão normativa bem definida, com estratégia de execução

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viável, etc., não há como sustentar um bom e produtivo processo de M&A. A segunda dimensão diz respeito à qualidade da informação e do conhecimento. Todo o ciclo de políticas públicas depende da identificação, processamento e circulação de informação. Essa informação transformada em conhecimento, com a tempestividade e qualidade necessárias, deve e pode subsidiar o processo de gestão e mesmo de decisão estratégica. A última dimensão diz respeito ao modelo de governança, entendida como o modelo ou os arranjos institucionais que fazem a política industrial executar seus objetivos e atingir seus resultados. Uma parte fundamental desses arranjos, sem dúvida, é o funcionamento das instâncias, sejam elas deliberativas ou consultivas. Em que pese a responsabilidade única e exclusiva do governo em garantir a efetividade de suas medidas, todos sabemos que a política industrial é majoritariamente indutora e criadora de incentivos ao setor privado; é dos empresários industriais que dependem, em última instância, os riscos e oportunidades inerentes aos investimentos necessários. Portanto, práticas colaborativas e de cooperação, em instâncias coletivas, são fundamentais para uma governança moderna de política industrial. Cada uma dessas dimensões é complementar entre si. Um bom sistema de planejamento estratégico garante avaliabilidade aos programas e projetos. Um sistema de gestão do conhecimento profissional e moderno qualifica o processo decisório e alimenta sistematicamente o processo de debate e colaboração entre os atores envolvidos. Por fim, um modelo de governança assentado em instâncias colegiadas que reúnem gestores públicos, empresários industriais e representantes dos trabalhadores – sob as bases de uma política bem planejada – e servido de um sistema útil e necessário de informações e conhecimento pode tomar decisões meritórias e virtuosas, em um processo de aprendizagem contínuo e coletivo.

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Bloco 4 OS TEMAS TRANSVERSAIS DA POLÍTICA INDUSTRIAL

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Política Industrial no Brasil e as Cadeias Globais de Valor

Carlos Eduardo Flores de Araújo

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Resumo

Uma política industrial é em si uma política de desenvolvimento socioeconômico. As experiências bem-sucedidas na elaboração da política industrial até o final da década de 1970, a ausência e as resistências para promover essa política nas décadas de 1980 e 1990 e sua retomada a partir de 2003 refletem os aspectos do crescimento e do atraso do desenvolvimento socioeconômico do Brasil. As trajetórias das políticas industriais mostraram um conjunto diferenciado de desafios, dificuldades e oportunidades de várias ordens que o país enfrentou. No momento, a atual política industrial tem como principais desafios o aumento da produtividade e das atividades intensivas em tecnologia, em nichos específicos de alto valor dentro das cadeias globais de valor (CGV), por meio dos quais o país poderá aumentar sua competitividade. Um dos principais condicionantes de estímulo reside nas políticas de conteúdo local, as quais deverão conferir mecanismos que busquem incentivar as empresas nacionais a aumentar a inovação e a agregação de tecnologia aos produtos e serviços nacionais. Este artigo procura discutir a política industrial no Brasil, no contexto das CGV, a partir da seguinte abordagem: 1) aponta brevemente os fundamentos teóricos que norteiam a implementação de uma política industrial; 2) contextualiza a evolução das políticas industriais no Brasil, além de fazer uma síntese dos principais resultados; 3) avalia a atual política industrial e seus desafios, tomando como parâmetro as CGV; e 4) tece as considerações finais. Palavras-chave: cadeias globais de valor, política industrial, tecnologia

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INTRODUÇÃO A política industrial, ao contrário do arcabouço liberal, deve ser considerada uma estratégia de desenvolvimento para um país. Ela não pode ser vista simplesmente como uma esporádica intercessão do estado como forma de corrigir as eventuais falhas de mercado, tendo como pressuposto que os eventos econômicos acontecem de forma repetitiva e regular, não exercendo influência na organização da produção, da construção do tecido social dos territórios, nas articulações e nos conflitos entre as diversas instâncias institucionais e na repartição do produto social. Em contraponto, as visões não mecanicistas, incluídos os arcabouços teóricos das teses schumpeterianas e keynesianas, colocam em evidência a imperfeição dos mercados, em função da estrutura diferenciada de empresas e indústrias, evolução diversificada de tecnologias, atuação de instituições que afetam a organização socioeconômica dos territórios e a não neutralidade dos espaços econômicos. De acordo com essa abordagem, a presença do estado torna-se necessária não somente para adoção de medidas anticíclicas, como também para promover modificações na estrutura organizacional, tecnológica e competitiva das empresas e indústrias, mediante ações colaborativas entre os setores público e privado. Nesta direção, a política industrial torna-se ativa para a transformação do ambiente socioeconômico ao induzir, mediante normas, instrumentos e medidas, as mudanças tecnológicas requeridas, tendo a inovação como principal força motora para modificar o estágio competitivo das empresas, a organização do trabalho, o ambiente construído dos lugares e a inserção internacional do país. O processo de transformação, esperado através da adoção de uma política industrial, dependerá de vários aspectos. Da sua compatibilização com a política macroeconômica, da sua lógica interna no que tange ao estabelecimento de

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objetivos articulados com as possibilidades de superação de desafios, as dimensões focalizadas, a priorização de setores, o sistema de gestão, das normas, instrumentos e medidas adotadas. Além disso, a política industrial deverá ser capaz de coordenar o avanço das infraestruturas, promover serviços adequados no desenvolvimento da ciência e da tecnologia, compreendendo o fortalecimento das instituições públicas e privadas (universidades, centros de pesquisa, por exemplo) para serem utilizados pelas empresas. Esses expedientes sinalizam ao setor produtivo as possibilidades de inovações, abertura de novos mercados, diluição das incertezas no que tange à realização dos investimentos e alocação adequada dos recursos humanos, financeiros e materiais. Ao contrário de opiniões de alguns partidários do liberalismo, a política industrial não subordina os mecanismos de mercado às decisões burocráticas do estado, pois o processo de consecução da política é composto por uma organização institucional, tendo de um lado as instituições públicas coordenadoras e executoras e de outro lado associações empresariais e representações laborais, cujos esforços cooperativos antecipam as necessidades de alterações e avanços do parque industrial nacional através da criação e/ou aperfeiçoamentos dos instrumentos institucionais existentes.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS QUE NORTEIAM A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA POLÍTICA INDUSTRIAL Auge e declínio das Políticas Industriais Brasileiras No Brasil, é consenso que o processo de transformação entre o pós-guerra e o final da década de 1970 deve-se ao processo de industrialização, impulsionado pela política industrial ao colocar em marcha o modelo substitutivo de importações, o qual se origina do estrangulamento externo e se caracteriza pela redução constante e persistente do coeficiente de importações. À medida que a industrialização avança, provoca efeitos multiplicadores na renda e no emprego, e a estrutura socioeconômica se modifica. A sociedade urbaniza-se e surgem novos atores, tais como sindicatos, associações empresariais, órgãos regionais e setoriais, além da transformação do próprio aparelho estatal. Basicamente, a política industrial pautava-se na constituição de estruturas industriais verticalizadas e na construção de infraestruturas. Esse processo molda a organização do poder econômico que Evans (1980) denominou de “tríplice aliança”: o Estado sendo responsável pela formação da infraestrutura e montagem das indústrias de base, o capital estrangeiro pelas indústrias dinâmicas e o capital nacional pelas indústrias tradicionais.

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A princípio, a formação do parque industrial brasileiro ocorreu em função do mercado consumidor preexistente, principalmente pela demanda de bens e de salário. Tratava-se de uma indústria incipiente, com baixa sofisticação tecnológica e voltada para a substituição de bens de consumo popular, como bebidas, calçados, tecidos e alimentos, cuja produção e comercialização ficavam a cargo do capital nacional. À medida que os investimentos se processam, alteram o perfil da demanda e da estrutura industrial, porque cada investimento modifica o grau de complexidade da indústria, de modo a lhe dar complementaridade e dinamismo intersetorial próprio, mediante o processo multiplicador da renda (a expansão do setor de bens de consumo popular, através dos salários pagos, estimula a instalação do setor de bens de consumo duráveis, o qual provoca uma demanda para o setor de bens de capital, que adquire matéria-prima da agricultura e assim por diante). Assim, consolida-se uma estrutura industrial, cujos investimentos de um setor constituem a demanda de outro, passando a determinar a dinâmica da acumulação e do mercado consumidor. É neste contexto que a política industrial atua para a transformação qualitativa da economia, via montagem de insumos básicos, setores produtores estratégicos de bens de capital e serviços públicos de apoio. Além de o estado ser responsável pela criação e aperfeiçoamento das políticas econômicas para atender aos propósitos da industrialização, por meio de concessões de linhas de crédito, de isenções fiscais, programas de incentivo pela via cambial e desembaraços alfandegários, realizava inversões diretas no sistema de transporte, de geração de energia e na ampliação e instalação de setores produtores intermediários, principalmente a siderurgia (LESSA, p. 34-46). A entrada do capital estrangeiro fazia parte dessa estratégia não somente para auxiliar no processo de financiamento, por possuir fontes próprias para inversões, como também na produção e difusão de tecnologia no Brasil. MANTEGA (1988, p. 231-232) inclusive chama a atenção para o fato de que, apesar de o capital forâneo obter uma margem de valorização superior ao capital nacional, principalmente atuando na indústria de transformação, “[...] não impediu e, pelo contrário, auxiliou a formação de capitais monopolistas nacionais, nem tão subordinados aos estrangeiros quanto vulgarmente se pensa”. Ou seja, naquele momento, a dependência tecnológica não impediu a internalização dos elos da cadeia produtiva e a criação de uma dinâmica intersetorial para geração de impulsos em larga

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escala, tendo em vista que os aumentos de produtividade não ficam circunscritos a apenas alguns setores industriais sem afetar os demais, embora em ritmos e intensidades diferenciados. Em relação à inserção internacional, o país, na década de 1970, chegou a ensaiar um processo de alteração de seu padrão exportador, passando de somente fornecedor de commodities agrícolas e extrativas minerais a emergente abastecedor de manufaturados e semimanufaturados, em função da estratégia montada pelo II PND. Todavia, Suzigan e Furtado (2006, p. 171) entendem que a política industrial vigente deveria alterar o foco para metas voltadas para o desenvolvimento tecnológico, ao invés de acelerar o processo de internalização de insumos industriais e de energia: Talvez se possa dizer que o momento de mudar o modelo normativo da PI tenha sido a transição dos anos 1970 aos anos 1980. Cabia reduzir o foco na construção de setores, reconhecendo o fim da substituição de importações como processo de industrialização, e passar a estabelecer metas mais qualitativas, voltadas para inovação, desenvolvimento tecnológico, qualidade e produtividade. Essa mudança chegou a ser cogitada, a partir de um ensaio de reforma das políticas de comércio exterior e de incentivos fiscais, em 1979, e um esboço de política para o desenvolvimento das indústrias representativas das novas tecnologias de informação começou com a criação da Secretaria Especial de Informática, que daria origem depois à Lei de Informática, promulgada em outubro de 1984. Mas o processo de mudança foi atropelado por alterações no comando da economia em fins de 1979 e pela crise macroeconômica que se instalou a partir de 1980-81. (SUZIGAN; FURTADO, 2006, p. 171) A década de 1980 foi marcada pelos objetivos de estabilização macroeconômica e pelo desmantelamento das instituições inclinadas para a coordenação da política industrial. Com isso, o país foi submetido a reduzidas inovações, deterioração do parque industrial e baixo desenvolvimento tecnológico, tendo em vista que os instrumentos de política econômica que serviam aos propósitos de desenvolvimento industrial passaram a ser administrados em função dos objetivos de estabilização monetária. Já os anos de 1990 foram ocupados pela abertura comercial, com ênfase ao investimento externo direto, pela política de privatizações e afastamento do estado como agente indutor e coordenador das atividades econômicas. Em ambas as décadas, o que se viu foi desemprego crescente, baixo dinamismo da indústria

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nacional, exposta à concorrência predatória das importações, desnacionalização de empresas e enfraquecimento das instituições ligadas à produção tanto patronais como trabalhistas. Os expedientes usados para reprimir o processo inflacionário através da desindexação da economia, tais como a política cambial e de comércio exterior, a partir da metade da década de 1990, promoveram a necessidade de ajustamento das indústrias. Além da abertura comercial e da redução da inflação, a concorrência acirrou-se pela própria estratégia de expansão das empresas multinacionais em direção aos mercados emergentes, atraídas principalmente pelo programa de privatização. Com efeito, mercados concentrados, como no caso brasileiro, passaram a ter características competitivas, reduzindo a capacidade das empresas em fixar preços. Nesta direção, as indústrias nacionais passaram a reestruturar sua capacidade produtiva, ao reduzir os custos, buscar melhoria na produtividade e promover o encolhimento dos elos da cadeia produtiva, conservando, porém, o baixo desenvolvimento tecnológico e a reduzida interação com as diferentes partes do sistema de inovação. Neste ambiente de drástica reestruturação econômica e tecnológica, não havia preocupação pela maior parcela dos responsáveis pela condução da política econômica com o desenvolvimento e com o crescimento da produtividade em longo prazo. De fato, as reformas neoliberais cristalizaram a ideia da inevitabilidade da desnacionalização, da supremacia do setor financeiro em relação ao setor produtivo, da vulnerabilidade externa e da deterioração das relações de trabalho. Entretanto, novos fatos vieram à tona, a partir de 2003, com a vitória do Partido dos Trabalhadores, que tinha como bandeira o desenvolvimentismo, a necessidade de repensar o sentido do subdesenvolvimento e do papel do Estado. Neste contexto de baixas taxas de crescimento, de reestruturação produtiva das empresas, políticas fiscais e monetárias restritivas, mas com a taxa de câmbio desvalorizada, retomase a política industrial, tendo como principal impulso o mercado externo, em função do aquecimento da demanda das economias asiáticas, em especial a China. A retomada da Política Industrial no Brasil A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) foi lançada em fins de 2003, representando um fato positivo ao colocar em evidência a necessidade de enfrentamento da indústria nacional aos processos de inovação, das

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transformações tecnológicas e da fragmentação mundial da produção. Ao mesmo tempo, deparou-se com muitas dificuldades de coordenação, herdadas dos anos de 1990, quando foram esvaziadas muitas instituições de planejamento, de conselhos interministeriais e de instâncias que existiam no interior das instituições públicas. Tratava-se de uma política que visava a conceber uma política industrial com ênfase na inovação e na agregação de tecnologia aos produtos nacionais, o que é uma novidade histórica em termos de política industrial, tendo em vista que as políticas anteriores focavam na construção de ampliação da capacidade física das empresas sem o devido interesse com a competitividade internacional e adensamento da cadeia produtiva em termos de agregação de valor aos produtos fabris. Nesta direção, foi estabelecida uma série de ações que visavam ao aumento das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), tais como novas leis de incentivos fiscais, abertura e crescimento do crédito em condições favorecidas para inovação nas empresas e concessão de bolsas de pesquisa. A PITCE foi elaborada mediante um conjunto de 57 medidas, distribuídas em 11 programas, articuladas em três planos específicos: 1) linhas de ação horizontais (inovação e desenvolvimento tecnológico, inserção externa/exportações, modernização industrial, ambiente institucional e capacidade produtiva); 2) opções estratégicas para setores-chave (semicondutores, software, bens de capital e fármacos e medicamentos); 3) atividades portadoras de futuro (nanotecnologia, biotecnologia, energias renováveis). Os propósitos dessa política norteavam para o aumento da capacidade competitiva das empresas, do crescimento das inovações e expansão das exportações, reconhecendo que os diversos setores e cadeias produtivas são portadores de diferenças significativas na dinâmica do crescimento econômico nacional na geração e difusão das inovações, no processo competitivo e na inserção internacional. Até o final do primeiro governo Lula, as principais ações pautavam-se na desoneração do investimento, da produção e das exportações, como a aplicação da alíquota zero de IPI para bens de capital, isonomia tributária entre produtos importados e produzidos no país, isenção da contribuição para PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamentos para empresas que exportassem 80% de sua produção. Em relação ao fortalecimento institucional, destacam-se a criação do Conselho Nacional do Desenvolvimento Industrial (CNDI) – instância de articulação público-privada – e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Além disso, merece ser sublinhada a construção de dois arcabouços legais

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para promover a inovação: a Lei da Inovação nº 10.973/2004 (sancionada em 2/12/2004 e regulamentada em 11/10/2005), a qual cria estímulos para a relação entre universidades, instituto de pesquisa, empresas privadas e o governo, para o desenvolvimento tecnológico e apoio à inovação empresarial; e a Lei do Bem nº 11.196/2006 (sancionada em 21/11/2006 e regulamentada em 7/6/2006), que visa a reduzir o custo da inovação, mediante dedução sobre o IRPJ dos dispêndios em P&D para empresas que contam com sistema de apuração com base no lucro real. Entretanto, para Cano e Silva (p.  8-10), esse conjunto de iniciativas em um processo de reconstrução das instituições de planejamento e da gestão dos instrumentos de política econômica não foi capaz de influenciar positivamente o nível de investimento requerido, tampouco reverter os problemas estruturais. Esse processo foi agravado pelas políticas macroeconômicas, cujos instrumentos cambiais e monetários limitaram as iniciativas de financiamento e aumentaram a aversão ao risco empresarial, com a continuação da especialização regressiva da base produtiva. Por outro lado, Suzigan e Furtado (op. cit., p. 175-176) entendem que o grande mérito da PITCE é o seu significado, pois foi o marco da retomada de um processo progressivo e contínuo da construção do planejamento econômico (a política industrial não é em si uma política para a indústria, mas uma política para estruturação e desenvolvimento das atividades econômicas, cujo impulso é dado pelo setor manufatureiro), o qual se apresenta mais desafiador, refinado e mais qualitativo que no passado, uma vez que não se tratava naquele momento de criar setores, mas de dar dinamismo aos existentes em direções preconcebidas. Em que pese a posição desses autores, pouca ênfase foi dada ao entrelaçamento da política industrial nacional e o contexto internacional, tendo em vista que, no decorrer das décadas de 1980 e 1990, profundas mudanças estruturais ocorreram no âmbito externo, conduzindo a alterações significativas das formas organizacionais da produção e do mercado de trabalho, resultando na oscilação das taxas de crescimento regionais e no aumento das desigualdades espaciais. No cenário mundial surgiram novas estratégias de competição e cooperação entre os grandes grupos transnacionais, cuja ampliação do processo de acumulação processava-se através da incorporação extensiva de novos espaços e de sua valorização seletiva, alterando o papel do estado enquanto agente regulador da reprodução das atividades econômicas. A mundialização da produção e das finanças condicionou e ainda condiciona as estratégias empresariais, tendo em vista que a lógica organizacional dos processos

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produtivos, de consumo e de distribuição converge e interage com as transformações tecnológicas em curso, com a dinâmica das finanças internacionais, com a evolução do processo competitivo e com o papel que as políticas públicas exercem para criação e recriação de uma regulação social apropriada. Neste contexto, não é visto claramente nos documentos oficiais da PITCE o papel do Estado na mobilização e na articulação dos instrumentos de política industrial e dos recursos exigidos para viabilização dos blocos de investimentos requeridos, os quais fazem parte de cadeias de valor fragmentadas globalmente, exigindo considerável seletividade de ações para fortalecimento da competitividade industrial por parte do Estado. Esse processo será comentado mais adiante. Em maio de 2008, período do segundo mandato do governo Lula, foi lançada a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) com maiores pretensões em relação à PITCE, em função de abrangência, controles e metas, ampliando o número de setores e instrumentos de incentivos. Apoiou-se em diversos tipos de medidas, tais como a desoneração tributária, incentivos fiscais, compras governamentais, abertura de novas linhas de financiamento em condições favorecidas, aprimoramento jurídico e apoio técnico, com o objetivo de aumentar o investimento fixo, as inovações, a competitividade e as exportações, de modo a garantir um longo ciclo de desenvolvimento. A PDP indicou a sua direção e alcance através do estabelecimento de quatro macrometas quantificáveis, favorecendo o monitoramento e as possibilidades de alteração nos mecanismos e instrumentos da política: 1) elevação da participação do investimento fixo no PIB; 2) aumento dos dispêndios privados em P&D; 3) crescimento da participação do país no comércio internacional, através da expansão das exportações; e 4) alargar as condições de acesso ao mercado externo para as micros e pequenas empresas (MPE). Para vencer esses desafios, a política propôs dois programas: 1) Ações Sistêmicas: são ações horizontais, visando à melhoria do ambiente interno para expandir o investimento produtivo e tecnológico. As iniciativas propostas basearam-se em medidas para estimular a produção e as inversões, compreendendo medidas tributárias, regulatórias e financeiras; medidas para estimular a inovação; medidas para estimular as exportações; medidas para elevar o dinamismo das MPEs; e aprimoramento do ambiente jurídico, o qual visava a promover a simplificação dos processos governamentais e promover a segurança do setor produtivo para incentivar as inovações; 2) Destaques Estratégicos: exportações (aumentar o número

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de empresas exportadoras, diversificação da pauta exportadora e do destino das exportações); integração com a África (ampliação das relações econômicas e institucionais); integração produtiva com a América Latina e o Caribe (ampliação da integração produtiva e do comércio com focos no Mercosul e na América Latina); MPEs (ampliação das MPEs na geração de emprego, renda e produtos inovadores, aumentar o número de MPEs exportadoras); produção sustentável (promover melhorias do desempenho energético e ambiental, aumentar a participação do setor privado nos projetos de redução de emissões de MDL no protocolo de Quioto); e regionalização (aproveitar potencialidades regionais, promover atividades produtivas no entorno de projetos industriais e de infraestrutura e em áreas marginalizadas). No âmbito dos programas setoriais, a política contemplou setores e empresas com projeção internacional e capacidade competitiva; segmentos industriais que tinham a necessidade constante de inovação; e complexos produtivos com potencial exportador ou potencial para gerar efeitos multiplicadores sobre o conjunto da estrutura industrial. Dessa maneira, foram considerados três grupos de programas, de acordo com seus desafios: 1) Consolidar e Expandir a Liderança (bioetanol, carnes, papel e celulose, complexo aeronáutico, mineração, petróleo, gás e petroquímica); 2) Mobilizadores em áreas estratégicas (biotecnologia, complexo industrial da saúde, complexo industrial da defesa, energia nuclear, nanotecnologia e tecnologias de informação e comunicação); e 3) Fortalecimento para a competitividade (bens de capital, biodiesel, brinquedos, complexo automotivo, complexo de serviços e construção civil). No momento em que a PDP foi lançada, o país contava com um mercado interno em crescimento em virtude da expansão do crédito, dos salários reais e do volume do emprego, a despeito da política monetária e cambial que norteava para a valorização da taxa de câmbio e para níveis elevados da taxa real de juros. Nesse contexto, definiu, conforme assinalado, quatro macrometas para o ano de 2010: 1) alcançar investimento em capital fixo em 21%; 2) elevar o gasto privado em P&D para 0,65% do PIB; 3) ampliar a participação nas exportações mundiais de 1,18%, verificado em 2007, para 1,25%, em 2010; e 4) aumentar em 10% o número de MPEs exportadoras. De antemão, destaca-se que a deflagração da crise econômica internacional, a partir de setembro de 2008, comprometeu fortemente a continuidade da política industrial, pois, além de gerar efeitos negativos sobre as decisões de investimento,

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exigiu a adoção de um leque de políticas anticíclicas, visando a atenuar os impactos da crise sobre o nível de atividade econômica. No que tange à taxa de investimento fixo, no ano de 2010, ela atingiu 18,4% do PIB, aquém, portanto, da meta pretendida. Ressalte-se que os principais incentivos ao investimento pela PDP foram: depreciação acelerada para os setores de bens de capital e automotivo; redução do prazo de 24 para 12 meses na utilização dos créditos do PIS/COFINS; redução dos custos financeiros nas operações de crédito do BNDES e da FINEP; adoção do Programa de Sustentação do Investimento com taxa de juros especiais para aquisição; produção e exportação de bens de capital; inclusão de produtos agropecuários no drawback verde-amarelo; e criação de regime tributário especial para o setor aéreo. Na verdade, os efeitos da apreciação cambial, além de impactar as exportações, implicaram o desestímulo para inversões no mercado interno e a perda da competitividade da indústria no mercado mundial, pois afetaram a perda de mercados pelo viés da expansão das importações de bens com alta densidade tecnológica, comprometendo a elevação da produtividade em setores-chave e a geração de divisas de bens manufaturados. Em outras palavras, a indústria experimentou custos crescentes, em função da valorização do real, reduzindo sua margem e comprometendo a capacidade de investimento e modernização do seu aparato produtivo, a despeito da relativa ampliação do mercado interno pelo caminho do desenvolvimento inclusivo, porém não a ponto de impedir que grande parte desse consumo fosse suprida por importações de insumos e bens de capital. Em relação à elevação do dispêndio privado em P&D para 0,65% do PIB, esperavase aumentar o conteúdo tecnológico das cadeias produtivas e reduzir o hiato do padrão de investimento vis-à-vis com os países da OCDE. O gasto privado representou 0,40% em 2010, 0,25% abaixo da meta estipulada (FIESP, 2011). Certamente, os instrumentos criados no âmbito da PITCE, tais como a renúncia fiscal prevista na Lei do Bem e os desembolsos para inovação do BNDES e da FINEP, sinalizaram a disposição do setor privado em trilhar o caminho das inovações e do desenvolvimento tecnológico, porém, de acordo com a FIESP (op. cit.), esses expedientes ainda são insuficientes para sustentar a competitividade a longo prazo, em face da elevada carga tributária, da taxa real de juros, do excesso de burocracia, da escassez de mão de obra qualificada e da insegurança jurídica. Sem descartar esses argumentos pontuais, é importante também a descrição um pouco mais abrangente para melhor compreensão do problema. A montagem do

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complexo industrial brasileiro e a sua dinâmica intersetorial, desde a década de 1960, esteve ancorada na intensificação dos investimentos setoriais, baseada na integração vertical e na estandardização da produção, cuja absorção da tecnologia se fazia através da entrada do capital estrangeiro, que permitiu aumentos de produtividade em importantes elos da cadeia produtiva. Nesse sentido, não havia preocupação com o processo de inovação, uma vez que o progresso técnico era feito com a adição de tecnologias existentes. Conforme assinalado anteriormente, as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pelas políticas de desregulamentações, pelas privatizações, pela liberação dos mercados financeiros internacionais e pelo avanço da teleinformática (que permite a interconexão com os principais centros financeiros em tempo real). Paralelamente, verificou-se o aumento da velocidade das inovações tecnológicas, especialmente no segmento da microeletrônica, favorecido pelo desenvolvimento dos novos sistemas de comunicações. Tais inovações permitiram, ao mesmo tempo, abrir maiores possibilidades de controle da expansão dos ativos em escala internacional por parte das multinacionais e das instituições financeiras em aprimorar a produção, o comércio e as estratégias de desintegração da produção. Neste contexto, o parque industrial brasileiro deparava com as várias tentativas do governo de erradicar o processo inflacionário, com o fechamento e a fragilização de instituições estatais, com a abertura econômica, além das rápidas transformações da economia internacional. Assim, a estratégia adotada foi o controle dos custos pela incorporação de tecnologias existentes e subcontratação, com o objetivo de elevar a produtividade com baixo nível de investimento, que Kupfer chamou de “reestruturação antitecnológica”. Nesse sentido, a despeito dos esforços da política industrial e da diversidade e do tamanho da capacidade produtiva da indústria nacional, existe um problema estrutural envolvido, que remete à descontinuidade dos investimentos ao longo do tempo, os quais provocam uma defasagem tecnológica em setores modernos, situados estrategicamente nas cadeias de valor internacionais, comprometendo o crescimento da produtividade interna. Para aguçar o problema, Arbache (2013) chama a atenção para a redução da densidade industrial no Brasil. Para esse autor, a densidade reflete a capacidade de um país para construção de infraestrutura, para o investimento em capital físico e humano e em P&D e é fortemente afetada pelos aspectos demográficos. Atualmente a densidade industrial brasileira corresponde à metade da chinesa e à décima parte da coreana, sendo que, há cerca de dez anos, a densidade do país era o dobro da chinesa e um sexto da coreana. A razão dessa estagnação deve-se principalmente a pequenos

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volumes de investimentos por trabalhador, em capital humano, em novas tecnologias, em inovações, sobretudo na baixa oferta de serviços públicos e privados, os quais contribuem para a produtividade e a competitividade industrial, tendo em vista que possuem preços elevados, são insuficientes e tecnologicamente defasados. Quanto à ampliação das exportações, a PDP estabeleceu que o país deveria atingir participação de 1,25% nas exportações mundiais até 2010. Em termos relativos, o resultado alcançado foi de 1,38%, superando a meta pretendida. Entretanto, o comércio de bens manufaturados brasileiros sofreu uma queda no período de vigência da PDP, passando de sua participação de 52% em 2007 para 39% em 2010, enquanto a participação de produtos básicos saiu de 32% em 2007 para 45% em 2010, fato que alguns autores chamam de “primarização” da pauta de exportações. As relações comerciais Brasil-China ilustram esse processo. Entre 2000 e 2010 as exportações brasileiras cresceram cerca de 30 vezes, e as importações se elevaram em 16 vezes. A partir de 2002, sendo a China o maior parceiro comercial do Brasil, em 2010, respondendo por 15% das importações e exportações. As exportações para a China estão baseadas em um pequeno número de produtos, entre os quais o minério de ferro e a soja representam cerca de 70%. O comércio internacional do Brasil com a China inclinou-se para a exportação de produtos primários e produtos manufaturados com baixo nível de processamento industrial, enquanto as importações tenderam a se concentrar em componentes intensivos em tecnologia. Na disputa pela venda de produtos similares, o Brasil, de acordo com os dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), obteve, entre 1995 e 2008, ganho de US$13,6 bilhões, enquanto a China experimentou ganho de US$512,5 bilhões. Esse fato não somente implica o agravamento do saldo da balança comercial, como também provoca a perda de espaços no mercado interno, quando se considera a regressão da intensidade tecnológica das exportações e da expansão desse conteúdo nos produtos importados. Além disso, importante é outra observação de Arbache (2012), que destaca que os preços das commodities são extremamente voláteis e que a experiência nas últimas décadas indica que esses preços são altamente sujeitos a intervenções públicas e privadas. Sublinha ainda que os países que dependem de exportações de commodities apresentam crescimento econômico mais lento do que os países com pauta de exportação mais diversificada, o que está relacionado à sua maior exposição a choques e aos impactos negativos da volatilidade nas decisões de

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investimento, estratégias comerciais e na produtividade. Assim, esse expediente fragiliza os elos da cadeia industrial doméstica, além de o país estar exposto às oscilações do comércio internacional em médio e longo prazos. Finalmente, a meta de aumentar o número de MPEs exportadoras em 10% entre 2006 e 2010 justificava-se por se interpretar que a exposição dessas empresas para o mercado externo as torna mais fortes para abrir novos mercados; e portanto há necessidade de formalização e de inovação. Como sua capacidade de autofinanciamento é baixa, são sensíveis à elevação dos custos financeiros e à apreciação cambial, que impedem sua maior inserção no mercado externo, apesar da disponibilidade de crédito para exportação. No período de vigência da PDP, não somente o número de MPEs exportadoras reduziu (11.792 em 2006 para 9.871 em 2009), como também o valor das vendas externas (US$2,31 bilhões em 2008 para US$1,32 bilhão em 2009). A política industrial atualmente em vigor foi denominada de Plano Brasil Maior (PBM), cobrindo o 1º período do governo Dilma (2011-2014). Ela parte do princípio da importância da integração dos instrumentos de incentivo e promoção produtiva, constituídos pelos investimentos em capital fixo e inovações com os instrumentos de comércio exterior e defesa comercial, os quais possibilitam o enfrentamento dos desafios da economia brasileira no contexto internacional. Nesta direção, o maior desafio para o período em questão é sustentar o crescimento interno em um novo patamar, sob uma conjuntura de restrição externa e perda de competitividade nos mercados globais. O PBM interpreta que tanto a PITCE como a PDP foram eficazes no que concerne à capacidade de mobilização do setor público na articulação com o setor privado, retomando a capacidade do Estado na formulação e na operacionalização de uma política industrial coordenada. Entretanto, busca aperfeiçoar seus avanços em termos do diálogo do Estado com o setor privado e com a sociedade, da coordenação institucional governamental, do aperfeiçoamento das estruturas de formulação, de acompanhamento e de avaliação das políticas de estímulos à produção. O ciclo de expansão 2004/2010 foi inicialmente impulsionado pelas exportações, que por sua vez induziram a retomada dos investimentos, os quais, mediante os mecanismos de políticas públicas (instrumentos de financiamento, desonerações fiscais, por exemplo), foram se constituindo ao longo da década em componentes da demanda agregada, decisivos para elevação da taxa de crescimento do país. As

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políticas anticíclicas de crédito ao investimento e ao consumo também auxiliaram na retomada do crescimento econômico, sem contudo ser capazes de aumentar a capacidade tecnológica das empresas brasileiras para acompanhar o ritmo do progresso técnico dos grupos econômicos transnacionais e dos serviços intensivos em conhecimento. A perda da competitividade da indústria brasileira manifesta-se, por um lado, na apreciação da moeda, na especialização em commodities in natura e insumos básicos; e, por outro, na redução da exportação de manufaturados e do aumento das importações, resultando em um processo de esvaziamento da produção local de várias cadeias produtivas, principalmente em produtos finais nas atividades industriais intensivas em trabalho e insumos, peças e componentes nas indústrias intensivas em engenharia e importantes segmentos da indústria de bens de capital. O PBM reconhece que o processo de progressão industrial encontra-se interrompido, tendo em vista que o estágio da maturidade da competitividade industrial se expressa pela participação majoritária de bens de capital no total da indústria de transformação, em função dos retornos crescentes em escala, propiciados pelo desenvolvimento tecnológico e pela conexão dos serviços intensivos em conhecimento, o que acarretaria alteração da pauta exportadora brasileira, em virtude do aumento da participação desse segmento. Aqui, não se trata de esvaziamento da cadeia, tampouco da necessidade de complementar uma cadeia com fabricação doméstica, no atual estágio da fragmentação industrial da produção mundial. É a constatação da incapacidade da indústria nacional de ocupar espaços nas cadeias de valor internacionais e densas em conhecimento, como da eletrônica e do complexo químico e farmacêutico. Partindo da premissa de que as relações entre inovação, produtividade e competitividade conferem importantes dinâmicas retroalimentadoras a vários setores produtivos, os quais são impulsionados pelos componentes da demanda agregada (investimentos, consumo das famílias, gastos do governo e exportações), o PBM propõe dois conjuntos complementares de tratamentos: as políticas sistêmicas e as políticas estruturantes de cunho setorial. As políticas sistêmicas são voltadas de forma indiscriminada para o conjunto da economia, variando o prazo de sua consecução e de seus benefícios. Em curto e médio prazos são as políticas de desonerações fiscais, defesa comercial, redução do custo do investimento, por exemplo, que mesmo de forma diferenciada

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contribuem para o aumento das receitas e redução dos custos dos insumos e dos produtos de uma maneira mais ampla. Já as políticas sistêmicas de tratamento mais duradouro são a construção da infraestrutura e aquelas relacionadas ao avanço científico e tecnológico, as quais propiciam melhorias das condições de competitividade presentes e futuras do país. Já as políticas setoriais são de natureza focalizada e seletiva, pois segundo o PBM seria um erro proferir o mesmo tratamento a grupos de empresas com debilidade competitiva para outro grupo de natureza contrária. Esse argumento é sustentado diante da forte integração produtiva e financeira mundial, sendo o sistema financeiro sujeito a grandes vulnerabilidades cambiais e monetárias, resultando em políticas protecionistas por parte dos países hegemônicos. Destaca ainda que as políticas cambiais tradicionais são de pequena eficácia sob a égide das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e com isso induz ao poder público defender seu parque produtivo diante das oportunidades tecnológicas para adensamento da cadeia produtiva e criação de novos setores. Neste contexto, o PBM focaliza ações estruturantes setoriais em cinco eixos temáticos: 1) fortalecimento das cadeias produtivas em setores fragilizados (enfrentamento da substituição da produção nacional em setores industriais atingidos pela concorrência das importações); 2) criação de novas competências (criação de oportunidades de negócios para o adensamento de cadeias em atividades intensivas em conhecimento); 3) desenvolvimento das cadeias de suprimento de energias (voltadas para explorar oportunidades ambientais e de negócios em energia); 4) diversificação das exportações e internacionalização coorporativa (direcionadas para a reversão da “primarização” da pauta exportadora, com ações voltadas para a promoção de produtos manufaturados de tecnologias intermediárias e intensivos em conhecimento; internacionalização das empresas brasileiras líderes de commodities para empresas líderes intensivas em escala e escopo; e instalação de centros de P&D no país de empresas estrangeiras); e 5) consolidação de competências na economia do conhecimento natural (utilização dos recursos proporcionados pelo conhecimento para ampliação do conteúdo científico e tecnológico dos setores intensivos em recursos naturais). A dimensão sistêmica destina-se a orientar ações que visam a um objetivo duplo: aumentar a eficiência e a produtividade agregada e consolidar um sistema nacional de inovação em direção à matriz tecnológica mundial. Nesse ponto o PBM enfatiza que a política industrial deverá ser construída em consonância com

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a política macroeconômica, pautando-se em oito grandes temas: 1) comércio exterior (financiamento, promoção do comércio; estímulo à internacionalização de empresas nacionais e atração dos centros de P&D de empresas estrangeiras para o país); 2) incentivo ao investimento (acesso a financiamentos de longo prazo, redução dos encargos tributários, redução dos encargos trabalhistas sobre a folha de pagamento e modernização e simplificação de legalização de empresas); 3) incentivo à inovação (fortalecimento das agências de fomento, diversificação de atividades de empresas existentes, aperfeiçoamento da legislação e práticas de financiamento); 4) formação e qualificação profissional, apoiadas em três programas federais – Programa de Acesso à Escola Técnica (Pronatec), Plano Nacional Pró-Engenharia e Programa Ciência sem Fronteiras; 5) Produção Sustentável (construção modular para redução de resíduos em obras da construção civil, fortalecimento das cadeias de reciclagem e adoção de fontes renováveis de energia pela indústria); 6) competitividade de pequenos negócios (ampliação do crédito para capital de giro, margem de preferência local nas compras públicas); 7) ações especiais em desenvolvimento regional (interação das prioridades nacionais e regionais no aumento da competitividade das empresas e articulação institucional e parcerias público-privadas); e 8) bem-estar do consumidor (créditos adequados, eficiência na cadeia de suprimentos, ampliação da variedade de produtos). Do ponto de vista institucional de coordenação, é mantida a mesma estrutura herdada pela PDP, por meio de instâncias de diálogo público-privadas (fóruns de competitividade, câmaras setoriais, grupos de trabalho). Destaca-se o papel do CNDI no aconselhamento superior da política industrial. Porém, dada a complexidade da política industrial, a qual envolve vários setores do governo e comporta interesses múltiplos dos diferentes grupos privados, as medidas sugeridas das diversas procedências nem sempre são integradas de maneira hegemônica. Dessa maneira, deveria caber ao CNDI a responsabilidade, em última instância, pelo plano, a partir dos entendimentos entre os Comitês Executivos Setoriais e o Comitê Gestor para identificar as principais soluções que viessem a contribuir com a transformação econômica do país. Sem essa atribuição, o PBM abriu margens para discussões setoriais de curto e limitado alcance, a exemplo de demandas por desonerações, de linhas de financiamento e de incentivos especiais, entre outros, comprometendo, portanto, o exercício de comando e da coordenação da política. O PBM tem seus devidos méritos ao propor ações voltadas para a eficiência produtiva, modernização tecnológica e evolução de conhecimentos estratégicos, em direção à matriz tecnológica mundial, com vistas às propagações intersetoriais

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possíveis em meio à elevação dos custos sistêmicos, esvaziamento da produção local de várias cadeias produtivas, deterioração da pauta de exportação com baixa participação de produtos manufaturados e intensivos em serviços produtivos, valorização cambial e baixa capacidade inovadora das empresas. Evidentemente, uma política industrial é um processo evolutivo, tendo em vista que o avanço do tripé produtivo, tecnológico e comercial de um país não decorre do resultado natural da acumulação de capital das empresas, mas ocorre quando as instituições nacionais constroem agendas estratégicas para estimular as inovações, preservar e fortalecer o parque produtivo nacional, mediante a construção de um ambiente de negócios propício para consolidar sua competitividade externa e doméstica. Neste sentido, a despeito das desonerações tributárias, reduções tributárias, fortalecimento da política de compras governamentais através da adoção das margens de preferências e aperfeiçoamentos de instrumentos para promover a produtividade e as atividades intensivas em tecnologia e de conhecimentos dentro das Cadeias Globais de Valor (CGV), não se depara com medidas claras para estimular o avanço tecnológico de segmentos produtivos específicos, nos quais o país possui vantagens reais ou potenciais no cenário mundial, evidenciando a estreita dependência com o mercado doméstico e dificuldades para acessar as cadeias de valor internacionalizadas. As Cadeias Globais de Valor (CGV) e a Política de Conteúdo Local (PCL) As CGV são fruto do desenvolvimento de novas formas de flexibilidade, que ganharam maior corpo a partir de meados dos anos de 1980. Contrariamente à rigidez em que se baseava o regime de acumulação fordista, as novas tecnologias buscam obter maior flexibilidade em relação aos processos de produção, às estruturas industriais e à organização das relações de trabalho. Com o sistema de produção flexível, as empresas buscam, através da segmentação do mercado e da diferenciação dos produtos, conviver com a intensa competitividade em escala mundial. Em relação à flexibilidade dos processos de produção, o desenvolvimento da microeletrônica e das tecnologias de informação possibilitou a materialização de máquinas e equipamentos programáveis, que são modulados de acordo com a realização da produção (robôs, ferramentas de controle numérico e outros sistemas de transmissão eletrônica de dados). A flexibilização tecnológica significa que a produção pode ser ajustada em função da composição e do volume da demanda, reduzindo os riscos de aumentos de estoques, de forma que os programas podem

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ser alternados quantas vezes forem necessárias com custos estáveis, ao contrário da mecanização intensiva, que minimizava os custos relativos a partir da maior utilização da capacidade instalada. Quanto às formas de flexibilidade da organização do trabalho, verificam-se diferentes processos, em razão da organização da produção de cada segmento do setor industrial. No entanto, existe consenso entre vários analistas quanto à existência da flexibilidade funcional e numérica, que permite às empresas ajustar os custos salariais com facilidade e rapidez, em função da flutuação da demanda e das mudanças tecnológicas e mercadológicas, favorecidas pela redução do poder sindical e pela disponibilidade de mão de obra. Por flexibilidade funcional entende-se que uma empresa tem a capacidade de modular as atividades de seus empregados, em função das alterações na demanda, na tecnologia e nas políticas de marketing (BENKO, 1996). Trata-se de um grupo de trabalhadores altamente qualificados e polivalentes, vinculado exclusivamente à empresa, sem horário de trabalho preestabelecido. A flexibilidade numérica diz respeito àquela mão de obra que está disponível para fornecer serviços diversos a determinadas empresas, sem possuir, porém, quaisquer vinculações contratuais formais com elas. Os trabalhadores independentes especializados e empregados temporários e subcontratados constituem exemplos dela. Quanto à flexibilidade das estruturas industriais, diante da crise das formas institucionais que regulavam o regime de acumulação fordista e do aguçamento do processo competitivo, modificou-se a estrutura organizacional das grandes corporações, efetivando o processo de desintegração vertical, na maioria dos casos em “quase integração vertical” (LIPIETZ; LEBORGNE, 1988), de modo a diluir as incertezas no que tange à realização da produção. Esse processo merece ser mais bem explicado, pois implica que as multinacionais disponham de instrumentos técnico-territoriais para aumentar seu poder de influenciar a dinâmica de determinado território. Por integração vertical completa entende-se que determinada firma atua em todos os estágios do processo produtivo: desde o processamento da matéria-prima até a comercialização do produto final. De acordo com Scott e Storper (1988), as razões e condições que levaram as empresas ao processo de desintegração, terceirizando

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suas atividades, foram: 1) incerteza do mercado, pois o acúmulo de estoques e o aumento relativo dos custos fixos se estenderiam a toda a estrutura vertical das empresas; 2) aguçamento do processo concorrencial, podendo a empresa reestruturar frequentemente os métodos de produção e proceder à variedade dos produtos, evitando diversas interrupções na escala de produção (maiores possibilidades de modificações das conexões produtivas abrem-se, quando elas se encontram externalizadas; 3) as firmas especializadas estão mais em condições de fornecer produtos intermediários e serviços; e 4) a desintegração é facilitada, quando se verifica aglomeração geográfica de empresas, reduzindo os custos das transações externas. A “quase desintegração vertical” supõe que, em vista da instabilidade dos mercados, dos elevados custos das pesquisas e da redução dos ciclos de vida do produto, a desintegração obtida não suprime o controle hierárquico das grandes corporações. Nesse aspecto, as firmas terceirizadas têm vinculação direta e exclusiva com centros de comando das grandes cooperações multinacionais, implicando a realização de alianças estratégicas, a transferência de tecnologia e a prática de joint ventures, dentre outras medidas. Sánchez (1997, p.  343), inclusive, enfatiza que a flexibilização das estruturas produtivas produz efeitos propagadores das incertezas para outros territórios. Conforme suas palavras: A empresa auxiliar, geralmente do tipo pequena e média, servirá como amortecedor para enfrentar os ciclos de crise, transferindo para elas a maior parte possível dos problemas derivados das variações da produção. Ao mesmo tempo, acontece que, se a empresa auxiliar se encontra localizada em outro território, a problemática também sofrerá uma transferência territorial. Associado a essas formas de flexibilidade, é oportuno lembrar-se da análise de CHESNAIS (1996) acerca do papel que o capital financeiro exerce no controle e no desenvolvimento das estratégias globais dos grandes grupos. Elas incluem a produção de formas diversificadas de operações para fusões e aquisições de empresas, administração dos fundos mútuos e de pensão e aplicações financeiras em derivativos financeiros diversos, de modo que podemos incluí-lo como uma das formas de flexibilidade, pois todas essas operações têm o caráter de reversibilidade que afeta de maneira direta os fluxos de produção e de comercialização das empresas.

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Nestas condições, a concentração e a centralização do capital adquirem novas formas, na medida em que a combinação dos processos de flexibilidade, tanto das estruturas produtivas como do mercado de trabalho, implica a incorporação extensiva de novos espaços e a valorização seletiva de diversas regiões, determinando, com efeito, o aumento das tensões nacionais e inter-regionais em virtude do acirramento competitivo espacial para a atração de novos investimentos. A desintegração ou a quase desintegração vertical permite aumentar a divisão do trabalho, favorecendo a criação de novas atividades e de empresas especializadas. Existe uma acentuada interdependência nas transações econômicas entre o conjunto e o subconjunto de firmas, criando condições de localização específicas. As conexões que se estabelecem com fornecedores, compradores, agentes públicos, subcontratantes e centros de pesquisa intensificam as trocas de informações e multiplicam a necessidade de contatos pessoais, tendendo a ser mais eficazes mediante a concentração espacial das atividades econômicas. As CGV emergem, portanto, desse processo e comandam uma quantidade significativa do comércio global. A matéria-prima extraída em um país pode ser exportada primeiramente a uma filial de um segundo país para o processamento e ser exportada novamente para uma fábrica em um terceiro país, que pode então exportar o produto manufaturado para o quarto país para o consumo final. Todavia, esse processo não é disperso. De acordo com a UNCTAD (2013, cap. 4), somente uma fração muito pequena do universo de empresas, na maioria das economias, envolve-se em atividade comercial internacional, e a negociação tende a ser altamente concentradora. Na União Europeia, 10% de empresas exportadoras são responsáveis por 70% a 80% dos volumes de exportação, enquanto esse número sobe para 96% do total das exportações para os Estados Unidos, onde cerca de 2.200 empresas representam mais de 80% do comércio total. As redes internacionais de produção das grandes empresas transnacionais, dentro das quais a maior parte do comércio ocorre, são fortemente inclinadas para a prestação de serviços, acrescentando inputs necessários para agregar valor ao comércio. O percentual de serviços nas exportações brutas em todo o mundo é de 20%. Quase metade (46%) do valor adicionado nas exportações é contribuição de atividades no setor de serviços. Este fenômeno induz a alguns questionamentos. É desejável que um país se submeta a especialização em partes da CGV para aumentar o conteúdo tecnológico de sua

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indústria? Se a especialização for admissível, quais tipos deveriam ser adotados? Quais modelos de política industrial podem favorecer a inserção do parque industrial doméstico na CGV? Há possibilidade de garantir o desenvolvimento econômico em longo prazo, mediante a continuidade do processo de integração vertical? Sturgeon et al. (2014) afirmam que essas questões são difíceis de responder, em virtude da estrutura e da trajetória das CGV de indústrias e setores bastante específicos. Por um lado, as características do projeto de produtos, componentes intermediários e requisitos logísticos exercem forte ascendência sobre as CGV nos diferentes setores e territórios exclusivos. Por outro lado, a produção de alguns bens finais é direcionada para determinados mercados. De maneira geral, pelo lado positivo, as empresas inseridas na CGV, que praticam o comércio internacional, tendem a gerar maiores lucros, dispender recursos em P&D e pagar maiores salários em relação às empresas que estão afastadas das CGV. Assim, para os países em desenvolvimento, o comércio, as inversões e o conhecimento tecnológico, que sustentam as CGV, podem fornecer mecanismos que favoreçam a aprendizagem tecnológica, a inovação, a abertura de novos mercados e a aquisição de novos conhecimentos, em virtude de os investimentos ligados às CGV serem portadores de sistemas de controle de qualidade e de padrões de negócios dominantes. Pelo lado negativo, as CGV podem levar ao desenvolvimento desigual a longo prazo, limitar o acesso às tecnologias de vanguarda e criar barreiras ao conhecimento, a despeito do desencadeamento do crescimento e da modernização industrial devido aos processos institucionais e geográficos que podem existir entre a produção e a inovação. Na realidade, os maiores lucros revertem para as empresas líderes na cadeia de valor, que controlam a concepção do produto e fornecem tecnologias e componentes avançados. A “ponta” da cadeia abriga montadoras e centrais de atendimento, que tendem a ganhar menores lucros, possuir autonomia limitada e pagar menores salários. No que se refere à absorção da tecnologia pelo capital nacional através das CGV, existe a tendência de a transferência tecnológica ser limitada a tecnologias obsoletas existentes nos centros desenvolvidos. Há, de certa maneira, uma deterioração competitiva, devido ao fato da transformação das empresas nacionais em “maquiladoras”, tornando-se montadoras de produtos importados. O capital estrangeiro geralmente utiliza o expediente de importar insumos, montá-los e reenviá-los ao exterior. Na realidade, a produção das empresas locais vinculadas às CGV oferece emprego para uma força de trabalho

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de baixa qualificação, desempenhando funções manuais repetitivas, facilmente apreendidas e com baixos níveis de remuneração. Nesta perspectiva, o raciocínio de que as indústrias “maquiladoras” poderiam evoluir gradualmente rumo ao incremento importante no valor agregado das exportações, devido à assimilação tecnológica e maiores encadeamentos interindustriais, não procede. Os efeitos multiplicadores para a frente (forward linkages) da produção seriam exportados e, portanto, praticamente nulos na economia nacional; e os efeitos para trás (backward linkages), em razão da concorrência das importações, teriam reduzido alcance. As principais críticas que analisam os empecilhos para promoção da participação do país nas CGV geralmente se pautam no custo Brasil e na política industrial em vigor. O primeiro caso remete à infraestrutura inadequada para as relações comerciais, burocracia excessiva para negócios internacionais, altos spreads bancários, insegurança jurídica, baixa qualidade educacional, ausência de mão de obra qualificada, entre outros. O segundo caso diz respeito aos esforços da política industrial para promover indústrias nacionais completas e plenamente integradas nacionalmente, em vez de atuar em áreas de especialização orientadas para exportação dentro da CGV. Esse processo é constado pela política de conteúdo local (PCL), a qual é peça-chave de um conjunto de políticas para o desenvolvimento competitivo da cadeia de fornecimento de petróleo e gás, para o setor automobilístico e para o complexo eletrônico, os quais englobam, entre outras iniciativas, linhas de financiamentos do BNDES, investimentos na formação de mão de obra e apoio às atividades de P&D. A PCL tem como objetivos induzir o aumento das aquisições locais e incrementar a participação da indústria de bens e serviços em bases competitivas, impulsionando o desenvolvimento tecnológico, a capacitação de recursos humanos e a geração de emprego e renda. De acordo com uma parte da literatura que se ocupou em estudar o assunto, o emprego da PCL é nocivo para o comércio mundial e para a realocação de recursos por duas principais razões. A primeira aborda a tendência ao aumento dos preços, porque no país em desenvolvimento, que emprega tecnologias inferiores, o preço do bem final aumenta, em função da elevação dos preços de insumos intermediários, reduzindo a quantidade vendida. Os efeitos dessa política dependem da diferença entre o preço do bem nacional e o preço internacional, das possibilidades de substituição na produção, das condições de oferta na indústria doméstica do bem intermediário e da estrutura de mercado

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para esse bem (GROSSMAN, 1981). A segunda razão aponta para a redução da escala de inovações no país em desenvolvimento, pois a redução dos níveis de exigência da PCL propiciaria aos países desenvolvidos concentrar suas atividades produtivas, estimulando suas inovações; e assim proporcionar a redução de preços internacionais, beneficiando os países em desenvolvimento (OHDOI, 2009). Por outro lado, o aumento dos preços e a redução das inovações trazidas pela PCL não obedece a uma lógica inexorável. O modelo proposto por Belderbos (2002) é um exemplo disso. Para esse autor, no caso em que a indústria local de bens intermediários decide cooperar com uma firma estrangeira produtora de bens finais, que foi submetida à PCL, essa firma estrangeira pode fazer a opção entre comprar a indústria local ou integra-se para trás. O resultado para o país em desenvolvimento dependerá principalmente das economias de escala internas e externas às firmas nacionais. Outro aspecto já conhecido desde o plano de metas é que os recursos empregados pelos investidores estrangeiros frequentemente levam à difusão de tecnologias e de aprendizagem para os ofertantes locais, ainda que conduzam ao aumento de preços, dependendo da dimensão do mercado interno e da estrutura de oferta. Neste contexto, ao levar em consideração os aspectos positivos e negativos pela adoção da PLC, os resultados dos modelos econômicos poderão se apresentar de diversas maneiras. Adotadas as hipóteses de possibilidades de cooperação entre as firmas, geração de externalidades positivas, efeitos de aprendizado, aumento da capacidade de absorção de tecnologias e de inovação, a PCL poderá ter impacto positivo sobre o desenvolvimento industrial de um país em desenvolvimento. Porém, essa possibilidade dependerá de sua formulação e do contexto em que ela é aplicada. Em recente pesquisa aplicada por Prochnik (2013) na indústria de petróleo e gás, na qual envolvia os fornecedores de equipamentos de instrumentação e de automação, foram constatados, mediante entrevistas com 16 empresas pesquisadas, os seguintes resultados: 1) todas as empresas envolvidas afirmaram que no Brasil são feitas apenas peças mais simples e também as últimas etapas da produção (montagem e testes); 2) entre nove empresas pesquisadas, foram observados apenas dois casos de firmas, ambas internacionais, que buscavam aumentar a internalização de parcelas da produção e reduzir as importações; 3) nove das dezesseis empresas não produzem e também não adquirem componentes eletrônicos fabricados no país.

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A conclusão do trabalho é que, embora a PCL tenha como objetivo o desenvolvimento de uma indústria competitiva de fornecedores, os critérios adotados não estão em linha com esse objetivo, no caso dos segmentos de equipamentos de instrumentação e de automação. E mais, embora a PCL obrigue as empresas a investir no Brasil, as inversões necessárias não são significativas. Assim, a estratégia mais comum é a empresa fazer no Brasil apenas a montagem final e a produção de poucos componentes, e as importações se concentrarem em produtos intensivos em tecnologia, como instrumentos e produtos químicos, enquanto os insumos nacionais podem ser obtidos nos setores do comércio, de utilidades e de serviços. Este caso específico ilustra a necessidade de aperfeiçoamento da PLC no Brasil e não sua extinção de forma generalizada, como se poderia pensar apressadamente. A abolição da PLC certamente agravaria, por um lado, a continuidade dos investimentos na indústria de bens de capital, acompanhados pelo desenvolvimento tecnológico e dos serviços intensivos em conhecimento; por outro lado, propiciaria a continuidade das importações de máquinas, equipamentos e serviços tecnológicos e a estagnação dos investimentos em P&D do país. Os requisitos de conteúdo local necessitam de reformulação, a fim de permitir que as empresas que atuam no Brasil revertam para a necessidade do aprimoramento tecnológico, incentivando empresas nacionais a se especializar em produtos bem adaptados para o mercado interno e para as exportações. A questão é que a fragmentação de setores globais e a inserção nas CGV dificultam o desenvolvimento de mecanismos e instrumentos por parte da política industrial nacional, orientada para a CGV. Muitas das indústrias nacionais atuam em mercados internacionais sob forte concorrência e assim se tornam interligadas por meio de cadeias e redes empresariais complexas, em escala mundial, ocasionadas pelo avanço dos investimentos externos diretos e pelas ondas de subcontratações que caracterizam as CGV. Aqui, aparece com nitidez a possibilidade de o governo brasileiro, mediante apoio de representantes institucionais (empresários e trabalhadores), coordenar iniciativas alternativas para a inserção da indústria nacional na CGV, tendo como balizadores o tamanho do mercado interno e a dinâmica de empresas nacionais internacionalizadas e líderes em seus segmentos no mercado global.

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CONCLUSÕES Este artigo procurou mostrar o papel que a política industrial exerce para estimular o desenvolvimento socioeconômico do país. Ao adotar medidas, normas e instrumentos, mediante coordenação de esforços públicos e privados, sinalizam ao setor produtivo as possibilidades de inovações, abertura de novos mercados, diluição das incertezas no que tange à realização dos investimentos e à alocação adequada dos recursos humanos, financeiros e materiais. A política industrial, ao lidar com várias dimensões da realidade, como setorial, tecnológica, regional, institucional e organizacional, torna-se capaz de coordenar o avanço das infraestruturas, promover serviços adequados para o aumento da competitividade e da produtividade do país. Sob uma perspectiva histórica, os avanços e retrocessos da política industrial estão sincronizados com a dinâmica social e econômica do Brasil. As décadas de 1950, 1960 e 1970 foram marcadas pela transformação qualitativa da economia, via montagem de insumos básicos, setores produtores estratégicos de bens de capital e serviços públicos de apoio. A participação do Estado foi fundamental, pela implantação dos sistemas de transportes, geração de energia e pela ampliação e instalação de setores produtores intermediários. A década de 1980 esteve ancorada pelos objetivos de estabilização macroeconômica e pelo desmantelamento das instituições inclinadas para a coordenação da política industrial. Com isso, o país foi submetido a reduzidas inovações, deterioração do parque industrial e baixo desenvolvimento tecnológico, tendo em vista que os instrumentos de política econômica que serviam aos propósitos de desenvolvimento industrial passaram a ser administrados em função dos objetivos de estabilização monetária. Já os anos de 1990 foram ocupados pela abertura comercial, com ênfase no investimento externo direto, pela política de privatizações e afastamento do estado como agente indutor e coordenador das atividades econômicas. Em ambas as décadas, o que se viu foi desemprego crescente, baixo dinamismo da indústria nacional, exposta à concorrência predatória das importações, desnacionalização de empresas e enfraquecimento das instituições ligadas à produção. O ano de 2003 foi o marco da retomada de um processo progressivo e contínuo da construção do planejamento econômico, o qual se apresentava mais desafiador do que aquele construído a partir de 1950, uma vez que não se tratava, naquele momento, de criar setores, mas de dar dinamismo aos existentes, em meio a baixas

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taxas de crescimento, de reestruturação produtiva das empresas, políticas fiscais e monetárias restritivas. O ciclo de expansão 2004/2010 foi inicialmente impulsionado pelas exportações, que por sua vez induziram a retomada dos investimentos, os quais, mediante os mecanismos de políticas públicas (instrumentos de financiamento, desonerações fiscais, por exemplo), foram se constituindo ao longo da década em componentes da demanda agregada, decisivos para a elevação da taxa de crescimento do país. As políticas anticíclicas de crédito ao investimento e ao consumo também auxiliaram para a retomada do crescimento econômico, sem contudo ser capazes de aumentar a capacidade tecnológica das empresas brasileiras para acompanhar o ritmo do progresso técnico dos grupos econômicos transnacionais e dos serviços intensivos em conhecimento. A atual política industrial, denominada Plano Brasil Maior (PBM), reconhece que o processo de progressão industrial encontra-se interrompido, tendo em vista que o estágio da maturidade da competitividade industrial se expressa pela participação majoritária de bens de capital no total da indústria de transformação, em função dos retornos crescentes em escala, propiciados pelo desenvolvimento tecnológico e pela conexão dos serviços intensivos em conhecimento, o que acarretaria alteração da pauta exportadora brasileira, em virtude do aumento da participação desse segmento. Neste sentido, propôs várias ações voltadas para a eficiência produtiva, a modernização tecnológica e a evolução de conhecimentos estratégicos em direção à matriz tecnológica mundial com vistas às propagações intersetoriais possíveis em meio à elevação dos custos sistêmicos, esvaziamento da produção local de várias cadeias produtivas, deterioração da pauta de exportação com baixa participação de produtos manufaturados e intensivos em serviços produtivos, valorização cambial e baixa capacidade inovadora das empresas. Evidentemente, uma política industrial é um processo evolutivo, tendo em vista que o avanço do tripé produtivo, tecnológico e comercial de um país não decorre do resultado natural da acumulação de capital das empresas, mas ocorre quando as instituições nacionais constroem agendas estratégicas para estimular as inovações, preservar e fortalecer o parque produtivo nacional, mediante a construção de um ambiente de negócios propício para consolidar sua competitividade externa e doméstica.

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A despeito das desonerações tributárias, reduções tributárias, fortalecimento da política de compras governamentais através da adoção das margens de preferências e aperfeiçoamentos de instrumentos para promover a produtividade e atividades intensivas em tecnologia e de conhecimentos dentro das Cadeias Globais de Valor (CGV), não depara com uma visão clara para estimular o avanço tecnológico de segmentos produtivos específicos, nos quais o país possui vantagens reais ou potenciais no cenário mundial, evidenciando a estreita dependência com o mercado doméstico e dificuldades para acessar as cadeias de valor internacionalizadas. As principais críticas que analisam os empecilhos para promoção da participação do país nas CGV geralmente se pautam no custo Brasil e na política industrial em vigor. O primeiro caso remete para a infraestrutura inadequada para as relações comerciais, burocracia excessiva para negócios internacionais, altos spreads bancários, insegurança jurídica, baixa qualidade educacional, ausência de mão de obra qualificada, entre outros. O segundo caso diz respeito aos esforços da política industrial para promover indústrias nacionais completas e plenamente integradas nacionalmente, em vez de atuar em áreas de especialização orientadas para exportação dentro da CGV. Esse processo é constatado pela política de conteúdo local (PCL), a qual é peça-chave de um conjunto de políticas para o desenvolvimento competitivo da cadeia de fornecimento de petróleo e gás, para o setor automobilístico e para o complexo eletrônico, os quais englobam, entre outras iniciativas, linhas de financiamentos do BNDES, investimentos na formação de mão de obra e apoio às atividades de P&D. Conforme foi analisado, ao levar em consideração os aspectos positivos e negativos pela adoção da PLC, os resultados dos modelos econômicos poderão se apresentar de diversas maneiras. Adotadas as hipóteses de possibilidades de cooperação entre as firmas, geração de externalidades positivas, efeitos de aprendizado, aumento da capacidade de absorção de tecnologias e de inovação, a PCL poderá ter impacto positivo sobre o desenvolvimento industrial de um país em desenvolvimento. Porém, essa possibilidade dependerá de sua formulação e do contexto em que ela é aplicada. Existe a necessidade de aperfeiçoamento da PLC no Brasil e não sua abolição de forma generalizada. A experiência com a liberalização comercial dos anos 1990 no Brasil mostrou que os ganhos de produtividade obtidos foram rudimentares e não houve resposta efetiva para o aumento das exportações, do investimento e do emprego. A dissolução da PLC certamente agravaria, por um lado, a

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continuidade dos investimentos na indústria de bens de capital, acompanhados pelo desenvolvimento tecnológico e dos serviços intensivos em conhecimento; por outro lado, propiciaria a continuidade das importações de máquinas, equipamentos e serviços tecnológicos e a estagnação dos investimentos em P&D do país. Neste sentido, os requisitos de conteúdo local necessitam de reformulação para permitir que as empresas que atuam no Brasil revertam para a necessidade do aprimoramento tecnológico, incentivando empresas nacionais a se especializarem em produtos bem adaptados para o mercado interno e para as exportações.

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Mercado de Bens e Serviços Ambientais no Brasil

Geraldo Iran S. L. Cardoso Cássio M. Rabello Costa

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Resumo

Este trabalho analisa os padrões de atuação de empresas produtoras de bens e serviços ambientais (BSA) no Brasil, atribuindo particular ênfase ao mercado de saneamento e de tratamento de resíduos sólidos. São mostradas as características estruturais desse setor, a evolução recente do mercado brasileiro, a estrutura e o desempenho setorial, assim como a atual política industrial aplicada. A metodologia consistiu de coleta e análise de informações secundárias e entrevistas selecionadas sobre estrutura, desempenho e estratégias de atuação das empresas líderes nesse mercado, em atividade conjunta ABDI-Unicamp. Como conclusão, verifica-se que o setor se encontra com seu desenvolvimento contido pela falta de planejamento e regulação, insuficiente capacidade de investimento e pela desarticulação do arcabouço institucional de apoio à inovação. Dessa forma, é apresentada uma síntese dos instrumentos de políticas públicas aplicáveis a saneamento e tratamento de resíduos, indicando a situação atual e as recomendações para o aprimoramento das dimensões contempladas. Palavras-chave: Saneamento. Resíduos sólidos. Política industrial.

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INTRODUÇÃO O fornecimento de bens e serviços ambientais (BSA) tem se tornado recentemente uma atividade substancial de empresas público-privadas e parcerias entre elas, resultando em um mercado com um crescimento superior ao conjunto da economia. Como exemplo, o mercado de equipamentos para tratamento de águas residuais tem crescido no período de 2010 a 2015 com uma média mundial de 7,5%, e acima de 10% no Brasil e em diversos países emergentes (REBECOSAM, 2013). A classificação de atividades relacionadas com BSA tem sido adotada de maneira diversa, dependendo do setor que a utiliza, porém a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomenda uma lista abrangente de tecnologias, produtos e processos mais limpos. Esta abordagem da OCDE, adotada neste trabalho, engloba a combinação da oferta e demanda de equipamentos, produtos, tecnologias e serviços, além de gestão de recursos, podendo ser aplicada para órgãos de governo e empresas privadas (ABDI-UNICAMP, 2012). A dimensão mundial desse mercado indica um volume de recursos superior a US$800 milhões/ano, sendo aproximadamente 77% concentrados nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão (FERRIER, 2011). No Brasil, as estimativas são variáveis, mas as análises recentes consideram um mercado entre R$20 e R$30 bilhões/ano, incluindo atividades de remediação de solo, poluição, gestão de água e esgoto, além de tratamento e reciclagem de resíduos sólidos. Como pode ser verificado na Figura 1, dois segmentos específicos representam uma parcela expressiva desse universo e apresentam grande potencial de crescimento recente no Brasil: o mercado de soluções para saneamento ambiental e o tratamento de resíduos sólidos (UK TRADE & INVESTMENT, 2011). Dessa forma, este trabalho procura delimitar as cadeias produtivas nos mercados de saneamento e de tratamento de resíduos sólidos, identificando suas áreas de atuação, produtos, tecnologias, assim como a estrutura e desempenho setorial. Procura-se também identificar o impacto das políticas públicas na definição de novas oportunidades e na criação de incentivos à atuação das empresas nos seus diversos segmentos, tendo como referência geral a Lei de Saneamento (2007) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010).

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Figura 1 – Mercado de Bens e Serviços Ambientais no Brasil em setores selecionados (R$ Bilhões)

Fonte: UK TRADE & INVESTMENT. Brazil opportunities in environment & water, briefing. 2011

METODOLOGIA Este trabalho teve como base principal o estudo conjunto ABDI-Unicamp, concluído em junho/2014, intitulado Estrutura da Oferta, Estratégias Empresariais e Instrumentos de Apoio à Produção de Bens e Serviços Ambientais no Brasil. Esse estudo envolveu a coleta de informações secundárias e entrevistas selecionadas sobre estrutura, desempenho e estratégias de atuação das empresas líderes atuantes nos principais segmentos desse mercado. Adicionalmente, foram realizadas pesquisas regulares na internet pela ABDI sobre empresas brasileiras desse setor, gerando um inventário de ações aplicadas por instituições brasileiras com relação à produção sustentável e mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), assim como instrumentos que vêm sendo aplicados para melhoria das atividades de BSA. Foram também realizadas articulações com as entidades mais representativas dos setores de saneamento e reciclagem de resíduos sólidos no Brasil, visando a conhecer suas características, fatores de competitividade e barreiras ao crescimento de suas atividades. Conforme ilustrado na Figura 2, o processo produtivo, iniciando-se com a obtenção de matérias-primas, passando pelo beneficiamento e geração de bens de capital ou de consumo, culmina com geração de resíduos “pós-consumo”. Partindo-se

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do princípio de que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (LAVOISIER, 17--), as atividades produtivas que visam a eficiência energética, a otimização de processos (produção mais limpa) e a reinserção de resíduos pósconsumo no processo produtivo (logística reversa) devem cada vez mais ocupar o core business das políticas industriais no Brasil. É o que tem sido observado nos países mais desenvolvidos, com geração de emprego, renda e melhores condições de vida para as populações. Esse mercado tem sido mundialmente estimulado sob a designação de environmental goods and services (EGS), ou bens e serviços ambientais (BSA). Esses conceitos são aplicados ao longo deste trabalho.

Figura 2 – Perspectivas das cadeias produtivas incluindo a logística reversa

Fonte: elaboração própria, 2014.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Características Estruturais dos Setores de Saneamento e Resíduos Sólidos Nas atividades de saneamento, é possível distinguir diversas etapas relacionadas ao abastecimento de água e ao tratamento de águas residuais (esgotos), conforme ilustrado pela Figura 3.

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Figura 3 – Cadeia de valor no abastecimento de água e esgoto

Fonte: PEÇAS, J.M.A.P. Economias de escala no setor das águas em Portugal: Uma reflexão crítica. Tese (mestrado) - Universidade Técnica do Porto, 2013.

Além das atividades de tratamento de água e esgoto, a cadeia de saneamento inclui desde prestadores de serviços a produtores de máquinas e equipamentos. Essas atividades abarcam um grande número de empresas, tais como as que produzem tubos e conexões usados nas redes, até as empresas que produzem equipamentos mais sofisticados para automação de sistemas. Avaliações apontam que quatro segmentos da cadeia produtiva – canalização, bombas, hidrômetros e equipamentos utilizados nas Estações de Tratamento de Água (ETA) e Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) – representam 80% dos investimentos em saneamento, sendo que somente os gastos com canalização representariam 50% desses investimentos (ABDI-UNICAMP, 2014). Na construção de uma rede de águas, por exemplo, os insumos utilizados para construir os tubos podem responder por até 70% do valor da obra (UK TRADE & INVESTMENT, 2011). Outros fatores que compõem os custos seriam os produtos químicos destinados ao tratamento da água e do esgoto. O setor também tem gastos significativos com energia. Existe também um conjunto de custos ligado à elaboração de estudos técnicos, gerenciamento de projetos e consultoria ambiental.

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A Figura 4 ilustra a sequência de etapas associadas à gestão de resíduos sólidos (ESTTRE AMBIENTAL, 2014). Na entrada do sistema, é possível distinguir os resíduos sólidos urbanos (RSU), comerciais/industriais e os resíduos perigosos. Os RSU são gerados a partir dos serviços de limpeza, realizados por prestadores de serviços de coleta e varrição. Os resíduos de origem comercial ou industrial são gerados a partir de atividades de separação e gerenciamento, enquanto os resíduos perigosos são submetidos a controles mais rígidos (ABDI-UNICAMP, 2014). Uma etapa intermediária para o aproveitamento econômico dos resíduos envolve a logística de coleta e transbordo desses resíduos no intuito de transferi-los para atividades de valorização e tratamento final. Essa logística, no caso dos RSU e dos de origem comercial e industrial, envolve atividades de coleta tradicional, coleta seletiva, entrega voluntária e logística reversa. Na etapa subsequente de valorização e tratamento final, os RSU e os de origem comercial e industrial são dispostos em aterros de diferentes tipos e geridos por agentes específicos. As etapas de valorização e tratamento final de resíduos incluem atividades de gestão de aterros, geração de energia e reciclagem de materiais. As atividades realizadas por agentes especializados nos diferentes estágios da cadeia de geração, coleta, processamento e conversão de resíduos são suportadas por empresas fornecedoras de bens de capital e serviços (engenharia, consultoria, etc.) (UK TRADE & INVESTMENT, 2011). Figura 4 – Cadeia de valor de reciclagem de resíduos sólidos

Fonte: elaboração própria

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EVOLUÇÃO RECENTE DO MERCADO BRASILEIRO DE SANEAMENTO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS A atratividade dos mercados de serviços de saneamento no Brasil tende a ser reforçada em função da necessidade de acelerar investimentos em infraestrutura para reduzir o gap existente na cobertura e na qualidade desses serviços. Para um total de investimentos em infraestrutura de aproximadamente R$1,305 trilhão realizado no Brasil entre 2003 e 2012, aproximadamente R$70,7 bilhões (equivalentes a somente 5,1% daquele total) foram direcionados para a área de saneamento, conforme mostrado na Figura 5. Desse total, 93,9% foram realizados por agentes públicos e apenas 6,1% por agentes privados, conforme ilustrado pela Figura 6 (TAVARES, 2013).

Figura 5 – Investimentos em Infraestrutura acumulados no período 2003-2012

Fonte: TAVARES, R.P. Financiamento de longo prazo ao saneamento. Infraestrutura e Saneamento CAIXA. São Paulo/SP, 21 ago. 2013

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Figura 6 – Investimento público e privado na infraestrutura 2003-2012

Fonte: TAVARES, R.P. Financiamento de longo prazo ao saneamento. Infraestrutura e Saneamento CAIXA. São Paulo/SP, 21 ago. 2013

A crescente participação das empresas privadas no setor de saneamento pode ser observada na Figura 7. A taxa composta de crescimento anual média (CAGR) passou a ser de 4,5% em períodos anteriores à Lei de Saneamento, para 11,6% após a promulgação da referida lei, atingindo valores acima de R$7 milhões a partir de 2013 (SNIS, 2013). Figura 7 – Evolução da participação do setor privado em investimento no setor de saneamento

Fonte: SNIS, 2013

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O potencial econômico do mercado associado à gestão de resíduos sólidos no Brasil resultou em um crescente interesse da iniciativa privada pelo setor. Ao longo das duas últimas décadas, o setor privado construiu no Brasil uma infraestrutura especializada na destinação de resíduos. A dinamização do mercado privado de tratamento de resíduos sólidos está fortemente vinculada com as diretrizes definidas, a partir de 2010, pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Este novo cenário abre oportunidades para novos empreendimentos em todas as etapas do gerenciamento de resíduos sólidos: limpeza urbana, logística reversa, triagem e reciclagem, recuperação de resíduos, desenvolvimento de novas aplicações para materiais reciclados, aproveitamento energético, transporte, etc., além de estruturas administrativas para planejamento e controle. Informações sobre a evolução da receita no país com tratamento de resíduos entre 2005 e 2012, apresentadas na Figura 8, indicam um crescimento expressivo. Ao longo do período, a receita obtida com o tratamento de RSU cresceu de R$239 milhões para R$704 milhões; já a receita obtida com o tratamento de resíduos industriais cresceu de R$375 milhões para R$1,814 bilhão no mesmo período. Evidencia-se assim maior crescimento do segmento de tratamento de resíduos industriais, comparativamente aos resíduos urbanos (ABETRE, 2013). Figura 8 – Crescimento da receita com tratamento de resíduos

Fonte: ABETRE, 2013.

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ESTRUTURA E DESEMPENHO SETORIAL Procurou-se caracterizar a evolução recente das atividades investigadas com base na utilização de informações estatísticas oficiais brasileiras. Neste sentido, um primeiro aspecto considerado foi a identificação dessas atividades na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE, 2012). Foram selecionadas três divisões da CNAE 2.0: 36 – Captação, tratamento e distribuição de água; 37 – Esgoto e atividades relacionadas, além da divisão 28, referente à indústria de fabricação de máquinas e equipamentos. De modo a captar a dinâmica recente do setor de coleta, tratamento e reciclagem de resíduos, foram selecionadas duas divisões da CNAE 2.0: 38 – Coleta, tratamento e disposição de resíduos; Recuperação de materiais; 39 – Descontaminação e outros serviços de gestão de resíduos. Outra fonte relevante neste estudo foi a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que fornece dados anuais detalhados em termos de número de estabelecimentos, total de empregos e remunerações geradas nos diversos ramos de atividades. A oferta de BSA no Brasil, expressa na Figura 9 pelo número de estabelecimentos registrados em 2012 na RAIS-MTE, indica um total de 9.043 empresas, sendo 3.452 com atuação em saneamento e 5.591 dedicadas a tratamento de resíduos sólidos. Figura 9 – Oferta de Bens e Serviços Ambientais no Brasil – Número de estabelecimentos

Fonte: RAIS, 2012.

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Figura 10 – Número de empresas brasileiras dedicadas a equipamentos para saneamento

Fonte: RAIS, 2012.

Com relação ao segmento de saneamento, houve pouca alteração no número de empresas atuantes no setor no período de 2008 (ano de crise financeira internacional) até 2012. Porém o número de estabelecimentos brasileiros dedicados à produção de máquinas e equipamentos para saneamento caiu de 329 empresas em 2008 para um patamar inferior, chegando a 284 empresas em 2012, conforme mostrado na Figura 10. Como os serviços de saneamento estão crescendo no país, há clara indicação de que a demanda está sendo suprida por equipamentos importados. O número de empresas dos setores de tratamento de resíduos sólidos e reciclagem de material tem aumentado de modo substancial nos últimos anos, conforme mostrado na Figura 11. Este crescimento tem sido suprido, em boa parte, por equipamentos importados. O número de empregos nesse setor cresceu 45% entre 2008 e 2012, totalizando 185.233 profissionais.

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Figura 11 – Número de empresas brasileiras dedicadas Tratamento de Resíduos e Reciclagem de Materiais

Fonte: RAIS, 2012.

ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS NOS SETORES DE SANEAMENTO E RESÍDUOS SÓLIDOS Nos últimos anos, a expansão do mercado de tecnologias ambientais favoreceu o processo de consolidação no setor, dentro e fora do Brasil. As principais empresas que comandam a dinâmica da oferta de soluções integradas nos segmentos investigados (saneamento ambiental e resíduos sólidos) crescentemente operam de maneira autônoma ou consorciada. Atuam na fabricação e distribuição de equipamentos, na prestação de serviços e no fornecimento de pacotes completos (incluindo projeto, construção, equipamento e operação) de soluções ambientais. Na esfera empresarial, verifica-se uma tendência ao fortalecimento da atuação de grandes grupos econômicos com atuação diversificada no mercado ambiental,

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ancorados em geral em alguma atividade que lhes garanta um grande fluxo de receitas, tais como o tratamento de resíduos sólidos e a operação de grandes projetos de saneamento. Com recursos próprios ou com o apoio de fundos de investimento, observa-se uma tendência à criação de “holdings ambientais” no Brasil, com a consolidação desses grupos, reproduzindo uma tendência observada no cenário internacional. A seguir relatamos exemplos de empresas de controle estatal e privado, que tem crescido e atuado como holdings. A presença de empresas de grande porte atuantes no setor de saneamento e resíduos sólidos não se resume a grupos privados. Entre as concessionárias de serviços públicos, a Sabesp destaca-se pela elevada capacidade técnica e financeira, pela preocupação com a modernização da governança corporativa e pela preocupação com o domínio de novas tecnologias capazes de alavancar a exploração de novas oportunidades de negócios no setor. A receita operacional da empresa atingiu R$10,8 bilhões em 2012, com um crescimento de 38% em relação a 2008, conforme ilustrado na Figura 12. O aperfeiçoamento da gestão possibilitou à Sabesp investir R$2,5 bilhões em 2012, também em processo contínuo de crescimento no período recente. No entanto, este investimento anual, que é acima de 25% da receita operacional, não é suficiente para o atendimento das demandas de abastecimento de água e saneamento. Figura 12 – Histórico Recente de Receita Operacional Líquida e de Investimentos da Sabesp – R$ bilhões A Foz do Brasil (atual Odebrecht Ambiental) tem como objetivo investir e operar projetos ambientais e prestar serviços com foco em três segmentos: 1) Água e Esgoto, por meio de parcerias e concessões públicas; 2) Operações Industriais, associadas à terceirização de centrais de utilidades; 3) Gestão de Resíduos, associada ao diagnóstico e remediação de áreas contaminadas, monitoramento de águas superficiais e subterrâneas, além de valorização energética dos RSU. No segmento industrial, atua junto a clientes dos setores de petróleo, mineração, siderurgia e petroquímica. No segmento Serviços Ambientais, destaca-se o primeiro contrato internacional para remediação de solo, tendo a Petrobras como cliente. Em termos de indicadores financeiros, a Tabela 1 mostra a evolução da receita bruta e Ebitda em dois anos consecutivos recentes. O crescimento de 47% na receita bruta e 21% no Ebitda (valores em US$) em apenas um ano dá uma indicação clara da importância e da evolução desse setor.

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Tabela 1 – Indicadores Econômicos – Odebrecht Ambiental Receita Bruta (em milhões)

EBITDA (em milhões)

R$

US$

R$

US$

2011

913

487

209

111

2012

1.462

715

273

134

Fonte: Grupo Odebrecht, Relatórios de Atividade, 2012.

As duas empresas citadas fizeram recentemente uma parceria público-privada (PPP) como sociedade de propósito específico (SPE), com participação de 51% da Foz do Brasil (Organização Odebrecht) e 49% da Sabesp. Essa parceria criou a Aquapolo Ambiental, que entrou em operação em 2012, sendo o maior projeto de água de reúso do Hemisfério Sul, tendo como objetivo fornecer mil litros de água por segundo para a Braskem (também do grupo Odebrecht) no Polo Petroquímico de Capuava/SP. Outras parcerias têm sido firmadas entre essas duas empresas, além de outras holdings ambientais que atuam no Brasil, tais como Grupo Solvi, CAB Ambiental, Foxx-Haztec, entre outras (GRUPO ODEBRECHT, 2012).

PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO As inovações tecnológicas no setor de saneamento aplicam-se em toda a cadeia produtiva setorial, desde a gestão de recursos hídricos, passando pela captação, tratamento de água, adução, reservação, distribuição, tratamento de esgoto, água de reúso e disposição do lodo. Adicionalmente, ao se considerar gestão de

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resíduos sólidos urbanos e industriais, também é possível vislumbrar uma série de possibilidades de inovação, articuladas às etapas de controle das condições de deposição, incineração, reciclagem e reaproveitamento energético. Com respeito ao abastecimento de água, há várias linhas de inovações a serem exploradas. As principais alternativas tecnológicas com potencial de desenvolvimento envolvem o controle de perdas físicas nos sistemas de abastecimento, o reúso intensivo de água, técnicas de coleta de água de chuva. Adicionalmente, há oportunidades de soluções ambientais relacionadas ao fornecimento, tratamento, segurança sanitária e uso racional da água, melhorias na hidrometração, controle de perdas, dessalinização, abrandamento de águas salobras e minimização de impactos ambientais. O potencial do mercado de saneamento tem resultado em estímulos ao desenvolvimento de novas soluções técnicas no tratamento de água e esgoto, intensificando-se nos últimos anos. No Brasil esses desenvolvimentos são incipientes, mas são oferecidos por um conjunto de empresas com padrão de atuação internacional, conforme ilustrado pela Figura 13 (ROYAN, 2012). Figura 13 – Roadmap Tecnológico de Soluções para Tratamento de Água e Empresas Especializadas – 1980-2020

Fonte: ROYAN, F. Investor Briefing: Water – An attractive investor opportunity. 2012.

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Algumas soluções inovadoras aplicáveis aos resíduos sólidos urbanos visam a reduzir a disposição em aterro de materiais com potencial de reciclagem. Objetivase a erradicação dos lixões ou sua reabilitação na forma de aterros controlados, explorando oportunidades de negócio na reciclagem e fomentando a produção e o consumo conscientes e sustentáveis, conforme preconizado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. As principais alternativas para tratamento de resíduos urbanos são ilustradas pela Figura 14. Figura 14 – Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos e Lodos

Fonte: SINDESAM-ABIMAQ. Práticas e Processos Inovadores em Tratamento de Água e Efluentes, Reúso e Aproveitamento Energético de Lodo e Resíduos Urbanos. jun. 2013.

As tecnologias mais avançadas para tratamento de resíduos sólidos envolvem a separação de materiais valiosos, tais como papel, metais, vidro e plásticos, com o intuito de aumentar a viabilidade econômica do processo. A coincineração tende a ser uma alternativa mais viável, para plásticos separados e pneus velhos. Os resíduos biológicos, quando recolhidos em separado, podem ser direcionados para compostagem ou para a produção de biogás, utilizado na geração de eletricidade e calor. Embora haja pouco investimento em P&D industrial nesses setores, é digno de nota o programa Inova Sustentabilidade, uma iniciativa conjunta do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BN-

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DES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) com a finalidade de coordenar as ações de fomento à inovação e aprimorar a integração dos instrumentos de apoio disponíveis para investimentos em meio ambiente (FINEP, 2014).

PROPOSTAS DE APRIMORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Conforme mostrado anteriormente, este estudo indicou que o setor de bens e serviços ambientais tem apresentado resultados expressivos no Brasil, com faturamento da ordem de R$30 bilhões por ano e com grande potencial de crescimento e geração de emprego e renda. Além disso, esse setor é altamente dependente de atividades público-privadas, tendo sido bastante alavancado pelas recentes Lei de Saneamento (2007) e Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010). Por outro lado, há ameaças, que levam à estagnação e até ao encolhimento da indústria brasileira, gerando elevadas importações de equipamentos, tecnologias e produtos aplicáveis a esse segmento. Pelo exposto, é fundamental a articulação do setor governamental com o setor privado em torno dessa agenda, devendo ser considerado com prioridade na política industrial brasileira. Dessa forma, com base em pesquisas por meio de fontes secundárias e entrevistas realizadas com empresas, é apresentada a seguir uma síntese dos instrumentos de políticas públicas aplicáveis aos setores de saneamento e tratamento de resíduos, indicando a situação atual e as recomendações para o aprimoramento nas diversas dimensões contempladas. Planejamento Setorial •

Incapacidade de planejamento por parte de titulares de serviços (municípios, principalmente).



Necessário adequar prazos de exigências para evitar hiato na liberação de recursos, prevenindo impactos na paralisação das ações em desenvolvimento.

Regulação •

Indefinições quanto à titularidade de água e esgoto, assim como de parcerias entre poderes para tratamento de resíduos.

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Necessário adequar legislação e incentivos para formação de PPP, incluindo modelos de locação de ativos e joint ventures.

Gestão de Recursos Hídricos •

Investimentos necessários em obras de demandas urbanas de água até 2025 estimados em R$22,2 bilhões.



Necessário agilizar aplicação reembolsável de recursos arrecadados com cobrança pelo uso da água, visando a financiamento de ações.

Regras de Contratação e Obras Públicas •

Atualmente aquisições pela Lei nº 8.666, com restrições rígidas.



Necessário disseminar modelos de contratação integrada ou contratos Engineering, Procurement and Construction (EPC).

Política de Conteúdo Local •

Desarticulação atual entre aquisições realizadas no setor através de compras públicas e a política industrial/tecnológica.



Importante adotar conceito de “Conteúdo Nacional” utilizado pelo BNDES na realização de compras públicas, concessões e financiamentos.

Financiamento •

Maioria dos investimentos é financiada com recursos de fontes tarifárias, incapazes de sustentá-los.



Necessário mobilizar esquemas alternativos de financiamento para a viabilização de projetos de parceria público-privada (PPP).

Tributação •

Setores de saneamento e resíduos sólidos influenciados por regras tributárias essencialmente instáveis.



Conceder incentivos fiscais, financeiros ou creditícios para indústrias e

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entidades dedicadas ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos. •

Desoneração dos tributos indiretos incidentes nas cadeias de logística reversa.

Eficiência Operacional •

Falta de escala para viabilização de empreendimentos de maior porte, que incluam a recuperação energética dos resíduos.



Estruturação de consórcios municipais para a gestão conjunta dos resíduos urbanos.

Normalização Técnica Necessidade de atualização permanente de normas técnicas, considerando os desenvolvimentos tecnológicos setoriais. Adequação de normas técnicas a novos desenvolvimentos tecnológicos, como reaproveitamento energético de resíduos e do reúso de água. Incentivos à Inovação •

Maiores empresas mundiais possuem áreas robustas de pesquisa e desenvolvimento em saneamento/resíduos (incomum no Brasil).



Aperfeiçoamento do arcabouço institucional de apoio à intensificação de esforços inovadores dos agentes atuantes no setor, utilizando como base o programa Inova Sustentabilidade.



Fortalecer programas de pesquisa de natureza colaborativa entre empresas com maior nível de capacitação e instituições acadêmicas de excelência.

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CONCLUSÕES O mercado de bens e serviços ambientais movimenta globalmente valores próximos a US$1 trilhão por ano, notadamente em países desenvolvidos como Estados Unidos, Japão e nações da Europa Ocidental. No entanto, a taxa de crescimento atual desse setor é maior em países emergentes, em particular na América Latina, na qual cresceu em média 13% no período de 2010 a 2015, com desempenho no Brasil bem superior a outros segmentos da economia. Nos últimos anos, esse mercado tem sido impulsionado no Brasil por mudanças institucionais, principalmente pela Lei de Saneamento e pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. O número de empresas desse setor tem crescido substancialmente no país, atingindo mais de 9.000 estabelecimentos e números de empregos superiores a 300.000 em atividades de saneamento, tratamento de resíduos e reciclagem. Por outro lado, o número de empresas dedicadas à produção de bens de capital para esses setores tem caído, indicando que a crescente demanda tem sido suprida por máquinas e equipamentos importados. A expansão do mercado tem favorecido o processo de consolidação desses setores com atuação ambiental, com tendência à criação de holdings ambientais, tanto no setor privado quanto por meio de concessionárias de serviços públicos. As grandes empresas nacionais têm investido valores substanciais, mas que não são suficientes para atendimento da demanda. Apesar de estímulo do mercado, o desenvolvimento de novas soluções técnicas tem sido incipiente no Brasil, sendo oferecidas por empresas que atuam globalmente. O setor de bens e serviços ambientais encontra-se com seu desenvolvimento contido pela falta de planejamento e regulação, por incongruências da estrutura tarifária, pela insuficiente capacidade de investimento e de endividamento dos prestadores públicos de serviços, por deficiências nas práticas de gestão e pela desarticulação do arcabouço institucional de apoio à inovação no setor. Dessa forma, com base em análises de fontes secundárias e entrevistas com especialistas do setor, é proposto neste trabalho um conjunto complementar de medidas, incluindo modelos mais eficazes de regulação e formas de organização institucional e empresarial que sejam funcionais para realizar um salto quantitativo e qualitativo na prestação dos seus serviços.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDI-UNICAMP. Competitividade do Setor de Bens e Serviços Ambientais. set. 2012 ABDI-UNICAMP. Estrutura da Oferta, Estratégias Empresariais e Instrumentos de Apoio à Produção de Bens e Serviços Ambientais no Brasil, jun. 2014. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS (ABETRE). Perfil do setor de tratamento de resíduos. 2013. (adaptado por ABDI). INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). 2012. ENVIRONMENTAL BUSINESS INTERNATIONAL INC. In: FERRIER, 2011. ESTRE AMBIENTAL. 8ª Conferência Nacional de Saneamento. São Paulo, abr. 2014 (adaptado por ABDI). GRUPO ODEBRECHT. Relatórios de Atividade. 2012. PEÇAS, J.M.A.P. Economias de escala no setor das águas em Portugal: Uma reflexão crítica. Tese (mestrado) - Universidade Técnica do Porto, 2013. FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS (FINEP). Programa Inova Sustentabilidade. 2014. REBECOSAM. A growing market for wastewater treatment. Foresight, fev. 2013. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE). Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). 2012. ROYAN, F. Investor Briefing: Water – An attractive investor opportunity. 2012. (adaptado por ABDI) SABESP – Encontro de Fornecedores 2012. (adaptado por ABDI) SINDESAM-ABIMAQ. Práticas e Processos Inovadores em Tratamento de Água e Efluentes, Reúso e Aproveitamento Energético de Lodo e Resíduos Urbanos. jun. 2013. (adaptado por ABDI) TAVARES, R.P. Financiamento de longo prazo ao saneamento. Infraestrutura e Saneamento CAIXA. São Paulo/SP, 21 ago. 2013 (adaptado por ABDI). UK TRADE & INVESTMENT. Brazil opportunities in environment & water, briefing. 2011. (adaptado por ABDI)

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Conteúdo Local como instrumento de política industrial

Miguel Antônio Cedraz Nery

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Resumo

O termo “conteúdo local” expressa a porção de bens e serviços, genuinamente nacional, adquirida por empresas em operação no país. Desta forma, as medidas relacionadas ao estabelecimento de conteúdo local (CL) contribuem para o adensamento produtivo do tecido industrial, ou seja, para o desenvolvimento de fornecedores no mercado doméstico, tendo por consequência a geração de emprego e renda no país. Como uma estratégia de política industrial, CL mínimo tem sido objeto de vários dispositivos regulatórios, fiscais ou creditícios, como contrapartida pelos benefícios auferidos. Neste trabalho, busca-se fazer uma compilação de anotações feitas a partir de discussões em reuniões e seminários e de pesquisa bibliográfica, visando a sistematizar a experiência brasileira no uso da política de conteúdo local em alguns setores específicos e seus efeitos no desenvolvimento industrial brasileiro. Palavras-chave: conteúdo local, politica industrial, tecnologia

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INTRODUÇÃO Ao longo da história da civilização moderna, constata-se que todo país que galgou o patamar de nação industrializada, só logrou tal condição sob o lastro de políticas públicas robustas, combinadas com esforços locais de investidores. Como não existe uma nação forte econômica e socialmente sem uma indústria competitiva, o avanço industrial de um país é condição necessária para que seja considerado desenvolvido. Para tanto, é indiscutível que a atividade industrial venha a contribuir com maior quantidade e qualidades dos postos de trabalho, além de revelar um grande poder de irradiação sobre outros setores da economia. Galgar o status de país industrializado é de fato um grande desafio para os países de modo geral e para seus governos em particular. A superação desse desafio exige diversas iniciativas políticas de estímulo à produção nacional de bens e serviços, consubstanciadas em medidas que muitas vezes são adotadas de maneira isolada, a partir de demandas advindas de cada segmento da indústria nacional. Tais iniciativas políticas, sistêmicas ou setoriais, proporcionam condições mais competitivas para que ocorra a atração do investimento fixo, que contribua com a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico inovador, sempre com ganho em produtividade ou em diferencial de produto. No caso do Brasil, nos últimos anos, um conjunto de medidas e instrumentos tem sido adotado visando a contribuir para o fortalecimento da competitividade da indústria nacional e para o desenvolvimento das cadeias produtivas nos diversos segmentos industriais. Tais medidas e instrumentos, além de estimular a produção nacional, contribuem ainda para a ampliação de investimentos em inovação (OLIVEIRA, 2009)1. O denominado Plano Brasil Maior é a política pública industrial do governo brasileiro no período de 2011 a 2014, tendo visado a estimular o desenvolvimento da indústria nacional, com focos na inovação tecnológica e no adensamento produtivo.

1 Cit. in FREIRE et al., 2013.

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As várias medidas adotadas no âmbito da política buscaram elevar o nível de competitividade da indústria nacional ou pelo menos minimizar os efeitos da concorrência desleal externa que vem impactando esse segmento produtivo nos últimos anos. O longo período de juros altos e a elevada valorização do real no período recente inibiram os investimentos, tanto no aumento da capacidade de produção como em modernização das fábricas brasileiras. Em alguns casos, tornou-se mais atrativo importar e distribuir produtos, ou mesmo apenas montálos no país, do que investir na produção integralmente nacional. Mecanismos regulatórios que contemplam a exigência de conteúdo local têm sido adotados e se constituem em importante instrumento de política industrial, quando aplicada preferencialmente em toda uma cadeia produtiva. As exigências de conteúdo local passaram a constar de dispositivos em marcos legais, sobretudo dos setores regulados da indústria. Alguns desses segmentos merecem destaque: petróleo, gás e naval e energias renováveis, os quais foram objeto deste trabalho. Dispositivos previstos em marcos legais, em especial naqueles setores considerados “monopólios naturais”, têm estimulado a nacionalização do fornecimento de bens e serviços e, cada vez mais, ganham relevância como fator de desenvolvimento de suas respectivas cadeias. As exigências de conteúdo local são usadas como contrapartida pela obtenção de algum benefício regulatório e técnico, que ficam condicionados ao cumprimento de compras de bens e serviços produzidos no país. Esse raciocínio estende-se para os casos dos regimes especiais instituídos para incentivar outros setores industriais do país, com semelhantes tratamentos em virtude de possíveis benefícios fiscais. Também é aplicável em financiamentos por bancos públicos, em que o acesso ao crédito em condições facilitadas para investimentos em unidades industriais permite ao agente financeiro exigir conteúdo local. Ações que visam a fortalecer a indústria são adotadas por diversos países, e aqueles que não protegem o seu parque produtivo podem ser vítimas de sua própria inércia, levando a nação a assumir um alto custo social. Em passado recente, as principais economias, incluindo Estados Unidos, transferiram a sua manufatura para o sudeste asiático, mais especificamente para a China, com a justificativa de que seria mais competitivo e rentável importar um produto e distribuí-lo no mercado do que investir para produzi-lo no país.

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A crise internacional, iniciada em 2008 e que perdura até hoje, vem demonstrando que o abandono da manufatura e a mercantilização de uma economia não é uma via promissora. Os Estados Unidos têm, nos últimos anos, tentado aquecer sua economia e recuperar a sua manufatura, sem grande sucesso. A tarefa tem se mostrado mais difícil que o inicialmente previsto, devido à forte exportação de empregos industriais realizada nas décadas de 1980 e 1990, com a transferência da manufatura americana para o sudeste asiático. Recentemente, o governo dos Estados Unidos implantou o programa Buy American, visando a fomentar a compra de bens americanos e buscar a reindustrialização do país. Na prática, o referido programa não deixa de ser um estímulo ao conteúdo local naquele país. O fortalecimento da indústria de um país é uma decisão de pulso e às vezes polêmica, mas é um dever de todo governo que visa à criação de uma atividade econômica robusta e de uma sociedade mais justa e menos desigual. Toda ação de política econômica tem seus efeitos sobre o conjunto dos segmentos da indústria. Analisar possibilidades e implementar soluções apropriadas para toda a sociedade deve sempre ser o objetivo final. O Plano Brasil Maior (PBM) recentemente aumentou o número de setores desonerados dos encargos sociais sobre a folha de pagamentos e está, de modo crescente, introduzindo a exigência de conteúdo local nas principais cadeias produtivas da indústria de transformação. Além disso, o governo elevou o imposto de importação de cem produtos e estuda o mesmo aumento para outros cem, dentre outras medidas. As medidas de defesa da produção nacional, embora tenham apoio da imensa maioria do setor empresarial brasileiro, têm suscitado críticas externamente. As críticas são de que se configuram como medidas protecionistas. Vale ressaltar que tais oposições são feitas na maioria das vezes por países que praticam, há muito tempo, políticas de defesa da sua produção nacional, seja pela desvalorização de suas moedas, seja pela imposição de barreiras não tarifárias e até mesmo pela utilização de mecanismos de conteúdo nacional ou regional, similares aos utilizados no Brasil e no Mercosul. No âmbito do Mercosul, o conteúdo local tem sido tratado, em alguns casos, como conteúdo regional. Esse tratamento está alinhado com o PBM, visto que o plano prevê a integração produtiva, de modo a que as regras de conteúdo local nacional tornar-se-iam aplicáveis ao Mercosul. Para que isso passe a ocorrer de fato é

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necessário que os produtos de outros países sejam certificados sob as regras de conteúdo local do Brasil. Acordos bilaterais entre Brasil e alguns país do Cone Sul também utilizariam o conceito de conteúdo regional nas relações de livre comércio.

CONCEITO DE CONTEÚDO LOCAL Como um instrumento de política industrial, o termo “conteúdo local (CL)” significa, em termos gerais, a porção de bens produzidos ou de serviços prestados, genuinamente nacionais, adquirida por empresas em operação no país. Segundo a Lei nº 12.351/2010, Capítulo II – Das Definições Técnicas, o CL é definido como: “a proporção entre o valor dos bens produzidos e dos serviços prestados no país, para execução do contrato, e o valor total dos bens utilizados e dos serviços prestados para essa finalidade”. O CL, assim, é medido por meio de uma simples relação matemática, em que se apura o percentual de valor nacional (local) existente em cada bem (produto/ equipamento/serviço). Considera-se o preço de venda do bem efetivamente praticado (excluídos IPI e ICMS) e diminui-se dele o valor dos componentes importados do bem. Ao se aplicar a divisão desse valor pelo preço de venda, obtémse o percentual de CL que tal bem possui. Se o bem não for industrializado no país, somente importado e vendido no país por um preço maior, a fórmula não se aplica, devendo o CL ser considerado sempre “zero”. Fato é que, seja nos processos de concessão pública do governo federal, atuais e futuros, ou nos financiamentos de projetos efetuados por bancos públicos, ou ainda nos regimes tributários especiais, a política de conteúdo local tem consistido em um eficiente instrumento de fomento ao adensamento produtivo em diversas cadeias industriais do país.

EXIGÊNCIA DE CONTEÚDO LOCAL MÍNIMO A política de se exigir CL mínimo nessas circunstâncias, conforme já comentado, traz consigo cinco vantagens para o fortalecimento da indústria nacional: a geração de empregos no país, a qualificação de mão de obra para a indústria, uma expressiva economia de divisas com saldo na balança de comercial, a atração de investimentos produtivos, além do desenvolvimento tecnológico nacional, visando à produção de bens com maior valor agregado. O pano de fundo da exigência de CL

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mínimo é promover-se aquisição de bens e serviços locais em bases competitivas, estimulando o setor industrial do país e as cadeias de valor. Entretanto, a adoção de critérios de exigência de conteúdo local em alguns setores sem considerar a capacidade de oferta nacional pode, ao invés de estimular a indústria produtiva nacional, contribuir com a elevação do custo de investimento fixo, retirando a competitividade, o que conflitaria com o propósito da política de adensamento produtivo e de nacionalização da indústria. São incluídas no rol dessas aquisições aceitáveis como CL: os bens materiais, componentes, equipamentos e sistemas, serviços e até conteúdo tecnológico. Desta forma, medidas que contemplem CL mínimo têm de vir acompanhadas de exigências de investimento em PD&I, com o que se pode elevar a competitividade e a produtividade. Na maioria dos programas em que CL é exigido, o índice de participação mínima média tem sido de 60% do preço de venda do bem ou de 60% das peças e componentes utilizados no processo produtivo. Neste último caso, muitas variáveis acabam “inchando” a base de cálculo do CL, subestimando o percentual de CL quando aferido pelo conceito de peças sobre peças, o que não necessariamente traduz a realidade da melhor forma, porque alguns aspectos ou variáreis podem contribuir para uma superestima na apuração do conteúdo local, como tributos, margens de lucro e de transporte, salários e remunerações e insumos não comercializáveis (por ex.: água e energia elétrica, serviços de limpeza, contabilidade, jurídicos, etc.), os quais são contabilizados cumulativamente ou em duplicidade.

EXIGÊNCIAS DE CL EM SETORES ESPECÍFICOS Exigências para atendimento de conteúdo local mínimo (CL) são práticas necessárias e adotadas por vários países e visam a contribuir para que se tenha a melhor geração de emprego, renda e atendimento da própria indústria e da sociedade. O Brasil, por ser um país signatário de acordos de comércio exterior, ao adotar políticas que visam ao adensamento produtivo, deve observar as regras internacionais, particularmente aquelas estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). As exigências de CL mínimo nas aquisições de bens e serviços locais trazem especificidades quando vistas caso a caso.

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A CADEIA DE PETRÓLEO, GÁS E NAVAL (P,G&N) Para o Prominp, conteúdo local é a proporção dos investimentos nacionais aplicados em determinado bem ou serviço, correspondendo à parcela de participação da indústria nacional na produção desse bem ou serviço. Assim, quando uma plataforma, por exemplo, possui alto índice de conteúdo local, significa que os bens e serviços utilizados em sua construção são, em grande parte, de origem nacional e não importada. Os Contratos de Concessão para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural, firmados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) com as empresas vencedoras nas Rodadas de Licitações incluem a Cláusula de Conteúdo Local, que estabelece um valor percentual mínimo de valor agregado no país para cada tipo de equipamento ou sistema. Desde a primeira Rodada de Licitações, ocorrida em 1999, a ANP define requisitos mínimos de conteúdo local em seus contratos de concessão com as operadoras vencedoras, para investimentos realizados nas fases de exploração e desenvolvimento da produção. A cláusula de conteúdo local desses contratos estabelece que seja dada preferência à compra de bens ou serviços no país sempre que suas ofertas apresentem condições de preço, prazo e qualidade equivalentes às de outros fornecedores convidados a apresentar propostas, o que favoreceu o aumento da participação da indústria nacional, em bases competitivas, nos projetos de exploração e desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural. A exigência de conteúdo local mínimo nos contratos de concessão dos blocos exploratórios da ANP provocou a necessidade da criação de uma forma única de medição que assegurasse uniformidade, transparência e credibilidade aos diversos agentes atuantes no setor de petróleo e gás natural do Brasil. Neste contexto, foi criada em 2004 a Cartilha de Conteúdo Local do Prominp. Essa cartilha define uma metodologia de cálculo do CL de bens, sistemas, subsistemas e serviços relacionados ao setor e busca identificar a origem de fabricação dos componentes que compõem cada equipamento, pondera o valor dos insumos importados em comparação ao valor do bem e consolida-os no Índice de Conteúdo Local. Com o edital da Sétima Rodada de Licitação de blocos exploratórios da ANP, de 2005, foi aprovada a cartilha desenvolvida pelo Prominp como metodologia oficial

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para a aferição do CL, sendo anexada ao Contrato de Concessão. Em 2007, a cartilha foi retirada do contrato e incorporada a um regulamento da ANP (Resolução ANP nº 36), que determina que ela seja utilizada pelas certificadoras credenciadas pela ANP para emitir os certificados de CL (BRASIL-ANP, 2007). A Resolução ANP nº 36, de 13 de novembro de 2007, distingue vários conceitos de CL, a saber: 1) Conteúdo Local de Bens (CLb): percentual que corresponde ao quociente entre: •

A diferença entre o valor total de comercialização de um bem (excluídos IPI e ICMS) e o valor da sua respectiva parcela importada.



O seu valor total de comercialização (excluídos IPI e ICMS), calculado conforme metodologia da Cartilha de Conteúdo Local.

2) Conteúdo Local de Bens para Uso Temporal (CLa): para efeito de apuração do valor do CL referente a bens de uso temporal, será utilizado o valor percentual do CLb do bem, aplicado ao valor do respectivo contrato de utilização do bem, calculado conforme metodologia da Cartilha de Conteúdo Local. 3) Conteúdo Local de Serviços (CLs): para efeitos de apuração do valor do CL de serviços, será aplicado o ILs sobre o valor total do serviço contratado, excluído o ISS, calculado conforme metodologia da Cartilha de Conteúdo Local. 4) Conteúdo Local na Fase de Exploração: definição conforme estabelecido no contrato de concessão da respectiva rodada. 5) Conteúdo Local na Etapa de Desenvolvimento: definição conforme estabelecido no contrato de concessão da respectiva rodada. (BRASILANP, 2007). O dispositivo contratual tem o objetivo de incrementar a participação da indústria nacional de bens e serviços, em bases competitivas, nos projetos de exploração e desenvolvimento da produção de petróleo e gás natural. O resultado esperado da

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aplicação da cláusula é o impulso ao desenvolvimento tecnológico, a capacitação de recursos humanos e a geração de emprego e renda nesse segmento. Desde a criação do Promimp, em 2003, a participação da indústria nacional nos investimentos do setor de petróleo, gás e naval aumentou significativamente. Isso decorre da expressiva adição de bens e serviços contratados no mercado nacional, além da geração de cerca de um milhão de postos de trabalho neste mesmo período. O órgão regulador do setor estabeleceu que, nos contratos de concessão de óleo e gás, entidades acreditadas passassem a certificar o CL. Inicialmente, era previsto que em programa exploratório mínimo, 20% da nota final da oferta correspondia à oferta mínima nos leilões. Nas Rodadas de 1 a 4, admitia-se a livre oferta de CL, havendo incentivos a atividades específicas, no período de 1999 a 2002, enquanto nas Rodadas 5 e 6, nos anos 2003 e 2004, continuou-se admitindo ofertas mínimas de CL, mas tendo havido a eliminação de incentivos. Já nas Rodadas de 7 a 10, foram introduzidas ofertas de CL mínimo e máximo. Naquele período, entre 2005 e 2008, foram criadas a Certificação de CL e a Cartilha CL, definida como ferramenta do cálculo do CL. Com o objetivo de estabelecer as condições legais para a realização da medição do conteúdo local, foi regulamentado em novembro de 2007 o Sistema de Certificação de Conteúdo Local, que estabelece, entre outros procedimentos, a metodologia para a certificação e as regras para o credenciamento de entidades certificadoras junto à ANP. Para se garantir o atendimento dos percentuais mínimos de conteúdo local por segmento da indústria, alguns aspectos procedimentais representaram itens polêmicos, tais como a unificação do cumprimento de CL minimamente exigido, a aplicação de penalidades, algum indicativo decorrente dessas multas, assim como a progressividade e proporcionalidade com relação ao porte do investimento. A cartilha da ANP definiu a obrigatoriedade de aferição e acompanhamento do CL, realizados por empresas certificadoras credenciadas junto à ANP. Para tanto, também foi considerada a cadeia de fornecimento EPC, particularmente os produtores de bens, de serviços, fornecedores de mão de obra, os fornecedores de bem de uso temporário e ainda as consultorias. Desta forma, nos contratos de concessão do setor de óleo e gás, foram introduzidos dispositivos que visam a garantir aos fornecedores brasileiros condições amplas e equânimes de concorrência, bem como incluir fornecedores locais em suas

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solicitações, para que os investimentos locais fossem comprovados por meio de certificados. Ressalta-se que não se estabelece, no setor de petróleo e gás, exigência de conteúdo local em fases de operação (produção). Na época, foram acreditados 21 certificadores para que os fornecedores certificassem antecipadamente seus produtos. FREIRE et al. (2013) considera que um ganho significativo para a redução da carga burocrática que envolve o processo de aferição, medição, acompanhamento e certificação do CL, exigidos pela cartilha da ANP, seria a adoção da certificação prévia junto aos fabricantes de bens. Independentemente dessa observação, no processo de fiscalização das certificações são levadas em conta as variáveis críticas de controle, a malha crítica disponível e a probabilidade de aplicação de multas, visando à implementação de blocos menos críticos. Ao se separar escopo de auditoria, espera-se que o resultado apurado esteja compatível com o resultado de certificadora. Se não conferir, a operadora sofre sanções que podem ser de ajuste de conduta até multa expressiva. Conforme já comentado, as entidades certificadoras são responsáveis por medir e informar à ANP o conteúdo local dos bens e serviços contratados pelas empresas concessionárias para as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural e utilizam a cartilha como metodologia, sendo aplicáveis os percentuais constantes do Quadro 1. Quadro 1 Fase de Exploração (Fator E)

Etapa de Desenvolvimento (Fator D)

Água Profunda

30 %

30%

Água Rasa

50 %

60%

Terra

70 %

70%

CL Mínimo

Fonte: Franke (ANP, SDP)

Para fins de fiscalização de cumprimento de CL mínimo, no caso de contratos de concessão, é necessária uma análise documental que envolve a conferência de nota fiscal, se necessário. Nas auditorias sobre os certificados, o contrato de aluguel de equipamento que é um bem de uso temporário equivale a equipamento importado, em que o CL é considerado “zero”.

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Um aspecto que merece ser destacado quando se discute qualquer política de CL refere-se ao fato de que a adoção de critérios de exigência de conteúdo local em alguns segmentos, sem se considerar a capacidade de oferta nacional, pode, ao invés de estimular a indústria produtiva nacional, fomentar uma “indústria de multas”, o que confronta com o propósito de qualquer política de nacionalização da indústria. Em vista disso, deve-se atentar para o fato de que o parque industrial brasileiro pode vir a não ter capacidade para atender à demanda exigida pelos índices de nacionalização, a depender do segmento de fornecedores. Em função dessa incerteza, nos contratos de concessão ou mesmo nos regimes tributários de incentivo à indústria, suas regulamentações terminam por admitir cláusulas que flexibilizam as exigências, denominadas “cláusulas waver”, condição particularmente admitida quando os produtos, bens ou serviços aqui produzidos não revelam segurança quanto a condições de preço, qualidade ou prazo de entrega, se comparados aos produtos concorrentes importados. Para ter a certeza da garantia do fornecimento e melhor certificar a origem dos produtos e dos fornecedores, além do cumprimento de exigências de CL mínimo, é fundamental mapear o mercado previamente. Quando o mercado de fornecedores locais apresenta preços e prazos excessivos ou tecnologia não disponível, os concessionários podem optar pela importação de bens e serviços. Apesar de haver a admissão da excepcionalidade, os compromissos globais nesses casos devem ser mantidos. O descumprimento leva à aplicação de multa em percentuais estabelecidos no contato. Para que um recurso ou uma solicitação de “waver” seja considerada, tornam-se necessárias análises técnicas e jurídicas destinadas a avaliar a veracidade dos argumentos apresentados na justificativa. Registra-se que, durante o processo de implantação do Promimp, as associações empresariais de fornecedores nacionais foram consultadas para que houvesse o estabelecimento das metas mínimas. Dessa forma, os percentuais de CL mínimo foram instituídos de comum acordo com as empresas concessionárias e fornecedoras. Como os pesos não fazem parte da cartilha, para efeito de cumprimento da norma, a Petrobras tem certificado todas as sondas e plataformas compradas, sendo que em cada operação específica é definido o peso relativo dos seus componentes no cômputo global do equipamento.

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Nas cessões onerosas, o CL deveria ser fixo e negociado com a operadora. Os contratos não poderão ser definidos se não existirem condições para efetivo fornecimento. Por seu turno, no entanto, contratos assinados pela Petrobras para o fornecimento de sistemas de automação das oito primeiras plataformas para as operações em larga escala do pré-sal chegam a estabelecer 80% de conteúdo local já na primeira plataforma, enquanto a regulamentação prevê um mínimo de 10%. Um exemplo que pode ser citado é o edital de licitação das oito plataformas do tipo Floating Production Storage and Offloading (FPSO), que são unidades flutuantes de produção e armazenamento de óleo, em que se exigira um índice de CL de 80% considerado sobre o equipamento eletrônico responsável pelo controle de diversos processos da plataforma, o Controlador Programável, mas tal exigência deveria ser de 10% na primeira FPSO e, progressivamente, de 80% só na oitava.

CONTEÚDO LOCAL NOS FINANCIAMENTOS DO BNDES (FINAME) É inegável que as linhas e programas do BNDES representam um importante fator de diferença competitiva para os fabricantes nacionais, pois possibilitam um financiamento em condições creditícias mais atrativas, incluindo taxas de juros reduzidas e prazos compatíveis com os investimentos, além de eliminar o risco cambial quando comparado às compras financiadas de bens importados. Nos financiamentos do BNDES, além de haver uma preocupação com o sucesso do investimento industrial, há também a visão de que esses projetos devem ter um efeito multiplicador no encadeamento produtivo.

ÍNDICE DE NACIONALIZAÇÃO Para fins de apuração do conteúdo local exigido nos contratos de financiamento do BNDES, o credenciamento e o cadastramento de fabricantes e de máquinas, equipamentos, componentes e seus sistemas objetivam possibilitar o fornecimento à comercialização (BNDES, 20121). Assim, é importante considerar um índice mínimo de nacionalização em valor e peso para credenciamento (60%). Em se tratando do desenvolvimento da cadeia de componentes de bens de capital, torna-se importante considerar o índice de nacionalização em valor de máquinas, de equipamentos e de sistemas industriais, tal que são considerados da seguinte forma: - Índice de Nacionalização por Valor

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IV=[1−(x/y)].100 x= valor dos componentes importados (R$) – CIF y= preço total de venda da máquina, equipamentos ou sistema completo. Outra forma de cálculo, menos usual, é utilizar o índice de nacionalização por peso descrito na relação matemática a seguir, em que x e y são respectivamente peso do equipamento importado e peso total do equipamento. - Índice de Nacionalização por Peso IP=[1−(x/y)].100 Percebe-se que o índice de nacionalização por peso não captura a agregação de valor dos componentes, havendo um tratamento igual para os desiguais. Contudo, em ambos os casos, busca-se definir a participação nacional, ou seja, o CL, em uma máquina ou equipamento.

MÉTODO DECLARATÓRIO DE AFERIÇÃO Por este método, o fabricante emite a planilha com toda a discriminação do grau de cumprimento do CL exigido, após o que se realiza uma visita técnica para fins de aferição. O fabricante envia informações de preços, partes e componentes importados. O CL é obtido por exclusão. O cálculo do índice de nacionalização é feito mensalmente, sendo a comprovação, quando exigida, feita mediante notas fiscais.

PLANO DE NACIONALIZAÇÃO PROGRESSIVA (PNP) O objetivo do Plano de Nacionalização Progressiva (PNP) é incluir provisoriamente no BNDES-CFI os produtos que terão IN progressivamente elevados até um mínimo exigido, que pode ser superior a 60%. As condições definidas preveem um prazo máximo de três anos, índices iniciais mínimos em valor (40%) ou limitados a 80%, ou 90% do valor máximo.

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O Programa de Sustentação Industrial (PSI), por sua vez, considera os principais fabricantes de produtos que atendem índices de nacionalização. Para que prevaleça tal assertiva é necessária a avaliação da capacidade de oferta nacional nos diferentes setores produtivos com diálogo entre fabricante e associações de fabricantes. Em praticamente todos os contratos de financiamentos do banco que exigem CL mínimo, há a necessidade de verificação das máquinas, equipamentos e sistemas, a partir de vistorias de rotinas, ou provocadas para apuração de denúncias ou por meio de inspeção realizada em feiras de máquinas. Na hipótese de os índices encontrarem-se próximos dos mínimos exigíveis, o BNDES aplica um sistema de classificação para determinados produtos como FCC (finamizável caso a caso). O não atendimento da observância das exigências de CL leva à aplicação de sanções que podem ir de: suspensão ou exclusão de todos os produtos credenciados pelo BNDES/PSI; suspensão de fabricantes por 30 dias a 1 ano; e exclusão do fabricante, só podendo pleitear o retorno ao cadastro após 2 anos. Registra-se que muitas empresas legitimamente continuam a produzir suas máquinas e equipamentos no Brasil, procurando manter os índices de nacionalização exigidos pelo BNDES. Entretanto, esse segmento convive hoje com a ameaça daquelas outras empresas que desnacionalizam a composição final de seus produtos, elevando o limite de 40% com a utilização de componentes importados em peso ou valor. Outras, até mesmo tendo aderido, passaram a produzir suas máquinas e equipamentos no exterior, importando-os e colocando a plaqueta de produto nacional. Tais iniciativas fazem parte de estratégias nocivas, que visam a defender a empresa da concorrência estrangeira, mas que usam os financiamentos do BNDES para financiar essas máquinas que não atendem o índice de nacionalização de 60% ou que são até mesmo totalmente importadas. No atual momento, sabe-se que muitos fabricantes nacionais de máquinas estão reduzindo o conteúdo nacional de seus produtos. Entende-se que não seria o caso de se rever o índice ou flexibilizar qualquer regra, pois, como se sabe, não são as exigências de conteúdo local que promovem qualquer efeito de desindustrialização. Qualquer empresa que produza abaixo do índice minimamente exigido de 60% em peso ou valor é automaticamente descredenciada do programa do BNDES. Os empresários sabem, geralmente, que o programa Finame vem financiando aquisições de peças, partes e componentes de fabricação nacional, por fabricantes

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de bens de capital, com taxas de juros a 5% ao ano, incluindo a remuneração da instituição financeira credenciada (BNDES Finame Componente). Caso uma empresa cuja máquina esteja cadastrada no BNDES e não venha a atender esse índice de nacionalização, uma vez constatada a irregularidade, o BNDES a descredenciaria de todos os seus programas de financiamento, como medida punitiva acertada. O auxílio do empresariado, com os segmentos parceiros, instituições, câmaras setoriais e entidades como a Abimaq, para que façam as denúncias contra esse perfil (dos que ficam abaixo dos 60% do índice de conteúdo nacional de seus produtos) é fundamental para a sustentação de qualquer programa de conteúdo local. O BNDES utiliza mecanismos para impedir que bens com índices menores de nacionalização ou importados sejam financiados pelas suas linhas e programas, a partir do acompanhamento das suspeitas por meio de denúncias, ou informações e solicitações de outros empresários. É imprescindível a participação e a colaboração dos segmentos e empresas envolvidos nesse processo. Apenas na hipótese da necessidade de algum produto com alta demanda no mercado nacional e que ainda não seja fabricado no Brasil, a empresa (no caso, estrangeira) poderia passar a produzir aqui máquinas com menos de 60% de nacionalização ou importadas a serem cadastradas. Para isso, a empresa teria de se comprometer com a instalação de sua produção no território nacional e atingir os 60% de nacionalização dos componentes em peso ou valor, progressivamente. Em qualquer outro caso, nenhuma máquina ou produto poderia ser credenciado.

REVISÃO E NOVA METODOLOGIA Com base no acúmulo de sua própria experiência, o banco percebeu há algum tempo a necessidade de reformulação das normas de fornecedores. Portanto, o BNDES revisou a sua metodologia, conduzindo a uma reestruturação do BNDES-CFI sustentável, trazendo como consequência o aumento da quantidade e a qualidade das informações. Passaram a ser consideradas as operações de crédito que manuseiam recursos públicos, além de máquinas e sistemas industriais, os quais são fundamentais para fomentar o parque de fornecedores no país. Registra-se que no banco há um departamento específico que realiza o trabalho de desenvolver metodologia de apuração de conteúdo local, sendo considerados os fornecedores.

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A mudança na aferição do Índice de Nacionalização fez com que o novo cálculo passasse a ser feito com base no efetivo conteúdo local e não mais por exclusão, com ênfase nos componentes do produto, considerando o percentual de cada um na obtenção do somatório do montante de conteúdo local. INV= custo total de produção local custo total direto de produção INP= conteúdo local de produção em peso peso total do produto Com a revisão da metodologia é feito um cadastramento dos principais componentes de cada produto para averiguar seus índices de CL. Também é produzida uma descrição da capacidade produtiva por unidade industrial com discriminação da caracterização da sede e suas filiais. Há ainda a possibilidade de incorporação de “qualificadores” específicos definidos, tais como: tecnologia/engenharia nacional, utilização de novos materiais, processos inovadores, fornecedores, etc. Este procedimento, considerado um “método parametrizado”, possibilita que dificilmente uma engenharia não nacional venha a comandar as compras no país. Desta forma, elimina-se a assimetria de informação e o risco moral (“esquecimentos”), havendo perfeita identificação de componentes importados. Apesar da melhoria no sistema de apuração do CL praticado pelo BNDES, algumas medidas preventivas devem ser observadas para se evitarem distorções. Um primeiro aspecto diz respeito à utilização do NCM como chave de acesso para identificação das partes e componentes. Já para fins de criação de valor, torna-se importante eliminar da base de cálculo as remessas de lucro para exterior, royalties, despesa com assistência técnica da matriz, pagamentos por patentes, dentre outros aspectos que podem enviesar a contabilização do conteúdo nacional.

ENERGIAS RENOVÁVEIS – AEROGERADORES O BNDES, em 2012, estendeu os conceitos para credenciamento, passando a utilizar essa nova metodologia na verificação de conteúdo local em aerogeradores para fins de financiamento. A nova metodologia estabelece metas físicas, com ampliação

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progressiva da quantidade de componentes nacionais nos equipamentos, que terão de ser cumpridas pelos fabricantes de acordo com um cronograma previamente estabelecido. (BNDES, 2012)2 Com as alterações, o objetivo é trabalhar em parceria com empreendedores e fabricantes para aumentar gradativamente o conteúdo local dos aerogeradores. Assim, ocorreria a promoção de fabricação no país de componentes com alto conteúdo tecnológico e uso intensivo de mão de obra, sofisticando o parque produtivo nacional e gerando empregos de qualidade. (SARAIVA, 2012) Anteriormente, o BNDES trabalhava com índice mínimo de nacionalização. A partir de agora, os fabricantes que desejarem credenciar-se deverão cumprir as etapas mínimas de fabricação estabelecidas para o marco inicial, fixado no primeiro dia de janeiro de 2013. Assim, as empresas interessadas precisam ter cumprido pelo menos três das quatro novas condições estabelecidas pelo banco. Desse marco inicial, haverá prazos para cumprimento das etapas seguintes e fica a critério do fabricante a possibilidade de antecipar etapas, inclusive os requisitos fixados para o marco inicial. No credenciamento inicial, fabricantes de aerogeradores com caixa multiplicadora deverão atender a pelo menos três dos quatro critérios listados: 1) fabricação das torres no Brasil, com pelo menos 70% das chapas de aço feitas no país ou concreto armado de procedência nacional; 2) fabricação das pás no Brasil em unidade própria ou de terceiros; 3) montagem da nacele (parte principal do aerogerador) no Brasil, em unidade própria; 4) montagem do cubo (peça que envolve a nacele) no Brasil, com fundido de procedência nacional. “Para os fabricantes de aerogeradores sem caixa multiplicadora, a exigência inicial de montagem do cubo no Brasil é substituída pela fabricação do gerador no país em unidade própria, com núcleo magnético de chapas de aço-silício e bobinas de cobre de procedência nacional”, detalhou o banco. Ao aderirem às metas do marco inicial, os fabricantes comprometem-se a ampliar de maneira progressiva os componentes locais de seu processo produtivo, com cumprimento de todas as etapas até janeiro de 2016. Todo o processo é acompanhado por técnicos do BNDES, que fazem visitas técnicas periódicas às instalações fabris para verificar o andamento do cronograma.

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ENERGIAS RENOVÁVEIS – FOTOVOLTAICAS Recentemente, a área do planejamento energético do governo sinalizou com a possibilidade de exigência de CL no setor de energia solar, por meio de leilão exclusivo para essa fonte. Com isso, o BNDES organiza-se para flexibilizar a exigência de conteúdo local para fabricantes de equipamentos fotovoltaicos que se cadastrarem no Finame. O mesmo mecanismo adotado para incentivar as eólicas deverá financiar equipamentos fotovoltaicos via Finame que tenham pelo menos 60% de conteúdo local. O leilão único de energia de reserva para solar está previsto para a contratação de 3,5 mil megawatts (MW) de capacidade instalada de projetos fotovoltaicos de 2014 a 2018. O passo seguinte, então, é garantir as condições creditícias. A indicação de leilão exclusivo para energia solar significa que a fonte não concorre com outras de custo mais baixo. Para tanto, o banco deve iniciar a flexibilização de conteúdo local como uma medida de incentivo, para garantir a produção de componentes do sistema de geração, tais como transformadores, sistemas de controle, cabos e estruturas metálicas, dentre outros, com percentual mínimo exigido. Os painéis solares e demais componentes, que representariam 80%, poderiam ser importados em um primeiro momento, com o compromisso da produção no país, posteriormente. O BNDES tem condições especiais para financiar o desenvolvimento de usinas solares desde 2011, pelo Fundo Clima para energias renováveis, que tem taxas bastante competitivas. Mas, pela ausência de fabricantes nacionais de módulos e por existir só um produtor de inversores no país, a linha do BNDES ainda não tem nenhum projeto solar em carteira. A organização de um leilão exclusivo de solar de fato é muito positiva para organização da cadeia de fornecedores. O BNDES cadastraria essas empresas no Finame, e o aumento gradativo da exigência de conteúdo local garantiria a obrigatoriedade de produção no país. Foi assim que aconteceu com a eólica, que cinco anos depois da primeira concorrência já atingiu índices de nacionalização superiores a 60%.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A regulamentação de conteúdo local (CL) como instrumento de política industrial mostra-se de fato um eficiente mecanismo para ampliar a participação da indústria nacional no fornecimento de bens e serviços, gerando emprego e renda para o país. A inexistência de tratamento uniforme em termos de política industrial, a aplicação diferenciada do conceito de CL e as especificidades de cada segmento industrial fizeram que, para cada caso, as exigências fossem adotadas segundo a conveniência da instituição gestora. Nesse sentido, faz-se necessária a formulação de uma Política Nacional de Conteúdo Local extensiva ao conjunto de setores estratégicos para o adensamento produtivo no país. Quanto à identificação de gargalos, um primeiro desafio a ser considerado seria aumentar o volume de investimentos por meio da difusão de regras dos mecanismos de incentivos fiscais, regulatórios ou creditícios, bem como garantir a eficácia dos processos de certificação, para os casos aplicáveis. Outro desafio refere-se à expansão da indústria e da cadeia de fornecedores, fatos que exigem a verificação da materialidade do CL declarado por quem produz ou importa, no sentido de reverter a possibilidade de que muitos fabricantes de bens de capital no Brasil se tornem meros importadores. Mesmo para aqueles segmentos não regulados por processos de concessão pública, tem sido utilizado o mecanismo da exigência de conteúdo local como contrapartida para adesão aos benefícios fiscais previstos para fomentar o adensamento produtivo. Em termos específicos, recomenda-se que sejam feitos estudos sobre diferentes setores da atividade industrial, com mapeamentos da cadeia de fornecedores. O mapeamento de redes de fornecedores de componentes de fabricantes do produto final com foco no processo produtivo possibilita a identificação da capacidade por filiais, a valoração de itens intangíveis, além de favorecer a possibilidade de verificação da escala de bens, considerando todos os segmentos. Nessa mesma linha, vale destacar que a importância de consulta aos dados do BNDES é fundamental para verificação de produtos (ou famílias de produtos) cadastrados e informações da capacidade produtiva de cada fabricante, para fins de elaboração de política industrial. Ressalta-se a dificuldade de se estabelecer exigência de conteúdo local mínimo em fases de operação (produção), sendo exequível apenas para a etapa do investimento na implantação do empreendimento, a exemplo do que ocorre no

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setor de petróleo e gás. Outro aspecto que pode contribuir para a melhoria do processo de fornecimento local são os ganhos relativos à formação de escala, que perenizam a produção, reduzindo custos fixos e contribuindo assim para a garantia de preço, prazo e qualidade. Associado a essas iniciativas, o fortalecimento da engenharia nacional é outro requisito fundamental. Também merece atenção o fomento a segmentos de bens de capital e de componentes e à competitividade da indústria. Por fim, é importante destacar o papel das instituições do governo na condução da política industrial, tanto na formulação de instrumentos adequados para desenvolver as cadeias e atender ao crescente tamanho dos mercados quanto na articulação público-privada na busca de se promover as melhores ações de implementação dos mecanismos, ou ainda na execução direta dos próprios instrumentos em si. É importante para o governo que todo o esforço seja feito em direção a investimentos contínuos na modernização e na expansão do seu parque industrial para garantir o crescimento da economia, a geração de riquezas e o aumento do emprego.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIMAQ – Associação da Indústria de Máquinas e Equipamentos. Panorama da indústria brasileira na cadeia de subfornecedores. In: Fórum Nacional Eólico. Salvador, 2013. BNDES. Anexo 1 – Etapas físicas e conteúdo local que deverão ser cumpridos pelo fabricante. 2102(1). Disponível em: . BNDES. Metodologia para credenciamento de aerogeradores. Rio de janeiro, 2012(2). Disponível em: . BRASIL. ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Resolução ANP n. 36, de 13 de novembro de 2007. Aprova o Regulamento ANP nº 6/2007 que define os critérios e procedimentos para execução das atividades de Certificação de Conteúdo Local. Rio de Janeiro, 2007. 44 p. FRANKE, M. Conteúdo local: definições e procedimentos do Contrato de Concessão. ANP. Slp. Sdp. FREIRE, I. FERREIRA, M.; MORANO, C. Metodologias de cálculo de conteúdo local utilizadas no Brasil em empreendimentos de construção e montagem. Ciência & Engenharia, jul.-dez. 2013. OLIVEIRA, N. M. A Política de Conteúdo Local e a Indústria Naval Brasileira. Rio de Janeiro, 2009. 72 f. Projeto Final (Graduação em Engenharia Naval e Oceânica)– Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Poli, Programa de Engenharia Naval e Oceânica, Rio de Janeiro, 2009. ROMANO, W. A.; LOURENÇO, J. R. SICETEL. A importância da exigência de conteúdo local na defesa da Indústria Nacional. Disponível em: . SARAIVA, A. BNDES divulga regras para financiamento de geradores eólicos. Valor, dez. 2012.

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Empresariado Industrial como Ator Político: Uma análise da ação coletiva e da intermediação de interesses no Brasil

Roberto Sampaio Pedreira

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Resumo

Este artigo analisa algumas posições teóricas acerca das ações coletivas e da intermediação de interesses realizadas pelos atores empresariais, partindo do pressuposto de que tais ações são canalizadas por intermédio de organizações representativas. Constata-se que o empresariado não é um ator monolítico, mas constituído de diferenças e de interesses heterogêneos. A ação empresarial organizada estrutura-se a partir da união de distintos interesses, formadores de uma posição homogênea expressa na ação coletiva das associações na dimensão político-institucional. As formas de intermediação de interesses que prevalecem na atmosfera da política industrial são, em primeiro lugar, os diversos espaços políticos, formalmente estabelecidos e ligados à estrutura do Estado para interagir com a burocracia governamental; em segundo lugar, a forma de interação nas instâncias setoriais formais; e a terceira forma de interação se dá pelas conexões pessoais, pela rede criada por empresários para ter acesso à alta cúpula governamental. Palavras-chave: ação coletiva, empresários, lobby

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INTRODUÇÃO Como objeto de estudo, o empresariado tem sido analisado de maneira extensa nas Ciências Sociais. Contudo, os mecanismos e os processos utilizados a fim de organizar suas ações econômicas e políticas não têm obtido respostas aprofundadas. Este artigo visa a analisar algumas posições teóricas acerca das estruturas e desenhos das ações coletivas realizadas pelos atores empresariais, partindo do pressuposto de que as ações dos empresários são canalizadas por intermédio de organizações representativas. A abordagem teórica da ação coletiva empresarial deve conter uma análise das condições nas quais os interesses particulares dos empresários podem estimular a emergência de uma ação e de uma organização coletiva. É nesta direção que, na sequência, concentrar-nos-emos na interpretação das distintas formas de ação empresarial e nas distintas disposições do empresariado em alcançar seus interesses. Na Seção 3, discutiremos em quais condições e de que forma o empresariado industrial desempenha seu papel de ator político no Brasil, e na Seção 4 analisaremos a intermediação de interesses nas recentes políticas industriais. Por fim, as considerações que extraímos deste trabalho serão exibidas.

ESTRUTURA E DESENHO DAS AÇÕES COLETIVAS EMPRESARIAIS A ação empresarial organizada é uma das distintas vias de ação possíveis de que dispõe o ator empresarial para alcançar seus interesses. O conjunto desses atores caracteriza-se por ocupar um lugar central nas mudanças políticas e econômicas que ocorrem na sociedade, mas também trazem traços específicos, que são suas diferenças e sua heterogeneidade. Por causa desses traços, os interesses muitas vezes contrapostos são levados a conflitos e fricções. Essas diferenças são expressas tanto pelo posicionamento na estrutura econômica quanto pelas preferências políticas e ideológicas e pelas trajetórias e origens dos empresários. Por estes motivos, no momento em que se pretende defender e fazer prevalecer

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seus interesses, o empresariado dispõe de distintas possibilidades e opções de ação, que podem ser tanto econômicas quanto políticas, como podem recorrer aos dois tipos de forma simultânea. As ações econômicas são aquelas relacionadas ao investimento, à venda de ativos, à definição de preços e a outras transações de mercado. Já as ações vinculadas ao campo político são as que procuram influir nas relações político-institucionais. Em geral, são dirigidas para o Poder Executivo e o Legislativo, em todos os seus níveis, visando a pressioná-los a fim de obter respostas para as principais demandas. Além desse meio, o empresariado pode se utilizar: 1) de vínculos com partidos políticos para fazer com que defendam seus interesses, ou que ao menos não interfiram no alcance desses interesses; 2) de atuação dentro de organizações empresariais, fazendo com que seus interesses se convertam em propostas da entidade e que esta entidade as concretize por meio do uso de canais apropriados; e 3) do comparecimento direto perante a opinião pública, a fim de buscar o apoio dela para realizar seus interesses. A opção por um desses meios de ação política não impede o uso dos outros, até porque eles podem se complementar. Não obstante sejam essas as variedades de ação política pelas quais o empresariado pode se valer para atender a sua demanda, ele dependerá de sua própria capacidade de definir suas demandas de maneira individual ou terá a necessidade de se unir aos seus pares para fazê-lo. No primeiro caso, as ações são daqueles empresários que contam com a capacidade de ir diretamente e apresentar suas demandas ao Estado, sem intermediação; no último, para as ações denominadas coletivas, é necessário unir esforços com outros empresários a fim de obter os objetivos propostos. A ação coletiva produzida por esses atores canaliza-se por intermédio de organizações representativas, que cumprem o papel central de aglutinar e organizar interesses diversos e muitas vezes contraditórios. Desta maneira, redefinem interesses individuais em um interesse comum, possibilitando a ação coletiva e elaborando estratégias para influenciar o ambiente institucional. No entanto, de que maneira atores empresariais, caracterizados pelas diferenças e heterogeneidade, procuram construir consenso e delinear uma demanda comum para reivindicála ao Estado? Para especificar e localizar a ação coletiva empresarial, Mancur Olson (1999) defende que grupos de indivíduos com interesses comuns tenderiam usualmente a promover tais interesses, principalmente se fossem econômicos. Esta ideia estaria baseada na premissa de que os membros do grupo agiriam por

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interesses individuais racionalmente definidos. Esta afirmação, porém, segundo Olson (1999, p. 2) estaria equivocada: “a ideia de que os grupos agirão para atingir seus objetivos dentro de uma sequência lógica da premissa do comportamento racional centrado nos próprios interesses não é verdadeira”. Ainda segundo Olson (1999), os indivíduos que pertencem a uma organização têm interesses comuns, mas ao mesmo tempo têm motivações individuais diferentes dos interesses dos demais indivíduos do grupo. Na medida em que ninguém poderia ser, em princípio, excluído do usufruto de um benefício coletivo, pode ser racional para um indivíduo não contribuir para sua obtenção. Logo, quando o grupo for tão grande que a ausência de qualquer contribuição individual não faça nenhuma diferença, o benefício coletivo simplesmente “não será provido, a menos que haja coerção ou alguma indução externa que faça os membros do grande grupo agirem de acordo com seus interesses comuns” (OLSON, 1999, p.  44). Situação oposta apareceria quando o número de indivíduos do grupo é tão pequeno que seus membros facilmente perceberiam que seu ganho pessoal com o benefício coletivo excederia seu custo total ou que a contribuição ou falta de tal, por parte de um indivíduo, produziria um efeito perceptível sobre os custos ou ganhos. Essa situação estabelece o problema do free rider, que se acrescenta em proporção direta com o tamanho das organizações e se expressa no fato de que, de uma lógica racional individualista de maximização de utilidades, os indivíduos optariam por não cooperar, porque, de qualquer maneira, beneficiar-se-iam do bem público obtido graças aos esforços dos demais. É a partir dessa distinção entre grupos grandes e pequenos que Olson defende a existência de alto grau de organização dos interesses empresariais. Fragmentada em uma série de “indústrias” (setores), a comunidade empresarial estaria dividida em frações relativamente pequenas, mas capazes de organizarem-se voluntariamente, a fim de terem seu próprio lobby, influenciando fortemente os governos. Na medida em que formam grupos pequenos, constituídos por grandes unidades (as empresas), facilmente associar-se-iam de maneira voluntária e fariam fluir natural e necessariamente o poder político para as mãos daqueles que controlam os negócios e as propriedades. Em uma vertente estruturalista, Offe e Wiesenthal (1984) realizaram uma importante pesquisa sobre a materialização das relações entre capital e trabalho, cujo principal argumento é que as diferenças na posição de um grupo na estrutura de classes (particularmente trabalhadores e capitalistas) não somente conduzem

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às diferenças de poder que as organizações podem adquirir, mas também às diferenças nas práticas associativas, ou da lógica da ação coletiva, por meio das quais as organizações do capital e do trabalho tentam melhorar sua posição respectiva uma em relação a outra. Essas diferenças tendem a ser cobertas pelo que consideram ser o “paradigma do grupo de interesse” e pela noção de lógica unitária e utilitária da ação coletiva que cobre todas as associações. Offe e Wiesenthal elaboraram conceitos em torno da ação coletiva empresarial, partindo de duas lógicas diferenciadas: a dos trabalhadores, a qual denominaram de “dialógica”, e a dos empresários, chamada de “monológica”. De acordo com eles, os trabalhadores encontram-se, em um primeiro momento, desorganizados como ofertantes de força de trabalho no mercado, mas, em um segundo momento, organizam-se em torno de ações conduzidas pelos sindicatos. Para esses autores, os interesses capitalistas são mais homogêneos do que os dos trabalhadores. Porém, no instante em que os empresários priorizam sua posição dominante sobre o Estado e trabalhadores, e ao ter claro o parâmetro de realização de seus interesses, a forma política e homogênea de organização capitalista deixa de ter relevância, porque a ação empresarial organizada só ocorre como mera resposta defensiva à aparição dos sindicatos dos trabalhadores ou à intervenção estatal na economia. Ao assumir que a organização empresarial é um produto da reação defensiva, mostra-se que os capitalistas são vistos como um débil ator político, ou como um ator político sem iniciativa política. Ainda que os capitalistas possam se organizar para encampar uma ação coletiva, eles não o farão, porque disporão de alternativas mais efetivas para fazer prevalecer seus interesses. A fragmentação e a heterogeneidade impedem a aplicação de políticas opostas aos interesses do empresariado, que são as situações que possibilitariam sua organização coletiva. Segundo Offe e Wiesenthal (1984): Em todos os países capitalistas, a sequência histórica é a seguinte: o primeiro passo é a “liquidação” dos instrumentos de produção de pequenos produtores de mercadorias e a fusão destes em empresas industriais capitalistas; o segundo passo é a associação defensiva dos trabalhadores; e o terceiro consiste em esforços de associação feitos agora por parte das empresas capitalistas que, adicionalmente à continuada fusão de capital, entram em organizações formais, a fim de promover alguns dos seus interesses coletivos. Deduz-se dessa sequência que, ao contrário do “hábito irrefletido”, (1) os dois

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tipos de organização que estamos tentando comparar surgem em diferentes pontos da história do conflito de classe, que pode ser analisado como uma sequência de passos estratégicos tomados por ambos os lados, e (2) que o capital tem sob o seu comando três diferentes formas de ação coletiva para definir e defender os seus interesses, ou seja, a própria firma, a cooperação informal e a associação dos empregados ou de empresas, enquanto o trabalho tem somente uma (OFFE; WIESENTHAL, 1984, p. 65-66). Outros autores que apresentaram considerações relevantes sobre a ação coletiva do empresariado foram Schmitter e Streeck (1999), que sustentam a tese de que as organizações empresariais só podem ser analisadas do ponto de vista da articulação e da simultaneidade de duas lógicas: a da influência e a de seus membros. As associações seriam construídas para oferecer aos membros incentivos suficientes para obter deles o apoio e os recursos necessários para sobreviver e cumprir a tarefa de defender os interesses comuns. Seria essa a lógica dos seus membros. É nesse momento que emerge a tensão entre o interesse individual e o coletivo, o que evidencia a função primordial das associações: redefinir os interesses individuais em função do interesse comum. Logo, as associações organizam-se para definir interesses comuns e delinear estratégias que lhe permitam autonomia em relação aos outros atores sociais, como também para influenciar os agentes do Estado, constituindo o que os autores estabeleceram como a lógica da influência. Em suma, a proposta a ser considerada nas análises sobre a ação empresarial neste trabalho é a capacidade de distinguir a ação empresarial organizada da ação coletiva. A primeira explica os processos que ocorrem no interior das organizações empresariais: são as diferenças, consensos e atos de representação que os empresários efetuam, vinculando-se estreitamente às relações estabelecidas entre as lideranças, que são os formadores e associados do corpo diretivo aos quais tais líderes dirigem sua representação. Esta investigação não pretende observar essas questões, mas criará o ambiente para pesquisas futuras.

EMPRESARIADO COMO ATOR POLÍTICO NO BRASIL As Ciências Sociais sempre tiveram um rico acervo conceitual para abordar a questão do papel do empresariado como ator político, tendo suas clássicas experiências calcadas em Marx, Weber e Schumpeter. Esses pensadores voltaram

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suas abordagens para os países que se desenvolveram nos primeiros estágios do capitalismo industrial, mas mesmo assim a produção latino-americana os aproveitou para compreender os fatores condicionantes do espírito empresarial do capitalista e as características que conferem ao empresariado industrial as condições para desempenhar seu papel de ator político nos países em desenvolvimento ou nos de desenvolvimento recente, nos quais se encaixam os países da América Latina. Constituía-se como pressuposto que o impulso e a dinâmica de um processo de desenvolvimento em um sistema capitalista estavam previamente associados à existência de um setor privado capaz de pôr em evidência seu papel empresarial na tarefa do desenvolvimento e por isso a mudança social e os interesses privados desse grupo eram considerados convergentes. Na América Latina, não é limitado nem recente o interesse da literatura sobre o papel do empresariado industrial como ator político. Vários pesquisadores caracterizam o empresariado latino-americano como economicamente frágil e dependente de favores estatais, incapaz de constituir-se como direção política e intelectual da sociedade, portanto, reduzido a uma “subalternidade passiva” (BIANCHI, 2004). Uma das razões dessa subalternidade seria sua debilidade econômica, tendo em vista o predomínio de interesses dos setores tradicionais, tais como o agroexportador, e do capital estrangeiro. Como o empresariado industrial latino-americano não teria condições de impor sua posição, restar-lhe-ia adaptar-se ao poder das oligarquias e das corporações multinacionais e ao padrão de desenvolvimento adotado ou seguido pelo Estado. Aponta-se ainda a incapacidade do empresariado latino-americano em atingir um consenso em torno de objetivos comuns, assim como em definir e promover as decisões políticas necessárias para incrementar sua competitividade. A causa dessa incapacidade seria a configuração do sistema de representação de interesses do setor, caracterizado pela fragmentação excessiva e pela falta de representatividade das entidades de maior abrangência. No caso brasileiro, dividido em múltiplas organizações, tanto na estrutura corporativa (sindicatos, federações e confederações) quanto na estrutura extracorporativa (associações setoriais), o empresariado industrial tornar-se-ia incapaz de construir acordos em torno de um programa voltado para o incremento da atividade econômica e de atuar unido pelo sucesso desse programa. E, fragmentado, o empresariado empenha os recursos políticos à sua disposição em negociações que procuram obter vantagens particulares do poder público, tais como crédito

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subsidiado com taxas de juros diferenciadas, tratamento tributário favorecido, proteção especial para competir no mercado interno e externo (MANCUSO, 2004). A tendência de o empresariado agir de maneira individualizada poderia ser contrabalanceada pela atuação das entidades empresariais de maior abrangência, tais como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). No entanto, isso não ocorre, porque essas entidades são pouco representativas e pertencem ao sistema corporativista. Assim, os autores que defendem a debilidade política do empresariado industrial não veem saída para o problema da ação coletiva empresarial dentro do aparato organizacional e do sistema corporativo existente. Acreditam que a alternativa – tanto para o setor quanto para o país – seria a fundação de uma entidade associativa empresarial de cúpula, que colocasse a indústria unida aos outros setores – agricultura, turismo, comércio e serviços, formando um consenso geral em torno de políticas públicas capazes de promover o desenvolvimento econômico. A visão de incapacidade de ação coletiva do empresariado vai de encontro à visão alimentada pelos autores defensores da ideologia nacionalista. Esses autores apostam na atividade “hegemônica” do empresariado, cuja postura política se caracterizaria pelo antagonismo aos interesses oligárquicos e das corporações multinacionais. Em suma, o empresariado industrial seria considerado o motor do desenvolvimento econômico e político autônomo na América Latina, ou pelo menos nos países que apresentam maior grau de desenvolvimento industrial, entre os quais o Brasil. A literatura favorável à existência da força política do empresariado defende que um novo ativismo político teria sido protagonizado a partir dos anos 1970. Segundo Bianchi (2004, p. 103), “associações setoriais, centros de pesquisas e de difusão de ideias e até mesmo abrangentes organizações multissetoriais de cúpula surgiram durante os últimos 30 anos, dando um registro vivo de uma nova atitude empresarial”. Porém, contrariamente à tese da hegemonia do empresariado, esse ativismo político não o colocou em posição antagônica aos interesses agroexportadores ou multinacionais existentes na América Latina; ao contrário, acomodaram-se os interesses industriais junto ao dos outros setores da sociedade, porque se criaram arranjos políticos e econômicos, nos quais o empresariado demonstrou grande capacidade de negociação e articulação política.

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Dois marcos desse novo ativismo político foram: 1) a criação de associações empresariais, cujos objetivos estavam relacionados à distribuição de benefícios aos associados, sob a forma de serviços técnicos e consultoria, repasse de subsídios e representação de interesses perante o Estado e os sindicatos dos trabalhadores; e 2) a criação e difusão de centros de estudos e de divulgação da ideologia empresarial, como o Instituto Liberal, fundado em 1983, o Instituto de Estudos Empresariais (1984) e o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), criado em 1989 por um grupo de empresários industriais. Na cena política brasileira, associações empresariais do segmento industrial, muito embora adotem um comportamento de rent-seeking, utilizam outras formas de atuação política: ou seja, há uma convivência entre formas complexas e variadas de ação. A literatura tem apresentado visões segundo as quais, apesar da fragmentação do empresariado industrial, desde meados dos anos 1990, o setor industrial teria realizado esforços de ação coletiva para definir e defender uma posição comum. É possível avaliar a relevância da atividade política do empresariado industrial de diversas formas. Podem ser analisadas, por exemplo, a partir do grau de sua relação com o Poder Legislativo e com o Poder Executivo (governo, suas autoridades decisoras, agências paraestatais e burocracia governamental), levando-se em conta que este artigo não tem o intuito de aprofundar a análise das relações do empresariado com o Legislativo, muito embora seja útil observar o comportamento desse grupo nessa situação, porque a atividade política do empresariado industrial está associada a sua atividade econômica, que se expõe aos efeitos causados por um conjunto de decisões tomadas por autoridades que ocupam posições no Executivo e no Legislativo (e também no Judiciário, que, não obstante a exclusão nesta análise, mantém um relevante papel na produção de decisões que afetam a indústria), de âmbito municipal, estadual e federal. Ou seja, as decisões do poder público têm a capacidade de interferir sobre as atividades das empresas no setor industrial, levando o empresariado – de maneira direta ou por intermédio de representantes e lideranças – a realizar atividades de articulação e defesa de interesses. Ao analisar a articulação dos interesses do empresariado industrial nos processos de produção legislativa federal nos países latino-americanos, observamos de modo geral que o empresariado fora atraído pelo aumento do papel e da relevância dos parlamentos nacionais, graças à redemocratização que os países vivenciaram em épocas distintas. No Brasil, autores apontam para o fato de que a redemocratização,

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a partir de meados dos anos 1980, resultou no incremento das prerrogativas do Congresso Nacional, atraindo como consequência a atenção do empresariado industrial, cuja atuação concentrava-se prioritariamente nos processos decisórios internos do Executivo (DINIZ; BOSCHI, 2003, 2004; MANCUSO, 2004). O incremento relativo das prerrogativas do parlamento aconteceu no mesmo período em que a agenda neoliberal se tornou progressivamente hegemônica no Brasil, observando-se com isso a ascensão de ideologias pró-mercado. A rejeição do modelo desenvolvimentista e as profundas mudanças econômicas que fortaleceram o poder econômico do setor privado inspiraram o ativismo político do empresariado industrial, tanto que, não por acaso, ao longo dos anos 1990, o setor privado latino-americano transformara-se no motor do crescimento econômico, como resultado da falência das estratégias de substituição de importações dirigidas pelo Estado; do relativo sucesso das estratégias de livre-mercado; da ausência de modelos alternativos de desenvolvimento; e da pressão internacional pela desregulamentação da economia. O novo cenário econômico, representado pelo mercado de livre iniciativa e internacionalismo e pelas novas condições políticas – caracterizadas pelo fim dos regimes autoritários e pela consequente transição democrática –, proporcionou ao empresariado industrial um ambiente favorável à organização de interesses, por intermédio da criação de associações empresariais e da mobilização de lobbies2 a fim de pressionar ou obter o apoio dos membros dos Legislativos, apoiar candidatos ou até mesmo lançar candidaturas próprias. Mesmo reconhecendo os limites estruturais do empresariado industrial brasileiro, Mancuso (2007b) sustenta a tese da atuação política intensa e, muitas vezes, bemsucedida do empresariado industrial. Segundo ele, a partir de um trabalho iniciado pela CNI, envolvendo paulatinamente um conjunto significativo de entidades empresariais, tornou-se possível constituir uma plataforma legislativa unificada, coerente, baseada na redução do custo Brasil. O ponto de partida ocorreu em um seminário organizado pela CNI, em 1995, o qual reuniu os industriais e os parlamentares no intuito de discutir as decisões que poderiam ser tomadas no Legislativo federal para atacar o chamado “custo Brasil” e melhorar as condições para se ampliar a competitividade do setor.

2 Lobby é o nome que se dá à atividade de pressão de grupos, ostensiva ou velada, com o objetivo de interferir diretamente nas decisões do poder público, em especial do Legislativo, em favor de interesses privados.

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Um dos frutos do seminário foi a criação da “RedIndústria”, uma rede de entidades industriais do sistema corporativo e extracorporativo que anualmente prepara a publicação Agenda Legislativa da Indústria (ALI), documento que destaca o conjunto de proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional e, além disso, apresenta a posição consensual da indústria sobre as proposições de maior impacto potencial sobre o custo Brasil. Ou seja, procura-se criar uma coesão do pensamento dos industriais e definir propostas e posições legislativas, por meio de uma consulta às federações e associações. Por essa visão, a ALI seria uma das principais ferramentas de mobilização da ação coletiva do empresariado industrial e dessa forma desempenharia importante papel de: 1) motivação da aprovação de leis que produzam efeito positivo no setor produtivo; e 2) influência à construção de políticas públicas e programas de governo, reafirmando ao Executivo e ao Parlamento, como também aos candidatos a cargos eletivos, as prioridades legislativas da indústria brasileira. A segunda forma de avaliar a relevância do empresariado como ator político se faz pela análise de sua relação com o Executivo. Não obstante o incremento das prerrogativas dos parlamentos, comentado anteriormente, os sistemas presidencialistas latino-americanos são caracterizados pelos amplos poderes destinados ao chefe de Estado (e de governo), entre os quais os Poderes Legislativos. No Brasil, as funções legislativas conferidas pela Constituição de 1988 ao Chefe do Poder Executivo permitem que ele desempenhe papel relevante no processo de produção legislativa federal; a edição de medidas provisórias (MP) ilustra esse quadro: cinco Presidentes da República, entre 1985 e 2010 – José Sarney, Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva –, editaram pelo menos 917 MPs e reeditaram 5.491; entre 2011 e 2014, no primeiro mandato da Presidente Dilma Rousseff, foram assinadas 145 MPs (Disponível em: . Acesso em: 21 de julho de 2015). O fato é que esses poderes legislativos do Executivo incentivam a indústria a dirigir suas atividades de pressão política às autoridades e burocracias governamentais. No Brasil, desde os anos 1950, uma parte importante da produção acadêmica envolve-se em um debate fundamental sobre esse tipo de relação, que segundo Mancuso (2007a) encontra o ponto de divergência a partir do momento em que se define o empresariado como um ator político forte, cujos interesses coletivos são refletidos sistematicamente pelas decisões não ilegais do poder público.

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Diversos trabalhos apontam, de maneira minuciosa, que o empresariado foi com frequência bem-sucedido em sua ação coletiva. As proposições do setor privado contempladas com a aprovação do parlamento e transformadas em políticas do governo comprovam o êxito da intensa ação política. Porém, o que se observa é que no Brasil a ação coletiva é impulsionada em contextos de ameaças políticas, conforme ocorrera em 1964, levando ao apoio da classe empresarial à deposição do então Presidente João Goulart, ou em contextos de ameaças econômicas, como as campanhas contra a estatização da economia, no final dos anos 1970 e o movimento para reduzir o custo Brasil, nos anos 1980 (BARTELL; PAYNE, 1995; MANCUSO, 2004, 2007a, 2007b; BIANCHI, 2004, 2007; PEDREIRA, 2012). Acredita-se que a intensa ação coletiva empresarial na relação com o Legislativo não impede a atuação ativa de segmentos do setor privado na defesa de questões específicas. A base coletiva das entidades empresariais cria um paradoxo: se é possível acessar e conquistar a aprovação de proposições no parlamento para conseguir benefícios para a classe industrial como um todo, por que não o fazer para obter benefícios particulares? Ao estabelecer vínculos com políticos do Legislativo, formando uma espécie de “anéis legislativos”, o empresariado amplia as atividades de pressão frente ao Executivo. Tal pressão pode ocorrer por parlamentares defensores dos interesses empresariais, cujo conteúdo da proposição envolve as agências oficiais e a burocracia governamental, como o lobby de parlamentares em agências ou bancos oficiais em favor de empresas. Desse modo, independentemente das esporádicas situações de ação coletiva empresarial, prevalece a ação de um grupo privilegiado representante dos interesses (setoriais ou particulares). É neste sentido que a ideia de “anéis burocráticos” se torna central: ação política do setor privado que ocorre permanentemente e com mais intensidade nos corredores ministeriais são os laços clientelistas entre indivíduos que compõem a elite de segmentos produtivos específicos e a burocracia governamental, buscando com isso a tradução de interesses específicos em políticas concretas.

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AÇÃO COLETIVA E INTERMEDIAÇÃO DE INTERESSES DO EMPRESARIADO NAS RECENTES POLÍTICAS INDUSTRIAIS DO SÉCULO XXI Um instrumento de política pública que reaparece nas recentes políticas industriais, principalmente nas lançadas em 2008 e 2011, são as instâncias de governança setorial, compostas por representantes da classe empresarial e dos trabalhadores, ao lado de membros da burocracia governamental. Os formuladores da estrutura organizacional das políticas nomearam-nas como fóruns de competitividade (na Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP), passando depois para conselhos de competitividade setorial, a partir de 2011 (no Plano Brasil Maior – PBM). Essas instâncias foram criadas com o intuito de contribuir para elevar a competitividade das cadeias produtivas do país no mercado mundial. O ressurgimento das câmaras ou fóruns setoriais dá-se num contexto no qual o Estado assume que deixou de ser o ator dominante no processo político e reconhece a variedade de atores não governamentais que participam do cenário público. Neste sentido, no contexto das recentes políticas industriais brasileiras, a Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) (2005-2007), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) (2008-2010), e o Plano Brasil Maior (PBM) (20112014), a existência de fóruns setoriais tem sido considerada pelos demais atores sociais, particularmente os dos setores produtivos, como algo inovador, na medida em que aumenta a capacidade de diálogo entre os empresários, trabalhadores e governo, criando uma rede de políticas, ou policy network, que permite organizar melhor as demandas do setor produtivo, e viabiliza a priorização e o atendimento pelo governo. No nível de industrialização alcançado pelo país, e com os imensos desafios impostos pelas crises econômicas internacionais, o empresariado industrial, por seu turno, compreendeu que não poderá prescindir de alguma forma de orientação e fomento por parte do Estado para se promover o desenvolvimento da estrutura produtiva. Essa compreensão perpassa pela necessidade de se obter um conjunto de benefícios ou apoios do Estado, a fim de alcançar seus interesses econômicos. Esses benefícios são denominamos de “interesses gerais”, pois tendem a satisfazer ao conjunto do setor industrial. Os principais são a proteção, por meio de barreiras tarifárias e não tarifárias (respeitando os acordos da Organização Mundial de Comércio – OMC) contra a concorrência no mercado interno; e incentivos fiscais,

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tributários e creditícios para ampliar a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional. Há também os benefícios considerados como “interesses setoriais”, porque tendem a satisfazer a um ou alguns segmentos industriais. Nesses casos, geralmente, a demanda é apresentada por entidades que compõem a estrutura corporativa e extra corporativa de representação setorial para agências oficiais e representantes da burocracia governamental. Esses benefícios podem gerar um efeito demonstração, levando representantes de outros segmentos a pleitearem benefícios semelhantes. Se o governo decide pela ampliação do benefício para um conjunto mais expressivo de segmentos, é devido ao fato deles terem deixado de ser interesse setorial e passaram a ser interesse geral. Os benefícios concedidos mais recentemente no Brasil que exemplificam essa categoria são as medidas de desoneração da folha de pagamentos, a depreciação acelerada, e a margem de preferência para compras públicas. O Brasil também se caracteriza pela existência de benefícios de caráter individual e fragmentado, cuja origem da reivindicação é proveniente de empresas, geralmente, de grande porte ou de grupo econômico nacional ou estrangeiro. Esses benefícios são considerados como “interesses particulares”, porque vão satisfazer a demandas específicas; e, se o governo os concede, pode levar em consideração, ou não, os interesses da coletividade. Em outras palavras, a tomada de decisão quanto à satisfação de uma demanda individual do setor privado pode estar em oposição aos interesses da sociedade, um trade-off, a ser resolvido pelo governo. Nas três situações, para que o empresariado alcance o apoio e a atenção do Estado, colaborando ou influenciando-o na tomada de decisões no processo de desenvolvimento industrial, poderá ele seguir por três caminhos distintos, mas que, em alguns casos, podem levar ao mesmo resultado. O primeiro caminho é o da articulação público-privada em espaços políticos de articulação e negociação criados para produzir capacidade cooperativa e consenso. No Brasil, as entidades de representação funcionam com essa característica, mas também atuam em ambientes de ratificação das prerrogativas do Estado, em vez do compartilhamento do poder. A ambígua natureza dos espaços, ora funcionando como instância de cooperação e consenso, ora como instância de ratificação de políticas governamentais, coloca em cheque o funcionamento dessas instâncias, deixando transparecer uma natureza dúbia, que pode influenciar ou contaminar a trajetória da política e o comportamento dos atores.

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O segundo caminho é o envolvimento assíduo das entidades corporativas e extra corporativas em contatos próximos com a burocracia e com autoridades responsáveis pela tomada de decisão sobre a política industrial; isso ocorre tanto fora quanto dentro das instâncias setoriais oficiais de articulação público-privada. No entanto, esse caminho é utilizado com maior intensidade em reuniões nos escritórios de representantes de agências oficiais e da burocracia governamental. Por fim, o terceiro caminho, feito pela via das conexões pessoais, dos laços informais que os empresários dos grupos econômicos e das grandes empresas brasileiras e, em alguns setores, também, as corporações multinacionais, sustentam junto à alta direção pública, a elite política, segundo Mills (1972). Qual quadro explica a questão-chave desta investigação – quais os interesses do empresariado industrial? Primeiramente, examinamos o perfil das recentes políticas industriais no Brasil, para ter uma ideia do ambiente no qual se dá a intermediação de interesses. Verificamos que elas têm um perfil muito semelhante, confirmando o sentido de continuidade da política. Mesmo com alterações em suas estruturas operacionais, por exemplo, na escolha das cadeias ou segmentos produtivos, fica claro que políticas de desenvolvimento industrial entraram de forma concreta na agenda de governo (mas, ainda não fazem parte do centro da agenda). Poder-se-ia indagar se uma mudança do comando político do país retiraria essa política pública do cenário. Nesta pesquisa, entende-se que não. As decisões eleitorais das últimas três campanhas presidenciais, não produziram alterações no quadro da estrutura de poder; mas, diante das profundas transformações que ocorrem desde o início do século XXI na economia mundial, principalmente no que se refere à divisão internacional do trabalho, independentemente da linha ideológica que assuma o comando político no Brasil, o desenvolvimento industrial e tecnológico não deixará de ser perseguido. Essa posição foi construída a partir da observação sobre o comportamento do empresariado brasileiro na campanha presidencial de 2002. Naquele período, as entidades empresariais defenderam, por meio de eventos, entrevistas e documentos na mídia nacional, a necessidade de o Estado voltar a adotar políticas de incentivo ao desenvolvimento industrial; o entendimento da classe empresarial era que a indústria houvera sido esquecida nos anos 90 e, como consequência, o

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país vivia (ou poderia começar a viver) o fenômeno da doença holandesa3 ou da desindustrialização. Os empresários brasileiros até se colocavam no lado da oposição ao candidato eleito, entretanto, quando se tornou claro que o novo Presidente não adotaria políticas radicais na linha do que seu partido defendera no passado, por exemplo o descumprimento de acordos internacionais e o não pagamento da dívida externa, ao mesmo tempo em que revelava um interesse maior que o do governo anterior por uma política industrial ativa e de defesa à empresa nacional, o empresariado passou a apoiar o governo (BRESSER-PEREIRA; DINIZ, 2009). O Presidente eleito, portanto, havia assumido o compromisso pelo retorno às políticas de desenvolvimento industrial. Mas havia poucas alternativas: o modelo de desenvolvimento associado ao receituário neoliberal não cumpriu as promessas de desenvolvimento nos anos 1990 e chegou a sua falência; o modelo levou o empresariado à exaustão e à total desconfiança diante da aposta política e ideológica que fizeram em 1995. Também não era cabível a adoção de política industrial que fosse uma continuidade das que foram postas em prática durante a fase de industrialização por substituição. A solução foi formular e adotar o que muitos acadêmicos e burocratas têm denominado de “novo desenvolvimentismo”, no qual o desenvolvimento industrial no Brasil não poderia prescindir da atuação do Estado. Porém, isso não queria dizer que a classe empresarial defendia o retorno ao grau de envolvimento direto do Estado no setor produtivo visto nas décadas de 1960 e 1970. O modelo de desenvolvimento industrial em construção no país, posto em prática pelo comando político que governa o Brasil desde 2003 e apoiado pelo empresariado, tem um perfil desenvolvimentista, porque incorpora a intervenção do Estado para promover o crescimento econômico, fundado nas grandes empresas estatais e nos investimentos diretos. E obteve apoio relativo do empresariado porque os empresários compreendem a relevância dos instrumentos de política industrial nas mãos do Estado, principalmente os de proteção, de regulação, de investimento em infraestrutura e de incentivo à competitividade nos mercados externos. O modelo (neo)desenvolvimentista não era a linha ideológica defendida

3 Basicamente, “doença holandesa” é um conceito econômico que explica a relação entre a exploração de recursos naturais e o declínio do setor manufatureiro. O termo foi formulado por economistas da revista The Economist, em 1977, para descrever o declínio da indústria manufatureira na Holanda, após a descoberta de gás natural. A teoria diz que um aumento de receita decorrente da exportação de recursos naturais desindustrializará uma nação, devido à valorização cambial, que torna o setor manufatureiro menos competitivo aos produtos externos.

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pelo empresariado, mas a presença do Estado no desenvolvimento era e continua sendo essa linha ideológica. No que tange à forma e ao nível de interação do empresariado industrial com o Estado, entendemos que, para que o empresariado obtenha do Estado ações ou medidas que não foram definidas pela burocracia – medidas que não compõem o portfólio daquilo que é do interesse do Estado e portanto não são contempladas na política industrial –, deve manter diálogos para intermediar, pressionar e defender propostas e pontos de vista, na expectativa de que em algum momento o Estado os aceite e os implante. As formas de interação que prevalecem na atmosfera da política industrial ou dos interesses privados para a promoção do desenvolvimento industrial são, em primeiro lugar, a constatação de que o empresariado brasileiro dispõe de diversos espaços políticos, formalmente estabelecidos e ligados à estrutura do Estado para interagir com a burocracia governamental. No entanto, esses espaços apresentam deficiências claras, que levam o empresariado ao desestímulo, como é o caso do CDES, que, com a profusão de conselhos criados nos dois mandatos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, perdeu o status e o papel de aconselhamento superior sobre o desenvolvimento; e do CNDI, que, apesar de ter sido bem ativo e exercer um importante papel de proposição de medidas impactantes e de aconselhamento sobre os caminhos da PITCE, foi informalmente desativado na PDP e pouquíssimo utilizado no PBM. O fato de esses conselhos serem de caráter consultivo, e sem regras claras para a sociedade escolher seus representantes, também é explicação para a vazante de diálogos e articulações público-privadas. Em segundo lugar, a forma de interação nos conselhos não tem sido a mais adequada para a defesa de interesses coletivos do empresariado, porque as reuniões dos principais conselhos ligados à indústria são escassas e sem brilho e, quando ocorrem, servem para o governo expor os “avanços” conquistados, ou para facilitar o acesso individualizado de determinados empresários de grandes empresas ou grupos econômicos aos representantes da alta cúpula governamental. Enfim, a terceira forma de interação se faz pelas conexões pessoais do Capitalismo, pela rede criada por empresários que dirigem grupos econômicos e grandes empresas de setores estratégicos para o desenvolvimento industrial brasileiro, para ter acesso à alta cúpula governamental, criando laços pessoais, refletidos na troca de favores que interessam aos particulares, em oposição à sociedade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo, ao analisar o empresariado industrial como um ator político, procurou mostrar que, independentemente das esporádicas situações de ação coletiva empresarial, prevalece a ação de um grupo privilegiado de representantes dos interesses setoriais ou particulares. É por isso que a ideia de “anéis burocráticos” se torna central – a ação política do setor privado que ocorre permanentemente e com mais intensidade nos corredores ministeriais são os laços clientelistas entre indivíduos que compõem a elite de segmentos produtivos específicos e a burocracia governamental, buscando com isso a tradução de interesses específicos em políticas concretas. Para os setores cujos representantes têm menor peso político, seja pela falta de acesso à direção governamental, seja pelo baixo exercício de lobby no Legislativo, as instâncias setoriais formadas na governança das políticas industriais tornaram-se fontes valiosas de negociação com o Estado. O grau de participação do empresariado nesses fóruns era definido pelo grau de acesso à cúpula governamental e de atendimento às suas reivindicações. Quanto maior esse grau, menor o envolvimento nas instâncias setoriais e vice-versa. Havia ainda representantes empresariais que se valiam de todos os canais oficiais, participando também dos fóruns, mesmo tendo acesso à cúpula governamental. No entanto, vimos que na maioria dos casos se manteve acesa a utilização de canais informais de representação de interesses. Esses canais reuniam os representantes empresariais e a burocracia do Estado, visando ao atendimento de questões específicas e garantindo assim, por meio de um intenso processo de barganha e negociação, a presença do empresariado, direta ou indiretamente, no processo decisório, configurando-se na aplicação de mecanismos de anéis burocráticos. As conclusões desta pesquisa seguem a linha de Diniz (2000), ao considerar que a defesa de interesses coletivos no setor industrial brasileiro enfrenta problemas estruturais. A baixa capacidade de ação coletiva pode ser explicada por uma série de fatores inter-relacionados, tais como a estrutura organizacional corporativa de representação de interesses; a falta de uma entidade de cúpula de caráter multissetorial, com condições de agir e de falar em nome de toda a classe empresarial; a incapacidade histórica do empresariado de formular plataformas de teor abrangente, incorporando demandas de outros setores, inclusive da classe trabalhadora, associada à baixa tradição de acordos interclasses; e o papel do

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Estado como formulador e executor de políticas econômicas do país e como indutor do padrão de ação coletiva da classe empresarial. Sob esse aspecto, vimos que a forma de interação prevalecente na estrutura corporativa da representação de interesses empresariais no Brasil é a que resulta, por intermédio dos sindicatos, federações e confederações, mas também das associações empresariais, de modo fragmentado, nos espaços setoriais de negociação. Isso sugere que as intermediações de interesses parecem não estabelecer uma ruptura com o passado ao construir uma espécie de “nova ação corporativista” dentro do “neodesenvolvimentismo”. O desafio do setor privado é grande. O empresariado industrial brasileiro sofre do problema da fragmentação e da heterogeneidade. As empresas estrangeiras sediadas no país demonstram dificuldades em negociar. Um dos exemplos é a construção do regime especial para o setor automotivo. Além disso, existem milhares de micro e pequenas empresas que são atores importantes, mas muito pouco acionados ou representados nos espaços políticos. O maior desafio, no entanto, é o Estado e o empresariado industrial romperem os mecanismos dos anéis burocráticos e deixarem de privilegiar interesses setoriais ou individuais, comportando-se assim como atores sociais, decidindo sobre questões que proporcionam grandes consequências para a sociedade e as assumindo.

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A Importância do Design como Estratégia de Inovação para a Competitividade da Indústria

Talita Daher Rogério Dias de Araújo

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Resumo

O presente artigo apresenta uma visão das estratégias de disseminação do design no Brasil, da sua importância para o desenvolvimento econômico e aumento da competitividade da indústria brasileira, bem como das políticas públicas voltadas ao tema. Muito se fala da importância da agregação de valor nos produtos industriais, tendo a inovação como elemento crucial. Nesse processo, devemos destacar o papel do design como uma ferramenta incremental da competitividade industrial. Em que pese os objetivos industriais referirem-se habitualmente a aspectos ligados majoritariamente aos custos, funcionalidade e confiabilidade dos produtos, o design cumpre relevante papel não apenas nas áreas para as quais ele é tradicionalmente chamado a colaborar – como na promoção do apelo visual e estético. Ao atuar diretamente em pesquisas e experiências tanto com as demandas do usuário quanto com aquelas provenientes da cadeia de suprimentos e da linha de produção, o design tende a responder direta e estrategicamente aos objetivos industriais. Palavras-chave: Design. Política Industrial. Inovação. Competitividade.

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INTRODUÇÃO Dados a crescente “servicização” dos bens industriais e o papel do design na agregação de valor dos bens industriais, tendo em vista que o usuário é o ator central da produção moderna, o design passa a ser fator estratégico, agregando valor ao produto e viabilizando o desenvolvimento intenso e acelerado de novas tecnologias e itens diferenciados. Na nova economia industrial, o design deve ser compreendido como estratégia de inovação e ferramenta de aumento de competitividade, notadamente nas políticas públicas voltadas para o desenvolvimento produtivo e para a conquista de mercados. O design, em suma, deve ser visto como elemento estruturante que permite moldar estratégias corporativas e impulsionar o crescimento dos novos negócios. Diante desse contexto, é importante refletir sobre as seguintes questões: 1) Qual o lugar do design nas políticas públicas (especialmente industriais) no mundo? 2) Como o Brasil está inserido nesse tema? 3) Como o design pode contribuir para o desenvolvimento industrial brasileiro? 4) Quais são as recomendações de políticas públicas? O presente artigo está divido em três partes, além desta introdução, e pretende elucidar essas questões e proporcionar melhor entendimento sobre o design nas políticas públicas.

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A POLÍTICA INDUSTRIAL E A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO E DESIGN COMO FATORES DE AUMENTO DA COMPETITIVIDADE No mundo e no Brasil, o uso da política industrial como instrumento de crescimento e desenvolvimento econômico voltou a ser destaque tanto na esfera acadêmica como na esfera governamental. Não se discute se é necessário ou não implementar uma política industrial, mas qual a melhor forma de conduzi-la. Nas discussões teóricas, há em princípio duas vertentes sobre qual deve ser o escopo das políticas industriais: uma relacionada à corrente de pensamento econômico liberal e outra relacionada a uma corrente de pensamento desenvolvimentista. Os autores da corrente liberal justificam a atuação da política industrial como forma de corrigir possíveis falhas ou imperfeições de mercado, por exemplo externalidades ou assimetria de informações. As ações de política industrial nessa corrente econômica de pensamento são apenas reativas e restritivas, já que não selecionam setores ou atividades de atuação. As possibilidades tecnológicas nessa corrente de pensamento são vistas dentro da função de produção, que especifica o nível de produção associado a cada combinação dos fatores, sendo que as tecnologias já estão disponíveis no mercado, por meio dos bens de capital ou pelo conhecimento presente nos trabalhadores. Em contraposição, os autores da corrente desenvolvimentista, entre eles da corrente neoschumpeteriana, consideram que a política industrial deve ser ativa e abrangente, com foco nos setores e/ou atividades que são indutoras da transformação tecnológica e do ambiente institucional, promovendo um processo virtuoso de acumulação de conhecimento e consequentemente um aumento da competitividade de maneira sistêmica. Nesta visão, a inovação, nas suas diversas formas tem uma função estratégica para o desenvolvimento econômico. Nos últimos anos, é evidente que a política industrial e tecnológica não está focada somente em correções de possíveis falhas de mercado, mas principalmente está orientada para induzir o setor produtivo, no atual contexto econômico, a transformações produtivas, no sentido do aumento da eficiência e produtividade, com foco na inovação e acumulação de conhecimento. De fato, diante do atual cenário econômico, o papel das políticas industriais e tecnológicas é essencial não somente para recuperar, a médio e longo prazo, as economias dos países em retração sistêmica, mas também para permitir, por meio

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da inovação e sua difusão, a elevação da competitividade internacional do país e de suas empresas em novo patamar. Entretanto, para formular e implementar políticas industriais e tecnológicas, os gestores públicos enfrentam uma série de desafios, associados a um mundo globalizado mais complexo e também às limitações impostas pelos diversos acordos internacionais assinados entre os países. Hoje em dia, não bastam apenas políticas industriais e tecnológicas com instrumentos de proteção contra concorrência desleal e/ou medidas urgentes para determinados setores que enfrentam, por exemplo, maior exposição à concorrência de produtos chineses, que, além de apresentarem preços baixos, apresentaram nos últimos anos uma grande evolução na sua qualidade. O cerne das políticas industriais recentes está na ampliação do investimento produtivo com foco na inovação e na acumulação do conhecimento, que permitirá que os países tenham um desenvolvimento econômico sustentável. Assim, cabe destacar que a inovação é primordial para uma mudança sistêmica da competitividade do setor produtivo nos diversos países, seja por sua natureza tecnológica e organizacional, seja também por sua característica (radical ou incremental). De fato, a importância da inovação confirma-se em diversos estudos e relatórios realizados nos últimos anos. Dentre esses relatórios, destaca-se a publicação Science, Technology and Industry Scoreboard 2011, da Organization for Economic Cooperation and Development (OECD). Nesse relatório, já no sumário executivo, na página 13, temos a seguinte afirmação (grifo nosso): Today, the world’s economies are facing some extraordinary challenges. While the effects of the recent economic downturn are still being felt, new pressures are stretching many governments’ ability to instigate a recovery and national debt levels and unemployment remain high. The pace and scale of globalisation is unprecedented. [...] Innovation is increasingly seen as being critical for effectively meeting these challenges. It will play a major role in lifting economies out of the downturn and finding new and sustainable sources of growth and competitiveness. Porém, atualmente não basta apenas incentivar o aumento da inovação no setor produtivo, mas também fazer que os produtos e processos desenvolvidos

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tenham funcionalidade e boa aceitação do público. Nesse contexto, ressalta-se a importância de o design se tornar cada vez mais relevante. O design ocupa um lugar de destaque na história mundial recente, especialmente no século XX, em que passou a ser visto como um resultado de inovação. O design, visto como elemento estruturante, permite moldar estratégias corporativas e impulsionar o crescimento dos negócios. Novos e vastos mercados estão se abrindo, as populações estão ávidas por produtos e serviços diferenciados e que reflitam melhor suas necessidades e circunstâncias específicas. Com isso, vislumbra-se a mudança do patamar competitivo da indústria brasileira rumo à diferenciação e inovação de produtos. Para cumprir esses objetivos, a política industrial apoia esta frente, que impacta tanto sobre a competitividade das empresas: o design como diferencial. Em estudo realizado pelo Centro Brasil Design a pedido do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) sobre o Diagnóstico do Design no Brasil, torna-se evidente a compreensão, por meio de vários insumos, da real contribuição do design para o desenvolvimento da indústria e para o aumento de sua competitividade. O estudo é uma base para trabalhos mais específicos, que deverão propor estratégias para a construção de uma política nacional voltada para o design e que vise ainda mais ao desenvolvimento da indústria. Cabe dizer que o potencial do design vai além do seu uso para promover a competitividade da indústria. Contribui também para a solução de questões sociais, ambientais, de saúde, entre outras, uma vez que permite que aspectos como funcionalidade, sustentabilidade sejam fator importante de agregação e valor e solução de problemas. A globalização aumentou a percepção nacional sobre a importância do design, pois é cada vez mais visto como um processo capaz de agregar valor e identidade ao produto nacional. Investir no design como ferramenta é importante para a indústria brasileira em um ambiente de mercados abertos e competitivos. No caso brasileiro, devemos destacar que o mercado é de grande amplitude e envolve uma miríade de variáveis que devem ser analisadas nos contextos macro e microeconômicos, no entanto, diante de todas elas é inegável que o design tem grande representatividade no quesito de desenvolvimento industrial. Fatores ligados a custos, diferenciação e qualidade são afetados positivamente por investimentos em design e dessa forma ganham ainda mais valor estratégico. O design é percebido, portanto, como um investimento necessário capaz de posicionar melhor

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os produtos entre os consumidores, além de ocupar posição de destaque como diferencial competitivo em setores importantes no âmbito da política industrial, tais como o automotivo, aeronáutico, médico-hospitalar, bens de capital, complexo da saúde, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, entre outros. Como fato ilustrativo, o design de automóveis no Brasil ocupa lugar especial ao concentrar os maiores investimentos em tecnologia e capacitação de mão de obra profissional. O país abriga importantes centros de desenvolvimento do setor automotivo, alguns dos quais representam investimentos da ordem de centenas de milhões de dólares em instalações, equipamentos e recursos humanos. Muitas das empresas multinacionais hoje instaladas no Brasil possuem seus próprios núcleos de design, tais como a Volkswagen, General Motors, Fiat, Ford e Renault. Essa prática vai ao encontro da necessidade de apresentar soluções que se adaptem à necessidade local de produtos resistentes, de baixo custo de aquisição e que tenham forte apelo emocional. O design automotivo inclui ainda o segmento de máquinas agrícolas, que possui uma série de empresas nacionais que têm investido continuamente em design, tais como a Agrale, Jacto, Kavo e Montana. Vale mencionar o design aeronáutico, que está em crescente expansão. O setor de aviação executiva demanda profissionais sintonizados com o design do luxo, o mundo gourmet, movimentos culturais e de moda, bem como com novos recursos tecnológicos aplicados a ambientes inovadores. Esses são alguns exemplos, sem citar os setores moveleiro, têxtil e confecções e calçados no Brasil, que têm o design como fator intrínseco de competitividade. Assim, diante do que foi apresentado, cabe refletir sobre o design como estratégia de inovação para a competitividade e a sustentabilidade de países e como componente na lógica dos modelos de desenvolvimento fundamentados no paradigma tecnológico e econômico onde a inovação tecnológica é a principal variável. O Plano Brasil Maior (PBM), a política industrial vigente no Brasil, com foco na inovação e no adensamento produtivo e tecnológico das cadeias de valor, tem entre suas orientações estratégicas: “promover a inovação e o desenvolvimento tecnológico” e “criar e fortalecer competências críticas da economia nacional”. Sendo assim, o tema “design” está significativamente alinhado às expectativas do programa.

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA APOIO AO DESIGN A criação de mecanismos de apoio ao design é liderada pela Europa e pode ser traçada a partir de cerca de duzentos anos atrás, com as primeiras feiras industriais e comerciais, em especial a Grande Exposição de Londres, que ocorreu em 1851 e foi considerada o primeiro evento de relevância internacional. Em 1944, foi fundado no Reino Unido o Council of Industrial Design (no início da década de 1970, o nome foi alterado para Design Council). Seguindo o exemplo do Reino Unido, o governo alemão criou, em 1953, a Escola de Design de Ulm (HfG Ulm). A escola alemã teve influência no estabelecimento do ensino formal de Design no Brasil no início da década de 19604, com a criação da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro. Os primeiros grandes eventos no Brasil também foram consequência do modelo europeu; e em 1968, 1970 e 1972 ocorreram as primeiras exposições internacionais de design no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Muitos países já reconhecem a importância do design para o desenvolvimento, por exemplo, e especialmente, a Finlândia (Finnish National Innovation Strategy), a Coreia do Sul (KIDP – Korea Institute of Design Promotion e Seoul Foundation) e a Nova Zelândia (Better by Design, um grupo de especialistas focados em empresas export-oriented instituído pela Agência de Desenvolvimento da Nova Zelândia) e também a Noruega (Norsk Designråd), a Espanha (Barcelona Centre de Disseny), a França (Agence pour la Promotion de la Création Industrielle), Cingapura (Design Singapure Council), Hungria (Design Council – HDC) e Austrália (Australian Design Alliance).O Dansk Design Center, de Copenhague, também é uma grande referência: a criação do centro dinamarquês ocorreu em 1978 com o objetivo de aumentar a competitividade da indústria dinamarquesa por meio de investimentos em design. Os EUA também priorizam o design: a US National Design Policy Initiative temse mobilizado para propor uma política federal sobre o tema. Em outro estágio, o Innovation Union da União Europeia organizou sua European Design Innovation Initiative com o objetivo de difundir o design como indutor da inovação e reforçar seu papel como disciplina-chave na educação. A estratégia europeia prioriza o

4 A Bauhaus, criada em 1919, também foi uma iniciativa histórica, mas crises e tensões políticas a fizeram se fechar.

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desenvolvimento da consciência sobre a importância do bom design, um marco importante na construção de políticas que apoiam ações voltadas ao tema. O Design Council, o pioneiro na elaboração de políticas públicas voltadas para o design, implantou a European Design Innovation Platforme (EDIP) como instrumento para impulsionar a criação e políticas públicas de apoio ao design e à inovação em toda a Europa. A plataforma EDIP foi criada em janeiro de 2014 e permanecerá por mais três anos possibilitando a aprendizagem, redes e parcerias entre 14 importantes organizações participantes. Entre as instituições estão a Lancaster University, a Birmingham City University, a Nesta e a Invist Northern Ireland, todas no Reino Unido; além do Politecnico di Milano, na Itália; Danish Design Centre, na Dinamarca; Kepa Business and Cultural Development Centre, na Grécia; Estonian Design Centre, na Estônia; ARC Fund, na Bulgária; Luxinnovation, em Luxemburgo; dSola, na Eslovênia; Laboratoire 27e Region, na França; e a European Network of Living Labs, na Bélgica. Neste momento, vale citar a visão europeia da importância do design como ferramenta de inovação: “Design is a key source of innovation and therefore part of the solution to the growth challenge Europe is facing.” (VILHELMSEN, Annette. Minister for Business and Growth, Denmark) Existem ainda ferramentas e programas de fomento ao design na indústria europeia que são úteis e passíveis de estudo dos modelos para serem replicados no Brasil, por exemplo o Design Wales, o Design Management Europe Award, o Knowledge Transfer Partnerships in Design, o Service Design Programme e o Designing Demand. Existem dois programas de formulação de políticas que merecem destaque: o Design 2005!, da Finlândia, que é um modelo inovador de estratégia de investimento em medidas com impacto de longo prazo em vez de soluções imediatas com definição clara de metas e papéis e sob a direção do Ministério da Indústria e Comércio. O fator central do programa é construir um país baseado no conhecimento, investindo em P&D e com uma política de design bem definida, uma vez que o design pode contribuir para a inovação e o desenvolvimento econômico na Finlândia. A Política de Design para a Coreia é marcante por seu plano minucioso e objetivo. Ao longo da história, desenvolveu-se juntamente com os planos de desenvolvimento da indústria coreana. E como as políticas públicas brasileiras estão voltadas para a promoção do design? Como o Estado vem se preocupando com este campo desde a industrialização do

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Brasil? No Brasil, o Programa Brasileiro de Design (PBD), iniciativa do MDIC, criado por meio de decreto presidencial em 1995, desenvolveu algumas ações ao longo dos anos, mas não representa uma política ativa. O PBD é uma iniciativa voltada para a inserção e incremento da gestão do design nos setores produtivos brasileiros. A exemplo do que é feito em alguns países como a Hungria, o governo federal precisaria ter uma participação mais ativa para criar uma política pública voltada ao design no Brasil. O design brasileiro tem buscado espaço e reconhecimento internacional a reboque da estabilidade econômica e crescimento do país. Seu potencial vem sendo reconhecido em várias exposições e premiações internacionais, tais como o prêmio IDEA, da Industrial Designers Society of America; e também por meio de órgãos e associações que promovem o tema, como a Associação de Designers de Produto (ADP), a Associação Brasileira de Design (Abedesign), o Centro Brasil Design, o Objeto Brasil, entre outros. Com o intuito de difundir a produção brasileira de design, o Brasil tem uma das agendas mais significativas: a Bienal de Design. Busca-se com o evento a melhoria e o fortalecimento da imagem do produto nacional, tanto no mercado interno quanto nas esferas internacionais. A Bienal repercute em diversos setores produtivos e é um fórum propício para a interação e troca de experiências entre os participantes e principalmente para a interação entre o setor empresarial e de ensino. Um elo articulador, que seja capaz de formatar, planejar, avaliar e controlar a qualidade do design – o design sem qualidade pode ser extremamente prejudicial para as trocas comerciais internacionais, por exemplo – e que tenha a capilaridade suficiente para unir as diversas instâncias de governo e a sociedade, além de conseguir incentivar e apoiar o aperfeiçoamento do ensino brasileiro, seria um elemento essencial na construção de um novo cenário com foco no desenvolvimento do país gerado pela competitividade e inovação. Qualidade passa inevitavelmente por formação, e apenas com uma boa formação o Brasil poderá alcançar o tão almejado patamar competitivo. A criatividade brasileira não supera tudo, é um elemento relevante, mas não é a solução. Design é investimento em futuro: em pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) a pedido da Associação dos Designers de Produto (ADP) sobre o “impacto do design no desempenho das empresas” ressalta-se que mais de 80% das empresas que investem em design como parte de um processo de inovação apresentam crescimento e aumentam a competitividade. Elas consideram essa ferramenta vital para o desenvolvimento dos seus negócios. E mais: quase 90% das empresas que investem em inovação constantemente apresentam crescimento.

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Apesar da importância do setor, não existem números que espelhem sua força econômica no Brasil. Porém, uma boa novidade é a criação, em outubro de 2013, do Programa de Apoio a Investimentos em Design, Moda e Fortalecimento de Marcas (Prodesign). O Programa do BNDES financia o design, a moda e as marcas, e sua criação está diretamente alinhada com a política industrial prevista no PBM e busca estimular o aumento da competitividade das empresas brasileiras. O programa contou com orçamento inicial de R$500 milhões – além de ter um dos mais baixos custos de crédito do banco – e apoia investimentos em design, moda, desenvolvimento de produtos, diferenciação e fortalecimento de marcas em projetos de investimentos das cadeias produtivas de têxtil e de confecções, calçadista, moveleira, de higiene pessoal, de perfumaria e cosméticos, de utilidades domésticas, de brinquedos, de metais sanitários, de joias, relojoeira, de embalagens, de eletrodomésticos e de revestimentos cerâmicos. Entre os itens financiáveis pelo programa estão as despesas relacionadas a pesquisa, desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos, embalagens, desenho industrial e design de moda, associados a ergonomia, concepção, conforto e estilo; aquisição de softwares desenvolvidos no país; despesas com treinamento, participação em feiras e eventos, no Brasil ou no exterior, e capacitações gerencial, técnica e de apoio operacional; estudos, consultorias e projetos de certificação e registros no INPI, entre outros itens. O BNDES renovou o Prodesign e adicionou R$1 bilhão ao seu orçamento, além de ter sido prorrogado até o final de 2016. Na nova fase, sob novas condições, foram incluídos também os fabricantes de óculos, malas, bolsas, acessórios de moda, materiais esportivos, louças sanitárias e outros acabamentos para construção civil, contemplando também os segmentos de serviços e comércio associados. Os recursos em TJLP passam a ser limitados a um máximo de R$30 milhões por grupo econômico a cada 24 meses. No caso das empresas varejistas, as novas condições exigem que seja observado o percentual mínimo de 60% de conteúdo nacional. Como complemento, vale citar o Programa para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (Procult), também do BNDES. Com R$2 bilhões de orçamento, o programa visa a apoiar fortemente a inovação. Entre os itens financiáveis pelo Procult, passa a figurar o registro da propriedade intelectual, que é um dos principais ativos intangíveis de uma empresa atuante na indústria criativa. Entre os itens financiáveis estão gastos com P&D de novos produtos, processos e serviços – inclusive design – e registro de propriedade intelectual.

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A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também atua em toda a cadeia da inovação. Tem foco em ações estratégicas, estruturantes e de impacto para o desenvolvimento sustentável do país. Pela capacidade de financiar todo o sistema de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I), combinando recursos reembolsáveis e não reembolsáveis, assim como outros instrumentos, a Finep tem grande poder de indução de atividades de inovação, essenciais para o aumento da competitividade do setor empresarial. O Inova Empresa é um exemplo moderno de política de incentivo à inovação capaz de combinar um conjunto de instrumentos como subvenção econômica, crédito, entre outros, com condições excepcionais – e R$30 bilhões de orçamento – para o desenvolvimento de produtos e processos inovadores.

CONCLUSÃO A definição do cenário, que podemos considerar ainda atual, segundo documento da PITCE5, é muito adequada ao tema em questão: O panorama mundial está marcado por um novo dinamismo econômico, baseado na ampliação da demanda por produtos e processos diferenciados, viabilizados pelo desenvolvimento intensivo e acelerado de novas tecnologias e novas formas de organização. Essa nova dinâmica realça a importância da inovação como um elemento-chave para o crescimento da competitividade industrial e nacional. É o desenvolvimento de novos produtos e usos que possibilita a disputa e a conquista de novos mercados. Além disso, no documento de referência do Plano Brasil Maior6 fica evidente a importância da inovação, mas também organizacional e corporativa: Para o período 2011-2014, a Política de Desenvolvimento Industrial, de Inovação e de Comércio Exterior deve se firmar como instrumento permanente para fortalecer a capacidade competitiva nacional. Passados os efeitos mais severos da crise internacional sobre o Brasil, a política industrial deve refocalizar a sua orientação: da ênfase no investimento agregado do período anterior para a ênfase no investimento em inovação tecnológica, organizacional e corporativa. (ABDI, 2011, p. 19) 5 Diretrizes da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), Governo Federal, 2003. 6 Contribuições para a Política de Desenvolvimento Industrial, de Inovação e de Comércio Exterior, período 2011/2014, Governo Federal, 2011.

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Não há como negar, diante desse cenário, a importância dessa ferramenta de inovação que é o design para a competitividade do comércio global, uma vez que proporciona às empresas uma vantagem estratégica e o diferencial que aumenta rendimentos, adiciona valor aos produtos e torna possível às empresas fornecer produtos diferenciados e inovadores. Por ser um país de proporções continentais e grandes disparidades, o Brasil precisa desenvolver uma política de design que seja inclusiva, sustentável e que proporcione desenvolvimento econômico e social. O momento da economia brasileira é uma oportunidade para isso. No escopo do Brasil Maior, instrumentos de apoio à inovação e ao design foram criados, a exemplo do Prodesign. Com isso, e com o debate sobre políticas públicas para esse setor que também está sendo promovido na Europa, o contexto atual favorece o debate, o planejamento e a implementação de uma política voltada para o design eficiente e sem sobreposições, que proporcione às empresas uma vantagem estratégica e um diferencial que aumente os rendimentos, adicione valor aos produtos e torne possível o fornecimento de itens diferenciados, como quer o mercado. A política industrial busca uma mudança do patamar competitivo da indústria brasileira rumo a uma maior inovação de produtos. Nessa trajetória, dois aspectos ligados ao design contribuem significativamente: o crescimento das indústrias criativas nas últimas décadas e a capacidade de se estabelecerem elos entre o usuário, a tecnologia e a criatividade. Existe um acúmulo de conhecimento e instrumentos de apoio, porém um passo que deve ser dado é na articulação intragovernamental, ou quiçá uma política estratégica de planejamento que abarque toda a questão estrutural, industrial e econômica do país. Uma política focada, bem planejada, para que não seja mais uma política de adequação conjuntural da política macroeconômica do país, por exemplo. E como o design vem sendo tratado ao longo dos anos no Brasil sob a ótica das políticas industriais, do desenvolvimento científico e tecnológico e da tentativa de se construir uma política eficiente e perene? Essa é uma reflexão importante, e é inegável que o design vem ao longo dos anos recebendo um olhar atento, que evidencia cada vez mais sua função como ferramenta de inovação, de diferenciação e de competitividade para a indústria brasileira. O Brasil está classificado como uma economia em estágio de transição, cujo desempenho passa a ser movido não apenas pela eficiência, mas crescentemente

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pela inovação. Diante disso, o design deve ser visto como a ferramenta que tem a maior capacidade de gerar transformação e inovação nas empresas em menor espaço de tempo com menor investimento. O design ocupa um lugar de destaque na história mundial recente. Ele está fortemente vinculado ao surgimento das indústrias e por isso sua relação com a política industrial. A Revolução Industrial marcou a perspectiva de estetização na produção de bens em escala, seguindo o lema “a forma segue a função”. Hoje, ainda mais e principalmente, os objetivos industriais precisam atender as reais necessidades e desejos dos consumidores, além da preocupação com custos, funcionalidade, confiabilidade, apelo visual, estética apropriada e meio ambiente. O usuário é a figura central e o design passa a ser fator estratégico, que agrega valor ao produto e viabiliza o desenvolvimento intenso e acelerado de novas tecnologias e itens diferenciados. “Política de Design é a promoção da tecnologia e do design como meio de obter vantagem econômica incrementando a competitividade nacional.” (HESKETT, John. Toothpics & Logos. 1999)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL – ABDI. Contribuições para a Política de Desenvolvimento Industrial, de Inovação e de Comércio Exterior, período 2011/2014. Brasília: ABDI, 2011. CENTRO BRASIL DESIGN; APEX-BRASIL; MDIC. Diagnóstico do Design Brasileiro. Brasília: 2014. MOZOTA, B. B. The four powers of design: a value model in design management. Paris: Université Paris X, Design Management Institute (DMI). ORGANIZATION for Economic Co-operation and Development – OECD. Science, Technology and Industry Scoreboard 2011. Paris: OECD, 2011. PATROCÍNIO, G. The Impact of European Design Policies and their Implications on the Development of a Framework to Suport Future Brazilian Design Policies. Cranfield: Cranfield University, 2013. ______. Políticas de Design. Disponível em: . TEIXEIRA JÚNIOR, J. R.; MONTANO, P. F.; FALEIROS, J. P. M.; BASTOS, H. B. Design Estratégico: Inovação, diferenciação, agregação de valor e competitividade. Rio de Janeiro: BNDES Setorial n. 35, p. 333-368.

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O Fenômeno das Diásporas Tecnológicas e seu Impacto sobre o Desenvolvimento

Adryelle Pedrosa Eduardo Rezende Lanna Dioum Rodolfo Milhomem

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Resumo

Este artigo objetiva discutir a importância dos profissionais expatriados, estabelecidos na diáspora, para o desenvolvimento e a competitividade de suas nações de origem. Esses profissionais têm proporcionado o retorno de importantes capitais, expertise intelectual e conhecimento diferenciado para a geração de oportunidades de negócios e de projetos. Por conseguinte, têm impactado os mercados de seus países de origem por meio da introdução de novas tecnologias, produtos, serviços, know-how, estímulos à inovação e fortalecimento da competitividade das economias locais. A construção de redes de expatriados tem despertado o interesse de diversos governos, que têm estruturado políticas voltadas às suas diásporas, de modo a absorver os benefícios que delas provêm, sem a necessidade de retorno físico permanente do expatriado. O artigo tem também o propósito de apresentar as redes já estruturadas na China, Índia, Austrália e Chile, por exemplo. Do mesmo modo, apresentará o caso do Brasil, que, por meio da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), instituiu a Rede Diáspora Brasil, que tem estimulado parcerias, novos negócios e projetos tecnológicos. Palavras-chave: diáspora, recursos humanos, competitividade

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INTRODUÇÃO A evolução do fenômeno das diásporas tecnológicas e sua importância para circulação do conhecimento, desenvolvimento tecnológico e fortalecimento da competitividade dos seus países de origem tornam-se cada vez mais visíveis para analistas, acadêmicos e tomadores de decisão. Países tão diversificados e diferentes como Israel, Irlanda, Austrália, Chile, Taiwan, China e Índia adotaram a inteligência proveniente de suas diásporas para alavancar suas economias. Este trabalho procura explorar e apresentar casos selecionados de iniciativas de diáspora direcionadas para o desenvolvimento econômico e social de seus países. No primeiro capítulo, o artigo apresenta a evolução do fenômeno das diásporas, indo desde sua conceituação histórica até o seu uso moderno, no sentido concreto da alavancagem do desenvolvimento tecnológico. No segundo capítulo, são discutidos e apresentados casos selecionados de iniciativas de diásporas (China, Índia, Chile e Austrália), para a exemplificação do real poder de mudança proveniente das conexões geradas pelas pessoas e organizações estimuladas pela diáspora. Finalmente, após as necessárias contextualizações do moderno fenômeno das diásporas tecnológicas, o terceiro capítulo apresenta e discute a recente iniciativa brasileira de diáspora, mostrando seu funcionamento e seus resultados. Depois da internalização do conceito e da apresentação das diversas iniciativas de Diáspora pelo mundo, chega-se à conclusão de sua importância fundamental para o desenvolvimento econômico e social dos países em um mundo crescentemente interdependente.

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A EVOLUÇÃO DO FENÔMENO DAS DIÁSPORAS A empresa Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) é a maior foundry7de semicondutores do mundo. Outra gigante da área é a United Microelectronics Corporation, também de Taiwan. O pequeno Estado insular da Ásia Oriental, com território um pouco maior que o estado brasileiro de Alagoas, conseguiu estrategicamente dominar a fabricação de semicondutores em nível mundial. A conquista do mercado mundial de semicondutores deve-se principalmente a três razões: 1) forte apoio e intensos financiamentos governamentais para o desenvolvimento desse setor de tecnologia de ponta de indiscutível importância estratégica; 2) atração do interesse japonês para a transferência de tecnologia e de produção para a ilha; e 3) repatriamento de taiwaneses altamente qualificados com relação próxima e ativa com a sua diáspora amadurecida em ambientes inovadores e disposta a disponibilizar seu capital intelectual diferenciado para o desenvolvimento da indústria de Taiwan. A decisão do Estado em investir em alta tecnologia para o aprimoramento industrial e aumento da capacidade produtiva, intensificação de investimentos públicos e privados em tecnologia, inovação e qualificação profissional, entre outros, é responsável pela aceleração e pela evolução de um estágio de desenvolvimento para um patamar mais avançado e mais competitivo. As diásporas tecnológicas atualmente são utilizadas no desenvolvimento das economias de seus países de origem e já correspondem a uma estratégia diferenciada de competitividade e têm sido utilizadas com sucesso por diversos países. Mas o que é uma diáspora? Em termos gerais, diáspora significa a dispersão de qualquer povo ou etnia fora das fronteiras de seu país de origem ou de ancestralidade por motivos políticos, religiosos ou econômicos, mas que mantém alguma relação, relacionamento ou conexão com sua terra natal. A palavra “diáspora” vem do grego dia, que significa “através” ou “por” e speiro, que quer dizer “dispersão” ou “semear”. Tradicionalmente, o termo foi utilizado para situação bastante específica, qual seja: o exílio dos judeus da Terra Santa e sua dispersão ao redor de todo o globo.

7 Empresa que opera uma fábrica de semicondutores com o objetivo de fabricar os projetos de outras empresas que concebem e/ ou somente desenham semicondutores é conhecida como uma foundry. Se uma foundry não produz os seus próprios projetos, ela é conhecida como uma foundry pure-play.

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Nas últimas décadas, no entanto, a noção de diáspora evoluiu dos estudos religiosos, migratórios e culturais, alcançando o cenário político e econômico. Conforme Aikins e White, as diásporas agora são consideradas centrais para um conjunto cada vez maior de assuntos, desde disputas políticas para reconhecimento de nações a mobilizações para desenvolvimento e projetos de reconstrução nacionais. As contribuições dos membros da diáspora para o desenvolvimento, na forma de remessas de dinheiro ou investimento, na redemocratização dos seus países de origem, entre outros, têm recebido importância cada vez maior e já não passam despercebidas8. Recentemente, com a configuração de uma economia global cada vez mais interconectada e baseada no conhecimento, a questão da migração, principalmente de pessoas altamente qualificadas entre países com diferentes níveis de desenvolvimento, tem promovido intenso crescimento no interesse sobre o papel e o potencial das diásporas. Os países de origem das diásporas qualificadas e as comunidades de expatriados têm reconhecido cada vez mais os benefícios proporcionados por seus talentos amadurecidos profissionalmente no exterior e expostos a outros ambientes inovadores, principalmente quando esses expatriados se encontram organizados em comunidades ou, mais recentemente, em redes colaborativas de profissionais. Essas redes têm crescido aceleradamente nas últimas duas décadas graças a um mundo cada vez mais interligado nos níveis de transportes, comunicações e acesso à informação em tempo real. Cabe destacar que atualmente as diásporas organizadas, com foco no desenvolvimento, estão orientadas principalmente em: 1) remessas e investimentos; 2) novas oportunidades de migração e repatriamento; 3) envolvimento nas comunidades transnacionais de negócios; 4) transferência de competências, conhecimentos e tecnologia; 5) influência positiva em mudanças políticas locais e nos países de origem. O interesse em organizar redes entre os expatriados teve seu início a partir dos anos 50 do século passado. Tais redes apresentaram evolução e dinamismo ao adotar abordagens temáticas com impactos cada vez maiores na economia e na

8 AIKINS, K.; WHITE, N. Global Diaspora Strategies Toolkit. Harnessing the power of global diásporas. Diaspora Matters, 2011.

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sociedade de seus países de origem. Essa evolução no perfil pode ser visualizada, conforme a seguir: Tabela 1 – Evolução dos perfis das redes de diáspora ao longo das últimas décadas PERÍODO

PERFIL

Anos 1950

Redes culturais e sociais

Anos 1970 e 1980

Redes de filantropia e de movimentos políticos

Anos 1980

Redes de comércio étnico (nostalgia)

Anos 1990

Redes profissionais de comércio

Anos 2000

Redes das diásporas de conhecimento

Paralelamente à evolução dos perfis das redes de diáspora, ocorre um fenômeno de ligação das comunidades expatriadas com seus respectivos países de origem, onde governos e organizações internacionais ao redor do mundo têm considerado a importância das diásporas de diferentes formas e têm construído diversas relações e parcerias mutuamente benéficas com essa imensa fonte de “soft power”. Isso ocorreu a partir dos anos 1990, quando as diásporas passaram a não ser mais vistas por entes estatais e internacionais como “agrupamentos perdidos”, bem longe de casa, mas como redes com potencial de reengajamento com o país de origem ao se utilizarem diferentes modalidades de interação para o desenvolvimento econômico e social: programas de mentoria, comércio e investimento da diáspora e suas conexões, além de atividades culturais. Eles não precisam voltar para casa para fazer a diferença. Os indianos no estrangeiro, que são os embaixadores da nossa marcapaís, produzem cerca de US$400 bilhões [...] o fato de que um em cada dez hindu-americanos é um milionário e que um quinto das empresas startups no Vale do Silício é de propriedade de um indiano tem, sem dúvida alguma, fortalecido a imagem da Índia. (RAVI, Vayalar, Ministro Indiano para Assuntos de Além-Mar, 2007) Trata-se de uma percepção de que as diásporas podem fazer muito por seus países de origem e um reconhecimento de que tais redes indubitavelmente são um recurso estratégico e valioso em um mundo globalizado.

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Cerca de 215 milhões de pessoas vivem fora do seu país de origem, e uma parte significativa das pessoas nessas diásporas está prosperando no exterior. Consequentemente, o Investimento Direto das Diásporas (DDI) desempenha um papel importante no desenvolvimento de alguns países. Estima-se que a diáspora indiana investiu US$2,6 bilhões, dos US$10 bilhões de IDE na Índia, entre 1991 e 2001, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento da indústria de serviços no subcontinente. A Armênia é um exemplo frequentemente citado para o potencial do DDI: entre 1998 e 2004, o investimento da diáspora respondeu por 25% dos fluxos totais de IDE. Os principais receptores de remessas de suas diásporas, em 2012, foram: a Índia com US$69 bilhões, a China com US$60 bilhões, as Filipinas com US$24 bilhões, o México com US$23 bilhões, a Nigéria com US$21 bilhões, o Egito com US$21 bilhões, Bangladesh com US$14 bilhões, o Paquistão com US$14 bilhões, o Vietnã com US$10 bilhões e o Líbano com US$7 bilhões.9 As remessas para a região da Europa Oriental e Ásia Central alcançaram o valor estimado de US$40 bilhões em 2012. Com US$6,5 bilhões, a Ucrânia é o maior receptor da região, seguida pela Rússia com US$5,7 bilhões e o Tadjiquistão com US$3,7 bilhões. A América Latina e o Caribe alcançaram em 2012 o valor estimado de US$62 bilhões de remessas em 2012. O México detém 37% do total e recebe quatro vezes mais que o Brasil, segundo na região10. Para além dos investimentos diretos das diásporas, o talento amadurecido no exterior pode oferecer know-how, experiências industriais específicas, networks, acesso a capital intelectual e aprendizado nascido de experiências, até mesmo fracassadas, que alimentaram posteriores sucessos. No mundo das empresas “startups”, especificamente, esses conselhos podem representar um grande diferencial para estratégias de negócios, desenvolvimento de produtos, “joint ventures”, etc. Torna-se cada vez mais popular o fenômeno do relacionamento e da colaboração, principalmente no formato de mentorias e de sessões de coaching, envolvendo jovens talentos das economias em desenvolvimento e seus compatriotas, empreendedores amadurecidos e estabelecidos na diáspora e com ricas experiências de fracasso a serem evitadas e de sucesso como inspiração. Dessa forma e em um sentido amplo, os profissionais estabelecidos na diáspora, principalmente quando organizados em grupos colaborativos e em redes, têm-se

9 Diaspora Direct Investment. Policy Options for Development. BID, 2013. 10 Diaspora Direct Investment. Policy Options for Development. BID, 2013.

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tornado reconhecidos e importantes agentes para o desenvolvimento e aumento da competitividade de seus países de origem. Cada vez mais esses grupos têm recebido institucionalidade, legitimidade e financiamento de atividades por parte de seus respectivos países de origem. Estrategicamente, as redes de diáspora têm um papel importante e considerável potencial na facilitação do desenvolvimento econômico e na inserção internacional de seus países de origem: •

Conversão do brain drain11 em brain gain12 e brain circulation13.



Grupos de expatriados representam grandes plataformas para o aumento da influência do país de origem no exterior, constituindo considerável fonte de soft power.



Profissionais expatriados de reconhecido sucesso e destaque internacional atuando em grandes corporações, organismos internacionais e na mídia contribuem positivamente para a imagem de seu país natal.



Contribuição na expansão do comércio global e do volume de investimento estrangeiro direto com seus conhecimentos dos mercados de seus países de origem.



Diásporas representam considerável grupo de recursos humanos, ao se considerarem experiências profissionais, conhecimento, empreendedorismo e entusiasmo, que podem influenciar o crescimento da economia do país de origem.



Intermediação de negociações comerciais e de cooperação nos mais diversos campos.

11 O termo “brain drain” foi cunhado pela Real Sociedade de Londres para a Melhoria do Conhecimento Natural para descrever a emigração de cientistas e tecnólogos da Europa do pós-Segunda Guerra Mundial para a América do Norte. O brain drain, embora inicialmente associado aos profissionais de áreas tecnológicas deixando seus países, passou a abranger também a saída de grupos de pessoas qualificadas e especializadas de um país com falta de oportunidades profissionais, instabilidades políticas e econômicas ou opressão para outro com melhores oportunidades, salários e condições de vida. O fenômeno da fuga de cérebros foi usualmente considerado um custo econômico, uma vez que os emigrantes, ao partir, levavam consigo uma fração do valor investido pelo país de origem ou organizações nacionais em sua educação e qualificação, caracterizando uma perda em capital humano e redução da massa de indivíduos qualificados. 12 Por outro lado, o brain gain corresponde ao fenômeno inverso. Para o país receptor desses cérebros, esse movimento traz uma série de ganhos, uma vez que passa a receber um fluxo de imigração de pessoas já qualificadas e especializadas sem ter precisado investir anos na educação e qualificação desse grupo. 13 O brain circulation corresponde ao fenômeno de livre circulação do conhecimento, por meio da mobilidade de profissionais qualificados, ao se promover a troca de experiências, conhecimentos, expertises e know-how.

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Comunidades de diásporas podem constituir ferramenta com poder de lobby internacional na defesa de interesses do país de origem.



Embaixadores culturais e difusores de valores e de informações do país de origem.



Redes de diásporas podem atuar como verdadeiras redes de pesquisa para o desenvolvimento da indústria de seus países de origem e apoiar na criação de redes globais de conhecimento para o desenvolvimento de empresas locais.



Oferecimento de expertise profissional acumulada internacionalmente.



Acesso a redes internacionais de negócios, pesquisa e inovação.



Identificação, no país hospedeiro, de oportunidades de negócios, de investimentos e de participação em projetos ao envolver empresas do país de origem.



Atuação como aceleradores de talentos para as empresas e profissionais do país de origem por meio de mentoring, coaching, treinamentos, oferecimento de bolsas de estudos e de estágios formando novos líderes, empreendedores e estimulando a internacionalização de empresas.



Contribuição para o progresso econômico do país de origem por meio de mecanismos financeiros da própria diáspora ou mecanismos identificados no país hospedeiro.

Diante de todas as vantagens que podem ser obtidas a partir das conexões com expatriados de ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo, as redes de diásporas representam um ativo estratégico complementar às iniciativas de seus países de origem, na promoção da incorporação do país na economia do conhecimento, no incentivo e na melhoria da imagem externa do país em termos de cultura, capital humano, ambiente de negócios, ciência, tecnologia e inovação.

DIÁSPORAS NO MUNDO (CHINA, ÍNDIA, CHILE E AUSTRÁLIA) Na corrida para tornarem suas economias baseadas no conhecimento e globalmente competitivas, governos, empresas e organizações em todo o mundo

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têm priorizado políticas e programas voltados para produção, recrutamento e retenção de profissionais inovadores, talentosos e altamente qualificados. Nesse contexto, e levando em conta os benefícios econômicos, científicos e sociais incontestes das diásporas para seus respectivos países de origem, está sendo estimulada a estruturação de conexões, por meio de redes colaborativas, entre pessoas expatriadas e seu país natal. Existem assim mais de 170 redes colaborativas de conhecimento em operação, voltadas para a geração de negócios e de projetos em áreas tecnológicas e inovadoras, espalhadas em mais de 70 países (ou regiões). Essas iniciativas são bastante diversas entre si em termos de suas atividades, estrutura, alcance, mobilização de membros e instrumentos de conexões entre a diáspora e seu país. Entre as principais diásporas existentes, merecem destaque, por diferentes motivos, a chinesa, a indiana, a chilena e a australiana. A análise das diásporas da China e Índia é importante, pois essas são as maiores do mundo e foram aparentemente bem-sucedidas em transformar os recursos das diásporas em desenvolvimento. Com a ajuda da diáspora, a China expandiu sua atividade manufatureira, atingindo posição de destaque. Já a Índia, com a contribuição da diáspora, tornou-se um dos maiores laboratórios de tecnologia do mundo14. Por sua vez, a análise das diásporas chilena e australiana é importante, não por seus tamanhos, mas pelo impacto da rede estruturada. Essas redes congregam aproximadamente 1.000 e 30.000 membros, respectivamente. Ademais, tais diásporas têm grande afinidade de objetivos com a rede brasileira.

O CASO CHINÊS Apesar do regime político adotado na China e da sua relativamente rígida política de migração, estima-se que existam aproximadamente 50 milhões de chineses no exterior ocupando posições de influência em áreas de grande relevância intelectual, tecnológica e financeira15. Esse recurso humano tem sido visto como estratégico para o governo chinês e para agências do país, que já colocaram em prática centenas de políticas e programas específicos para esse grupo de pessoas com o 14 HUANG, Yasheng; KHANNA, Tarun. Can India Overtake China? Foreign Policy, jul.-ago. 2003. p. 74-78. 15 Relatório: China’s competition for global talents: Strategy, Policy and Recommendations. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2014.

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intuito de facilitar o retorno deles e sobretudo de permitir-lhes expandir os contatos com sua terra natal. Até o final da década de 1990, o governo guiava-se pelo slogan “retornar e servir a nação”. A frase refletia bem a preocupação do país com o fenômeno do brain drain, ou seja, com a fuga de talentos para outros países e com o fato de que menos de 15%16 dos estudantes e profissionais chineses que buscavam especialização no exterior retornavam ao seu país de origem. A estratégia do governo alterou-se, no entanto, a partir da década de 2000, quando houve um avanço na política refletido no novo slogan “servir a nação”. A significativa mudança de orientação partia do pressuposto de que não seria necessário o regresso dos expatriados, temporária ou permanentemente, para garantir ganhos de competitividade e desenvolvimento ao país. Passava-se então a priorizar os benefícios do brain circulation em detrimento dos custos do brain drain. O governo começou a estimular o contato dos expatriados que dirigiam seus próprios negócios no exterior ou que ocupavam postos de trabalho e estudo em áreas estratégicas com seu país de origem. Assim, encontros regulares foram realizados pelo consulado da China com o intuito de informar os chineses no exterior sobre as mudanças em curso no país e sobre suas oportunidades científicas e de negócios, de modo a estimulá-los a contribuir com a China e a envolvê-los em organizações de colaboração. A conjuntura de intenso crescimento da economia chinesa favoreceu sobremaneira o interesse da rede de acadêmicos, cientistas e empresários expatriados em atender às reuniões e a manter relações com o seu país, contribuindo com o sucesso da diáspora na China. Muitos estabeleceram negócios em sua terra natal, montaram companhias e associações para investir no país. Nas últimas décadas, a China tornou-se um dos principais destinos de investimentos diretos externos (IED) no mundo. Eles cresceram de um patamar de US$600 milhões em 1983 para US$40 bilhões em 2000. A diáspora chinesa foi uma das principais responsáveis por esse desenvolvimento, fornecendo quase 70% do recente investimento externo na economia chinesa17.

16 Artigo: Redefining the Brain Drain: China’s Diaspora Option. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2014. 17 DEVAN, Janamitra; TEWARI, Parth. When the Best Brains Go Abroad. McKinsey Quarterly, set. 2001

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Destaque-se, no entanto, que a contribuição da rede diáspora para o desenvolvimento da China começou e foi sustentada por investimentos principalmente no setor manufatureiro, em especial no setor de mão de obra intensiva. O fato é que a diáspora chinesa se concentra em sua maioria no Sudeste Asiático, cuja elite econômica é composta principalmente por chineses que têm desempenhado um papel crucial no rápido desenvolvimento da economia da China. Quando o país começou a se abrir ao mundo, em 1978, a diáspora no Sudeste Asiático teve vários incentivos para alocar investimento estrangeiro direto na China. Em seu país de residência, esses expatriados enfrentavam altos custos trabalhistas, o que tornava sua manufatura não competitiva18. Por seu lado, o governo chinês, ansioso em reabsorver de algum modo os recursos expatriados, forneceu-lhes baixos custos trabalhistas e enormes mercados inexplorados. Os investimentos dos expatriados, no entanto, ainda não foram suficientes para motivar o desenvolvimento de negócios intensivos em tecnologia na China. Especula-se que o recente movimento migratório de estudantes chineses de engenharia e ciências para os Estados Unidos poderá representar, nas próximas décadas, um crescimento no número de executivos e empreendedores high tech na China, intensificando a importância do país enquanto polo de inovação e tecnologia.

O CASO INDIANO A diáspora indiana é a maior do mundo após a chinesa e encontra representantes em diferentes países do mundo. São mais de 20 milhões de indianos vivendo fora de seu país de origem, inclusive em países desenvolvidos. Eles não correspondem a um percentual alto da população da Índia (cerca de 2%), mas a renda coletiva deles é de quase US$160 bilhões, ou seja, aproximadamente um terço do Produto Interno Bruto da Índia19. Para se ter uma ideia, existem cerca de 200 mil indianos milionários nos Estados Unidos, fazendo deles a população imigrante mais bemsucedida da história dos Estados Unidos.

18 NAUGHTON, Barry. Between China and the World. In: HAMILTON, Gary G. (Ed.) Cosmopolitan Capitalists. University of Washington Press, 1999. 19 KUZNETSOV, Yevgeny. Diaspora Networks and the International Migration of Skills: How countries can draw on their countries abroad. WBI Development Studies, 2006. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2014.

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Esses números indicam a importância desse grupo de pessoas para o desenvolvimento econômico e social da Índia, devido ao sucesso e realizações que têm em seus países de adoção. Com intuito de aproveitar esse potencial, o governo indiano deu início em 1999 a uma aproximação com a comunidade de indianos no exterior com o lançamento de dois novos tipos de visto: um para “pessoas de origem indiana” e um para “cidadãos da Índia no exterior”. Eles tinham o intuito de facilitar a capacidade dos imigrantes indianos para ir e voltar à Índia, investir em imóveis e manter rúpias indianas em contas bancárias. Os esforços do governo continuaram em 2003, com o lançamento das celebrações do primeiro Pravasi Bharatiya Divas (PBD), que visavam a conquistar o apoio dos indianos no exterior para contribuir com o futuro econômico da Índia. As convenções Pravasi Bharatiya Divas são celebradas anualmente e prestigiam as contribuições da comunidade indiana no exterior para o desenvolvimento da Índia. Essas convenções fornecem uma plataforma para a comunidade indiana no exterior engajar-se com o governo e as pessoas de sua terra natal em atividades de benefício mútuo. Essas convenções são também muito eficientes na criação de redes entre a comunidade indiana que reside em várias partes do mundo e com potencial para compartilhar suas experiências nos mais variados campos. Elas são organizadas pela Divisão de Serviços da Diáspora do Ministério de Assuntos Estrangeiros da Índia, cujo objetivo é lidar com todas as questões concernentes às pessoas de origem indiana e não residentes indianos. Vários estudos sobre a economia e o desenvolvimento da Índia apontam a diáspora como um fator crítico para o grande crescimento de setores intensivos em conhecimento, especialmente o de tecnologia de informação. Esses estudos não desprezam, contudo, a importância de outras variáveis para esse avanço como políticas de incentivo à indústria de tecnologia da informação e a disponibilidade de mão de obra qualificada e barata. A maioria dos negócios de software na Índia foi fundada ou gerida por profissionais da diáspora20, que migraram especialmente para os Estados Unidos entre os anos de 1960 e 1980 e lá se tornaram executivos em empresas de tecnologia. Nos anos de 1990, com as políticas de liberalização econômica da Índia, esses profissionais construíram, em muitos casos, empresas em seu país de origem, seja mediante

20 Artigo: Developing the Diaspora. United Nations. Asian Development Bank. Disponível em: . Acesso em: 15 maio 2014.

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retorno à Índia ou mediante estabelecimento de filiais de suas companhias americanas. Em outros casos, convenceram suas empresas a contratarem indianos ou a terceirizarem serviços para a Índia, ao sustentarem que sua terra natal era um bom lugar para realizar o trabalho, já que as debilidades do país (burocracia e infraestrutura) para a prestação de serviços de tecnologia poderiam ser superadas. Destaque-se que muitos desses membros da diáspora indiana nos Estados Unidos reforçaram o relacionamento entre eles, por laços de naturalidade e pertencimento, e formaram/aderiram a organizações sem fins lucrativos como a TiE e a Silicon Indian Professional Association. A TiE, por exemplo, tinha o intuito de fornecer aos jovens estudantes indianos expatriados uma rede de contatos com profissionais indianos capazes de orientá-los. A colaboração da diáspora com a Índia foi crucial para o setor de tecnologia da informação no país, indicando que esse modelo de cooperação estabelecido com a comunidade da diáspora poderia ser replicado para outros setores na Índia. Tal experiência poderia ser útil para uma estratégia de desenvolvimento do país nos próximos anos.

O CASO AUSTRALIANO Existe cerca de 1 milhão de cidadãos australianos (cerca de 5% da população) vivendo fora da Austrália21. A maioria dos expatriados vive na Europa, especialmente no Reino Unido, nos Estados Unidos e alguma parte na Ásia. Estima-se que mais de um terço da diáspora australiana viva em cidades cosmopolitas do mundo que são hubs de desenvolvimento e conhecimento. Ademais, muitos desses australianos expatriados são jovens, bem-educados, com perfil tomador de risco e altamente qualificados. A migração dos australianos é uma questão relevante por seu impacto sobre a força de trabalho e consequentemente sobre a economia do país, já que são os trabalhadores qualificados os mais propensos a migrarem. Felizmente, na Austrália, essa perda de mão de obra australiana qualificada para o exterior tem sido compensada em alguma medida pela entrada de imigrantes de outras partes do mundo e também pelo retorno de alguns australianos.

21 DUNCAN, Macgregor; LEIGH, Andrew; MADDEN, David; TYNAN, Peter. Imagining Australia. Allen & Unwin, 2004. p. 44.

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De todo modo, existe uma preocupação de instituições públicas e privadas da Austrália quanto à absorção dos efeitos positivos da diáspora sobre a transferência de conhecimento, favorecimento do comércio bilateral e geração de negócios para o país. Assim, em 2002, um grupo de profissionais australianos fundou a Advance, uma rede global sem fins lucrativos de mais de 20 mil australianos vivendo em 80 países e trabalhando como cientistas, pesquisadores, artistas, músicos, funcionários do governo, empresários e funcionários de empresas. Com sede em Nova York e escritórios em diversos países do mundo, a rede criada aproveita e reforça as fortes relações de membros da diáspora australiana com empresas, governo e academia. A Advance recebe apoio do governo da Austrália para conectar profissionais australianos que vivem no exterior, fornecer informações sobre o repatriamento dos membros da diáspora australiana que desejam voltar para a Austrália ou migrar para outros países, gerar negócios e explorar parcerias bilaterais entre a Austrália e os países de destino de seus expatriados. Já em 2005, também motivado pela preocupação de tornar a diáspora um ativo para a competitividade, o Senado australiano lançou um documento, com resultados de um inquérito, que recomenda a necessidade de políticas para fortalecer os laços com os expatriados: It is important, then, to move away from any negative perceptions and realise that, even though these Australians may be physically located outside Australia’s borders, they nevertheless feel strong cultural links with their homeland. In the same way that most expatriate Australians still embrace Australia as their home, we should embrace our expatriate community as part of the Australian nation, and recognise that our expatriates are an important part of Australian society. (Senate Legal and Constitutional References Committee, 2005) Destaque-se, no entanto, que as iniciativas e políticas do governo australiano para aproximar a diáspora do país ainda são menos expressivas do que as de países como a China e a Índia. Algumas medidas que poderiam ser adotadas incluem: estabelecimento de uma unidade política de expatriados dentro do Departamento de Relações Internacionais e Comércio (DFAT), aprimorar as informações estatística sobre expatriados e incentivar os expatriados a permanecer no alistamento eleitoral.

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O CASO CHILENO Estima-se que existam mais de 800.000 chilenos vivendo no exterior. Para acessar essa comunidade, formou-se a rede Chile Global, que começou a operar em janeiro de 2005. O prazo inicial de execução do projeto era de apenas 6 meses, mas a rede começou a prosperar em um movimento conhecido como “efeito bola de neve” e se tornou dinâmica de maneira autônoma. O sucesso do projeto chamou a atenção do governo chileno, que começou a apoiá-lo de maneira institucional, tornando o Chile Global parte da Fundación Imagen, ligada ao Ministério das Relações Exteriores, com financiamento precipuamente público, oferecendo assim uma perspectiva estratégica de longo prazo para atuação do projeto e influência no desenvolvimento do Chile. Os membros do Chile Global encontram-se em 24 países, em sua maioria nos Estados Unidos, mas também na Argentina, Austrália, Brasil, China, Canadá, Espanha, México e Suécia. Eles oferecem lugares em suas empresas para estudantes chilenos, criando assim a oportunidade de aprender e desenvolver suas carreiras em empresas estrangeiras nos países mais desenvolvidos. A rede também oferece contatos e negócios, nos quais os membros apoiam empresas locais no acesso a novos mercados e na identificação de novas oportunidades. Contribuem também com sua inteligência de mercado, criando orientações valiosas para a comunidade de empresários chilenos. A rede também tem ações de apoio ao empreendedorismo, a fim de promover a inovação e o espírito empresarial. Membros da Chile Global doam seu tempo, conhecimento e contatos para empreendedores locais e nesse sentido são organizadas reuniões para troca de experiências e colaboração com programas, como o Chile Corfo Startups. A iniciativa considera valiosa a experiência de profissionais da rede Chile Global no Chile e no exterior, tanto para empresários locais como para empresários estrangeiros que queiram iniciar suas atividades no Chile. Por fim, oferece um programa de oportunidades de trabalho e emprego, com a finalidade de recolocar os chilenos que desejam voltar ao seu país de origem no mercado de trabalho. Visualiza-se assim a importância da iniciativa chilena, com uma grande envergadura, desde seus programas bem estruturados e diversificados até a capilaridade que possui nos diversos países em que atua.

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A INICIATIVA BRASILEIRA: REDE DIÁSPORA BRASIL Atualmente, cerca de 3 milhões de brasileiros vivem no exterior, segundo dados da Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (SGEB/MRE). Esse grupo pode representar importante plataforma econômica e capital intelectual para o Brasil. As experiências indiana, chinesa, chilena e australiana, por exemplo, evidenciam que parte considerável dessa população de expatriados tem alta formação educacional e qualificação profissional, podendo representar um ativo significativo para o desenvolvimento de seus países de origem. O movimento de trabalhadores com alta e baixa qualificação dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos, com o consequente e inequívoco amadurecimento profissional em outros ambientes culturais por meio da vivência prolongada fora do país, além do acesso a centros tecnológicos e de pesquisa de referência mundial, proporcionam oportunidades de desenvolvimento que ultrapassam os tradicionais envios de divisas desses trabalhadores para suas respectivas nações. Uma comunidade no exterior pode contribuir como importante ponte de acesso ao conhecimento, especialização, recursos, negócios, projetos tecnológicos e mercados para o desenvolvimento do respectivo país de origem. O êxito dessa ponte é comumente verificado por meio de duas condições: 1) a habilidade da diáspora de desenvolver e administrar uma identidade coerente, intrínseca e motivada; e 2) a capacidade do país de origem de estabelecer condições e dispor de instituições para um engajamento sustentável, sinérgico e recompensador. O fundamento para o engajamento dos governos é buscar as oportunidades geradas pela diáspora. Diferentemente do estímulo à repatriação de populações nacionais, o objetivo é estabelecer conexões em aspectos intangíveis, como conhecimento e experiências, para sua canalização no desenvolvimento de negócios, na aquisição de tecnologias e dos investimentos necessários para um desenvolvimento sustentável. Além disso, fica mais clara a renovada importância que o Estado passa a dar à diáspora e o valor que o poder público confere às importantes, mas ainda pouco reconhecidas, contribuições dessas comunidades para o progresso de seus países, resultando em novas formas de atuação do governo.

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Em suma, a diáspora representa parte de uma superestrutura transnacional que contribui para a integração das sociedades em uma economia global via interconexão de redes de contato estabelecidas no país hóspede e sua inter-relação com o país de origem. Nesse contexto, de compreensão da importância estratégica do fenômeno das diásporas nas relações internacionais e para o desenvolvimento nacional, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) cria e implementa a Rede Diáspora Brasil. A iniciativa brasileira busca a estruturação de uma rede colaborativa de profissionais brasileiros e amigos do Brasil na diáspora para a geração de negócios e de projetos com organizações no Brasil em áreas intensivas em conhecimento e tecnologia, de modo a contribuir para a formulação de políticas públicas e repatriamento do conhecimento capaz de elevar a competitividade do país. Entre os objetivos específicos e intermediários da Rede Diáspora Brasil incluem-se: 1) Apoiar a internacionalização de empresas em setores de alto conteúdo tecnológico. 2) Conectar a Rede Diáspora Brasil com programas estratégicos brasileiros. 3) Provocar, estimular, promover e disseminar novas formas e possibilidades de Inovação para a competitividade. 4) Dar subsídios à formulação de políticas públicas.

AÇÃO GLOBAL/LOCAL EM FORMA DE REDE FÍSICA E VIRTUAL A Rede Diáspora Brasil busca mapear, abordar e conectar atores estratégicos nacional e internacionalmente com o fim de montar e operacionalizar uma rede de brasileiros no exterior para a geração de negócios – internacionalização e exportações, atração de investimentos, fornecimento de subsídios para a formulação de políticas públicas e repatriação de conhecimento. A Rede Diáspora Brasil passa por um importante processo de evolução contínua, baseada em um conjunto de ações de aproximação, sensibilização e mobilização de talentos da diáspora brasileira e outros atores do movimento de brasilidade (brasileiros ou não) em conexão com programas estratégicos brasileiros e demandas setoriais. Neste diapasão, o projeto tem o intuito de facilitar a transferência de conhecimento e habilidades desses profissionais da diáspora para seu país de

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origem, além de conectar as instituições do país de origem com as instituições do país destino da diáspora, oferecendo atuação organizada e apoio institucional para criação de ponte de negócios e para internacionalização da indústria brasileira de maneira competitiva e global. A coordenação técnica da Rede Diáspora é executada pela ABDI, mas o trabalho é feito de maneira compartilhada com diversos atores públicos e privados, em sintonia com as políticas públicas nacionais de desenvolvimento industrial e comércio exterior, além de suas expertises, promovendo a competitividade da presença brasileira nos mercados internacionais. Os parceiros da Rede Diáspora Brasil são diversos e fundamentalmente importantes para sua própria essência, estabelecidos no Brasil e no exterior. São exemplos: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ministério das Relações Exteriores; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária; Inmetro; INPI; APEX; CNI; Grupo Farma Brasil; outras entidades representativas de setores empresariais; MIT-Brazil; Universidade de Georgetown; Universidade da Califórnia; San Diego; Wilson Center; etc. Além do fortalecimento da atuação dessas instituições em formato de parceria, é necessária uma articulação que congregue ainda mais parceiros, de modo a legitimar a atuação do projeto, sempre conectado aos anseios dos profissionais, em linha com as necessidades do desenvolvimento brasileiro. A Rede Diáspora Brasil também tem como papel ser um fórum de discussão e proposição de melhores práticas para o desenvolvimento do ecossistema brasileiro de inovação e competitividade, integrando capital humano qualificado, empresas, instituições públicas e a sociedade civil no intercâmbio de ideias e sugestões para o contínuo aperfeiçoamento das políticas públicas, sendo indutora de uma mudança de paradigma econômico, social e político com foco no desenvolvimento nacional. Os participantes da rede correspondem aos brasileiros que amadureceram profissionalmente em outros ambientes culturais e que contam com vivência legal e prolongada fora do país. Representantes de outras nacionalidades também fazem parte da rede, considerando-se que há grande número de estrangeiros que alimentam uma relação de amizade e aproximação para com o país, contribuindo para divulgação de informações sobre a realidade brasileira e prospectando oportunidades de colaboração em diversos segmentos. Dessa forma, os empresários, os profissionais de destaque, os formadores de opinião, os representantes da sociedade

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civil e os acadêmicos, tanto brasileiros como estrangeiros com proximidade com o Brasil, correspondem aos principais perfis da rede. Por meio desses brasileiros expatriados e dos “amigos do Brasil” no exterior, buscam-se conexões e oportunidades tecnológicas e de negócios com atores nacionais e internacionais: players de mercado, institutos de pesquisa e desenvolvimento, universidades, governos, associações, empresários, investidores, cientistas, profissionais de destaque, formadores de opinião e representantes da sociedade civil. Complementarmente, são prospectadas oportunidades relevantes para o país, tais como tecnologias e programas estratégicos, para promover assim a articulação e intersecção entre as duas pontas que não se encontrariam de outra forma. A rede contribui para a competitividade do setor produtivo, no sentido de enfrentar os desafios das mudanças tecnológicas e de acirramento da concorrência em mundo interdependente, mantendo uma visão estratégica de médio e de longo prazos. São vários os diagnósticos feitos por especialistas de que a opção pelo investimento em PD&I e a aposta no “talento” nacional, estando ele no Brasil ou fora dele, é uma estratégia adequada para enfrentar esses desafios, vista também como uma janela de oportunidades para as empresas brasileiras.

SETORES SELECIONADOS A rede, quando do seu lançamento, adotou como foco-piloto de atuação dois setores prioritários no Plano Brasil Maior (PBM), correspondendo à vigente política industrial do governo federal: os setores de tecnologia da informação e comunicação; e do complexo da saúde. Esses segmentos têm capacidade de transformação da estrutura produtiva e poder de difusão de inovações. Para a fase-piloto, as problemáticas abordadas pela rede correspondem às demandas surgidas a partir de oficinas de trabalho, reuniões, laboratório de inovação e demais eventos físicos promovidos pela rede com a presença de associações de representação dos setores selecionados, empresas interessadas, órgãos governamentais e o capital humano expatriado. A partir desse modelo de trabalho, a Rede Diáspora Brasil contribui para a política industrial brasileira ao detalhar as demandas setoriais, obtidas com o diálogo direto com o setor privado, o governo e a academia. Aproxima também a oferta de mecanismos e instrumentos disponíveis na área de ciência, tecnologia e inovação entre os atores de inovação públicos e priva-

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dos e os talentos da diáspora brasileira e por consequência oferece melhor utilização dos instrumentos e recursos disponíveis em prol da competitividade do país. A rede também é caracterizada por ser um canal de comunicação, com utilização de plataforma web e presença ativa em redes sociais para mapear, filtrar, divulgar e conectar informações estratégicas para a tomada de decisões e formulação e implantação de políticas públicas para a competitividade da indústria nacional. Muito além da simples atualização de notícias, a rede contribui com a criação de uma bolsa de ideias, cruzamento de dados, publicação de versões comentadas de editais e legislação de incentivo à atração de investimentos, compartilhamento de experiências, promoção de debates em temas relevantes para a indústria, aceleração de processos por meio de coaching e mentoring, com a participação pública aberta e abrangente, visando à transparência, interação e avaliação integrada dos dados coletados. A iniciativa contribui assim com a disseminação da cultura da inovação e estímulo de emprego de medidas voltadas à promoção do desenvolvimento industrial por meio da utilização e divulgação no exterior dos instrumentos públicos nacionais de apoio e de outras ferramentas disponíveis. Pela importância das ações de formação de parcerias internacionais com as diásporas brasileiras e outros atores estratégicos, a Rede Diáspora Brasil torna-se um canal efetivo para a promoção de informações de interesse comum entre a indústria nacional e os parceiros internacionais. Nesse contexto, seu funcionamento ocorre também por meio de diferentes ações simultâneas, sendo a animação um trabalho contínuo de relacionamento e construção de confiança entre o grupo gestor da rede, os parceiros institucionais, atores privados e membros físicos. A animação basicamente acontece pela fruição de informações, contatos, trocas de experiência e articulações com os objetivos claros de geração de projetos e negócios tecnológicos. Esse trabalho constante subdivide-se em várias frentes, que são simultâneas: 1) Interação e construção de relacionamento nos eventos organizados pela Rede Diáspora, tais como as Oficinas de Trabalho, Laboratórios de Inovação, o prêmio O Talento Brasileiro no Mundo, etc. Esses encontros físicos são importantes para o mapeamento e identificação dos membros da diáspora, parcerias institucionais e troca de informações e ideias relacionadas aos setores da indústria selecionados. Parte fundamental da

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rede é essa série de eventos organizados sob sua chancela, que também podem ser organizados pelos núcleos/capítulos apoiados pela diáspora. 2) Plataforma virtual (rede social) – a plataforma virtual tem como condão ser atrativa e fluida na capacidade de geração de informação e distribuição de contatos e oportunidades perante toda a rede. A plataforma é parte integrante do projeto, contendo desde notícias até a agenda dos próximos eventos físicos, “webnars”, fotos e documentos relacionados com a rede. A principal ferramenta dessa plataforma é a rede social exclusiva (mediante cadastro para acessar um espaço restrito), com dinamicidade para o relacionamento entre os membros, de modo efetivo e rápido. Espera-se que seu crescimento seja orgânico e os próprios membros também sejam responsáveis pela animação e troca de informações dentro da rede social da diáspora. Além disso, serão disponibilizados fóruns de discussões, webminars, entrevistas, bolsa de oportunidades e negócios, banco de consultores e mentores, além do canal de TV Diáspora Brasil. 3) Parceiros institucionais – os atores e parceiros do projeto têm participação ativa e efetiva na animação da rede, através da alimentação de informações específicas de cada um dentro dos encontros físicos e da plataforma virtual da rede. Essas informações são estratégicas e atrativas para os membros, que poderão acessá-las. Além disso, os parceiros institucionais também participarão das reuniões, eventos, oficinas e laboratórios de inovação, dando sua contribuição para o intercâmbio de informações e geração de parcerias concretas dentro da rede. 4) Animadores na Diáspora – nas regiões que são foco inicial do projeto (Vale do Silício, Boston, Washington/EUA), existem os chamados “animadores da rede”, com perfil diverso, mas que possuem conexões e capacidades para liderar o movimento da diáspora, com o objetivo de facilitar a identificação e a conexão de atores e futuros membros da rede. Algumas vezes, a rede Diáspora Brasil será fomentadora e apoiadora de outras redes de brasileiros que tenham afinidade com seus objetivos, para a geração de negócios e projetos tecnológicos. Existem algumas iniciativas importantes de redes de brasileiros que possuem características de conexão em formato de rede, que têm auxiliado na capilaridade da atuação do projeto, possibilitando um alcance muito maior de suas ações. Essas

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redes são apoiadas e facilitadas pela Rede Diáspora, em uma espécie de rede das redes, onde estão todas contidas na governança do projeto. Dessa forma, os animadores podem ser tanto pessoas físicas quanto alguns líderes de sua comunidade, bem como redes de brasileiros, as quais participarão do projeto e da rede social prevista. De certa maneira, essa construção acontece de maneira orgânica, com diversos membros e atores, atuando de modo autônomo dentro da rede. A construção de confiança entre seus membros é uma ação que tem sido apoiada e fortalecida. Temática fundamental do projeto, sendo a essência de sua sobrevivência em médio e longo prazo, bem como de seus resultados concretos, a animação da rede deve ser um trabalho contínuo de relacionamento e construção de confiança entre o grupo técnico do projeto, os parceiros institucionais, atores privados e membros físicos da rede. Como atividades voltadas para a estruturação da rede, diversas reuniões foram realizadas com cientistas, executivos, empreendedores. E, a partir de então, as atividades iniciaram-se conforme a seguir: Em 2013, ocorreram dois Laboratórios de Aprendizagem em Inovação de lançamento da Rede Diáspora Brasil, no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e na Universidade de Stanford, no Vale do Silício, um evento de apresentação da rede no Primeiro Simpósio da Comunidade Científica Brasileira na Nova Inglaterra, com painel sob a responsabilidade da ABDI, no MIT, para público de 300 pesquisadores, acadêmicos e cientistas brasileiros. Além de quatro Oficinas de Trabalho da Rede Diáspora Brasil, na Universidade de Georgetown, em Washington/DC; na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo/SP; no Inmetro, em Xerém/RJ; e na Universidade da Califórnia, San Diego, com foco no complexo industrial da saúde. Também foram realizadas visitas técnicas a instituições americanas de referência mundial na pesquisa, inovação e novos negócios. No ano de 2014, aconteceu o Terceiro Laboratório de Aprendizagem em Inovação da Rede, na Universidade de Georgetown, Washington/DC, com foco no complexo industrial da saúde, incluindo visitas técnicas a instituições americanas de referência mundial na pesquisa, inovação e novos negócios. Também foi realizado o 1º Prêmio Diáspora Brasil – O talento brasileiro no Mundo, no Palácio Itamaraty, MRE, com a presença dos ministros das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria e

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Comércio Exterior, premiados e autoridades dos setores público e privado; e ainda o 1º Workshop da Rede Diáspora, no MRE, com a presença de diversos atores públicos e privados, comissão julgadora, vencedores do prêmio e convidados. Esses esforços empreendidos pela rede permitiram o estabelecimento de canais importantes para conexões entre diferentes grupos organizados de profissionais brasileiros estabelecidos nos EUA, a identificação de temas de interesse para geração de projetos e negócios tecnológicos e o adensamento da colaboração entre a diáspora e o Brasil. Alguns resultados da iniciativa brasileira podem ser resumidos assim: 1) Atividades de networking e de benchmark. 2) Mais de 500 brasileiros mapeados e conectados em CT&I e empreendedorismo, principalmente nos EUA. 3) Tecnologias disruptivas, inovação radical e novas moléculas. 4) Oportunidades de parcerias, novos negócios e projetos tecnológicos. 5) Interação universidade, centros de pesquisa e indústria nos EUA e Brasil. 6) Conexão com a indústria farmacêutica brasileira e americana. 7) Conhecimento das linhas de pesquisa para identificação de sinergias, oportunidades e possibilidades de parceria. 8) Modelos de negócios de instituições americanas. 9) Boas práticas de licenciamento e tech transfer. 10) Modelos de financiamento nos EUA para parcerias com desenvolvimento conjunto. 11) Cursos e capacitações de recursos humanos. 12) Modelos de parceria das instituições de ensino americanas com instituições estrangeiras.

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CONCLUSÃO Governos de todo o mundo estão cada vez mais atentos às suas populações expatriadas qualificadas, tendo em vista as oportunidades que podem representar para seu país natal. As relações com a diáspora personificam culturas da pátria, relações econômicas, relações políticas, bem como elos familiares e sociais, mas também permitem aos governos promover os seus interesses nacionais no estrangeiro e melhorar a sua imagem internacionalmente. As diásporas de talentos têm o potencial não só de contribuir para um acelerado desenvolvimento do comércio e de negócios, estimular a inovação e circulação de conhecimento especializado, mas também de transferir ideais políticos, sociais e de mudança cultural, contribuindo para o avanço social de suas nações. Há uma ampla literatura que confirma a premissa de que as diásporas, especialmente em um mundo interdependente e conectado como o de hoje, são um fundamental e estratégico ativo de um país em seu processo de inovação e desenvolvimento. O futuro do processo de inovação, competitividade, desenvolvimento e redução das desigualdades está sendo reescrito, e as diásporas têm um papel fundamental a desempenhar, transformando-se realmente em política de Estado. Ciente desse processo e balizado por experiências de países como China, Índia, Austrália e Chile, o governo brasileiro, por meio da ABDI, estimulou a estruturação de uma rede de brasileiros, profissionais de excelência em sua área de atuação, a fim de dispor dos benefícios que eles podem representar para o Brasil em relação especialmente à inovação, ao empreendedorismo e à competitividade. A Rede Diáspora Brasil tem contribuído, entre outros, com a criação de oportunidades de parcerias, novos negócios e projetos tecnológicos para o Brasil. No entanto, manter essa rede de expatriados ativa, animada e sempre em contato com o país, servindo como ponte contínua para estruturação de negócios e de projetos, é um desafio da Rede Diáspora Brasil. A expansão do projeto-piloto, com mapeamento da rede de brasileiros em outros países, além dos Estados Unidos, bem como a incorporação de profissionais advindos de outros setores industriais, além de TICs e saúde, também são os desafios com os quais se confronta a rede em seu estágio atual de organização. Ampliar as conexões da rede é essencial para aumentar sua importância enquanto apoiadora do desenvolvimento econômico brasileiro.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI. Projeto AII n.  5. Rede Diáspora Brasil. Mapa Estratégico das Diásporas e Relação das Diásporas de Referência. Brasília, ago. 2013. AIKINS, K.; WHITE, N. Global Diaspora Strategies Toolkit. Harnessing the power of global diásporas. Diaspora Matters, 2011. ALIANÇA INTERNACIONAL de compromisso com a Diáspora (IdEA). Disponível em: . BASCH, L.; SCHILLER. N. G; BLANC, C. S. Nations Unbound: Transnational Projects, Postcolonial Predicaments, and Deterritorialized Nation-States. Switzerland, 1994. CHANDER, A. Diaspora Bonds. New York University Law Review, v.  76, out.  2001. Disponível em: ; . DIASPORA DIRECT Investment Policy: Options for Development. BID. Disponível em:
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