Os desafios do Portugues Brasileiro Artigo1

May 31, 2017 | Autor: Bruno Okoudowa | Categoria: Brazilian Portuguese, African Portuguese
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Os desafios do Português Brasileiro (PB) para os alunos de países lusófonos dos continentes africano e asiático na UNILAB – Compreendendo a variação linguística para além do Brasil.

0- Introdução: O presente trabalho nasce no contexto de ensino da língua portuguesa na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Mais especificamente no curso de Agronomia (Turma de 2012.2), na Disciplina de Leitura e Produção de Textos I. A Turma era composta de alunos oriundos de vários países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). São eles: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Não havia alunos de Macau, nem de Moçambique nessa Turma. Como temas de seminários, sugeri a eles trazerem especificidades do uso da língua portuguesa em cada país, acima citado. Foi, portanto, a partir das diferenças observadas no uso do português por cidadãos de cada um desses países que tive a ideia de elaborar este trabalho. Este trabalho tem três objetivos: 1- destacar aspectos do português brasileiro (PB) que representam um desafio para alunos de países lusófonos dos continentes africano e asiático na UNILAB. 2- ajudar a compreender algumas variações do português para além do Brasil. 3- ajudar os professores e alunos na sua interação em uma sala de aula internacional como as da UNILAB. Os exemplos citados neste trabalho são baseados na vivência do autor com os cidadãos dos países lusófonos citados, nos trabalhos apresentados na sala de aula e nas diferentes obras consultadas. A metodologia usada foi a de comparar os diferentes falares em alguns países da CPLP; e a partir daí, isolar algumas palavras e expressões típicas de cada país. Quanto à análise do português falado em Timor Leste, ela baseou-se, em grande parte, no trabalho de Albuquerque (2011).

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1- O Português falado no Brasil (PB) versus o Português falado em Portugal (PP): 1.1. Algumas palavras: Portugal 1.comboio 2.hospedeira de bordo 3.mandioca 4.mais novo(a) 5.puto 6.roupa interior 7.sumo

Brasil trem aeromoça, comissária de bordo mandioca, aipim, macaxera caçula menino, moleque, rapaz, guri etc camisola suco

Na tabela acima, no que diz respeito aos exemplos brasileiros e portugueses, observa-se que há uma grande diferença entre as palavras para designar a mesma pessoa ou o mesmo objeto. Parece até que se trata de línguas diferentes embora se trate da língua portuguesa em ambos os casos. Pois no PB, observamos palavras de origem indígena, isto é, da língua Tupi. São elas: aipim e macaxera para designar mandioca que é também uma palavra de origem Tupi. Encontramos também palavras africanas oriundas de alguma língua banta. São elas: caçula e moleque que vêm do Quimbundu, uma das línguas bantas falada em Angola até hoje. Moleque é um nome da primeira classe dos nominais bantos, por ter o prefixo nominal mo- realizado [mu]. É uma classe reservada para nomes de pessoas. Quanto a caçula, é um nome da décima terceira classe dos nominais bantos, por ter o prefixo ca-, realizado [ka]. É uma classe de nomes específicos. No caso de caçula, trata-se do nome do último filho. Esse nome só podia ser oriundo de uma língua africana, já que não se encontra nas línguas indígenas do Brasil, nem em Portugal. Os portugueses dizem “Mais novo(a)” em vez de caçula. No caso das palavras comboio e trem, a diferença é que no Brasil, comboio indica apenas ‘uma porção de veículos que se dirigem ao mesmo destino’(AURÉLIO, 2004:247). Quanto à palavra puto, por exemplo, é uma palavra que representa um palavrão. Sumo, embora seja uma palavra existente no PB, não é usada para designar líquido nutritivo feito, de preferência, a partir de alguma fruta. Usa-se suco. Portanto podemos afirmar que, há casos de mudanças semânticas. Isto é, às vezes, as palavras existem nos dois países, mas não têm o mesmo significado. Podemos encontrar muitos outros exemplos. Por sua vez, as palavras hospedeira de bordo e roupa interior recebem outros nomes no Brasil: em vez de hospedeira de bordo, diz-se aeromoça, ou melhor, comissária de bordo; em vez de roupa interior, diz-se camisola. Tudo isso mostra que se trata da expressão de uma outra realidade ou de um outro cotidiano (o cotidiano brasileiro). 1.2. Algumas expressões:

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A diferença entre o Brasil e Portugal se nota também no uso de algumas expressões típicas a cada país: Portugal 1.Dar opinião 2.Fazer desordem 3.Fazer escândalo 4.Um bocadinho 5.Uma pessoa muito feia

Brasil Dar pitaco Fazer bagunça1 Armar barraco Um pouquinho Um cão chupando manga (azeda)

Nesse quadro, as expressões portuguesas são do português padrão. Portanto seriam facilmente interpretadas pela maioria dos falantes do português padrão, não importa o país dos falantes. Entretanto, expressões usadas no Brasil não seriam automaticamente entendidas pela maioria dos falantes. Esses precisariam de uma explicação suplementar. 1.3. Expressões tipicamente brasileiras: Expressões 1.Engolir sapos 2.Falar pelos cotovelos 3.Farinha do mesmo saco 4.Pentear macaco 5.Quebrar um galho 6.Rebolar no mato2 7.Ter uma carta na manga 8.Vá plantar batatas!

Significado Aguentar desavenças ou escutar barbaridades e ficar quieto Falar muito Utilizada para generalizar um comportamento reprovável Utilizada para mandar alguém cuidar da sua própria vida, não a dos outros Fazer um favor Jogar fora (no mato), arremessar Ter um plano B, uma alternativa, outra estratégia Saia daqui!/ Me deixe em paz!

As expressões do quadro acima tratam, por sua maioria, de metáforas usadas no Brasil. Portanto essas não devem ser interpretadas literalmente. Elas expressam aspectos da cultura brasileira. Portanto língua também é um veículo da cultura.

1 Palavra de origem banta, da segunda classe dos nominais, por ter o prefixo ba- e plural da primeira classe que tem como prefixo mo- realizado [mu]. Portanto o singular de bagunça, em Proto-banto, seria mugunça. 2 Expressão muito usada no Estado do Ceará (Nordeste brasileiro). Trata-se, portanto, de um regionalismo.

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2. Variação linguística para além do Brasil (África e Ásia) 2.1. O português em Angola O português falado em Angola reflete também a realidade local. Isto é, a sua convivência com as línguas locais (Umbundu, Quimbundu, Quikongo, etc) que pertencem, na sua maioria, ao grupo banto (Guthrie, 1967-71). II.1.1. Alguns exemplos Exemplo 1: a) muá3 ngolé4 ‘ filho de Angola’ (Angolano) b) brazuka ‘brasileiro’ Exemplo 2: - E aí, mua ngolé. Está tudu fich? ‘E aí irmão, está tudo bem?’ - yaa, tudu fich! ‘Sim, tudo bem’ 2.2. O português em Guiné-Bissau Em Guiné-Bissau, o contato do Português com as línguas locais: Fula, Balanta, Mandinga, Mancanha, Bijagó etc; línguas que se dividem entre as famílias Mande e Atlântica ( Heine e Nurse, 2000). Esse contato produziu um Crioulo de base portuguesa. 2.2.1. Alguns exemplos em Crioulo Exemplo1: I ka stá = ele não está Exemplo2: Sukuru tip = muito escuro Exemplo3: Limpu pus = muito limpo Nos exemplos acima, podemos facilmente reconhecer o português no crioulo falado em Guiné-Bissau: Português 1.Está 2.Escuro 3.Limpo

Crioulo stá sukuru limpu

Observando os exemplos em crioulo acima, podemos afirmar que no contato do português com as línguas africanas faladas em Guiné-Bissau, houve uma integração do 3 Mua é a abreviatura de Muana ‘filho ou criança’. É uma palavra que se encontra em muitas línguas bantas e pertence à primeira classe dos nominais por ter o prefixo Mo-, realizado Mu-. 4Na transcrição de palavras de outras línguas diferentes do português, procuramos a maneira mais fiel de reproduzir o som na escrita. Aqui, neste caso ‘ngolé’ tem duas sílabas ‘ngo’ e ‘lé’. O ‘n’ da primeira sílaba não se separa do ‘g’. Portanto se pronunciam juntos. Trata-se de uma consoante pré- nasalizada: oclusiva velar pré-nasalizada. São sons comuns nas línguas africanas em geral e bantas em particular. É o caso da língua Lembaama (Okoudowa, 2005)

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léxico português na formação do léxico do Croulo. Esse léxico adquiriu uma outra estrutura silábica. É o caso do termo escuro (es.cu.ro), no exemplo 2 acima, de estrutura VC.CV.CV5), virou sukuru (su.ku.ru) e passou a ter a estrutura CV.CV.CV. Estrutura mais encontrada nas línguas do mundo. Quanto ao exemplo 1, de está para stá, houve queda da vogal inicial por ela ser menos vozeada do que o resto dos segmentos. No exemplo 3, de limpo para limpu houve apenas uma troca do o pelo u no final da palavra. É um fenômeno fonológico que é frequente tanto no português quanto em algumas línguas africanas. 2.3. O português em São Tomé e Príncipe Em São Tomé e Príncipe, nota-se uma convivência da língua portuguesa com línguas locais como o Forro ou São tomense, o angolar, o tónga, o moncó e o Crioulo caboverdiano. 95% da população falam o português. Trata-se de um caso raro dentro dos países de língua oficial portuguesa do continente africano. 2.3.1. Alguns exemplos : Exemplo1: Paitar = comer Exemplo2: apagar = dormir Exemplo3: Faltar nas aulas = bicar Exemplo4: Gente vê só = Até logo Nota-se que tirando ‘paitar’ do exemplo 1, estamos diante de palavras da língua portuguesa. Portanto, trata-se de uma variante do português.

3. O português em Timor Leste (Ásia) Em Timor Leste, há uma convivência do português com outras línguas que podemos dividir da seguinte maneira: - Línguas locais de origem papuásica e austronésica (Tetun, Kemak, Galolen, Fataluku, Makasae, Bunak, etc) - As línguas oficiais que são: o Português e o Tetun (língua veicular também). O Português é a língua da escola (ALBUNQUERQUR, 2011) e da administração. Sendo a única língua normalmente escrita (BRITO, 2007).

5 C = consoante, V = vogal.

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O que mais chamou nossa atenção no português falado por alguns timorenses é a realização de certos segmentos. Assim, observamos as seguintes mudanças que classificamos por casos: 3.1.Mudanças fonéticas 3.1.1. Variação na realização dos segmentos palatais: Caso 1: O segmento fricativo alveolar S pode ser realizado S ou Si. Exemplos: a) Chegar pode ser realizado [se.‘ga.a] ou [‘sie. ga.a] b) Bicho é realizado [‘bi.su] Caso 2: O segmento palatal e lateral lh pode ser realizado de três formas: lh, l, li Exemplos: a) Velho é realizado [‘ve.liu] ou [‘be.lio]. Reparem a troca do V pelo B na primeira

sílaba. Isso acontece porque os dois segmentos são próximos. Portanto, na ausência do segmento português, o falante timorense o substitui pelo mais próximo que exista na sua língua materna. Isso acontece com todo falante iniciante de língua estrangeira. b) Olho pode ser realizado [‘o.liu] ou [‘oi.lu]

Caso 3: O segmento nasal e palatal nh tem três realizações pelos falantes timorenses: nh, n, ni. Exemplos: a) Vinho pode ser realizado [‘bi.niu] ou [‘vi.niu]. Nota-se, como no caso 2 acima, a troca do V pelo B no início da palavra. b) Bonitinho pode ser realizado [bo.ni. ‘ti.iu] ou [bo.ni. ‘ti.niu] Caso4: O segmento fricativo alveolar Z pode ser realizado de quatro formas diferentes: z, dz, d, di Exemplos : a) Ajuda pode ser realizado [a.‘ zu.da] ou [a.‘ dzu.da] b) Hoje pode ser realizado [ ‘o.ze] ou [‘o.dzi]

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3.1.2. Homonímia: A homonímia entre segmentos de diferentes significados fonológico que notamos nos falantes timorenses:

é o outro fenômeno

Exemplo: Ouvir, ouvi, houve são todos realizados [‘o.vi]. Pois não há distinção fonética na realização dessas palavras. Tanto o [r] quanto o [e] são simplesmente apagados na final da palavra. São desnecessários. Trata-se de uma aplicação da lei do menor esforço na realização de certos segmentos.

3.2. Mudanças semânticas: Trata-se da mudança de sentido das palavras. São palavras que adquirem outros significados nos ouvidos dos estudantes timorenses: Exemplo1: Amo ‘padre católico’, amo-bispo ‘bispo’, amo-papa ‘papa’ etc Exemplo2: Serviço ‘profissão, trabalho, trabalhar’ Exemplo3: Valor ‘resultado dos exames escolares’ Exemplo4: Colega ‘tratamento entre amigos íntimos de mesma idade, ou de idade aproximada’. Refere-se a um tipo específico de amizade. Vamos imaginar um professor ignorante desse significado pedindo para alunos trabalharem com colegas. Qual seria a reação dos estudantes timorenses? Obviamente, trabalhariam com as pessoas mais íntimas. Parece-me que é o que tem acontecido em algumas turmas da nossa Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Tal desentendimento da palavra ‘colega’ não pode ajudar no processo de integração. Exemplo5: Mestre, para os timorenses, significa ‘professor de escola’ o que é diferente de Docente que representa apenas o ‘professor universitário’. Exemplo6: Topaz ‘mestiço, timorense assimilado à cultura portuguesa/descendente’ Exemplo7: Estilo ‘cerimônia tradicional de sacrifício de animais’ Exemplo8: Irmão [‘ma.un] ‘irmão ou amigo mais velho’; irmã [‘ma.na] ‘forma de tratamento para as mulheres mais velhas’ para os timorenses. Exemplo9: Condutor ‘motorista de carro’ Exemplo10: Motorista ‘ condutor de moto’

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3.3. Léxico quinhentista: Outro aspecto do português falado em Timor Leste é a presença de palavras usadas nos anos mil quinhentos. Exemplos: a) Usa-se Formosura para dizer ‘beleza’ b) Gentio para designar ‘timorense não praticante do catolicismo’

3.4. Integração Tetun e Português: A integração do português com a língua local e oficial Tetum é um tipo de Crioulo de base portuguesa. Vejam este exemplo de uma conversa entre mãe e filha segundo Albuquerque (2011:232). Mas a conversa acontece, na verdade, entre a mãe, a filha e o marido: - Cuza bên mamãi? ‘Cozinhe bem mamãe’ - Ôi, nônôi, seu marido já vên láquêlê! ‘Oi filha, seu marido já está vindo!’ - Hou, nónó, bên, senta bê! Cómè bai? ‘Oi filho, bem, senta! Como vai?’ - Ó nônôi, tira depressa arrôze, eu anta cómi (ou eu quérè comê). ‘Oh filha, tire o arroz de pressa, eu quero comer. (CASTRO, 1996[1943]:95 apud ALBUQUERQUE, 2011: 232)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A lusofonia se manifesta de diversas maneiras dependendo do espaço, do tempo, das pessoas. É preciso ficar atento a esses aspectos. A compreensão dessa diversidade e das mudanças linguísticas que mostramos neste trabalho, por todos os interlocutores, é necessária para uma comunicação sucedida. No que diz respeito a nós, Docentes da UNILAB, é preciso entender que o Discente, longe de ser uma tábua rasa, traz uma linguagem que precisamos entender para passarmos com sucesso a nossa mensagem. O Discente ou falante estrangeiro quando não encontra o som do português na sua língua materna, a tendência natural é substitui-lo por um som semelhante que exista na sua língua materna. Isso é normal, acontece com todos os falantes de línguas estrangeira. A compreensão de tudo isso pode nós ajudar nas nossas interações cotidianas e no nosso processo de integração internacional.

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5. REFERÊNCIAS: ALBUQUERQUE, David Borges; O português de Timor-Leste: contribuições para o estudo de uma variedade emergente; Universidade de Brasília; Revista PAPIA(Revista Brasileira de Estudos Crioulos e Similares),21(1),p.65-82, 2011. Disponível em : http://abecs.net/ojs/index.php/papia/article/view/102/335. BRITO, Regina Helena Pires de e BASTOS, Neusa Maria Oliveira Barbosa."Hello, mister", "Obrigadu barak" e "boa tarde": desafios da expressão linguística em Timor-Leste. Revista ACOALFAplp: Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São Paulo, ano 2, n. 3,2007. Disponível em: e ou . Publicado em setembro de 2007. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: O minidicionário da língua portuguesa. Curitiba : Positivo, 2008. GUTHRIE, M. Comparative Bantu: an introduction to the comparative linguistics and prehistory of the bantu languages. Farnborough: Gregg Press, 1967-71. 4v. HEINE, B.; NURSE, D. African Languages. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. OKOUDOWA, B. Descrição preliminar de aspectos da fonologia e da morfologia do lembaama, 2005. 102p. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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