Os Descobrimentos Portugueses na Cultura Moderna

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OS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES NA CULTURA MODERNA










ÍNDICE

"Introdução "pág. 02"
"1- A vivência medieval: o fantástico e os "pág. 04"
"mitos " "
"2- Os Descobrimentos na evolução "pág. 10"
"científico-tecnológica " "
"a) "Canção de Marinhar" "pág. 10"
"3- Os Descobrimentos na cultura portuguesa "pág. 16"
"a) "Trovas Vicentinas" "pág. 23"
"4- Os Descobrimentos Portugueses no Mundo "pág. 25"
"Conclusões "pág. 29"
"Bibliografia "pág. 30"


























INTRODUÇÃO

Durante as comemorações do quinto centenário dos Descobrimentos
Portugueses, uma frase houve que foi repetida praticamente à exaustão:
"Portugal deu novos mundos ao mundo!". Apesar da repetição quase constante,
esta frase encerra realmente uma síntese daquilo que foi a influência da
expansão portuguesa na cultura da época que, em termos de divisão
histórica, é classificada como Moderna.

O Ocidente medieval vivia fechado sobre si próprio, pouco mais conhecendo
que o espaço do Mediterrâneo e Norte de África. Para além do Equador, mil
perigos espreitavam que tornavam impossível a navegação, isto partindo do
princípio que havia sequer mundo para lá dessa latitude. Corriam histórias
de monstros disformes e seres fantásticos, absolutamente dispostos a
tragarem as naus e os marinheiros na primeira oportunidade.

Por outro lado, a Igreja ditava não só os cânones do pensamento, mas também
todo um horizonte baseado nas referências herdadas da Antiguidade, tidas
como inquestionáveis, não havendo lugar à inovação ou a qualquer outra
coisa fora deste contexto.

Quando surge o Renascimento, é como uma porta que se abre à entrada do
conhecimento fruto da experiência, que doravante iria reformular o das
autoridades tradicionais, entretanto tornado obsoleto. Os Descobrimentos
constituíram, por um lado, a dinâmica resultante dessa mudança de
mentalidades e, por outro, o motor dessa mesma mudança.

"Quando Portugal, no século XV, iniciou a fabulosa aventura das navegações
marítimas que haveriam de constituir um marco decisivo na história da
humanidade, floresciam em algumas terras onde aportaram as naus portuguesas
ricas civilizações e antigas culturas. O encontro dos Portugueses com os
povos destas regiões tomou a forma de uma recíproca descoberta que até
então uns e outros apenas suspeitavam da existência noutros pontos do globo
de terras habitadas por seres humanos, a que lendas fantásticas atribuíam
as mais variadas origens e formas. Esse encontro de gentes e de culturas
abriu um caminho que levou séculos a percorrer, mas que conduziu ao
reconhecimento, hoje universal, de que a terra é uma só e o homem, onde
quer que se encontre e por mais estranhas que sejam as condições do seu
viver quotidiano, tem a mesma dignidade e é titular dos mesmos direitos
fundamentais. A importância da epopeia marítima portuguesa não está apenas
no que ela teve de capacidade organizativa, rigor científico ou fervor
religioso, a par de um indomável espírito de curiosidade e aventura dos
navegadores portugueses. À luz dos valores que hoje todos partilhamos, os
Descobrimentos valem sobretudo por terem constituído o primeiro passo no
sentido da criação de um mundo único e para um melhor conhecimento entre
todos os homens (…)." [1]

Pretende-se, com o auxílio de dois temas do músico Rui Veloso, fazer uma
reflexão sobre o efeito que a expansão portuguesa produziu na Cultura
Moderna, tanto no campo científico-tecnológico como em termos culturais,
verificando que "novos mundos" foram efectivamente dados ao mundo e de que
modo influenciaram a vivência e a forma de pensar tanto nacional como
europeia.


1- A VIVÊNCIA MEDIEVAL: O FANTÁSTICO E OS MITOS

No século XV já está em claro declínio a organização social tripartida,
característica do mundo feudal. A trilogia clero/nobreza/povo mantém-se mas
está minada nos seus fundamentos. A riqueza móvel, nascida dos negócios e
não da terra, a evolução das tácticas militares, com a perda de importância
da cavalaria, e a centralização do poder régio, diminuem o poder da
aristocracia guerreira e terratenente. O clero continua a beneficiar de
importantes privilégios, mas a renovação mendicante impele a Igreja
católica para uma maior interacção com a sociedade. Finalmente, o Terceiro
Estado revela-se fortemente heterogéneo, pois as elites urbanas
enriquecidas, de mercadores, banqueiros e outros negociantes, que disputam
o poder político à nobreza, têm muito pouco a ligá-las às massas populares
de camponeses e artesãos que - ciclicamente - alimentam revoltas em épocas
de crises de subsistência.[2]

Embora quase 90% da população continue a viver nos campos, a Europa é um
espaço cada vez mais urbano. Apesar da refracção demográfica do século XIV,
as cidades estão em grande expansão no final do século XV. Cerca do ano
1500, existem na Europa cerca de 250 cidades com mais de 10.000 habitantes.
A maior aglomeração é a que faz a ligação entre a Europa e a Ásia:
Istambul/Bizâncio ultrapassa os 400.000 habitantes. Paris vem a seguir,
abaixo dos 200.000, enquanto na Itália são várias as urbes que rondam os
100.000: Génova, Florença, Veneza, Milão e Nápoles. Bruges e Antuérpia
ainda não atingem este valor. Lisboa, em virtude das Descobertas, ronda as
65.000 almas, acima de Londres e Roma, com cerca de 50.000, de Moscovo
(35.000) e de Colónia (30.000), a maior cidade do império. As numerosas
cidades hanseáticas estão ainda abaixo deste nível. No entanto, em termos
globais, o espaço mais urbanizado é o dos futuros Países Baixos, com mais
de 51% da sua população a viver em cidades. A recuperação da crise que
abala a Europa no século XIV é lenta, mas firme. As cidades italianas são
pólos dinâmicos, com venezianos e genoveses a assegurarem um animado
comércio por todo o Mediterrâneo, que liga a Europa, o Norte de África e o
Próximo Oriente, a cujos portos afluem as especiarias e outros produtos
exóticos do Oriente. No Norte, os navios da Liga Hanseática asseguram a
ligação entre a economia do Báltico e a restante Europa atlântica. As
feiras multiplicam-se, reanimando as rotas comerciais terrestres, que não
se limitam ao circuito das feiras de Champagne. Nas cidades cresce o peso
das manufacturas desde as tradicionais tecelagens aos novos sectores, que
beneficiam de algumas inovações técnicas que implicam maiores
investimentos: a mineração, a metalurgia, a vidraria e a imprensa são
apenas algumas. Os câmbios e o crédito, actividades tanto tempo interditas
aos bons cristãos, alimentam fortunas numa economia cada vez mais
monetária.[3]

Num clima de crescimento económico e de descompressão social, é natural que
também a actividade artística se renove. O período a que se convencionou
chamar "Renascimento" marca um corte com o passado medieval. Com origem na
Itália, ainda no século XIV, a revalorização dos padrões estéticos da
Antiguidade Clássica ganha importância no século XV e estende-se a toda a
Europa no século XVI. Associado ao Renascimento, surge um espírito
humanista que revaloriza o papel do homem e da sua vida terrena.
Simultaneamente, surgem valorizados o racionalismo e o conhecimento
adquirido por via da experiência, em detrimento da fé e dos dogmas
perpetuados pela escolástica. Neste contexto, o alargamento dos
conhecimentos geográficos permitido pelas viagens dos Portugueses, assim
como a descoberta de uma flora e fauna desconhecidas, são fundamentais para
a destruição de muitos mitos medievais e a criação de um novo conhecimento
empírico da realidade.[4]

O exemplo mais claro é aquele ilustrado pela lenda do Preste João, uma das
mais extraordinárias aventuras da mentalidade medieval. Ela nasce de uma
miscelânea de elementos reais e fragmentos de imaginário. A realidade
encontra-se em longínquos acontecimentos asiáticos. O imaginário nasce de
todas as demandas iniciáticas que fazem parte da mentalidade ocidental:
busca do Graal, viagens iniciáticas das mitologias europeias, sede de
sabedoria e de poder corporizada por personagens fora do comum, vivendo
além dos domínios habituais dos homens. O sucesso da lenda do Preste João
dá-se no contexto da convergência de dois fenómenos históricos, cada um à
sua maneira, ameaçadores para a Cristandade: o avanço do Islão na Ásia
Menor e a disputa que opõe o Papa e o Imperador em torno do primado do
poder temporal ou do espiritual no governo dos homens. Perante as ameaças
de desagregação ou invasão, os cristãos buscam algures um aliado.[5]

Na Idade Média, consolida-se na Europa a crença na existência de
comunidades cristãs em África e na Ásia, com as quais se deveria procurar
estabelecer uma aliança contra o inimigo muçulmano. Entre muitos outros
mitos, o do Preste João – fabuloso reino africano governado por um rei-
sacerdote cristão – é o que perdura mais no imaginário europeu e o que
poderá ter influenciado de alguma forma a politica expansionista
portuguesa. No século XIV faz-se pela primeira vez a identificação do
Preste João com a Etiópia e sucedem-se algumas tentativas de soberanos
europeus de com ele contactarem. Em 1402 chegam, por sua vez, emissários
abexins a Veneza, que não procuram desfazer as ideias existentes sobre o
poder do seu reino. Na carta de Fra Mauro de 1460, aqueles que se acreditam
ser os vastos domínios deste reino cristão em África surgem representados
como próximos da costa atlântica, atravessando todo o continente africano.
Em 1442, o Infante D. Henrique encarrega Antão Gonçalves de, na costa
ocidental africana, colher informações sobre a exacta localização do Preste
João, reino necessário para uma aliança que permitisse cercar os Turcos. Em
1494, Pêro da Covilhã chega, por via terrestre, à Corte etíope mas nunca de
lá volta ou envia notícias. No século XVI, as tentativas para contactar o
Preste João desenvolvem-se principalmente a partir do Índico. Em 1512, após
o envio de emissários através da costa oriental africana, Afonso de
Albuquerque recebe um embaixador do reino da Etiópia. Esse embaixador,
Mateus, de acordo com as fontes portuguesas, é enviado para Portugal em
1514 com cartas para D. Manuel. Em 1515, Mateus regressa, na companhia do
cronista Duarte Galvão, na qualidade de embaixador, e do padre Francisco
Álvares, com um rico presente para o Preste João, na armada de Lopo Soares
de Albergaria.[6]

A embaixada ordenada por D. Manuel não atinge o destino, devido à morte de
Duarte Galvão em 1517. Só em 1520, já com o governador Diogo Lopes
Sequeira, se entra em contacto com o representante do imperador da Etiópia
na região costeira da Abissínia, seguindo-se o envio de uma embaixada à
Corte etíope, em 1521, comandada por D. Rodrigo de Lima. A descrição da
viagem da embaixada é feita pelo padre Francisco Álvares na sua obra
Verdadeira Informação da Terra do Preste João das Índias. Esta embaixada
toma contacto, por fim, com a realidade, descobrindo um reino cristão
copta, de escasso poder militar e diminuto interesse comercial, desfazendo-
se então o velho mito medieval. Segue-se, apesar disso, o estabelecimento
de relações diplomáticas entre a Etiópia e Portugal e, em 1555, são
enviados os primeiros missionários jesuítas com o objetivo de converter os
Etíopes ao catolicismo romano, o que não seria conseguido.[7]

Como este muitos outros mitos existiam, sob o conceito medieval de
mirabilis, que incluía todos os fenómenos reais ou imaginários agrupados na
categoria do maravilhoso e do fantástico, acolhendo-se dentro de fronteiras
permeáveis, pelas quais se estimula, se alarga e assume proporções
ambiciosas e por vezes extravagantes. Assim, o maravilhoso medieval, fruto
do escasso domínio do homem de então sobre o mundo que o rodeava,
compreendia diversos aspectos, a saber:[8]

1- Terras e lugares:
a) «Naturais» – a montanha (sobretudo se tiver grutas) e os
penhascos, as fontes e nascentes, as árvores;
b) Resultado da ação humana – cidades, castelos, torres, túmulos.

2- Seres humanos e antropomórficos:
a) Gigantes e anões;
b) Fadas;
c) Homens e mulheres com particularidades físicas – Berthe dos
grandes pés, Henno dos grandes dentes;
d) Monstros humanos.

3- Os animais:
a) «Naturais» – o leão de Yvan, o cavalo Baiardo, etc.;
b) Imaginários – unicórnio, grifo, dragão, etc.

4- «Mischwesen» ou «miscigenados»:
a) Seres metade homens, metade animais – melusinas (metade mulher,
metade serpente), sereias (metade mulher, metade peixe), lobisomens
(metade homem, metade lobo);
b) Grifos (misto de águia e leão);
c) Autómatos;
d) No termo da evolução: seres metade vivos, metade objectos.

5- Os objetos:
a) Protetores – anel de invisibilidade;
b) Produtores – a taça (como o Graal), o corno da abundância, a
corneta;
c) Fortalecedores – espada, cinturão;
d) A cama, como «espaço sagrado».

As fontes e reservatórios que davam origem a esse maravilhoso
compreendiam:[9]

A – Fontes

1- O maravilhoso bíblico:
a) O Génesis – o Paraíso, a Arca de Noé, a torres de Babel, a
passagem do Mar Vermelho;
b) O Apocalipse.

2- O maravilhoso antigo:
a) Personagens mitológicas – Vulcano, Minerva, as Parcas, Vénus,
Alexandre, Virgílio, as sete maravilhas do mundo.

3- As maravilhas barbáricas:
a) Mitologia germânica;
b) Mitologia da Bretanha – Myrdlin/Merlin.

4- O maravilhoso oriental:
a) As Mil e Uma Noites;
b) Kalila e Dimma.

B – Reservatórios

1- Céltico
a) Material bretão e de corte;
b) A aventura como maravilha.

2- Oriental
a) O Oriente, em particular a Índia, como horizonte maravilhoso.
b) As localizações primitivas do Purgatório (fim do séc. XII, início
do séc. XIII) – Irlanda e Sicília.

Se na Idade Média o maravilhoso é reprimido, este acaba por irromper nos
sécs. XII-XIII, vindo a ser estetizado nos sécs. XIV-XV.


2- OS DESCOBRIMENTOS NA EVOLUÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA


É bem sabido que os compositores das canções usufruem de certas liberdades
criativas que não são aceitáveis numa investigação histórica, pois que a
sua função é apenas conjugar a letra com a música (o que já não é pouco)
para criar um conjunto harmonioso, ao passo que ao historiador se exige
rigor na pesquisa da informação e na sua interpretação.

Porém, casos há em que o que à primeira vista aparenta ser tão-somente a
letra de uma canção, encerra, no entanto, uma vasta quantidade de
informação sobre um determinado tema histórico concentrada no tempo que
dura o tema musical. Será o que acontece com "Canção de Marinhar", tema
inserido no álbum Auto da Pimenta de Rui Veloso, autor da música (que
propositadamente apela para uma sonoridade trovadoresca) em conjunto com
Carlos Tê, que também assume a responsabilidade da letra.

Como se tentará demonstrar, os músicos também podem, em certa medida, ser
historiadores e será com esta premissa em mente que se passará a expor a
influência dos Descobrimentos no desenvolvimento científico-tecnológico,
através da "Canção de Marinhar", para o que se adoptou uma divisão em verso
duplo, ao invés do poema em formato de prosa que é apresentado na brochura
que acompanha o CD-Áudio, tendo por fim facilitar a sua interpretação e
comentário.


2- a) "CANÇÃO DE MARINHAR"


"(…) Primeiramente tomarás a altura do sol por astrolábio ou quadrante ao
meio-dia, quando o sol estiver mais emoinado[10]. E quando tomares altura,
olharás bem para onde vão as sombras que fazem os mastros da nau ou navio
onde fores (…) convém a saber se vão para o norte, se vão para o sul (…)"

André Pires, "Regimento do Sol" in Livro de Marinharia, meados do séc. XVI,
Ed. Luís Albuquerque.


Tome-se o astrolábio, meça-se a altura solar
Dê-se mais grau menos grau, conforme o balanço do mar
Imaginem-se latitudes, invisíveis meridianos
Que a lenta ciência se apure, nos astros e nos oceanos
A navegação por cabotagem era predominante na Europa cristã, nas ligações
entre os diversos portos do Mediterrâneo e do litoral atlântico. Neste tipo
de navegação, os navios raramente se afastavam da costa e a orientação era
feita a partir da observação de pontos de referência em terra. Desta forma,
as distâncias percorridas em cada trajecto eram relativamente reduzidas e
eram feitas frequentes escalas em terra. Esta prática prolongou-se durante
bastante tempo no mundo mediterrânico, sendo ainda utilizada nas primeiras
viagens de descobrimento dos Portugueses ao longo do litoral africano. Com
o avanço das viagens atlânticas e a necessidade de um outro método de
orientação para percursos de vários dias e semanas em pleno oceano foi-se
desenvolvendo a navegação com base na observação dos corpos celestes.

Surge então o astrolábio planisférico que era um instrumento de origem
grega, utilizado na Idade Média para fins astrológicos e astronómicos.
Consiste num disco de latão graduado na periferia do círculo, num anel de
suspensão e numa mediclina com pínulas perfuradas. Para a sua utilização na
astrologia e agrimensura, as faces são cobertas por linhas e por
representações de diversas estrelas e do Zodíaco. A sua introdução na
navegação astronómica ocorreu provavelmente em finais do século XV, embora
a mais antiga representação conhecida de um astrolábio náutico date de
1517.

Deste modo, foi lentamente evoluindo a ciência náutica, com o traçado das
latitudes e longitudes a partir dos meridianos ocupando o lugar da
especulação fantasiosa.

Rume-se ao sul sidério e às Índias orientais
Complete-se o planisfério, com todos os novos locais
Proceda-se sempre de acordo, como manda o regimento
Fazendo um diário de bordo, por causa do esquecimento
Fig. 1 – Atlas medieval.[11]
O sul sidéreo ou sideral, simbolizado pela constelação do Cruzeiro do Sul,
era a direcção a que apontavam os navegadores portugueses nas viagens de
exploração da costa ocidental africana, tendo em vista descobrir o caminho
marítimo para a Índia. Na sequência das viagens de Cristóvão Colombo, que
até ao fim da sua vida permaneceu convicto de que tinha encontrado as
míticas Índias, chegou-se ao continente americano e a opinião de Colombo só
seria contrariada pela viagem de Vasco da Gama, poucos anos depois, que
aportaria realmente ao subcontinente indiano; daí que se passasse a
distinguir entre as Índias Ocidentais, as Américas, e as Índias Orientais
da viagem de Gama.

Fig. 2 – O mundo conhecido em 1516.[12]
O planisfério ia sendo completado com os novos territórios que se iam
descobrindo, tornando obsoleto aquele de Ptolomeu herdado da Antiguidade
greco-romana. A cartografia ia acompanhando as descobertas, evoluindo para
uma riqueza pictórica e um rigor geográfico cada vez mais acentuados, de
que o expoente máximo se poderá considerar o Planisfério dito de Cantino,
obra de cartógrafo português não identificado, talvez do grupo de
cartógrafos oficiais de D. Manuel I, executado em Lisboa em 1502, por
encomenda clandestina de Alberto Cantino, espião do duque de Ferrara,
Ercole d'Este; consiste num conjunto de folhas de pergaminho com 220x105 cm
e revela um conhecimento actualizado dos descobrimentos feitos na época,
notabilizando-se pela primazia na demarcação do litoral brasileiro e também
por registar os descobrimentos de Cristóvão Colombo, Vasco da Gama e Pedro
Álvares Cabral, além de reivindicar para Gaspar Corte Real o achado da
Terra Nova; de referir ainda a magnificência e a perfeição da iluminura[13]
que, após um atribulado percurso[14], ficou finalmente resguardada como a
relíquia que efetivamente é.

Fig. 3 – Planisfério "Cantino".[15]


O regimento ou regras era implementado à medida que se navegava para cada
vez mais longe, exactamente a partir dos registos dos diários de bordo dos
capitães.

Já conheço o sete-estrêlo que me guia e orienta
Hei-de ver esses bazares de canela e de pimenta
Anote-se boca de rio, cabo, maré e monção
Costume de gente e feitio, tudo fique em relação
Sete-Estrelo é o nome vulgar da constelação das Plêiades, próxima da
constelação do Touro, que é um cúmulo estelar ou grupo de estrelas a 500
anos-luz, do qual se notam, à vista desarmada, seis, sete e mesmo dez
estrelas.[16] Efectivamente, com melhores conhecimentos de astronomia, a
navegação ficava mais segura e podia finalmente atingir-se a terra das
especiarias.

Os capitães das caravelas de descobrir, tinham por obrigação anotar tudo o
que vissem de novo ao longo das suas viagens, desde os aspectos geográficos
até às gentes e seus costumes, com vista à localização de potenciais fontes
de ouro ou de matérias-primas.

E mais o que o medo inventar, que o senso há-de aclarar
Assim se descreva e reúna em livro de marinhar
Ao mundo ache-se o centro, tire-se até bissectriz
Navegue-se por fora e por dentro, como se fosse um país
Uma das mais importantes consequências dos Descobrimentos Portugueses foi o
derrubar de velhos mitos instalados, que povoavam desde a Antiguidade greco-
romana todo o mundo desconhecido. Como referiu Alexander von Humboldt (1769-
1859), naturalista alemão nascido na Prússia: "Muitos pretenderam e grande
número escrevera que este mar [o Atlântico] não pode ser torneado, nem
navegado, nem ter habitantes nas suas praias como a nossa zona temperada e
habitada; mas é agora de toda a evidência que se pode sustentar uma opinião
contrária, principalmente porque os Portugueses que o rei de Portugal
mandou a bordo das suas caravelas para verificarem este facto, referiram,
depois de se terem certificado eles mesmos, que tinham explorado esse
continente pelo espaço de mais de duas mil milhas desde o sudoeste do
estreito de Gibraltar, que em toda a parte os recifes da costa não são
perigosos, que as sondas são boas, que a navegação é fácil, sendo as
tempestades mesmo pouco perigosas. Eles levantaram cartas destas regiões e
deram nomes aos rios, baías, cabos e portos. Possuo um grande número de
borrões ou esboços dessas cartas"[17]

Alterem-se as dimensões, nas cartas e nos roteiros
Até que ele caiba nas canções, dos cafés de marinheiros
Já não oiço as sereias, já sei traçar o azimute
Faltam poucas luas cheias, para chegar a Calecute.
Naturalmente que, quanto mais adiantada a exploração, mais à vontade os
cartógrafos portugueses se sentiam em pôr no papel os novos territórios
encontrados, duma forma que já não comportava relatos fantasiosos mas antes
obedecia a critérios matemáticos. Para trás ficavam as reduzidas dimensões
do mundo medieval, os cantos das sereias, os monstros marinhos, os
terríveis ventos com vida própria, a zona tórrida do Equador na qual
nenhuma vida podia existir e muitos outros mitos.

Os pilotos, orientados pelas estrelas, sabiam com muito maior rigor onde se
encontravam e quanto tempo faltaria para o termo da viagem.

3- OS DESCOBRIMENTOS NA CULTURA PORTUGUESA

As infindáveis andanças dos Portugueses pelos caminhos do mundo
influenciaram profundamente toda a nossa língua, vida social, cultura,
alimentação, arquitectura, etc., etc. Temos por exemplo os biombos do
Japão, a rede de dormir do Brasil - que tão útil foi aos nossos marinheiros
por não haver camas a bordo -, os telhados de quatro águas ou «de tesouro»
- influenciados pelos pagodes e que ainda hoje ornamentam a paisagem urbana
de Tavira e Faro -, palavras como «amendoim» (mendoim em Tupi do Brasil),
«ananás» (ná-ná em Guarani do Brasil), a «fila indiana» e o desenho dos
bordados de Castelo Branco vindos da Índia. Mas a influência foi recíproca.
A introdução da espingarda no Japão, a fauna, a flora como o caju, a
mandioca, o amendoim, o pimento, o ananás, o milho, a batata-doce e o
tabaco que, da América se espalharam por todo o mundo sendo por nós
introduzidos na Ásia durante o século XVI. A nossa língua também
influenciou outros povos que importaram centenas de palavras; de referir
apenas o nosso «obrigado», arigato em japonês, substantivos como camisa,
janela, cadeira ou mesa, usados "tal e qual" em algumas regiões da Índia e
doutras partes do Oriente.

Também a nossa língua, sobretudo a linguagem popular, foi profundamente
influenciada por todas essas culturas mas, e sobretudo, pelo contacto com o
mar e com a vida a bordo. Aqui se adapta um trabalho da autoria de Monge da
Silva[18] que constitui uma pequena recolha de alguns desses termos. Muitos
termos há onde é difícil saber se foi a vida a bordo que os adoptou ou se
foi o inverso.

O trabalho surge dividido em duas partes: na primeira vocábulos simples
(verbos, substantivos e adjectivos) e, na segunda, frases e ditados
populares.




Parte I – Vocábulos

"Adornar "Contexto – Inclinar. "
" "Origem – Inclinar um dos bordos do navio. "
"Almareado "Contexto – Tonto, enjoado. "
" "Origem – Terá possivelmente a ver com o mar e o mal do "
" "mar. "
"Alquebrado "Contexto – Pessoa velha com a coluna torta. "
" "Origem – Navio com a quilha deformada, em arco. "
"Avantajado "Contexto – Que tem vantagens; corpulento. "
" "Origem – No séc. XIV certos cargos a bordo tinham "
" "avantagens tais como comida, roupa, percentagem das "
" "presas, etc. Existia mesmo o denominado marinheiro "
" "davantagem. Diz Fernando Oliveira na Arte da Guerra e do "
" "Mar: "(...) para uma galé datres são necessários um "
" "patrão, quinze marinheiros e cinco proeiros (...) entre "
" "os marinheiros haja alguns mais sabidos, e avantajados no"
" "soldo, e escusos de alguns serviços (...)". "
"Bandalho "Contexto – Desmazelado. "
" "Origem – Peixe em mau estado por ter muito tempo de "
" "pescado. "
"Banzé "Contexto – Alarido; algazarra. "
" "Origem – Do japonês Banzai. "
"Briol "Contexto – Vinho bom. "
" "Origem – Briol, é o nome de um cabo de vela mas que, já "
" "no século XIX, era referido na gíria dos marinheiros, "
" "como sendo o vinho. "
"Calhar "Contexto – Acontecer; coincidir. Se calhar vou aí amanhã."
" "Origem – Os navios procuravam um local onde pudessem "
" "ancorar com segurança. Um local abrigado e com fundo era "
" "denominado uma calha ou, no diminutivo, uma calheta. Se "
" "tinham azar, em vez de calharem, encalhavam. Ainda hoje "
" "há nos Açores um desses primitivos portos que deu o nome "
" "à povoação, Calheta. "
"Embicar "Contexto – Implicar com alguém. "
" "Origem – Navio a mergulhar muito a proa. Encalhar de proa"
" "na praia. "
"Empata "Contexto – Pessoa que não faz nem deixa fazer. "
" "Origem – Empatar o anzol é ligar o anzol à linha. "
" "Contexto – Altivo, soberbo. "
"Emproado " "
" "Origem – Dizia-se dos marinheiros das grandes naus, com "
" "altas proas, que por isso andavam muito envaidecidos. "
"Encalhar "Contexto – Encontrar dificuldades. "
" "Origem – Ficar o navio preso no fundo. "
"Enrascado "Contexto – Pessoa sem expediente. "
" "Origem – Diz-se do cabo de um navio que fica embaraçado. "
" "Na gíria de bordo há também o saca-rascas que é quem "
" "resolve as rascadas ou enrascadas. "
"Envergar "Contexto – Vestir. "
" "Origem – Ligar as velas aos mastros e vergas ou seja, "
" "vestir o navio. "
"Enxofrar "Contexto – Arreliar; abespinhar. "
" "Origem – Untar o fundo do navio com uma camada de sebo e "
" "enxofre para proteger as madeiras. "
"Enxovalhar "Contexto – Dizer mal de alguém. "
" "Origem – Fazer entrar água dentro de um navio. "
"Enxovia "Contexto – Lugar sujo, húmido e escuro. "
" "Origem – Do Árabe al-jubbia, prisão térrea ou "
" "subterrânea. "
"Escarcéu "Contexto – Alarido, algazarra. "
" "Origem – Barulho da vaga quando rebenta. "
"Fanar, meter"Origem – Havia na Índia uma minúscula moeda de ouro, "
"a unha "menor que a unha do dedo mínimo. Chamava-se fanão. D. "
" "Afonso de Albuquerque recebia os tributos em fanões e era"
" "usada em abundância pelo comércio. Para a sua contagem "
" "eram utilizadas tábuas com 50, 100 e 200 alvéolos. O "
" "contador punha um punhado de fanões sobre elas e, com um "
" "ágil movimento circular dos dedos retirava o excesso de "
" "moedas de modo que ficasse uma em cada alvéolo. Estava "
" "feita a contagem. Se porém usasse unhas grandes podia "
" "alguma moeda ficar aí entalada. Daí o meter a unha e o "
" "fanar. Ou então o gesto genuinamente português em que se "
" "apoia o polegar num ponto imaginário do ar e se fazem "
" "rodar os dedos em círculo. "
"Gingar "Contexto – Modo de andar bamboleante. "
" "Origem – Conduzir um pequeno bote de pé sobre a popa com "
" "um único remo apoiado na borda como se fosse um motor de "
" "fora-de-borda. O remo é movimentado oscilando o corpo "
" "para a esquerda e para a direita de um modo bamboleante. "
"Labrego "Contexto – Rústico; grosseiro. "
" "Origem – Alguns documentos espanhóis antigos mencionam "
" "que os portugueses alistados nas tripulações castelhanas "
" "para as Índias pertenciam a escalões inferiores: "
" "marinheiros, calafates, labregos… "
"Marinhar "Contexto – Subir com facilidade cordas e penhascos. "
" "Origem – Os marinheiros tinham de subir por cordas a "
" "mastros e vergas para a manobra de velas. "
"Matulão, "Contexto – Pessoa grande ou grupo de matulões. "
"matulagem. " "
" "Origem – As provisões levadas para a alimentação a bordo "
" "eram denominadas matulatagem. Talvez seja esta a origem. "
"Norteado "Contexto – Diz-se de quem leva uma vida equilibrada, "
" "sabendo perfeitamente o que vai fazer. "
" "Origem – Navio apontado a Norte. "
"Orientado "Contexto – Diz-se de quem leva uma vida equilibrada, "
" "sabendo perfeitamente o que vai fazer. "
" "Origem – Navio apontado a Oriente. O termo usa-se também "
" "na localização das igrejas que devem estar «orientadas de"
" "Oriente para Ocidente. "
"Pão-de-ló "Contexto – É um bolo muito leve e fofo. "
" "Origem – Ló é o lado do vento. Será pão-de-ló por ser "
" "feito de vento por ser muito leve? "
"Ressaca "Contexto – Consequência da bebedeira. "
" "Origem – É o refluxo da onda. "
"Sacana "Contexto – Mal comportado; vigarista. "
" "Origem – Em Japonês quer dizer peixe e peixeiro. "
"Vendaval "Contexto – Vento forte. "
" "Origem – Em marinharia é o vento forte e fresco de "
" "Sudoeste. Cristóvão Colombo menciona o Vent-aval. "

Parte II – Frases e Ditados Populares
"Água pela "Contexto – Diz-se de alguém que chegou ao limite do que "
"barba "pode suportar ou ouvir sem ripostar. "
" "Origem – Navio cheio até ao limite. "
"Aguentar-se "Contexto – Aguentar os revezes da vida ou da situação "
"no balanço "vivida no momento. "
" "Origem – Balanço é o movimento oscilatório do navio, "
" "consequente das ondas. "
"Anda mouro "Contexto – Diz-se às jovens quando se suspeita que já "
"na costa "namoram ou que alguém as anda a cortejar. "
" "Origem – Até ao séc. XVIII os piratas mouros assolavam a "
" "nossa costa. Uma presa de grande valor era o rapto de uma"
" "jovem para ser vendida como esposa ou escrava. "
"Andar a "Contexto – Andar distraído, com o pensamento distante ou "
"leste "não perceber o que se está a passar. "
" "Origem – Andar é sinónimo de navegar e, leste (ou "
" "Oriente), era o lugar distante para onde se sonhava ir "
" "fazer fortuna. Andar a leste quer pois dizer que a pessoa"
" "está distraída e com o pensamento bem afastado do que se "
" "está a passar no momento. "
"Andar a "Contexto – Diz-se de alguém que executa uma ou várias "
"traquete "tarefas muito depressa. "
" "Origem – As caravelas tinham velas latinas o que lhes "
" "permitia navegar com ventos atravessados e de proa. Se "
" "porém estavam ventos de popa, podiam montar uma vela "
" "redonda no mastro do traquete. Andando a traquete iam "
" "mais depressa. "
"Atracar pela"Contexto – Diz-se dos homossexuais. "
"popa " "
" "Origem – Navio que é amarrado com dois ferros e com a "
" "popa voltada à muralha. "
"Beber pela "Contexto – Levar uma grande sova "
"medida " "
"grande " "
" "Origem – O navio bebe muita água quando, com muito mar "
" "pela proa é varrido pelas ondas; na gíria de bordo beber "
" "pela medida grande é a analogia com levar com muita água."
"Ir ao "Contexto – Diz-se de alguém que está a vomitar. "
"Gregório " "
" "Origem – Antigamente, muitos marinheiros e passageiros "
" "embarcavam já doentes. A partir de certa altura passou a "
" "haver um controle feito pelos frades que sempre iam a "
" "bordo. A primeira doença a manifestar-se, logo à saída da"
" "barra, era o enjoo. As pessoas começavam a vomitar pela "
" "borda fora e a chamar por "S. Gregório". "
"Dar o fora "Contexto – Ir-se embora (Gíria naval). "
" "Origem – Em navegação é necessário fazer cronometragens "
" "de um dado período de tempo, por exemplo para saber a "
" "velocidade do navio. "Fora" é a voz para lançar à água "
" "uma pequena barca presa a um cabo com nós. "Dar o fora" é"
" "a voz para tirar a barca fora e contar os nós que foram "
" "largados do cabo. "
"De vento em "Contexto – Diz-se de um negócio que esta a correr muito "
"popa "bem "
" "Origem – Com o vento pela popa as embarcações andam mais "
" "depressa. "
"Espera que "Contexto – Ou espera que já te canto. Dar a resposta a "
"já lá vou "uma agressão verbal ou física. "
" "Origem – Espera é o nome de um antigo canhão curto. "
" "Espera é a forma abreviada usada pelos autores dos vários"
" "documentos em que o termo aparece. Durante muito tempo "
" "pensou-se que queria dizer Esfera por causa da esfera "
" "armilar que muitos ostentavam. O nome completo apareceu "
" "num documento do Imperador Carlos V onde é mencionado um "
" "espalhafato de 41 cm de calibre e denominado "Esperame "
" "que alla voy" "
"Estar à "Contexto – Estar atrapalhado. "
"rasca " "
" "Origem – Rasca é um tipo de rede de arrasto. É também uma"
" "antiga embarcação usada na pesca longínqua do bacalhau. "
" "Na gíria de bordo usa-se o estar à rasca e o "
" "safa-rascadas como aquele que resolve as dificuldades. "
"Ferrado no "Contexto – A dormir bem. "
"sono " "
" "Origem – Ferrar é um termo náutico usado em muitas "
" "situações. Ferrar velas: colher e amarrar a preceito as "
" "velas aos mastros ou vergas. Ferrar a âncora: fundear. "
" "Ferrar um anzol: peixe que se prende ao anzol. "
"Ficar a ver "Contexto – Ou, simplesmente, ficar a ver navios. Diz-se "
"navios do "de quem fica longa ou indefinidamente à espera de "
"alto de "qualquer coisa. "
"Santa " "
"Catarina " "
" "Origem – Santa Catarina é uma colina de Lisboa junto ao "
" "Tejo de se avista a entrada do porto de Lisboa. Quando "
" "chegava a época do ano em que as naus da Carreira da "
" "Índia regressavam, era para aí que iam as mulheres e "
" "noivas dos marinheiros para os ver entrar no Tejo. Muitos"
" "não regressavam a as noivas ficavam o resto da vida a ver"
" "navios. "
"Gato "Contexto – Gato lambão ou guloso "
"lambareiro " "
" "Origem – Gato é um engate. Gato lambareiro ou "
" "simplesmente lambareiro, é um gato de grandes dimensões "
" "ligado à âncora e destinado a suspendê-la pelas unhas "
" "para poder ser içada pelo aparelho do turco; mais tarde "
" "foi substituído pelo aparelho do lambareiro. "
"Há mais "Contexto – (ditado). Há muitas oportunidades para fazer "
"marés que "qualquer coisa. "
"marinheiros " "
" "Origem – Há duas marés por dia pelo que na vida de uma "
" "pessoa há milhares de marés "
"Heroína de "Contexto – Diz-se de uma mulher que revela grande "
"Diu "coragem. "
" "Origem – Até aos nossos dias era impensável que uma "
" "mulher entrasse em combate. As excepções eram raras: "
" "Joana d'Arc será talvez a mais conhecida. Diu era uma "
" "formidável fortaleza que foi por diversas vezes cercada "
" "por grandes exércitos. Devido às elevadas baixas entre os"
" "soldados, foram as mulheres que guarneceram as muralhas e"
" "evitaram por mais que uma vez que a fortaleza caísse. "
"Ir com água "Contexto – Ir preparado para fazer uma partida "
"no bico " "
" "Origem – Navio com corrente de água pela proa. "
"Jogar ou "Contexto – Ficar na defensiva "
"pôr-se na " "
"retranca " "
" "Origem – A retranca é uma verga apoiada no mastro central"
" "que segura a parte inferior de uma vela latina. Se o "
" "vento muda de repente ou se não se faz a manobra como "
" "deve ser a ponta da retranca pode ser violentamente "
" "lançada para o bordo contrário e atingir alguém. Quem "
" "está perto da retranca deve por isso estar sempre atento "
" "e na defensiva. "
"Não embarco "Contexto – Não acredito. "
"nisso " "
" "Origem – Embarcar é entrar ou prestar serviço numa "
" "embarcação. "
"Não ir no "Contexto – Não acreditar. "
"bote " "
" "Origem – O bote é uma pequena embarcação a remos usada "
" "nos grandes navios para ir a terra. Não ir no bote era "
" "sinónimo de não ir a terra. "
"Negócios da "Contexto – Negócio que dá um lucro extraordinário. "
"China " "
" "Origem – Uma nau da carreira da Índia levava ano e meio "
" "no percurso de ida e volta. Era uma viagem extremamente "
" "perigosa mas lucrativa. Se num grupo de três naus, se "
" "perdessem duas, o negócio ainda dava lucro. Cedo porém os"
" "Portugueses da Índia descobriram que podiam fazer viagens"
" "muito mais curtas e com lucros muitíssimo maiores: eram "
" "as viagens à China e ao Japão. Daí a denominação: "
" ""Negócios da China". "
"Perder as "Contexto – Perder o controle de si mesmo. "
"estribeiras " "
" "Origem – As estribeiras são estribos suplementares "
" "montados nas vergas da gávea onde se fazem várias "
" "amarrações. Se devido ao temporal o navio perde as "
" "estribeiras, fica desgovernado e sem controlo. "
"Perder a "Contexto – Perder a razão "
"tramontana " "
" "Origem – Tramontana é a Estrela Polar. Perder a "
" "Tramontana era sinónimo de perder o rumo. "
"Pôr-se na "Contexto – (Gíria naval): Ir-se embora; fugir "
"alheta " "
" "Origem – Alheta é uma das partes do costado de um navio "
" "entre a amurada e a popa "
"Quanto maior"Contexto – Quanto maior é o negócio maior é prejuízo. "
"a nau, maior" "
"a tormenta " "
" "Origem – Com o incremento da Carreira da Índia, começaram"
" "também as naus a aumentar de tamanho. Construíam-se naus "
" "com mais de 1000 tonéis e de quatro pavimentos. Já em "
" "1519 escrevia Aires de Sousa "os homens andavam muito "
" "pomparosos". O exagero era tal que D. Sebastião chegou a "
" "promulgar uma lei em 1570 que proibia a construção de "
" "naus com mais de 450 tonéis e três pavimentos, mas com "
" "pouco sucesso. Quando havia uma tormenta as grandes naus "
" "iam ao fundo, tal como as pequenas, só que o prejuízo era"
" "maior. "
" "(1 Tonel = 100 pés cúbicos = cerca de 2 Toneladas) "
"Remar contra"Contexto – Lutar sem nada conseguir "
"a maré " "
" "Origem – A remar contra a maré não se avança. "
"Saiu-lhe o "Contexto – Diz-se de alguém que vai fazer qualquer coisa "
"tiro pela "contra outrem mas que, ao invés, lhe acontece a ele. "
"culatra " "
" "Origem – As mais antigas peças de artilharia usadas nas "
" "naus não eram de atacar pela boca. Tinham uma parte "
" "móvel, a culatra, semelhante a uma caneca de cerveja, que"
" "levava a pólvora. O projéctil era metido no canhão e "
" "depois era ajustada a culatra; Inicialmente usava-se uma "
" "peça basculante em forma de "U" que descia e apertava a "
" "culatra; posteriormente a culatra era encaixada numa meia"
" "cana, o berço, e travada com uma cunha. O sistema não era"
" "perfeito e acontecia com frequência que, na altura do "
" "tiro, a culatra saltava e atingia quem estava perto: "
" "«Saía o tiro pela culatra». No séc. XV dizia-se até que "
" "estes canhões faziam mais vítimas entre os artilheiros do"
" "que entre os inimigos. Servir como artilheiros, ou "
" "bombardeiros, como então se dizia, era uma das opções dos"
" "condenados à morte do século XV. "




"Se caíres, "Contexto – Expressão usada de modo brincalhão entre "
"agarra-te ao"pintores e outros operários que trabalham em cima de "
"pincel "escadas ou andaimes. "
" "Origem – Nos séculos XV e XVI as naus não tinham sequer "
" "uma simples retrete. Para alguns havia os «bacios de "
" "mijar». Se estava mau tempo as pessoas faziam as suas "
" "necessidades onde calhava. Estando bom tempo faziam-no "
" "sobre a amurada ou sobre uma prancha aí amarrada. Para se"
" "limparem usavam a ponta desfiada (o pincel) de um grosso "
" "cabo que era arrastado na água. Quando alguém caía ao mar"
" "gritavam-lhe: Agarra-te ao pincel! Essa era talvez a "
" "única forma de se salvarem pois, as grandes naus, "
" "navegando só com ventos de popa, tinham muita "
" "dificuldade, ou simplesmente não podiam voltar atrás para"
" "recolher um náufrago. Salvou muitas vidas este «pincel». "

Se é verdade que a epopeia dos Descobrimentos teve vastas repercussões no
contexto mundial, não as teve menos a nível nacional. De facto, a população
portuguesa via partir os marinheiros para longínquas viagens e raramente
via algum voltar. Para trás ficavam esposas, noivas, filhas entregues a si
próprias ou aos avanços da nobreza ociosa que permanecia no país gozando os
seus rendimentos, enquanto o povo era sacrificado na busca da riqueza.



3- a) "TROVAS VICENTINAS"
É nesta linha de pensamento que surge o tema "Trovas Vicentinas", do músico
Rui Veloso, inspirado nas trovas de Gil Vicente, satirizando à boa maneira
das comadres das aldeias a vida das jovens esposas e donzelas deixadas
sozinhas enquanto os respectivos maridos e noivos se aventuravam pelo mar
fora, que adiante se transcreve.

Vós que vos ides por ganância
Debaixo da capa do cruzado
Buscando no incerto e na distância
A mina delirante do El Dorado
Vós que deixais só na retaguarda
Um farto gineceu[19] desamparado
Não sentis testa que vos arda
Durante o sono repousante do soldado
Ouvi este ledo trovador
Por feitos de além-mar pouco tentado
Não se deixa uma esposa sem amor
Com o trevo da mocidade eriçado
É vê-las no poleiro das janelas
Gastando seus furores em vãs intrigas
É vê-las nas ribeiras com as barrelas
Contando o que só Deus sabe às amigas
Quanta malícia mal ardida
Tangem seus olhares pelas esquinas
Soubessem dos sorrisos de fugida
Que delas merecem minhas rimas
E víeis que melhor que a riqueza
É ter alguém à noite na cama
Que o diga a presunçosa e vã nobreza
Fig. 4 – Gineceu com um carpelo.[20]
Que goza a especiaria ao pé da dama
Por isso se as testas vos arderem
No lume verrinoso do adultério
Às línguas viperinas que vierem
Dizei que ardem pela grandeza do império.

A glória dos Descobrimentos teve o seu preço, a sua desgraça. Camões, n'Os
Lusíadas, pôs as mães e as esposas a chorar a perda dos filhos e dos
maridos (Canto IV, Estrofes 90-91), o Velho do Restelo a avisar os
navegadores das nefastas consequências da viagem (Canto IV, Estrofes 95-
97), o Adamastor a profetizar naufrágios, narrando o mais famoso de todos:
o naufrágio de Manuel de Sousa Sepúlveda.

Fernando Pessoa imortalizou a grandeza e a desgraça no poema "Mar
Português" de Mensagem:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal.
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar! [21]

Não faltaram, pois, narrativas das desventuras e dores que sempre
acompanharam os que quiseram «passar além do Bojador», a principal das
quais tem mesmo o título de História Trágico-Marítima, compilada por
Bernardo Gomes de Brito (1688-?) e publicada em dois volumes, datando o
primeiro de 1735 e o outro de 1736. Trata-se de um conjunto de doze relatos
de naufrágios, baseados em episódios verídicos da gesta dos Descobrimentos.

São, de uma maneira geral, relatos apreciados pela qualidade da prosa e
pelo seu extremo realismo. Um dos mais conhecidos fica a dever-se a
Jerónimo Corte-Real (1530?-1590?), que narrou o Naufrágio e Lastimoso
Sucesso da Perdição de Manuel de Sousa Sepúlveda (1594).

4- OS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES NO MUNDO

Os portugueses enfrentaram, desde o início dos Descobrimentos, a cobiça
castelhana, cuja Coroa reivindicava a posse de algumas das terras
descobertas pelos navegadores ao serviço do rei de Portugal. A questão da
posse das Canárias é o caso com maior expressão das querelas territoriais
luso-castelhanas. A sua posse, decidida a favor de Castela, apenas se
legitimará no Tratado de Alcáçovas. Nesse mesmo encontro entre os dois
países, em 1479, demarcaram-se também as zonas marítimas de Portugal e de
Castela. Assim, as terras descobertas a sul das Canárias ficariam para
Portugal, que passava a deter igualmente o exclusivo do comércio na região,
ficando Castela com idênticas condições mas a norte daquele arquipélago
atlântico. Sanavam-se os conflitos entre os dois reinos e findava a
ingerência castelhana na Guiné e seu comércio.

Afirmava-se, por outro lado, o princípio do Mare Clausum[22] (mar fechado),
que consagrava e reservava o direito de posse e navegação a quem
descobrisse qualquer terra ou rota marítima. O Tratado de Tordesilhas, em
1494, dois anos após a chegada de Colombo à América, irá reforçar este
princípio saído do Tratado de Alcáçovas. Assim, entendem as monarquias
ibéricas, revendo as posições assumidas em 1479, dividir o mundo pelos seus
dois reinos a partir do meridiano que passa a 370 léguas a ocidente do
arquipélago de Cabo Verde. A oeste desse meridiano, ficariam as possessões
espanholas; a leste, as portuguesas.

Este esforço clarificador que foi o Tratado de Tordesilhas resultava das
reivindicações portuguesas em relação aos territórios que Colombo teria
descoberto em 1492 ao serviço dos Reis Católicos de Espanha. D. João II de
Portugal afirmava, então, que essas terras se situavam, à luz das
conclusões de Alcáçovas, a sul do paralelo das Canárias, apresentando como
fundamento jurídico para as suas teses - ainda que dentro de um grande erro
geográfico - a doutrina do Mare Clausum, que obrigaria, caso tivesse razão,
a Espanha a devolver as terras visitadas por Colombo.

Em termos de direito internacional, este tratado assinala o momento de
consagração do domínio e privilégio exclusivo de navegação nos mares a
certos países. Todavia, no direito clássico o mar é comum, pertence a
todos, não é territorializado. Já no sul de Itália, antes do ano 1000, se
reclamava este «mar fechado», como o fizeram também depois Génova, Veneza,
reinos nórdicos e até a Inglaterra, na Idade Média, quando impunham taxas
de passagem, monopólios de pesca e até bloqueios a navios estrangeiros nos
seus mares. Portugal e Espanha, nos séculos XV e XVI, estenderão esse
conceito de «mar fechado» para além dos mares europeus, alargando-o a
outros oceanos e regiões entretanto descobertas, assegurando fluxos
comerciais seguros e rentáveis, essenciais para as suas economias
mercantilistas, baseadas na estabilidade dessas rotas. Leis, diplomas, de
tudo se serviram os monarcas ibéricos para legitimar essa supremacia
marítima e os exclusivos de navegação e comércio, resgatando os navios que
se atrevessem a navegar nesses espaços marítimos.

A própria titulatura dos reis portugueses, por exemplo, denuncia a
pretensão ao exclusivo dos mares e aos seus lucros. Assim, era comum que se
intitulassem Senhores da navegação da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, por
exemplo, entre outras expressões. Os papas ajudam ainda mais a reforçar
essas pretensões do Mare Clausum dos reinos peninsulares: o papa Nicolau V,
na bula Romanus Pontifex, em 1455, proíbe a navegação nos mares exclusivos
dos portugueses sem autorização do rei de Portugal. D. João II, como D.
Manuel I, bem como os Reis Católicos e Carlos V em Espanha, consagrarão o
princípio do «mar fechado» e dar-lhe-ão a sua maior amplitude e
universalidade, baseados em justificações jurídicas e filosóficas, para
além de castigos para quem ousasse usurpá-lo. As Ordenações Manuelinas e as
Filipinas em Portugal são disso um verdadeiro exemplo. Este princípio
pressupõe, igualmente, o domínio militar dos mares e a colonização das
regiões adjacentes. Com o aparecimento dos holandeses, ingleses e franceses
nos mares a reivindicarem e a apoderarem-se pela força e pelo corso de
rotas, produtos e colónias, através das suas companhias de privilégio
(comerciais), com objectivos militares e expansionistas, põem em causa o
privilégio ibérico, que perde sentido com a união ibérica de 1580 e,
principalmente, com o desmantelamento da frota espanhola (e portuguesa) na
pesada derrota da Invencível Armada em 1588 às mãos dos ingleses. Estes,
ainda que fossem claramente contra o Mare Clausum, acabaram por aplicá-lo
relativamente ao Canal da Mancha e ao Mar do Norte no século XVI e mesmo,
noutras ocasiões, nas suas colónias.

Em oposição ao Mare Clausum surgem, cada vez mais, certas nações europeias
a reclamar o domínio dos mares, seja quanto à sua navegação, seja quanto ao
domínio militar e comercial dos mesmos, abrindo assim perspectivas de
construção de impérios coloniais concorrenciais face aos que se reclamavam
como senhores do «mar fechado»: Portugal e Espanha.

Ao longo do século XVI, holandeses, ingleses e franceses, além de outros
povos em menor escala – dinamarqueses e suecos, por exemplo – encetam
tentativas, por vezes bem-sucedidas, de ataque e pilhagem a navios ou
entrepostos comerciais ibéricos nas suas colónias e rotas de navegação
exclusivas, desafiando cada vez mais portugueses e espanhóis a lutarem
pelos seus pretensos direitos de descobridores. Primeiro pelo corso e
pirataria, depois por incursões terrestres organizadas, mais tarde através
das companhias comerciais ou de privilégio - como as Companhia das Índias
Orientais ou Ocidentais dos holandeses, que depois foram imitados por
ingleses e franceses - com objectivos expansionistas e coloniais e dotadas
de verdadeiras armadas e exércitos, os europeus de além-Pirinéus cobiçam e
assenhoreiam-se de algumas possessões ultramarinas peninsulares e das suas
rotas de comércio, ou então põem-nas em perigo e sob ameaça constante.

As nações do Norte da Europa apoiavam-se, para além da força das armas e da
surpresa dos seus corsários, no princípio jurídico da liberdade dos mares,
consagrado no direito clássico. Por esta normativa internacional, nenhum
soberano teria o direito de retirar a qualquer outro a possibilidade de
navegar e comerciar nos mares e regiões adjacentes, desde que com
objectivos e meios pacíficos (o que nem sempre acontecia, porém).
Reclamavam assim pelo princípio do Mare Liberum[23], próprio do direito
natural. Os portugueses, por exemplo, não o contestavam, ao contrário dos
espanhóis, que o repudiavam completamente. Apesar destas diferentes
atitudes das monarquias ibéricas, na prática ambas acabavam por se opor à
liberdade nos mares, sustentando os portugueses esta sua atitude nas
proibições papais a outras nações de navegarem e traficarem no Mare
Clausum. Esta atitude dos pontífices romanos baseava-se na garantia dada,
principalmente pela Coroa portuguesa, de evangelizar ao mesmo tempo que se
comercializava, prática esta que o papado não pretendia perturbar ou
alterar.

Nas Províncias Unidas (Holanda), e noutros países também, vários juristas
defenderam, a partir do século XVI e com maior vigor no século XVII, o Mare
Liberum, que contrapunham ao Mare Clausum dos teólogos e juristas de
Portugal e Espanha. Nestas duas vertentes jurídicas, acaba por se realçar,
mais do que em termos económicos, a oposição cada vez maior entre o Sul,
católico e fiel a Roma, e o Norte da Europa, cada vez mais dominado pelos
credos protestantes nascidos da Reforma empreendida por Lutero e Calvino no
primeiro quartel do século XVI. No caso holandês, nação maioritariamente
calvinista, apoiava-se cada vez mais a ideia de depor o poder ibérico, na
Europa e nos mares, pois este representava o baluarte do mundo católico. Na
Holanda surge, por exemplo, o jurista e filósofo Hugo Grotius (De Groot, em
holandês), primeira figura exponencial do direito internacional. Na sua
obra Mare Liberum (1609), será o primeiro a defender, em termos jurídicos e
apoiando-se no direito natural, a liberdade nos mares, universalizando e
legitimando o tema, em discussão já desde o século anterior. Esta obra, bem
como o seu conceito primordial, conquistaram grande receptividade nos meios
políticos do Norte da Europa, há algum tempo desejosos de fundamentação
jurídica para as suas tentativas de «furar» o Mare Clausum ibérico.
Cornelis van Bynbershoek, jurista holandês, em 1702, no seu livro De
Dominio Maris, clarificará a contenda entre as duas versões jurídicas do
direito de navegação e comércio nos mares, ao avançar com uma fórmula de
domínio do mar que se traduzia na existência de uma zona marítima exclusiva
a uma determinada distância a partir da costa (equivalente à distância que
atingia um tiro de um canhão, isto é, perto de 3 milhas náuticas) do país
ou possessão em que encontrava. Esta fórmula jurídica constituirá o
antepassado da actual ZEE – Zona Económica Exclusiva – que protege os
recursos naturais das nações.

Com o declínio marítimo ibérico, acentuado a partir de 1588 com a derrota
da Invencível Armada espanhola, e com a formação de companhias de comércio
e colonização de holandeses e, depois, de ingleses e franceses, o princípio
do Mare Clausum desaparece gradualmente, impondo-se cada vez mais a
liberdade nos mares como património comum da humanidade.

CONCLUSÕES

"Os Descobrimentos são um fenómeno de expansão planetária dos europeus dos
séculos XV e XVI e neles Portugal desempenha um papel vanguardista e
fundamental. Portugal, graças aos Descobrimentos, revela o essencial da
Terra e da Humanidade, contribuindo para a passagem de uma Idade dos Mundos
Fechados a uma Idade do Universo Planetário Aberto.(…)"[24]

Muito mais haveria a dizer sobre a influência que a gesta dos
Descobrimentos Portugueses teve no Mundo, em geral, e no país, em
particular. Desde a introdução de novas culturas – como a batata que se
tornou a base da alimentação em alternativa ao pão –, à implementação e
definição de novos conceitos de jurisprudência, muitos foram as áreas em
que a aventura dos portugueses modificou ou criou – directa ou
indirectamente – a vivência quotidiana, 'inventando' novas formas de
pensamento e novas técnicas que constituiriam os alicerces do modernismo
dos tempos atuais.

Lamentavelmente, esse papel inovador é por demasiadas vezes esquecido ou
simplesmente obliterado na leitura histórica que se faz a nível
internacional, sendo necessário aos investigadores portugueses 'puxarem dos
galões' na afirmação objetiva e sem nacionalismos demagogos da importância
que Portugal teve na construção do mundo contemporâneo. Todavia, como não
esperar semelhante atitude por parte dos estrangeiros se, como revelou um
recente inquérito levado a cabo em algumas Faculdades[25], o
desconhecimento da própria população portuguesa dos feitos dos seus
antepassados é tão notório e evidente?

Será esta uma batalha antecipadamente perdida?

BIBLIOGRAFIA
CHAGAS, Manuel Joaquim Pinheiro, Os Descobrimentos Portugueses e os de
Colombo – Tentativa de Coordenação Histórica, Lisboa, Academia Real das
Ciências, 1832, Parede, Publicações Quipu, 2001.

COELHO, António Borges, Raízes da Expansão Portuguesa, Lisboa, Livros
Horizonte, 1985.

EANES DE ZURARA, Gomes, Crónica de Guiné, José de Bragança (introdução,
anotações e glossário), Porto, Livraria Civilização Editora, 1994, 5ª
edição.

FOURQUIN, Guy, História Económica do Ocidente Medieval, Lisboa, Edições 70,
s.d.

GREEN, V. H. H., Renascimento e Reforma, Lisboa, Publ. D. Quixote, 1991.

LE GOFF, Jacques, A Civilização do Ocidente Medieval, Lisboa, Editorial
Estampa, 1983, 2 vols.

LE GOFF, Jacques, O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval,
Lisboa, Edições 70, 1983.

OLIVEIRA, Aurélio de, CRUZ, M.ª Augusta Lima, et al, História dos
Descobrimentos e Expansão Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta, 1999,
n.º 173.

VAZ DE CAMÕES, Luís, Os Lusíadas, Hernâni Cidade (prefácio e notas), Lima
de Freitas (ilustrações), Lisboa, Círculo de Leitores, 1972.

As Novidades do Mundo – Conhecimento e Representação na Época Moderna,
Actas das Oitavas Jornadas de História Ibero-Americana e da Décima Primeira
Reunião Internacional de História da Náutica e da Hidrografia, Maria da
Graça Mateus Ventura, Luís Jorge Semedo de Matos, (coord.), Lisboa, Edições
Colibri, 2003

Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira
(coord.), Lisboa, Publicações Alfa, 1991, 2 vols.

Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro
Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia,
s.d., [4 CD's].

DN-Descobrimentos, edição especial do Diário de Notícias de 15 de Abril
para a Exposição Universal de Sevilha (Expo'92), Lisboa, 1992.

História Comparada – Portugal, Europa e o Mundo, António Simões Rodrigues
(dir.), Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, 2 vols.

História do Pensamento Filosófico Português, Pedro Calafate (dir.), Lisboa,
Ed. Caminho, 2001, vol. 2.

Mare Liberum, Revista, [CD-ROM], João Paulo Salvado (coordenação), Lisboa,
Ophir / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, 1999, números 1 a 13.

Navegar, [CD-ROM], Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al,
Paris, Editions Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de
Portugal, Expo'98 / Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 1998.

Portugal no Mundo, Luís de Albuquerque (dir.), Selecções do Reader's
Digest, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, 2 vols.

Temas "Canção de Marinhar"[1] e "Trovas Vicentinas"[2] extraídos do álbum
Auto da Pimenta, de Rui Veloso (voz e música) [1] [2], (coros) [1],
(guitarra eléctrica e acústica, baixo e vozes) [2]; com as participações de
Carlos Tê (letra) [1] [2], (coros) [1]; Mário Barreiros (coros) [1]; Carlos
Guerreiro (flautas e sanfona) [2]; Zé Peixoto (guitarra acústica nylon)
[2]; Manuel Tentúgal (bodhran) [2]; editado em CD-Áudio por EMI – Valentim
de Carvalho em 1991.


Webliografia
http://www.ruf.rice.edu/~feegi/ocean.html

http://www.terravista.pt/bilene/8721/Terminologia%20das%20Descobertas.htm


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[1] Mário Soares, "O Encontro de Culturas" in DN-Descobrimentos, edição
especial do Diário de Notícias de 15 de Abril para a Exposição Universal de
Sevilha (Expo'92), Lisboa, 1992, p. 15.
[2] Adaptado de "Cultura e Sociedade – Sociedade" in Navegar, [CD-ROM],
Simonetta Luz Afonso, António Manuel Hespanha, et al, Paris, Editions
Chandeigne / Sèvres, Oda Edition / Lisboa, Pavilhão de Portugal, Expo'98 /
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,
1998.
[3] Vide supra, n. 2.
[4] Idem.
[5] Adaptado de "Actores – Homens Políticos" in Navegar, op. cit.
[6] Idem.
[7] Vide supra, n. 5.
[8] Jacques Le Goff, O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval,
Lisboa, Edições 70, 1983, pp. 28 – 34.
[9] Vide supra, n. 8.
[10] N.A.: Não existe referência a este vocábulo nos actuais dicionários de
Língua Portuguesa consultados. Apenas se pode induzir que teria relação com
a altura máxima a que deveria estar o Sol para se efectuarem as medições.
[11] Cfr. http://www.ruf.rice.edu/~feegi/ocean.html
[12] Idem.
[13] Cfr. "Planisfério de Cantino" in Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição
Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial),
Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD's].
[14] Por uma missiva de Cantino dirigida ao Duque de Este, em 19 de
Novembro de 1502, sabe-se que o planisfério foi entregue em Génova alguns
dias antes, ao cuidado de Francisco Catanio, com destino a Ferrara; também
se conhece pela mesma missiva que foi de doze ducados de ouro o preço por
que foi adquirido em Lisboa. O Planisfério manteve-se no palácio ducal de
Ferrara — onde já se encontrava pelo Natal de 1502 — até 1592, ou seja,
durante 90 anos, até que o Papa Clemente VIII, certamente na sequência de
velhas contendas políticas resolveu retirar a posse dos bens a César
d'Este, até então senhor do ducado, e transferir a biblioteca estense de
Ferrara para o palácio ducal de Modena. Bem guardado durante os
aproximadamente três séculos seguintes, o mapa levou descaminho durante
alguns tumultos de origem política que ocorreram naquela cidade, em 1859,
durante os quais a referida biblioteca foi despojada de parte do seu rico
património bibliográfico e documental. Desconhece-se o que se passou então
com o planisfério, mas é lícito conjecturar que foi integrado nas peças
saqueadas durante o motim, pois alguns anos mais tarde foi visto pelo
director da biblioteca estense, Giuseppe Bonni, a forrar um anteparo que
separava duas salas de uma salsicharia da cidade. Deve-se ao empenhamento
do atento Director a nova aquisição do mapa a que então se procedeu, e a
sua devolução à mesma biblioteca, onde voltou a conservar-se desde 1868,
tendo regressado temporariamente a Portugal em 2001, por acção da Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, tendo ficado
exposto ao público no Museu Nacional de Arte Antiga. Cfr. Inácio Guerreiro,
"Comentários sobre o Planisfério Português "Cantino" (1502), nos 500 Anos
da sua Existência" in As Novidades do Mundo – Conhecimento e Representação
na Época Moderna, Actas das Oitavas Jornadas de História Ibero-Americana e
da Décima Primeira Reunião Internacional de História da Náutica e da
Hidrografia, Maria da Graça Mateus Ventura, Luís Jorge Semedo de Matos,
(coord.), Lisboa, Edições Colibri, 2003, pp. 15 – 30.
[15] Digitalizado a partir de As Novidades do Mundo – Conhecimento e
Representação na Época Moderna, op. cit., p. 29.
[16] Cfr. Diciopédia 2003, op. cit.
[17] Alexander von Humboldt, Histoire de la Géographie du Nouveau
Continent, tom. 1, p. 334 e segs. apud Manuel Joaquim Pinheiro Chagas, Os
Descobrimentos Portugueses e os de Colombo – Tentativa de Coordenação
Histórica, Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências, 1892 / Parede,
Edições Quipu, 2001, p. 82.
[18] Engenheiro Químico, colaborador da Universidade de Lisboa em trabalhos
de arqueologia naval subaquática; foi durante pesquisas sobre canhões de
retrocarga dos séculos XIV a XVI que encontrou os termos ora expostos. Cfr.
http://www.terravista.pt/bilene/8721/Terminologia%20das%20Descobertas.htm
[19] N.A.: Gineceu – parte feminina de uma flor, que é o conjunto dos seus
carpelos, pistilo (botânica); aposento da habitação grega, destinado às
mulheres. Fonte: Diciopédia 2003, op. cit.
[20] Gravura extraída de "Gineceu" in Diciopédia 2003, op. cit.
[21] Cfr. "História Trágico-Marítima" in Diciopédia 2003, op. cit.
[22] Cfr. "Mare Clausum" in Diciopédia 2003, op. cit.
[23] Cfr. "Mare Liberum" in Diciopédia 2003, op. cit.
[24] Luís Filipe Barreto e José Manuel Garcia in «Portugal na Abertura do
Mundo», Lisboa, 1989, p. 18 apud DN – Descobrimentos, op. cit., p. 2.
[25] N.A.: Inquérito coordenado pelo Mestre Paulo Mendes Pinto da
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, efectuado junto dos
alunos do primeiro ano das Faculdades de Ciências, Direito e Farmácia da
Universidade de Lisboa no início do ano lectivo de 2002/2003 tendo em vista
produzir um ponto da situação relativamente aos conhecimentos sobre
História de Portugal, que revelaria um profundo e confrangedor
desconhecimento da época histórica em que os Descobrimentos Portugueses se
inserem e dos Descobrimentos per se, mesmo após as comemorações do seu
quinto centenário e após a Expo'98.

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"Onde não há marido
Cuidai que tudo é tristura,
Não há prazer nem folgura;
Sabei que é viver perdido,
Alembrava-vos eu lá? (…)

Lá há Indias mui fermosas
Lá faríeis vós das vossas
E a triste de mi cá
Encerrada nesta casa
Sem consentir que vezinha
Entrasse por uma braza
Por honestidade minha (…)

Porém, vindes vós muito rico? (…)"

Auto da Índia
Gil Vicente
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