Os diários das Expedições de João José Botelho de Lucena. Índia e Angola (1840-1862)

June 8, 2017 | Autor: A. Dias da Silva | Categoria: Angola, Diarios de Viajes, India, Expedições Científicas
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Os diários das Expedições de

João José Botelho de Lucena Índia e Angola (1840-1862)

Introdução, Transcrição e Notas por Ana Margarida Dias da Silva

Os Diários das Expedições de

João José Botelho de Lucena Índia e Angola (1840-1862)

Introdução, Transcrição e Notas por Ana Margarida Dias da Silva

Ao Dr. António de Lucena Sampaio

Introdução Iniciado o trabalho de leitura paleográfica dos documentos mais antigos pertencentes ao arquivo particular do Dr. António de Lucena Sampaio em 2007, cedo se percebeu da riqueza documental existente, destacando-se, entre mais de uma centena de documentos transcritos, os Diários das expedições do capitão João José Botelho de Lucena que dão o mote a esta publicação. A documentação foi herdada por parte de seu pai e em boa hora o Dr. António de Lucena Sampaio procurou preservar a memória dos escritos familiares decidindo fazer a transcrição paleográfica dos documentos, ou seja, transpor para uma escrita recente o conteúdo da documentação de forma a tornar a sua leitura acessível aos leitores do séc. XXI. Globalmente, os documentos encontram-se em bom estado de conservação uma vez que se encontravam guardados em arcas do milho, o que permitiu a sua preservação em condições de temperatura e humidade quase perfeitas. Se a parte física do documento estava salvaguardada, a dimensão intelectual dos documentos rapidamente cairia no esquecimento pela dificuldade de leitura a olhos menos treinados. Como já referi anteriormente, os Diários do capitão João José Botelho de Lucena, onde relata as expedições feitas nas antigas colónias portuguesas, primeiro na Índia e depois em Angola, destacaram-se entre a documentação proveninente e pertencente a outros membros da família Lucena, composta por certidões de casamento, certidões de óbito, testamentos, certidões de missas, descrições de bens, documentos de compra e venda, sentenças, procurações, recibos, escrituras de partilhas de bens, etc.. Nesse sentido, o Dr. Lucena Sampaio mostrou o gosto e interesse em publicar os escritos deste seu antepassado de que fazemos uma breve descrição biográfica, contextualizando os diários no tempo em que foram escritos e cuja transcrição se apresenta a seguir, onde foram introduzidas algumas notas de rodapé. Natural da freguesia de São João Baptista de Vila Real, João José Botelho de Lucena nasceu no ano de 1821, filho de João Monteiro Botelho de Lucena e D. Maria de Jesus. Cedo ingressou na vida militar. Aos 16 anos de idade alista-se no primeiro dia do mês de Outubro de 1837 com assentamento de praça e juramento voluntário, medindo 62,5 polegadas de altura, de cabelos e olhos castanhos. Passados dois anos, a 1

19 de Fevereiro, é nomeado 2º sargento e seis meses depois, em 28 de Agosto de 1839 é nomeado Alferes e segue com o Batalhão Expedicionário de Goa. Do seu punho ficou o relato dos 5 anos em que esteve longe da Pátria no Estado da Índia1. Ao longo da sua viagem foi tomando nota dos pontos mais marcantes, desde a hora de partida nas charruas Magnânimo e Princesa Real, passando pelos pontos de paragem, das condições atmosféricas que o afastavam ou aproximavam do seu destino, até à sua permanência na Índia, primeiro na fortaleza de Agoada, passando depois por Goa e Damão, num relato pormenorizado das suas vivências longe da pátria (Imagem 1).

Imagem 1

Em 28 de Abril de 1840 embarcou o Batalhão Provisório de Infantaria para expedicionar os Estados da Índia, mas só conseguiram levantar ferros no dia 19 de Maio às 9 horas da manhã. Passados quatro meses, o Batalhão chega a Moçambique onde ficaria instalado desde 22 de Setembro até 9 de Outubro. Só passados sete meses e um dia após a partida de Lisboa é que chegaram ao destino da viagem tendo avistado a fortaleza de Agoada no dia 20 de Dezembro e desembarcado no dia 21. O Governadorgeral interino deste Estado era José Joaquim Lopes de Lima, capitão-de-fragata.

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Arquivo particular Dr. António de Lucena Sampaio.

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É na sua permanência em Goa que recebe a notícia do falecimento do pai, que morrera em 17 de Fevereiro de 1842. No dia 2 de Janeiro João José Botelho de Lucena embarca na Fragata D. Maria II para regressar a Portugal depois de 5 anos ausente na Índia. Chega no dia 2 de Julho de 1845 com o posto de Alferes da 3ª secção do Exército, sendo incorporado no Regimento de Infantaria n.º 3. Em 6 de Maio de 1846 foi nomeado Tenente e segue para os granadeiros da Rainha. Nos anos de 46-47 de 1800 fez a campanha contra os revoltosos do Porto e a 22 de Dezembro de 1846 ficou ferido levemente em combate em Torres Vedras. Em 1851, no dia 29 de Abril, sobe ao posto de Capitão. É preso no dia 31 de Julho de 1851 e a 13 de Dezembro de 1851 tem início o julgamento, onde é condenado por “falta de execução de ordens”. Foi-lhe aplicado o Real Decreto de 14 de Janeiro de 1852, “que mandou ficar em perpétuo esquecimento todos os actos considerados de carácter político depois do movimento Regenerador”. A 27 de Março de 1852 saiu o Acórdão do julgamento e a aplicação da pena em 21 de Abril. Um mês depois, no dia 28 de Maio, é demitido do posto de Capitão por decreto. No seu passaporte do Interior n.º1 de livre-trânsito, passado pelo Governador Civil do Distrito de Lisboa, com o registo número 1532 do livro 3º a folhas 198 verso, João José Botelho de Lucena, solteiro e ex-militar, com 31 anos, mede 62 polegadas e é descrito como tendo o rosto comprido, cabelo e sobrolhos pretos, olhos castanhos, nariz e boca regulares, de cor natural e sem apresentar sinais particulares2. Em 21 Julho 1855 é reintegrado, por proposta do Marechal Duque de Saldanha comandante em chefe do Exército, no posto de Tenente com graduação de Capitão, de que tinha sito demitido por Decreto de 28 de Maio de 1852, ou seja, 3 anos antes. Em 9 de Novembro de 1859 foi nomeado Capitão da 2ª Companhia de Caçadores 8. Anteriormente teria sido Capitão graduado do R.I. 6. 2

Arquivo particular Dr. António de Lucena Sampaio: Passaporte n.º1 de trânsito de João José Botelho de Lucena.

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Enquanto Capitão do Regimento de Infantaria 14 é chamado para a Comissão Distrital de Viseu, substituindo neste serviço o Major Bernardo António de Figueiredo (R.I. 9) a 16 de Março de 1860. Foi nomeado Major no dia 25 de Maio de 1860, ano em que parte para Angola a bordo da Corveta de Guerra D. Estefânia, no dia 21 de Junho. Em 22 de Setembro de 1860 é nomeado chefe do concelho de Ambriz, conservando o comando do referido Batalhão. Desta expedição, João José Botelho de Lucena deixou-nos os outros três diários que são igualmente transcritos nesta publicação. O primeiro documento tem como título Apontamentos da 2ª expedição que faço nas províncias do ultramar seguido da assinatura autógrafa do capitão (Imagem 2). Começa o seu relato em Maio de 1860, ano em que lhe fora dado o posto de Major uma vez que se oferecera para esta expedição, cargo a que foi promovido em 30 de Maio depois de ter feito o exame para o posto. Logo no dia seguinte tomou o comando do Batalhão Expedicionário de Angola.

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Imagem 2

Em 27 de Março de 1861 foi exonerado de chefe do concelho. O segundo documento transcrito e relativo ao período em que João José Botelho de Lucena esteve com o Batalhão Expedicionário em Angola data de 1861 e relata o seu comando no Ambriz e a descripção dos acontecimentos que tiverão lugar na marcha que fez por terra do Ambriz para esta cidade descripção imperfeita pela falta de conhecimentos do Paiz que percorria, dos nomes dos lugares, rios e lagoas que se atravessavão e pela impossibilidade d’obter taes esclarecimentos assim como a grave moléstia que me accometeu durante os últimos dias da marcha3.

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Arquivo particular Dr. António de Lucena Sampaio: Diário do capitão João José Botelho de Lucena ao comando do Batalhão Expedicionário a Angola 1861.

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Em 24 de Junho de 1862 foi nomeado comandante geral das forças em Malange. O último diário transcrito reporta-se aos meses de Junho a Novembro do ano de 1862 e inicia-se com uma Notta dos officiaes pertencentes à malfada e infeliz expedição que partio para Africa em Junho de 1869 e que fallecerão durante 20 mezes isto hé ate 20 de Janeiro de 1862. Botelho de Lucena escreveu o nome (infelizmente apenas o apelido na quase totalidade dos casos) e o posto dos oficiais defuntos (Imagem 3).

Imagem 3

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Depois desta nota introdutória, segue com mais uma descrição da expedição que saiu de Luanda para Malange, passou pelo concelho de Ambaca, e fazendo a descrição da flora africana composta pela maior parte de café embellezada porém com muitas bananeiras, laranjeiras, algumas videiras com uvas, horta, ervilhas, feijão e varias curiosidades que tento alegrão o europeu errante por estes ermos4. Descreve igualmente os locais onde pernoitam e a logística que este tipo de expedição exige pois quem viaja em Africa tem de levar tudo quanto preciza cama, de comer, louça para cozinhar e comer, e mesmo bilhas com agoa para beber e caminhar alguns dias em que esta se não encontra5, como nos diz na primeira pessoa. Regressa de Angola em 1863 no dia 3 de Fevereiro, onde comandara o Batalhão Expedicionário Português. Em 17 de Julho de 1864 apresenta um requerimento a pedir transferência para Chaves, onde surgiu uma vaga. Em 29 de Julho de 1865, João José Botelho de Lucena já está paralisado. Após uma licença de 90 dias encontra-se em Vila Real, onde um Cirurgião de Brigada considera a molestia grave e o seu tempo de duração aquele que terá de existência deste oficial. O Capitão do regimento de infantaria nº 13 é considerado incapaz de serviço temporariamente por uma junta militar de saúde reunida no dia 5 de Agosto de 1865. Uma inspecção sanitária feita a 10 de Março de 1870 no Quartel-general da 3ª Divisão Militar reporta que o mesmo é paraplégico com a locomoção e micção em grau incompatível com o serviço activo. Cerca de um mês depois, a 12 de Abril, foi reformado por decreto da mesma data. Faleceu, no dia 22 de Outubro de 1871, aos 51 anos, sendo capitão reformado.

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Arquivo particular Dr. António de Lucena Sampaio: Angola: Diário de 1862. Arquivo particular Dr. António de Lucena Sampaio: Angola: Diário de 1862.

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Regras de transcrição Neste trabalho foram seguidas as regras de transcrição do padre Avelino Jesus da Costa: Normas …. Nesta transcrição foi respeitada a grafia da época sendo apenas desdobradas as abreviaturas, actualizadas as maiúsculas e minúsculas e separadas as palavras indevidamente unidas. (…) – assinala todas as dúvidas resultantes, quer por falta de nitidez do original quer por dificuldades de leitura. [ ] – significa que foram introduzidos elementos (letras ou palavras) que não se encontram no documento mas se tiram pelo sentido da palavra ou frase. Sic – significa que a palavra ou frase foi transcrita exactamente como está no documento. « » -significa que a palavra ou frase transcritas estão acima da linha ou à margem do documento.

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Os Diários das Expedições de

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Documento 1 – Batalhão Expedicionário à Índia (1840-1845) No dia 28 d’Abril de 1840 embarcou o Batalhão Provisorio d’Infantaria (a que eu pertenci) para expedicionar para os Estados da India nas charruas Magnanimo e Princeza Real, nesta ultima me tocou fazer viagem, no dia seguinte devia principiar a nossa carreira, porem o vento logo pelo principio se nos quiz mostrar contrario ou quis que gozassemos por mais alguns dias da ultima vista da cara Patria, por isso alli estivemos sobre o Tejo à vista da bella Lisboa até dia 19 de Maio em cujo dia mostrando-se o vento favoravel levantamos ferro às 9 horas da manhãa e à huma da tarde sahimos a barra; o vento estava bastante fresco por isso brevemente principiamos a perder de vista as margens do patrio Tejo, a excelça Capital de nosso Reino e logo a alta serra de Cintra ultimos lugares da Patria amada da qual iamos fugindo para tarde ou nunca tornar a ver (como a muitos succedeu) no dia 22 de tarde passamos junto às Ilhas Dezertas e Porto Santo e ao anoitecer estavamos junto à Madeira pela qual faziamos escalla porem não podemos tocar por estar o mar muito impollado (fl.2) e não podermos parar ali de noite com hum vento tão fresco por isso fomos continuando a seguir a viagem, neste noite perdeu-se de nós o Magnanimo que tornamos a encontrar junto a Linha. No dia 24 ás trez horas da tarde principiamos a avistar humas Ilhas muito altas que disserão serem as Canarias pertencentes aos Hespanhoes. Dia 21 de Junho passouse a Linha para o sul com grandes divertimentos e alegria; até aqui tinhamos feito huma bella viagem porem por estes lugares havia muitas calmas como quazi sempre acontece. No dia nove de Julho passamos junto da Trindade, pequena ilha e inhabitada. Dia 12 d’Agosto principiamos a dobrar o terrivel Promontorio d’Adamastor, não posso pintar os horrores deste medonho cabo, o furor dos ventos, a agitação das ondas que á maneira de grandes serras ou elevadas montanhas s’arremessão contra (fl.3) os navios e parece quererem desbarata-los com o horrivel choque e sepultar as infelizes victimas no profundo Imperio de Neptuno; só o triste viajante que alli passa e vê seus horrores os poderá contemplar depois d’immensos dias nesta cruel situação o mar pouco a pouco se foi tornando mais pacifico e o vento mais moderado. Dia 4 de Setembro ás 4 horas da tarde fomos avistar a grande ilha Madagascar que com a costa d’Africa forma o canal chamado de Moçambique no qual tinhamos entrado a noite antecedente. Dia 9 achavamo-nos dez ou doze leguas distantes de Moçambique já avistavamos a terra que tanto dezejavamos para della tomar refresco pois havia quasi quatro mezes que andavamos sobre o mar sem ter tocado porto algum, porem (fl.4) todos os dezejos e 10

esperanças ainda ficárão incompletos por esta occazião porque c«h»egando muito á costa onde havia fortes correntes para o sul e principiando o vento a accalmar, estas nos forão desviando da terra e tornando-a a perder de vista mais quinze dias padecemos por aquelles sitios sempre com as correntes contrarias e sem vento favoravel ate que no dia 21 principiamos a ter hum vento forte e favoravel, no dia 22 de manhãa principiou-se a ver a terra dezejada e não sendo o resultado tão infeliz como tinha sido dia 9, às quatro horas da tarde tivemos a satisfação de ver fundear o navio dentro da barra de Moçambique e só nesta occazião hé que nos julgamos seguros e livres do ludubrio das correntes e ventos. (fl.5) No dia 24 desamparamos por alguns dias a nossa caza volante e fomos de quartel para a fortaleza de S. Sebastião6 e ali estivemos até dia 9 de Outubro emquanto o navio fez agoada e tomou mantimentos, neste dia tornamos a embarcar para seguir nosso destino, no dia 11 ás 8 horas da manhãa vimos largar as vellas ao vento e nos despedimos de Moçambique. No dia 13 tivemos hum piqueno susto por ter pegado fogo na cozinha e por estar já muito entranhado na madeira do navio custou bastante a apagar porem passado algum tempo se pôde extinguir sem o resultado fatal que se podia seguir pois nada pode haver mais perigoso em hum tal lugar. No dia 15 de manhãa passamos junto à ilha de Mohilla (fl.6) e no mesmo dia de tarde se avistou a do Comoro cujas ilhas ficão dentro do canal de Moçambique na parte do Norte por isso esta ilha torna o canal mais estreito na sua sahida e como o vento fosse Norte andamos bordejando entre esta ilha e Cabo Delgado, cujo cabo tãobem fica à entrada do canal, e no dia 24 ainda estavamos neste mesmo lugar aonde já estavamos no dia 15, neste dia 24 accalmou o vento, que sempre tinha sido Norte, e de tarde principiou o soprar vento Sul que com tanta ancia era por nós esperado e no dia 25 já estavamos fora do canal de Moçambique do qual ficamos tão aborrecidos pelos dois cazos que nelle nos acontecerão o primeiro (fl.7) os quinze dias de demora na chegada a Moçambique como assima deixo dito e o segundo de nove dias nesta sahida como acabo de narrar dia 9 de Novembro passamos a linha para o Norte em 55 graus de longitude o vento com que tinhamos sahido do canal nos continuou sempre favoravel até dia 18 deste mez de Novembro neste dia já estavamos em 65 graus de longitude e 7 de latitude ficando Goa em 15 de latitude e 72 de longitude por isso ja nos achavamos em muito pouca distancia porem neste dia 18 principiou a haver alguns agoaceiros e o vento que ate ali nos tinha sido favoravel 6

Miguel de Arruda traçou esta primeira fortificação regular feita em Moçambique.

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mudou para o nordeste cujo se costuma encontrar nestes lugares indo fora de mocção como a nós nos succedeu daqui em diante sempre navegamos com ventos contra (fl.8) nós e só no dia 17 de Dezembro hé que tivemos o gosto d’avistar a costa de Malabar 7 ao sul de Bombaim cuja vista nos prometia breve chegada ao nosso destino, daqui fomos sempre navegando junto á costa dia 19 de tarde já principiamos a ver as terras portuguezas, dia 20 de manhãa já viamos muito perto a fortaleza d’Agoada 8 junto à qual fundeamos ás 4 horas da tarde; fazia sete mezes e hum dia que tinhamos sahido a barra de Lisboa no dia 21 dezembarcamos e fomos para Sinquerim9 piquena povoação sita dentro da praça d’Agoada nas margens d’hum rio por entre immensos palmares aonde esteve o Batalhão ate dia primeiro d’Abril; no (fl.9) dia 22 mez de Dezembro fomos à villa de Pangim, capital da India portugueza vizitar o Governador Geral interino deste Estado que era José Joaquim Lopes de Lima, cappitam de Fragata. No dia 16 de Janeiro fui destacado para Pangim aonde estive ate 16 de Fevereiro em cujo dia recolhi ao corpo. Hum triste acontecimento teve lugar no dia 27 de Março de cujo dia sempre me será horrorosa a recordação porem sempre me julgarei feliz ter escapado às garras da morte em que me vi, neste dia eu, outro alferes e o disgraçado tenente … indo passear todos trez pela margem do rio que passa junto de Sinquerim aonde era o nosso Quartel encontrando nesta margem huma piquena embarcação a que chamão tonas a deitamos na agoa e todos trez nos metemos dentro para navegar-mos pelo rio assima, pouco nos tinhamos apartado da terra quando a (fl.10) a tona se vira e nós somos submergidos n’agoa sem que hum só soubesse nadar, nesta triste situação os dois logo tentarão ganhar a nado a terra que estava muito proxima porem eu nunca larguei a tona pois se fizesse o mesmo que elles todos trez seriamos victimas pois nenhum ganharia a terra e logo vejo o infeliz tenente … luctar com a agoa e com as ancias da morte sem poder valer a hum tão grande amigo que via morrer junto a mim; o segundo que mais proximo estava de mim já se vê nas mesmas circunstancias que o primeiro, eu que até ali tinha sustentado toda a presença d’espirito já quazi perturbado com a vista d’hum tão triste expectaculo (fl.11) vou nadando para elles servindo-me para amparo e salvação o mesmo instrumento que nos tinha conduzido áquelle perigo e que eu nunca larguei, 7

Existe um baluarte em Malabar. O forte de Aguada, de grandes dimensões e de grande complexidade, fora inicialmente uma couraça mandada fazer pelo vice-rei Aires de Saldanha para defesa contra os ataques dos holandeses. A necessidade deste forte, embora próximo dos Reis Magos, advinha da capacidade de enfrentar os navios que desciam a costa antes de entrarem no estuário de Mandovi. 1627 será a data de conclusão da fortaleza de S. Sebastião mas que terá sofrido alterações anos depois. 9 Sic. Sanquelim. 8

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assim consigo salvar o segundo, porem as minhas deligencias de nada servirião pois o amparo que até ali me tinha salvo não podia ser util a ambos e teriamos a mesma sorte que o primeiro pois já não esperavamos mais que a terrivel e disgraçada morte se não fossemos soccorridos por huma grande tona com alguns marinheiros e que nos tirou das garras da morte, o nosso infeliz camarada já havia mais d’hum quarto d’hora que o não tinhamos visto sobre a agoa e só dahi a duas horas hé que se pôde encontrar já sem indicio algum de vida foi este hum dia de disgosto para todos os officiaes por perdermos tão disgraçadamente hum dos nossos camaradas o primeiro que foi pedir passagem na Barca de Charonte para o negro reino de Plutão; oxalá fosse o único porem teve mais quem o seguisse! No dia seguinte 28 de Março foi sepultado na igreja de S. Lourenço que fica dentro da praça d’Agoada acompanhado de todos os camaradas que lançarão lagrimas de sentimento em roda da sepultura a terra lhe seja leve. (fl.12) No dia primeiro d’Abril fomos transferidos para Pangim passando para os quarteis que nós occupavamos em Sinquerim o Regimento d’Artilheria; no dia 8 de Julho tivemos a sentir e lamentar a perda d’outro official do nosso Batalhão o cappitam da 2ª Companhia que tendo entrado no Hospital no dia 4 com huma febre neste dia á noite tivemos a noticia que tinha findo a sua existência; assim as parcas injustas em tão poucos dias cortarão o fio da sua vida e poserão termo à sua carreira na Primavera de seus annos em o dia 10 de Janeiro de 1842 passei a servir em comissão ás ordens do Governador Geral. No dia 18 d’Abril recebi huma carta de Antonio Duarte de 17 de Fevereiro em que me dava a tristissima noticia da morte de meu caro pai 10 naquelle mesmo dia, no dia 27 deste mez d’Abril hum acto criminoso e revolucionario do Batalhão Provisorio fez entregar ao Governador Geral a gerencia dos negócios do Estado (fl.13) nas mãos do Conselho do Governo e se retirou para bordo da corveta Infanta Regente que sahiu a conduzi-lo a Bombaim no dia 3 de Maio; Goa ficou na maior annarchia e desordem governada pela força e influencia das baionetas do Battalhão Provisorio (não se deve tomar em geral pois officiaes indignos e infames hé que revolucionarão o corpo porem outros estavão promptos a sustentar o contrario ate com a espada na mão se a occazião o permetisse) fizerão-se todos os esforços para uma reacção porem as tropas do paiz antes quizerão cobrir-se d’infamia e do labeo de cobardes de que jamais se poderão lavar do

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João Monteiro Botelho de Lucena.

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que obrarem huma acção tão justa e legal; eu e alguns officiaes mais contrarios e inimigos da revolução e que faziamos a guerra mais decidida aos seus auctores que ao todo só eramos quatro (não admira que uma cauza tão justa tivesse poucos seguidores) sahimos do Batalhão para differentes destinos. Eu fui mandado passar à classe d’official sem emprego por despacho do Conselho do Governo de 21 de Julho, a facção revolucionaria continuou a dominar Goa sempre em annarchia até Septembro cujo mez se esperava com impaciencia para ver-mos as medidas tomadas pelo Governo; appareceu então o Conde das Antas nomeado Governador Geral e chegou a Goa no dia 16 às dez horas da noite a cuja hora desembarcou do vapor em que (fl.14) fora conduzido de Bombaim e entrou no Palacio dos Governadores, estava tudo impaciente por saber as instrucções que levava e se procederia ou não contra os revoltozos, porem vimos que erão protegidos e nos acabámos de desenganar que o nosso Governo protege todas as revoluções e principalmente no disgraçado ultramar todos podem fazer revoluções e mais revoluções que o Governo de nada pede contas por isso estamos tão disgraçados. Eu fui mandado em 25 deste mez de Setembro regressar ao corpo a que pertencia porem como á muito tempo tinha o maior disgosto e sentimento de fazer parte delle e agora estava com a maior repugnancia d’alli tornar a servir pedi para ir para Damão11 aonde se hia organizar hum corpo de Caçadores o que me foi concedido por isso no dia 18 d’Outubro imbarquei a bordo da Corveta Infanta Regente que se fez de vella na madrugada do dia seguinte separei me de Goa com saudade pelos amigos verdadeiros que alli deixava no meio da maior intriga mas com o gosto de deixar um paiz opprimido das maiores desordens e por tantos marotos no dia 25 demos fundo de (fl.15) noite por julgar a terra proxima e levantando ferro na manhã do dia 26 avistamos Diu pelas dez horas e sendo o vento contrario andamos bordejando todo o dia à vista desta praça, à noite tornamos a fundear e levantando ferro na madrugada do dia 27 fundeamos pelo meio dia em frente de Diu eu e mais alguns officiaes desembarcamos para ir ver esta praça que bem deixa ver a nossa antiga grandeza pelas soberbas muralhas porem quasi tudo reduzido a ruinas alli vimos tãobem a grande columna aonde jaz sepultado Cogeçofar e outros monumentos que cauzão saudoza lembrança da nossa antiga gloria achando-nos hoje tão abatidos; no dia 28 à noite recolhi para bordo e no dia 29 ás 7 11

As primeiras investidas portuguesas em Damão datam de 1530 e foram levadas a cabo por iniciativa de António da Silveira que desejava desarticular as bases inimigas que impediam a navegação no golfo de Cambaia.

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horas da noite nos fizemos de vella e no dia 31 de manhãa pelas 9 horas avistamos terra que logo se conheceu ser o cabo de S. João á noite demos fundo junto á costa, no dia seguinte levantamos ferro ao meio dia tornamos a fundear á noite quasi no mesmo lugar por causa das correntes e no dia seguinte 2 de Novembro levantando ferro de manhãa fundeamos de fronte de Damão às duas horas da tarde, no dia 3 desembarquei nesta terra para (fl.16) onde era o nosso destino no dia 6 partiu a corveta para Goa a qual no dia 13 de Dezembro tornou a chegar a esta praça trazendo a seu bordo o Governador Geral Conde das Antas que partiu daqui no dia 19 para Diu cujas praças andava visitando para se divertir. No dia 6 de Janeiro de 1843 recebi uma carta de Goa de 26 de Dezembro do anno antecedente partecipando-me ter morrido o infeliz Major Magalhães Comandante do Batalhão Provizorio este official seria muito mais feliz se morresse um anno antes quando os medicos o tinhão desenganado que não escapava e por minutos se esperava ser expira-lo porem a sorte sempre cruel quiz conceder-lhe mais algum tempo de vida para no fim della ser manchada a sua carreira militar até alli tão brilhante (fl.17) e para a India se ver opprimida com mais uma revolução que a poz na maior annarchia cujos males e tristes resultados nós temos experimentado e ainda hoje são incalculaveis pois ainda não estão de todo sarados porem este disgraçado official arrepindido mas já tarde do seu erro expirou opprimido de disgostos cauzados por aquelles que o arrastarão ao crime e finalmente á sepultura. Eu em uma epoca tão lamentavel vivia em Damão mas a tristeza que me devia cauzar o viver nesta solidão entre as ruinas desta praça e neste desterro voluntario a que as circunstancias me obrigarão longe de me desanimar era mitigada pelas frequentes noticias de Goa da oppressão e despotismos que ali exercia o tiranno que governava a India não por Leis mas segundo o seu (fl.18) capricho e vontade; pois este perverso General sendo mandado pelo Governo para castigar os revoltozos que assolavão a India os seus actos forão proteger estes, chamar para seu lado os principaes chefes da revolução e servir-se delles para a direcção do seu pessimo e odioso Governo perseguindo tirannicamente os leaes que pertenderão oppor-se a huma revolução tão infame e criminosa e que forão victimas da sua firmeza e lealdade ao Governo legitimo porem a constancia e firmeza tudo venceu e triunfou depois d’um anno; o despota cujo nome hé e será sempre uma horroroza recordação para a India retirouse della no dia 26 d’Abril fazia no dia seguinte um anno que a revolução tinha tido lugar não quizera 15

recordar-(fl.19)me do que eu soffri durante este anno das disgraças que pezarão sobre a malfadada India e das perseguições que houve neste Paiz; finalmente podese dizer que o Governo do nobre Conde na India assemilhou-se ao do Miguel em Portugal!!! Logo que o novo Governador tomou posse do Governo os meus amigos se interessarão o mais possivel no meu regresso para Goa porem nesta occasião era impossivel, porque a proximidade do inverno durante o qual a costa se torna innavegavel o impedia por isso foi forçozo esperar o fim desta estação e antes della findar uma grave doença me teve quasi tirado a saptisfação de tornar a ver aquelles amigos que tanto se interessavão (fl.20) no meu regresso pois no dia 28 de Julho principiei a padecer de febres e no dia 30 um terrivel crescimento d’uma febre com hum ataque nervozo me teve por momentos levado à sepultura porem o esmero que tiverão no meu tractamento uma familia com quem vivia na mesma caza e hum bom facultativo que felizmente estava nesta occazião em Damão me salvarão e passados dois ou trez dia me vi livre do perigozo estado em que estive porem de dias em dias sempre continuei a ter febres terçãas das quaes padeci sempre até o dia em que embarquei para Goa mas felizmente quando eu muito (fl.21) dezejava chegasse a ordem que esperava para me retirar me partecipou o Governador da Praça no dia 28 d’Agosto que tinha recebido ordem do Governador Geral para eu regressar a Goa na primeira occazião opportuna desde logo dezejava eu retirar-me quanto antes daquella terra porem o inverno ainda continuava com bastante força por isso tive de soffrer mais algum tempo mas como depois do meio de Septembro melhorasse alguma coiza o tempo não obstante instarem comigo os amigos para que só sahisse em Outubro, as febres que continuadamente padecia e a vontade de sahir daquella terra de degredo (fl.22) me animarão a metter no maior precipicio e arrisqueime aos maiores perigos de cuja temeridade e desprezo dos conselhos que me derão confesso que me arrependi na primeira noite de viagem pois embarcando no dia 22 às duas horas da tarde n’uma galveta que logo se fez de vella nesta mesma noite um furioso temporal nos fez correr o maior risco, ventos fortes e desencontrados nos fizerão andar toda a noite em arvore secca por hum mar tão agitado e em huma tão fragil imbarcação, todos molhados com a chuva que cahia sobre nós pois o vento trazia fortes agoaceiros porem de manhãa socegou o temporal estávamos defronte de Trapor12.

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Fortaleza e povoação de Trapor situada na foz de um rio.

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(fl.23) O tempo continuou a ser pessimo toda a viagem fomos em continuo susto debaixo de grandes trovoadas e agoaceiros no dia 24 pela manhãa estavamos defronte de Baçaim e pela tarde principiamos a avistar Bombaim, em cuja barra fundeamos pela noite na manhãa do dia seguinte desembarquei para ver esta cidade ingleza tão famoza e rica pelo seu grande commercio, pelas trez horas da tarde voltei para bordo e logo a galveta se fez de vella para continuar a viagem porem tendo-nos ameaçado um grande temporal principiando a escurecer tudo e uma grande trovoada (fl.24) da qual os marinheiros tendo grande receio voltarão para a barra aonde tornamos a fundear pela noite, no dia 26 tornamos a fazer de vella pelas duas horas da tarde e sendo ameaçados por outro temporal como no dia antecedente resolvemos sahir acontecesse o que acontecesse, assim continuamos com máu tempo e no dia 28 à noite foi tanta a chuva que nós, camas e tudo dentro da embarcação estava ensopado em agoa; noite cruel e de desesperacao! No dia 29 um noroeste rijo nos fez adiantar muito, às 9 horas da manhãa passamos defronte de Retangri e à huma da tarde de Rajapor, à noite accal(fl.25)mou o vento, pela manhãa do dia 30 estavamos defronte de Maluana e pelas 9 horas junto aos ilhéos queimados mas com pouco vento pelas onze horas principiou a refrescar o vento pelas trez da tarde avistamos a Fortaleza d’Agoada em cuja barra fundeamos pelas 7 horas da noite, foi este o unico dia que tivemos de bom tempo em toda a viagem; no dia primeiro de Outubro pelas dez horas da manhãa levantamos ferro para entrar para o fundeadouro da Nova Goa aonde fundeamos pelo meio dia; aos perigos da viagem succedeu a alegria deste dia em que fomos recebidos com a maior saptisfação pelos nossos verdadeiros amigos que nos esperavão com grande impaciencia. (fl.26) No dia 7 fui mandado servir no Regimento d’Artilharia aonde estive até 16 em cujo dia o Governador me nomeou para servir às suas ordens no mez de Fevereiro de 1844 chegou a Goa arribada a corveta Infanta Regente que seguia viagem de Macau para Timor levando para ali alguns officiaes do Batalhão Provizorio que tinhão sido os principaes chefes da nefanda revolução de 27 d’Abril e que o Conde das Antas tão malvado como elles antes de se retirar tinha mandado para aquelle paiz a fim de fugirem á justa punição que esperavão de seus crimes estultos! Acazo sahião do país portuguez? A justa punição não os seguiria a toda a parte? Porem o seu fim era demorar esperando que houvesse uma mudança no ministerio que posesse um veo sobre o crime mais atroz mas foi-lhe elluzoria a (fl.27) esperança e a mesma providencia os veio entregar ás mãos da justiça, 17

logo que chegou a corveta forão mandados responder a Concelho d’Investigação para o que havia ordens positivas do Governo de Sua Magestade, sahirão finalmente alguns culpados como auctores do horrivel attentado que havião perpetrado á dois annos porem alguns dos pronunciados estavão já em Lisboa outros tinhão sido mandados para Moçambique pelo Antas com o mesmo fim que os de Timor; era precizo livrar o paiz de Goa o mais breve possivel desse flagello ou dessa facção criminosa que tanto o tinha infestado para isso o Governador mandou preparar com toda a brevidade a Corveta “Damão” que partio para Lisboa no dia 14 de Maio levando quasi todas as praças de pret do extincto Batalhão (fl.28) Provizorio alguns officaies do mesmo corpo que tinhão sido os mais influentes revolucionarios e os prezos que tinhão sahido culpados no Concelho d’Investigação para responderem em Lisboa a Conselho de Guerra e receberem o premio das suas heroicas acções, veremos qual hé o fim tragico desta desta [sic] vil canalha em que adiante fallaremos. No dia 16 de Maio de manhãa chegou a Goa o novo Governador Joze Ferreira Pestana que tomou posse do Governo no dia 20, o resto deste anno passou-se sem occorrencias notaveis á excepção da intriga e chicanas dessa vil e infame canalha a que o Pestana passado algum tempo não deixava de dar ouvidos porem não quero occupar-me mais nem lembrar-me de taes redicularias como as que se continuavão a passar neste país felizmente hé tempo (fl.29) de o deixarmos e de voltar á cara Patria; foi no principio de 1845 que me despedi dos caros amigos devo confessar que o ultimo abraço de despedida em alguns destes foi com lagrimas nos olhos porem tanta amizade e franqueza com que eu tinha sido tractado por algumas das principaes familias deste país tudo merecem, merecem uma constante saudade e uma eterna lembrança que nunca poderá deixar de existir comigo em toda a parte, nunca o tempo nem a distancia poderá extinguir este reconhecimento franco e sincero, porem hé forçozo de os deixar; foi no dia 7 de Janeiro pela tarde que embarquei a bordo da Fragata D. Maria 2ª que se fez de vella na madrugada do dia 8, navegamos com o milhor tempo e com o vento mais favorável possivel passando a linha para (fl.30) o sul no dia 21, na noite de 27 para 28 entramos o canal de Moçambique tendo havido nesta noite um grande temporal com uma medonha trovoada porem não cauzou novidade alguma, pelo meio dia de 28 avistamos a Ilha do Luo e em 29 pela tarde os ilheos denominados Picos escarpados à noite ferrou-se todo o panno para não passarmos ao sul do porto que demandavamos e pela manhãa do dia 30 estavamos à vista de Moçambique aonde fundeamos pelas duas 18

horas da tarde; largamos deste porto no dia 7 de Fevereiro pelas 8 horas da manhãa continuando a nossa viagem com o milhor vento que podia haver, sahimos o canal no dia 13, nos dias 15 e 16 estivemos em calma, neste dia pelas 9 horas da noite princi(fl.31)piou com um agoaceiro vento norueste rijo que pela noite foi mudando para o Sul e que nos obrigou a estar de capa todo o dia 17 até a madrugada de 18 em que se nos tornou favoravel o vento, no dia 20 tornamos a ter o vento pela proa que se agoentou sempre a bordejar com bastante mar, na noite de 21 tornou-nos a ser favorável, todos estes dias tinha estado o tempo muito nevoado e frio porem no dia 22 appareceu um dia muito claro e lindo, vento brando, mar favoravel e mar muito socegado, 23 estivemos em calma e o mesmo no dia 24 porem na tarde deste dia principiou de repente a levantar-se um vento fresco que tornando-se pela noite muito rijo nos fez correr toda esta noite em 25 pela tarde já estavamos fora do Cabo da Boa Esperança continuando a ir corridos com este vento muito forte que durou até 26, neste dia principiou a (fl.32) abrandar alguma coiza e daqui navegamos sempre com bom tempo e ventos muito favoraveis até que no dia 4 de Março pela tarde avistamos a costa à vista da qual navegamos todo o dia 5 neste dia ao anoitecer estávamos ao pé de Benguella porem como não se podesse demandar de noite o porto fizemonos ao mar largo, no dia seguinte de manhãa estivemos em calma, pelo meio principiou a haver algum vento e pelas 4 horas da tarde fundeamos na Bahia de S. Fellipe de Benguella, estivemos neste porto até ao dia 11 em cujo dia nos fizemos de vella pelas 3 horas da tarde, navegamos junto à costa sempre com calmas e bonanças fundeando no dia 15 em Loanda capital da (fl.33) Provincia d’Angola; esta Provincia a mais rica das nossas possessões do ultramar ainde se vê florescer alguma coisa e della se poderião tirar grandes recursos se pertencesse a outra Nação (com magoa o digo) porem enquanto o nosso Governo para lá mandar Governadores como o que hoje alli existe o chefe de Divisão Popollo o ladrão mais descarado e estupido no ultimo ponto e assim outros taes empregados esta infeliz provincia vesse caminhar a passos largos á sua tutal ruina a exemplo da disgraçada Moçambique que jaz na extrema mizeria d’onde já não será possivel levantar-se, que espectáculo tão lastimoso apresentão estas Provincias trazendo à recordação o que forão e vendo-se o que são hoje. No dia 31 deste mez (Março) (fl.34) pelas 11 horas da manhãa nos fizemos de vella tivemos o vento o mais favoravel possivel até a Linha que passamos para o Norte em 17 d’Abril pela huma hora da tarde o vento estava o mais fresco e milhor possivel e fora do 19

costume nestes lugares, achando-nos no dia 18 pelas onze horas da manhãa já dois gráos e meio ao Norte da Linha, porem nesta occasião hum furioso agoaceiro que durou mais d’uma hora nos trouxe calmaria que nos perseguio alguns dias navegando só com agoaceiros que erão frequentes mas com pouco vento, dia 21 (fl.35) choveu copiosamente todo o dia sem cessar, dia 22 pela manhãa appareceu bom dia e principiou a haver algum vento ainda que pouco e contrario, dia 23 o mesmo tempo estando o vento muito brando, em 24 principiamos a ter vento mais fresco mas sempre contrario; no principio de Maio principiamos a ter vento alguma coiza milhor posto que não fosse bom, dia 11 estivemos em bonança acabando por esta altura os ventos geraes a que chamão as brizas de Cabo Verde; dia 12 principiamos a ter bom vento (fl.36) e muito favoravel o qual augmentou tornando-se muito rijo com o mar bastante levantado porem sempre nos era a favor, dia 17 pelas 3 horas da tarde passamos à vista da Ilha de Santa Maria, o bom vento nos prometia uma breve chegada a Lisboa porem no dia 18 principiou a escacear o vento estando muito mau tempo e muita chuva, dia 19 continuou o mesmo, dia 20 abonançou o tempo mas o vento continuava pela proa estando nordeste mas felizmente pouco durou e nos tornou a ser favoravel, no (fl.37) dia 24 pelo meio dia avistamos a costa que pouco depois se principiou a descobrir perfeitamente, o vento estava fresco e pelas 5 horas da tarde estavamos tão perto da barra que pouco depois deveriamos entrar avistando já o piloto que se dirigia para o navio porem uma trovoada que se formou nos tirou inteiramente o vento deixando-nos em calma; pelas 6 horas entrou o piloto na fragata e toda esta noite não tivemos vento para entrar, pela madrugada lançamos ferro junto a Cascaes porem pouco depois (fl.38) principiando a refrescar um vento Norte levantámos ferro pelas 8 horas da manhãa de 25 e entramos pelo Tejo dentro, é inexplicavel o prazer e jubilo que nesta occasião se sentia e só quem o experimentar o poderá julgar andando 5 annos auzentes da cara patria ver estes sitios apraziveis e tão saudosos, oh não pode nunca haver prazer igual!.. pelas onze horas estavamos fundeados defronte de Belem, logo fomos desembaraçados pela saude pois o estado sanitario (fl.39) tinha sido o milhor possivel durante esta viagem feliz; descarregou-se a polvora e tornamos a fazer-nos de vella pela uma hora da tarde pelas duas estavamos fundeados dentro do quadro e pelas 5 desembarquei logo para terra.

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Documento 2 – Apontamentos da 2ª expedição a Angola (1860)

[fl.1] Apontamentos da 2ª expedição que faço nas provincias do ultramar. J. J. B. de Lucena13 Em Maio de 1860 sendo capitam d’Infantaria 5 e estando destacado em Penafiel ofereci-me para expedicionar para Angola dando-se-me o posto de Major com prejuizo dos capitães mais antigos. No dia 19 fui rendido, e marchei para o Porto no dia 20; dia 22 embarquei para Lisboa aonde cheguei dia 23; fiz exame para o posto de Major dia 28 e no dia 30 fui promovido a Major indo tomar o comando dia 31 do Corpo que se estava organizando em Alcantara denominado Batalhão expedicionario d’Angola. Dia 11 de Junho sahio o Batalham provisorio de caçadores comandado pelo Major José Roberto Marques dos Santos a bordo dos vapores Africa e Maria Anna bem como o novo governador d’Angola, Franco; o Batalham que eu comandava ficou ainda e deveria embarcar só passados 15 dias, porem 24 horas depois da sahir o governador e a força que assima isto hé dia [fl.1v.] 12 receberão-se noticias sumamente desagradaveis daquella colonia pelo vapor Estefania vindo dalli; em consequencia do que recebemos ordem para nos preparar a toda a pressa a fim de embarcar dentro de poucos dias. No dia 18 às 4 horas da tarde teve o Batalham revista d’El-Rei14 e no dia 19 ao meio dia fomos ao Paço despedir-mo-nos do mesmo. Em 20 às 5 horas da tarde embarquei a bordo da corveta a vapor Estefania com 3 companhias deixando ainda uma das 4 de que se compunha o Batalham para seguir mais tarde em outro navio; dia 21 largamos ferro e principiamos a nossa viagem às 9 horas da manhãa; estava muito bom vento e por isso logo que sahimos a barra apagouse o carvão e seguimos viagem à vella. Assim navegamos este dia e seguintes avistando dia 24 de manhãa a ilha de Porto Santo e em seguida a Madeira e Desertas as quaes só perdemos [fl.2] de vista ao anoitecer. Dia 26 ao amanhecer passamos junto a ilha de Palma uma das Canarias pertencentes aos Hespanhoes. 13 14

João José Botelho de Lucena. D. Pedro V (1853-1861).

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Dia 29 acalmou o vento completamente e tivemos por isso d’accender as fornalhas principiando a navegar a vapor às 2 e meia horas da tarde; dia 30 pelas 7 horas da tarde avistamos a ilha do Sal pertencente ao nosso archipelago de Cabo Verde; no primeiro de Julho ao amanhecer estavamos estavamos [sic] junto à ilha da Boa Vista e ´ss 5 horas avistarão-se às de Maio e S. Thiago; às 9 horas entramos no Canal formado por estas duas ilhas e navegando sempre ao longo desta ultima

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fundeamos no seu porto em

frente da Villa da Praia às 2 horas da tarde; às 5 horas desembarquei e fui visitar o Governador Geral da Provincia [fl.2v.] e depois de ter visto toda a viela recolhi para bordo às 9 horas da noite. A vista tanto da Villa como de toda a costa hé arida e pouco agradavel sem arvores nem vegetação alguma dizem que só algumas legoas para o interior tem arvores, vegetação e sitios agradaveis. Tendo estado fundeado todo o dia 2 mettendo o vapor a agoa preciza, às 9 horas da noite levantamos ferro navegando a vapor por continuarem as calmarias. No dia 4 de manhãa principiamos a encontrar na altura de 10 graus norte as chuvas e trovoadas com temporaes que sempre 16 reinão na altura da Serra Leoa ficando livres dellas no fim de 3 dias e tendo navegado com vapor e varios ventos dobramos o Cabo de Palma [fl.3] e entramos no grande golfo de Guiné dia 11; navegando por este golfo alguns dias com direcção para Leste passamos a linha para o sul dia 16 e no dia 17 tivemos de ferrar todo o panno e navegar à força de vapor contra o vento até dia 21 que fundeamos no porto de Loanda pelas 3 horas da tarde, tinhamos saido de Lisboa em igual dia do mez antecedente gastando portanto um mez nesta viagem. Dia 22 ao amanhecer desembarquei com o batalhão que foi aquartelar-se no arruinado Quartel d’Infantaria numero 1. Foi esta a primeira tropa que aqui chegou pois ainda não tinha apparecido o vapor Africa que ti[fl.3v.]nha sahido antes de nós dez dias com o Governador Geral e com o Batalham Provisorio de Caçadores. Os negocios da Provincia tinhão milhorado alguma coisa e não se tinhão experimentado novos desastres depois daquelles de que o paquete nos levou noticia que poserão em Lisboa tudo em consternação e que apressarem a nossa partida; comtudo era precizo ainda fazer muito e seguindo a fortuna que nos era favoravel castigar severamente com toda a parte o gentio que nos tinha feito a guerra. Mas o Governador Geral Amaral logo que soube ser rendido e que d’um para outro momento devia chegar o seu successor resolveu 15 16

Foi riscada a palavra: “ilha”. Palavras riscadas.

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suspender todas as medidas e não cuidar se não do expediente porem como era precizo e da maior urgencia mandar uma nova expedição ao Bembe [fl.4] e não apparecendo o vapor Africa resolveu convocar o Conselho do Governo para o dia 30 a que eu e mais algumas pessoas fomos convidados a assistir e ahi se resolveu que elle Governador devia dispor da força recem chegada e de todos os meios à sua disposição para prosseguir as operações militares. Em virtude desta resolução recebi logo ordem para nomear uma força de 150 praças do Batalham que commandava para ir occupar o Ambriz cuja força comandada por um capitam embarcou no dia 3 de Agosto às 2 horas da tarde embarcando juntamente alguns officiaes que devião ir commandar todas as forças que se achavão no Ambriz e que devião compor a expedicção o Bembe. A demora do vapor Africa principiava já a causar serios receios e os negocios da Provincia soffriam bastante com isto quando felizmente em a tarde do dia [fl.4v.] 7 appareceu o dito vapor que fundeou já de noite no porto de Loanda. Dia 8 ao meio dia desembarcou o Governador Geral; foi em seguida à Sé com todo o cortejo que o esperava assistir ao Te Deum e em seguida se dirigio ao Palácio tomar posse do Governo. No dia 15 de tarde embarcaram para o Ambriz algumas praças d’Artilharia com duas peças, algumas bombas e foguetes à congreve, coizas desconhecidas neste paiz e que pela primeira vez deverião causar o maior terror e espanto entre o gentio preto e barbaro quando se podessem empregar. Neste mesmo dia me perguntou o Governador Geral quaes erão os dois subalternos dos que eu tinha no Ambriz em quem se podia depositar mais confiança pois queria mandar marchar alguma força daquelle destricto, respondi que confiava mais nos Alferes Passos e Motta. [fl.5] No dia 17 sahio o Major Gamboa de caçadores 2 para o Golumgo Alto e mais districto a reunir carregadores para sahir toda a força que se achava em Loanda para operar toda no norte. No dia 18 recebeu-se a noticia de terem fugido do Ambriz 300 carregadores e empa[ca]ceiros, (soldados negros) estes armados; na occasião de marcharem com a expedição para o Bembe cuja noticia ainda que não fosse de grande consequencia sempre contrariava os planos do Governador pois havia falta de carregadores sem os quaes não se podião pôr as forças em movimento pois erão estes que conduzião não só as bagagens mas tudo o que era precizo para comer e até mesmo algumas vezes agoa para beber. No dia 22 soubesse que apesar de todas as difficuldades a expedicção tinha partido para o Bembe e eu tive tãobem parte do capitam que comandava o Destricto do meu Batalham no Ambriz de terem marchado 40 praças delle. 23

[fl. 5v.] Dia 23 uma noticia d’um local muito diverso veio trazer novas difficuldades e distrahir a attenção do Governador Geral do norte ponto principal de todas as operações; hum escaller mandado pelo Governador de Mossamedes trazia a noticia de novos levantamentos do gentio no interior d’aquelle Governo e pedia alguma força ao Governador Geral o qual me mandou chamar logo que recebeu esta noticia e me disse que em virtude disto precizava mandar de prompto uma força de 100 praças no Vapor Maria Anna commandada por um capitam mas que não tendo no Batalham Provisorio de Caçadores capitam algum em quem confiasse para este fim e dezejando mesmo empregar todo este corpo antes de poucos dias em operar no norte dezejava que do meu Batalham fosse para Mossamedes a força mencionada; observei-lhe que tinha um capitam muito bom official e no cazo de desempenhar esta comissão como Sua Excelência dezejava porém que não tinha actualmente [fl.6] o numero de cem praças para destacarem e que apenas poderia apromptar de 80 a 90 praças; assim mesmo resolveu e desde logo me deu ordem para nomear o capitam Aires dois subalternos e o numero de baionetas que tivesse e que esta força devia embarcar dia 26 às 8 horas da manhãa; com effeito neste dia e à hora mencionada embarcou este Destricto composto de 85 praças, incluindo os officiaes não me ficando um unico cabo, subalterno ou soldado além dos impedidos dos officiaes que ficavamos e dos doentes no Hospital. No dia 31 d’Agosto de manhãa entrou no posto de Loanda o Vapor “Bartholomeu Dias” comandado pelo Infante D. Luiz17 irmão d’el Rei; trazia a seu bordo a 2ª companhia do Batalham que eu comandava que tinha ficado em Lisboa, este vapor tinha sahido de Lisboa no 1º d’Agosto e por elle tivemos a noticia de ter havido a mudança de Ministerio tendo subido ao poder o Ministerio historico Loulé-Avila. [fl.6v.] No dia 1º de Septembro fomos ao meio dia a bordo cumprimentar Sua Alteza, o Governador Geral, Conselheiro do Governo, presidente da Rellação, comandantes de corpos, chefes de repartições comercio, etc. etc. Sua Alteza chegou incomodado com febres e por isso tencionava demorarse pouco e voltar breve para a Europa tencionando conservar-se a bordo durante os dias de demora, porem devia desembarcar e ir passar um dia em terra e esse dia devia ser com o maior apparato por isso a Camara, Comercio e empregados civis e militares tractou desde logo 17

Em 1860, as tropas coloniais sentiram dificuldades no Trapor e no Congo; em Janeiro o incidente militar que resultou na morte do capitão Molitão de Gusmão no rio Loge desencadeou a organização apressada da expedição militar que seguiu com o comando simbólico do infante D. Luís, cujos primeiros contingentes seguiram para Angola em Junho de 1860.

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de fazer grandes preparativos para em dia e armando as ruas com arcos, bandeiras e tudo quanto foi possivel fazer em poucos dias para tornar pompoza a entrada em Loanda de uma pessoa real sendo a primeira vez que tal accontecia. O dia 9 foi o destinado para o desembarque que teve lugar às 9 horas da manhãa sendo recebido ao [fl.7] caes e conduzido até a Sé debaixo do paleo havendo alli missa (era Domingo) e Te Deum; findo o qual se dirigio a cavallo para o Pallacio do Governo; alli recebeu ao meio dia todas as pessoas que estavão nessas circunstancias e às 3 horas foi-lhe servido um magnifico lanche a que forão convidadas 30 pessoas eu tive a honra de pertencer a este numero e de soffrer este incommodo. Findo o jantar sahio do Palacio ás 4 horas e meia dirigindo-se a visitar a Caza da Misericordia e Hospital Militar em seguida o asilo de D. Pedro 5º e às 5 e um quarto horas embarcou para bordo do seu vapor. Depois de se passar assim o dia cheio de festas alegres e de prazer para alguns incommoddas e aborrecidas para outros, seguiu-se já de noite por não haver lugar de dia mais um acto de lucto e tristeza indo eu com os meus officiais accompanhar ao cemiterio o nosso Tenente Coronel Mestre que tinha morrido no dia antecedente às 9 horas da noite. Neste dia 9 tãobem recebi noticias [fl.7v.] de Mossamedes aonde tinha chegado sem novidade a força de meu corpo que para alli tinha sido destacada e não erão de dar cuidado nem cauzar receio por aquelle lado. Entretanto chegavão a Loanda immensos carregadores de todos os districtos d’Angola para sahir para o norte uma grande expedição mas a grande demora que tinha a sua sahida era bastante prejudicial. No dia 12 tornou a vir a terra o Infante às 4 horas da tarde indo visitar a Fortaleza de S. Miguel e em seguida o Quartel arruinado aonde estavão os dois corpos, Expedicionario e Provisorio de Caçadores, passando em seguida revista a estes dois corpos e companhia de Sapadores que para esse fim estavão formados em linha no largo do Palacio e cuja força eu commandava; depois do que embarcou para bordo. Forão as duas vezes que desembarcou em [fl.8] Loanda; no dia 14 fez-se de vella a corveta a vapor “Bartholomeu Dias” 18 vindo a estar aqui o Infante D. Luiz que a commandava 15 dias. Neste mesmo dia 14 sahio para o Ambriz o Brigue “Rodovalho” e a escuna “Cabo Verde” conduzindo carregadores e mantimentos; no dia 19 sahio tãobem o vapor Maria Anna que no dia 13 tinha chegado de Mossamedes para o Ambriz conduzindo uma companhia do Batalham Provisorio de Caçadores e duzentos carregadores e empacaceiros; assim se ia preparando com bastante demora e vagar a expedicção cuja

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Foram riscadas as palavras: “vindo a estar”.

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sahida e ultimos preparativos me estavão reservados por infelicidade. No dia 20 entrou o Brigue Rodovalho de volta do Ambriz e por elle a noticia que dos carregadores que elle conduzira já tinhão fugido 150, esta noticia bastante desagradavel cauzou muita sensação em Loanda dizendo-se que [fl.8v.] a cauza disto era não lhe darem as rações que lhe roubarão e em sima sustentavão-nos com pancadas; emfim as coizas caminhavão mal e era voz publica e infelizmente verdadeira que os roubos no Ambriz erão descarados e escandalozos tanto nos chefes militares como civis e fiscaes, almoxarife etc. finalmente tudo roubava e isto já era vicio inveterado d’há muitos annos como se veio a conhecer por um inquerito a que tive de mandar proceder logo que tomei conta do comando do Ambriz para onde fui como adiante vou mencionar. Era como se comsumião as rendas da Provincia que erão bastantes e não chegavão a coiza alguma; assim com tal gente não havia auctoridades que podessem ou a quem fosse possivel remediar os males que a Provincia soffria e portanto ou se precizava em severo castigo ou tudo estava perdido.

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Documento 3 – Batalhão Expedicionário a Angola (1861) [fl.1] Dia 22 fui chamado pelo Governador Geral para me dizer que em consequencia das queixas desagradaveis que recebia do Ambriz19 precizava tomar medidas promptas para atalhar e punir os roubos e extorsões escandalozas que alli estavão tendo lugar e que por isso tinha resolvido nomear-me Chefe daquelle Concelho para onde devia marchar com muita brevidade; com effeito por Portaria daquella datta fui nomeado para aquelle lugar e no dia 25 de tarde embarquei a bordo do Brigue “Rodovalho” que se fez de vella às 7 horas da noite fundeando dia 26 às 4 horas da tarde no porto do Ambriz. No dia 27 desembarquei às 8 horas da manhãa e tomei immediatamente posse do lugar de Chefe do Concelho e Comandante das forças alli estacionadas. No dia 29 recebemos a noticia de ter chegado a Loanda o vapor D. Antonia que trazia cavallaria e mais artigos de guerra. No dia primeiro d’Outubro pelas oito horas da manhãa chegarão dois pretos com correspondencias do Bembe20 pedindo-me o comandante das forças em operações naquella localidade para fazer chegar à mão do Governador Geral a correspondencia que lhe dirigia; immediatamente fiz fiz [sic] partir uma lancha a levar os ditos officios para Loanda aonde chegarão dia 2 às 3 horas da tarde. Por estas noticias constava ter sido tomada a posição de São Salvador do Congo no dia 16 de Septembro. Segundo ordens que tinha do Governador Geral logo que tomei o commando do Ambriz reu[fl.1v.]ni uma commissão d’inquerito de que eu fui presidente para tomar conhecimento dos roubos que aqui tinhão tido lugar e de que a voz publica accuzava varios indivíduos e à vista dos trabalhos desta commissão que durarão oito dias e das indagações a que se procedeu ouvindo os depoimentos de todos os habitantes e empregados verificou-se claramente e se conheceu até à evidencia que aqui tinhão tido lugar desde muitos annos muitos roubos e extorsões vergonhozas praticadas por muitos individuos e sendo alguns destes infelizmente as primeiras auctoridades o que se tornava mais escandalozo; este processo monstruoso foi remetido ao Governador Geral e ao escrever estes apontamentos não posso saber a que procedimento dará lugar da parte das auctoridades contra os implicados ou se ficará tudo no esquecimento como tantas vezes accontece em Portugal; porem qualquer que seja o resultado não deixarei algum dia de voltar a fallar deste objecto. No commando deste ponto situação a mais 19

Em 1856 foi iniciada a expedição pelo interior do Ambriz uma vez que a Grã-Bretanha impediu a sua ocupação do litoral para norte. 20 As minas de cobre do Bembe serviram de pretexto para a expedição de 1855 que se destinava à ocupação do litoral norte do Ambriz. Saída a 6 de Agosto de 1855, a expedição encontrou pouca resistência, ocupando a 29 de Setembro o Bembe.

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critica em que um individuo podia ser collocado nesta época, soffri crueis amarguras e vime muitas vezes [fl.2] nas circunstancias as mais criticas sendo a pior ter de sustentar muita gente pois tinha mil e tantos homens que augmentavão todos os dias e faltavam muitas vezes os mantimentos, que todos vinhão de Loanda, e ser precizo compralos alguns dias por preços carissimos sem que o Cofre da Junta tivesse meios para os pagar e no dia 9 e 10 d’Outubro chegarão as coisas ao ultimo apuro de não ter-mos que comer nem para onde appelar tendo já morto o ultimo gado que tinhamos e os soldados comião farinha podre que nos tinhão emprestado e que depois haviamos de pagar com ella boa; são sempre as providencias do nosso Governo, quer em Portugal, quer nas colonias, e infeliz de quem serve uma tal Nação!! Nos dias 10 e 11 chegaram os navios que ha tanto tempo esperavamos, fundeando dia 10 de manhãa o Brigue Rodovalho, ao meio dia o vapor D. Antonia e dia 11 o vapor Maria Anna, carregados todos de tropa, armamentos, munições, cavallaria, 1.700 carregadores21 e mantimentos e o D. Antonia devia ainda descarregar [fl.2v.] e voltar a Loanda pois o Governador Geral me mandou dizer que estando já a bordo como não lhe coubesse toda a força nos trez navios e lhe ficavão ainda em terra 700 carregadores desembarcava elle tãobem e no dia seguinte esperava alli o vapor D. Antonia que eu devia fazer descarregar com preferencia aos outros e mandar alli para elle Governador vir nelle com os 700 carregadores que lá ficavão e me mandava dizer por esta occasião trabalhasse com a maior actividade para estar tudo preparado e poder sahir a expedicção logo que elle chegasse com o resto de gente; sendo pessimo o desembarque neste porto para mais se me apurar a situação o mar tornou-se furioso durante 4 dias e o desembarque difficilimo; com muito custo se desembaraçou o D. Antonia que partiu logo para Loanda e appareceu dia 13 ao anoitecer com o resto da gente; porém quando esperavamos o Governador este não apparece e as noticias que recebemos são aterradoras; dizia-me elle nos officios que me dirigia que não lhe era possivel vir visitar esta localidade e assistir à sahida da expedicção em consequencia [fl.3] de se ter declarado alli em Loanda a febre amarella, sendo bastante a mortalidade bem como era espantoso o numero de doentes não havendo alli facultativos que os podessem tractar por cujo motivo tinha alli ficado o vapor D. Antonia devendo o cirurgião mor do meu 21

O ministro da Marinha e do Ultramar, Sá da Bandeira, defendia um projecto de extinção do serviço forçado dos “carregadores”, contudo após longa e violenta controvérsia com o Governador de Angola, Coelho do Amaral, seguiu a proposta de 6 de Julho de 1855, que previa a regulamentação do trabalho estipulando a obrigatoriedade do seu pagamento.

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Corpo que estava no Ambriz embarcar no dito vapor e fazer serviço alli emquanto elle fazia a viagem a Mossamedes e Benguella; tendo eu de ficar aqui n’uma posição insalubre com hum hospital cheio de doentes e quasi toda a guarnição doente sem um facultativo que nos tractasse; tudo concorria para aggravar a minha situação cada vez mais de dia para dia. O Governador Geral alem de me dizer os motivos porque não podia sahir e Loanda e me ordenar fizesse embarcar o cirurgião mor que embarcou e sahio no vapor dia 14 à noite dava-me as instrucções precizas para a partida da expedicção e me ordenava a pozesse em marcha dia 15 fazendo todos os esforços para vencer qualquer difficuldade que se aprezentasse. [fl.3v.] As difficuldades porem erão de tal maneira que não era possivel serem vencidas por esforços humanos por ter-mos de luctar contra o mar. Felizmente dia 14 socegou a caléma (como aqui em Africa chamão ao mar embravecido na praia) e neste dia conseguio-se o desembarque de quasi tudo o que era mas precizo para a marcha das forças; neste mesmo dia 14 principiou a por-se em marcha a expedicção partindo a Cavalaria na força de 13 cavallos e os caçadores europeus do comando do Major Roberto que comandava a expedicção cuja força foi accampar além do rio Loge sem que fosse incomodada pelo inimigo, o que sempre accontecia nesta passagem; no dia 15 continuou a sahir mais alguma força e acabando de desembarcar tudo neste dia fiz partir à noite o vapor Maria Anna para Loanda dando parte ao Governador do andamento da expedicção que tinha continuado a sahir neste dia 15 a força do Batalham Expedicionario, contingentes dos Corpos d’Angolla e alguns carregadores e empacaceiros e que no dia 16 devia sahir o resto de toda a força como acconteceu; foi neste dia 16 que dormi alguma coiza o que não tinha podido conseguir em 5 ou 6 noites. Porém se ficava alguma coiza mais descançado por me ver livre de dois mil homens ficando apenas com quatrocentos não milhoravam muito as sircunstancias em que continuava a achar-me pois fiquei sem mantimentos alguns além de farinha e bolaxa para dar de comer à gente com que ficava; e logo [fl.4] pedi ao Governador com a maior instancia me remetesse pelo menos alguma porção de feijão e arroz com a maior brevidade; instancias baldadas!! Tive de mattar todos os bois e ficou ultimamente toda a guarnição redusida alguns dias a farinha e bolaxa e só no dia 30 hé que chegou o Brigue Carvalho com alguns mantimentos mas tão poucos que quasi ficavamos na mesma mizeria valendo-nos por esta occasião alguns negociantes mandarem vir lanchas carregadas de feijão e arroz e a Delegação deixando de pagar aos empregados com os 29

piquenos rendimentos que tinha-mos da alfandega ter de ir comprando estes generos para sustentar-mos a guarnição. No dia 18 Outubro chegou aqui ao Ambriz o vapor D. Pedro tendo sahido de Lisboa a 15 de Septembro. No dia 19 pedi ao comandante do mesmo para se abrir aqui a malla que ia com destino a Loanda e tirarem-se as cartas que alli fossem dirigidas a muitos individuos que aqui estavão por estes se terem dirigido a mim a pedir-me isto; o comandante do vapor annuiu e eu recebi tãobem uma carta de meu irmão Joaquim datada de 12 de Septembro. Por este vapor veio a noticia de haver transferencia de Governadores indo o Franco desta provincia para a de Cabo Verde e vindo o Calheiros de Cabo Verde para aqui; juntamente com o Governador erão substituidas quasi todas as auctoridades de Angolla; [fl.4v.] secretario, presidente da Rellação, Escrivão Deputado da Junta de Fazenda, Fisico mor, Director de Alfandega etc. Tudo isto bem precizo e oxalá que o novo governador com a sua energia e vontade de ferro bem conhecida e com as novas auctoridades de que vinha acompanhado seja possivel reformar tudo e abrir a esta desditosa Provincia uma nova era de boa administração e de moralidade de que tanto se carece. No dia 8 d’Outubro aliás Novembro chegou aqui Ambriz o vapor D. Antonia o qual recebeu a malla e passageiros seguindo para Lisboa nelle regressou o meu cirurgiam mor como eu tinha pedido ao Governador Geral; as noticias que nos trouxe de Loanda erão pouco consoladoras; a febre amarella continuava ou augmentava mesmo e a consternação era geral em Loanda assim

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esta molestia aqui desconhecida até hoje

vinha flagelar-nos na occasião em que luctava-mos nesta Provincia além do clima insalubre com a guerra e se não com a fome ao menos com bastante escassêz. Deixo de descrever o quanto soffri e a situação critica em que me vi constantemente com falta de mantimentos para a guarniçam e para as expedicções pois no dia 15 de

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Dezembro chegou a grande expedicção do Bembe em força de dois mil e quinhentos homens que era precizo sustentar e para que não havia mantimentos, como de costume. Esta força partio no dia 22 para Loanda por terra devendo atravessar o Momál[?]. No fim de Janeiro prin[fl.5]cipiarão a mandar carregadores para uma nova expedicção que era forçoso marchar ate meiado de Fevereiro pois que tanto no Bembe como no Congo não tinhão meios para se sustentar alem do fim de Fevereiro; esta expedicção partio dia 20 de Fevereiro regressando ao Ambriz depois do dia 20 de Março; as noticias 22 23

Palavra riscada. Foi riscada a palavra “Janeiro”.

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principiarão a ser mais favoraveis pois estas forças já não encontravão em todo o caminho quem lhe fizesse um unico tiro; pelo contrario o gentio principiava a apresentar-se e a pedir paz. No dia primeiro Abril chegou ao Ambriz o Major Gamboa comandante de Caçadores 2 com o respectivo Corpo que mudava de permanencia para o Ambriz afim de fazer a guarnição deste districto. Dia 2 fiz entrega do Governo ao mesmo Major segundo as ordens que recebi para esse fim do Governador Geral cujas ordens tãobem me determinavão o recolher para Loanda com toda a força de meu Batalham e parte dos carregadores que tinhão chegado do Bembe com a ultima expedicção. Esta marcha devia ser feita por terra atravessando o paiz inimigo do Momél paiz pantanoso e cheio de rios que tinhamos d’atravessar no tempo das maiores chuvas e das grandes trovoadas. O quanto soffremos difficil[fl.5v.]mente se poderá descrever; tanto eu como todos os officiaes chegamos a Loanda doentes e eu gravemente; as praças de pret com muito custo chegaram todas ao termo da jornada porém tão doentes que entrando todas no Hospital sendo oitenta praças em menos d’um mez fallecerão vinte e tantas. Em seguida vai a copia da exposição official para o Governador Geral desta marcha. Illustrissimo Senhor. Tenho a honra de participar a Vossa Senhoria afim de ser levado ao conhecimento de Sua Excelencia o Governador Geral da Provincia que tendo sahido do Ambriz no dia 5 pelas 4 horas da tarde com 56 praças do Batalhão do meu comando e 26 de Caçadores Provizorios incluindo neste numero officiaes, officiaes inferiores e cornetas bem como 10 officiaes de guerra preta e 635 serventes, só hoje pelas 11 horas da manhãa consegui chegar aqui e principiar a passar o rio Libongo na sua foz. Felizmente a demora foi cauzada por obstaculos da natureza como muitos soldados doentes, passagem de muitos rios e lagoas, sendo hoje o maior obstaculo que se nos aprezentou pois contando aqui chegar muito cedo tivemos d’andar por mais de duas horas em uma extensa la[fl.6]goa cheia de capim e muita erva e em alguns pontos tinha tal fundura que os soldados até molharão toda a polvora das patronas de que talvez se não utilizem se não as ballas. Tenho porém a saptisfação de dizer a Vossa Senhoria que o gentio longe de nos hostilizar se apresentou em muitas sanzallas dando os bons dias e pedindo carta para irem ao Ambriz pode apresentar-se ao Governador d’aquelle districto fazer paz e principiar a comerciar comnosco, o que muito tem desejado, mas não o tem feito por medo; passei-lhe as ditas cartas e se elle alli se apresentarem esta vinda por terra de grande incomodo para a força branca deve ser de grande vantagem para o 31

Ambriz. Hé uma hora da tarde e ainda não passou o pelotão da rectaguarda pela grande difficuldade que deve ter tido em fazer conduzir para a frente todos os doentes e bagagens. Estou acampado e destribuindo as ultimas rações d’etap que forão calculadas até amanhãa 10 do corrente porem de certo amanhãa não posso chegar a essa cidade. Hoje tenciono ver se posso levantar daqui ainda que seja mais tarde e ir ficar ao Dande aonde deixarei alguns doentes que com custo tem sido conduzidos até aqui afim de [fl.6v.] serem para ahi mandados em alguma lancha. Eu mesmo tãobem venho bastante doente com febres mas assim mesmo tenciono comandar a força até ahi. Deos guarde a Vossa Senhoria. Acampamento na margem esquerda do Libongo 9 d’Abril de 1861. Illustrissimo senhor Joze Barboza Leão. Illustrissimo Senhor. Tenho a honra de passar às mãos de Vossa Senhoria afim de ser presente a Sua Excelencia o Governador Geral da Provincia a inclusa descripção dos accontecimentos que tiverão lugar na marcha que por ordem do mesmo Excelentissimo senhor fiz por terra do Ambriz para esta cidade; descripção imperfeita pela falta de conhecimentos do Paiz que percorria, dos nomes dos lugares, rios e lagoas que se atravessavão e pela impossibilidade d’obter taes esclarecimentos; tãobem concorreu muito para a sua imperfeição a grave molestia que me accometeu durante os ultimos dias da marcha e a qual até hoje me tem impossibilitado completamente de remeter esta imperfeita exposição. Deos guarde a Vossa Senhoria. Quartel em Loanda 18 d’Abril de 1861. Ao secretario geral. Descripção da marcha feita por terra desde o Ambriz para Loanda com principio no dia 5 d’Abril de 1861. No dia 5 d’Abril de 1861 pelas 4 horas da tarde sahi do Ambriz com a força de 56 praças do [fl.7] Batalham Expedicionario; 26 do Batalham Provisorio de Caçadores; dez officiaes de guerra preta com 635 carregadores; neste dia accampei tendo avançado pouco mais d’uma legoa em um sitio enxuto com lenha e agoa; a noite esteve boa e sem chuva. Dia 6 levantámos o acampamento e estava tudo em marcha às 5 e meia horas; principiamos a caminhar por um caminho lamacento e cheio d’agoa até as sete horas que chegamos à praia n’um sitio a que chamão Capúlo e onde havia grande numero de canôas de pesca porem não avistamos um unico gentio; depois de ter caminhado por esta praia pouco mais d’um quarto de legoa passamos uma piquena lagoa que desagoava no mar e tornamos a caminhar para o interior; passando às oito horas em uma sanzalla 32

que tinha sido queimada em Dezembro ultimo pela expedicção do Major Roberto e não tinha sido reedificada; pelas 8 e meia horas principiou a chover horrivelmente com uma medonha trovoada e chegando às 9 horas pela segunda vez à praia tivemos que fazer alto e accampar alli por algum tempo; o Governador do Ambriz tinha combinado comigo em vista da piquena força que eu trazia mandar sahir neste dia de madrugada uma força de libertos e de Caçadores 2 comandada por um subalterno a qual devia [fl.7v.] acampar comigo aquella noite e regressar no dia seguinte ao Ambriz ou acompanhar-me se as circunstancias assim o exigissem; esta força apresentou-se-me no accampamento pelas 11 horas dando-me parte o official que a comandava que no local da praia aonde existião muitas canoas se lhe apresentara uma porção de gentio dando os bons dias e dizendo que dezejavão ir ao Ambriz comerciar, que o não fazião por medo, e promettendo de lá ir com brevidade visto assegurar-se-lhe que nenhum mal se lhe fazia. Ao meio dia cessou de chover e pela uma hora continuamos a nossa marcha pela praia; porem às duas horas encontramos o rio Sonso que na altura em que estava era precizo ser atravessado com agoa quasi pelo pescoço; levou-nos algumas horas esta passagem; tiveram os pretos de passar todas as bagagens, munições, armamentos e vestuario dos soldados passando estes despidos com agoa pelo peito; erão 4 horas quando acabou de se passar em vista do que pouco mais podiamos marchar; determinei ao Comandante da [fl.8] força do Ambriz para não passar; ficar alli acampado e quando lhe não mandasse durante a noite ordem em contrario retirar na manhãa seguinte para o Ambriz. Quando me puz em marcha da margem esquerda do rio erão 4 e meia horas e por isso até às 5 e meia que acampei não chegaria talvez a andar uma legoa. Durante esta noite de 6 para 7 não occorreu novidade alguma havendo por aquellas imediações bastantes sanzallas por isso não mandei ordem em contrario à força que devia regressar ao Ambriz e às 5 e meia horas puz-me em marcha; tinha andado pouco mais de meia hora; levava a força de linha dividida em dois pelotões indo um na frente e outro na rectaguarda de todos os carregadores; eu marchava adiante do pelotão da frente quando uma guarda avançada, que ia um pouco adiante de mim, me avisou que se avistava gente armada; fiz logo metter o pelotão em ordem sobre uma planicie que nos ficava à direita e avancei para a frente com um official da guerra preta para «lhe» fallar a lingoa do paiz, pois que achando-se os pretos já a piquena distancia parecia quererem fallar visto não fazerem tiro algum, quando [fl.8v.] sempre costumão principiar a fazer fogo de muito longe; principiarão por dizer que querião dar os bons dias mas que tinhão medo de se aprezentar; depois de muito se lhe dizer que podião apresentar-se com 33

segurança pois que nada tinhão a recear e que nenhum mal se lhe fazia quando quizessem viver em paz e amizade comnosco, sempre se chegarão a nós e disserão pertencer à sanzalla de Cutacanha; pedião para que eu lhe desse uma carta para poderem ir ao Ambriz fazer comercio sem alli se lhe fazer mal; acompanharão-nos algum tempo e mandarão avizo à sanzalla do Soço para virem tãobem apresentar-se e pedir o mesmo o que estes segundos tãobem fizerão apresentando-se pelas 8 e meia horas grande numero delles; depois de muito bater palmas, dar muitos bons dias tirando até alguns conductores da minha tipoia e conduzindo-a elles por grande espaço passei-lhe as duas cartas que em nome das duas sanzallas assima mencionadas Cutacanha e Soço me erão pedidas para poderem ir ao Ambriz apresentar-se ao Illustrissimo Governador daquelle districto e serem alli rece[fl.9]bidos como amigos que querião fazer paz e commerciar comnosco; tãobem lhe dei uma porção d’agoardente coisa indispensavel em cazos taes. Retirarão-se em seguida para as suas sanzallas continuando nos a nossa marcha por pessimo caminho por entre capim d’uma espantoza altura e grossura e os soldados quasi sempre com agoa até o joelho e todo o terrenos que neste dia atravessamos era coberto d’arvores de diversas qualidades mas todas de desmarcada grandeza. Pelas 10 e meia horas acampamos até às duas e meia da tarde que continuamos a marcha; não tivemos encontro algum durante a tarde; o caminho foi igual ao da manhãa até as 4 horas em que entramos na praia de que nos tinhamos separado na vespera a esta mesma hora depois da passagem do Sonço; em seguida passamos dois piquenos ribeiros com agoa pelo joelho, cujos nomes ignoro, e fizemos acampamento pelas cinco horas e meia da tarde; infelizmente às dez horas principiou a chover e choveu toda a noite ainda que com pouca força levantando a chuva ao amanhecer à hora que nos puzemos a caminho e que serião cinco horas e meia da manhãa do dia oito. *NB nesta noite tive eu a primeira febre de que tanto padeci.24 [fl.9v.] Depois de ter-mos caminhado até as sette e um quarto encontramos o rio Onzo de grande fundura pois mandando entrar pretos em varias partes não era possivel encontrar vão em que se podesse passar. Foi precizo mandar conduzir duas canoas que estavão na praia em grande distancia e só as dez horas e meia

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tinhamos conseguido

concluir a passagem; por consequencia perdeu-se nesta passagem a maior parte do tempo da manhãa em que se devia marchar e por causa do grande calor que já fazia

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Nota do autor. Foram riscadas as palavras: “da manhãa”.

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tivemos de descançar na margem esquerda do Onzo até as duas horas da tarde em que nos pozemos novamente em marcha. Pelas 4 horas da tarde apareceu-nos em grande numero o gentio do Embe dando tãobem os bons dias e pedindo para lhe passar carta com que podessem ir apresentar-se às auctoridades portuguezas do Ambriz e do Libongo. Tudo isto cauzava demora pelo menos de uma hora que tudo concorria para tornar a jornada mais demorada; por isso depois de lhe passar a carta de bons dias que elles pedião continuando a nossa marcha, acampamos na praia às 6 horas, quando já escurecia. Na manhãa seguinte, dia 9, principiamos a marcha às 5 horas julgando que chegariamos cedo ao Libongo; infelizmente apareceu-nos o maior [fl.10] contratempo que encontramos em toda a marcha pois tivemos d’andar mais de duas horas por uma extensa lagoa cheia d’erva e lodo dando em toda a parte a agoa pelo joelho e em alguns pontos era tal a fundura que todos os soldados chegaram a molhar a polvora nas patronas de que talvez só se poderão aproveitar as ballas; em consequencia deste revéz só principiamos a passar a foz do Libongo pelas 11 horas da manhãa. Os soldados vinhão tão arruinados e em tão mau estado que só muito tarde e com grande custo poude reunir tudo; felizmente tive a fortuna que nenhuma praça durante esta marcha tão penoza pelas terras do Mossúl me ficasse a retaguarda. Neste dia não foi possivel passar d’aqui e acampamos na margem esquerda do Libongo, chovendo toda esta noite sem cessar. Parando ao amanhecer a chuva marchei para o Dande, resolvido a deixar alli os doentes para serem remettidos por mar para Loanda; pelas sete horas e meia estavamos passando o rio Dande; com a passagem do rio e escolha de soldados que de modo algum podião continuar a marcha e que em numero de 26 ficaram para serem remettidos pelo respectivo chefe por mar para Loanda consumiu-se o tempo até as dez; horas para adiantar jornada puz-me a esta hora em marcha [fl.10v.] seguindo ate ao meio dia por uma bella estrada, a unica que encontramos em toda a jornada; a esta hora acampamos para descançar e às trez horas continuamos a marchar; a estrada que até ali tinha sido muito boa tornou-se de repente em um caminho pantanoso e cheio d’agoa e para maior mal pelas 4 horas da tarde principiou a chover com a maior força e assim tivemos de continuar a marcha, sem poder acampar por ser todo o terreno pantanoso e coberto d’agoa; ao anoitecer ganhamos a praia aonde tivemos d’acampar todos molhados; esta disgraçada tarde e noite augmentou o numero de doentes na força que comigo conduzia. Pelas 5 horas da madrugada de 11 marchamos para o Bengo aonde chegamos pelas 10 horas. Sendo daqui para Loanda uma piquena jornada resolvi não adiantar mais e dar esta tarde de repouso aos soldados. Pelas 6 horas da manhãa de 12 sahimos do Bengo 35

chegando a Loanda pelas duas horas e meia da tarde. Desta marcha por terra do Ambriz a Loanda de tantos incomodos e sacrifícios para os soldados europeus pode aquelle districto colher resultados muito vantajosos se os differentes povos alli principarem a apresentar-se e a comerciar com prometerão e dizião desejar. Quartel em Loanda 15 d’Abril de 1861. … [fl.11] Tendo eu tido a primeira febre como atráz notei na noite de 6 para 7 coiza insignificante, e que nada valeria, aonde podesse de prompto ser tractada com a marcha e o que nella se soffreu, tornou-se em molestia grave chegando a Loanda muito doente; e depois de curado desta molestia grave fiquei ainda padecendo alguns mezes de sezões que me repetião continuadamente de dez em dez ou de doze em doze dias. Todos os officiaes chegaram doentes e sofrerão tãobem muito. Os soldados chegaram todos tão doentes que em o mez que se seguio morrerão vinte e tantos e todos ficarão arruinados e incapazes de servir neste Paiz por muito tempo; eis o que são as campanhas d’Africa e o quanto se soffre! Os soldados tinhão concluido o tempo d’um anno porque se tinhão offerecido para esta expedicção e por isso principiarão a ser mandados para Portugal uma porção delles que a Junta de Saude julgava mais incapazes. Devo tãobem notar que ainda não tinhamos completado um anno d’estada em Africa e tinhão morrido onze officiaes expedicionarios isto hé a terça parte do tutal de que se compunha a expedicção! Mortandade excessiva e horroroza!!! Além disto tinhão morrido muitas pessoas das familias dos mesmos; alguns tinhão regressado a Portugal dados ela Junta de Saude incapazes de continuar a ser[fl.11v.]vir a Patria e alguns mais estavão para se retirar pelo mesmo motivo. No dia 6 de Julho tive ordem que o Batalham Expedicionario que comandava devia julgar-se dissolvido desde o dia 16 passando as praças que ainda restavão addidas a Infantaria 1 até que houvesse navios em que continuassem a recolher a Portugal. Dia 23 fui mandado sahir para o Concelho de Cambambe com 50 e tantas praças d’Infantaria 1 afim de coadjuvar com esta força o chefe daquelle Concelho na punição d’alguns desordeiros que tinhão alterado o socego e desacatado a força publica; parti neste dia as 8 horas da noite de Loanda e no meio dia de 24 chegamos a Calumbo; são sette grandes legoas. O Governador Geral tinha-me dito que o chefe Calumbo estava prevenido e que à minha chegada devião estar promptos os barcos para a força embarcar imediatamente

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afim de subir o grande rio Quanza até o Dondo26 porém chegando a Calumbo o chefe nada sabia da nossa chegada pois não tinha recebido officio algum a tal respeito

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«e»

só recebeu algumas horas depois de nós ter-mos chegado aquelle em que se mandava ter os barcos promptos, datado de 22. Portanto tivemos de ficar aqui mais de 24 horas à espera que se arranjassem barcos, os quaes só se apromptarão às duas horas da tarde do dia 25, a cuja hora fiz embarcar e partir a força; eu só par[fl.12]ti na manhãa de 26 porque indo em um barco mais ligeiro breve ia alcançar a força nesta noite fui pernoitar em Bruto piquena povoação formada de miseraveis cubatas como são todas as que existem nas margens do Quanza. Dia 27 pernoitei em um lugar despovoado na margem do rio em consequencia d’anoitecer e não poder ganhar um local povoado aonde tencionava chegar. Dia 28 fui pernoitar em Caluiz e em 29 às 9 horas da manhãa estava em Muxima aonde tive que me demorar em consequência do atrazo d’uma lancha que conduzia metade da força e que não podia acompanhar as canoas em que eu ia e a outra metade da gente. Em consequencia disto demorei-me em Muxima até a huma hora da tarde do dia 30, a cuja hora fiz partir tudo, depois de ter chegado a lancha ao meio dia, da qual tirei metade da força para outra canoa mettendo na lancha mais dois marinheiros; nesta noite fomos pernoitar em Olongo donde parti ao amanhecer do dia 31 indo pernoitar em Macolumbo com toda a força que ia em canoas menos a lancha que já não nos acompanhava não obstante ter-lhe tirado em Muxima parte da força que levava e augmentado a tripulação. [fl.12v.] No dia primeiro d’Agosto cheguei a Massangano pelas 9 horas da manhãa logo que cheguei pedi ao chefe para me mandar um canoa ao encontro da lancha que se tinha atrazado a fim de me trazer a gente que nella vinha; partio logo uma canoa que chegou às 8 horas da noite com a gente que me vinha na lancha não chegando esta naquelle dia por consequencia demorei-me aqui todo este dia e pernoitei sendo muito bem tractado pelo digno chefe e capitam Pedro Antonio Rebocho que tinha uma bella residencia no m [sic] maior aceio e gosto e isto junto a um modo delicado e attenciozo tornava a demora ou estada aqui o mais agradavel possivel. No dia 2 ao amanhecer deixei este local e pelas 4 horas da tarde cheguei ao Dondo aonde tem actualmente a residencia o Chefe do Concelho de Cambambe. Quando aqui cheguei já tinha um officio neste ponto do Governador Geral pelo qual erão alteradas em parte as instrucções que eu levava e se 26

Situado na margem do Cuaniza, o Dondo transformou-se num importante empório mercantil assim que o vapor, em 1866, o liga a Luanda por navegação. 27 Palavra riscada.

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me ordenava que, logo que o chefe de Cambambe dispensasse a força do fim para que [fl.13] ella alli ia a coadjuva-lo na manutenção do socego que tinha sido um tanto perturbado, entregasse o comando da força ao offical que me era immediato e a fizesse marchar para Malange recolhendo eu a Loanda. Conservei-me no Dondo com a força até ao dia 8 e no dia 9 ao amanhecer fiz partir para Malange a força que eu tinha levado de Loanda bem como 200 empacaceiros do Soba Caboco que para este fim o chefe de Cambambe tinha mandado reunir por ordem do Governador Geral, por quanto não erão agradaveis as noticias de Malange e Cassange aonde disgraçadamente estavamos em guerra com o gentio do Sougo e visinhos, isto hé para não ter-mos muitos mezes de descanço porquanto há bem pouco estavamos livres das guerras ao Sul e Norte d’Angola que tantas vidas e sacrificios nos custarão principalmente a do Norte! (Bembe e Congo). Neste mesmo dia 9 embarquei para regressar à capital da Provincia como me era determinado. Neste dia vim pernoitar em Macolumbe tendo feito este dia uma piquena viagem em consequencia do rio trazer pouca agoa [fl.13v.] e a lancha grande carga encalhando por isso frequentes vezes na areia. No dia 10 pernoitei em caza d’um sugeito chamado Ricardo de cujo sitio ignoro o nome; porém hé a mais linda casa e com milhor arranjo que se encontra no Quanza. Dia 11 cheguei a Calumbo pelas dez horas da noite dormindo esta noite na lancha por não serem já horas de desembarcar; ao amanhecer do dia 12 procurei o Chefe do Concelho afim de lhe requisitar 8 carregadores para me conduzirem a mim e a bagagem que trazia até Loanda; emquanto o Chefe mandava arranjar os carregadores almocei eu em caza d’um negociante que alli havia e que para isso me convidou; pelas 8 horas puz-me em marcha e andando todo o dia só com alguns piquenos descanços, indispensaveis para se comer alguma coiza, cheguei a Loanda pelas oito horas e meia da noite. O Governador Geral tinha partido dois dias antes pelo Golungo Alto e Ambaca para Malange porém depois de piquena demora por aquelles sitios recolheo a Loanda não se podendo demorar mais não só pelas febres que principiou a soffrer mas mesmo porque não era possivel demorar-[fl.14]se muitos mezes fora de Loanda; por isso o estado de guerra ficou e nem podia deixar de ficar por muito tempo no mesmo estado; o Major de segunda linha Cazal foi nomeado Comandante da primeira columna d’operações; foi feliz e fez bons serviços por alguns mezes merecendo grandes elogios e sendo promovido à graduação de Tenente Coronel até que teve um fim desastrozo e toda a força do seu comando de que abaixo fallarei; o 38

Tenente Serra chefe d’Ambaca foi nomeado comandante d’uma segunda columna formada d’alguma gente que elle levou d’Ambaca e com a que eu mandei do Dondo em 9 d’Agosto. O Governador Geral depois de ter visitado quasi todos os conselhos regressando por Carengo, Cambambe, Massangano, Muxima e Calumbo chegou à capital da Provincia em 26 de Settembro vindo bastante doente elle, o Escrivão Deputado da Junta da Fazenda e o Ajudante d’Ordens que o acompanharão. As coizas não ião muito bem em toda a Provincia ao findar o anno de 1861; por noticias do Ambriz 28«havia» receio de que o gentio se preparava para nos hostilizar de novo desde o Ambriz até o Bembe e Congo aonde a guerra tão cara nos tinha custado, tanto em dinheiro como em vidas, e tão desastroza nos tinha sido havendo apenas oito mezes que alli se gozava algum socego; de Mossamedes constava igualmente estar iminente nova guerra dos pretos do interior que por varias vezes fazião grandes invazões nos nossos estabelecimentos. [fl.14v.] No Egipto29 e Novo Redondo30 chegamos a ser atacados pelo gentio e alli foi em Novembro uma força de Loanda para ir ao interior castigar alguns regulos porém pouco ou nada conseguio e regressou a Loanda deixando apenas mais reforçadas as guarnições daquelles dois pontos. Este era o aspecto da Provincia ao findar do anno de 61 e vamos deste modo entrar em 1862 que logo principia bem pouco lisongeiro; dia 2 de Janeiro pelo vapor D. Antonia recebe-se a infausta noticia da morte d’El Rei D. Pedro e do Infante D. Fernando; dia 3 fallece nesta cidade o Bispo d’Angola, ecclesiastico respeitável

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«que tinha adquirido» maiores simpathias durante

quatro mezes que apenas viveu entre nós, pois tanto era o tempo que tinha chegada de Lisboa; no meio do mez recebe-se a noticia do mais desastrozo accontecimento; a primeira columna d’operações em Cassange comandada pelo Tenente Coronel de 2ª linha Cazal foi surprehendida e derrotada ficando elle morto e quasi todos os officiaes, tendo a segunda columna comandada pelo Tenente Serra e que marchava em bastante distancia da primeira para o mesmo ponto, de recolher com os restos dispersos da primeira à Fortaleza de Cassange. Dia 23 partio de Loanda uma força d’um capitão e qua[fl.15]tro subalternos com umas 60 praças d’Artilharia e Infantaria; esta força foi embarcar a Calumbo para subir o Quanza até o Dondo e na marcha d’aqui até Cassange devião reunir-se-lhe mais algumas forças pelos Concelhos por onde passavão; porém estas forças não podião chegar ao local da guerra se não depois de 30 a 40 dias de 28

Foi riscada a palavra: “causavão”. Fortaleza do séc. XIX na região do Benguela. 30 Fortaleza datada pelo menos do séc. XVIII. 31 Palavra riscada. 29

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marcha. Cada vapor que nos chegava de Portugal neste anno devia causar-nos uma surpresa; surpresas cada vez mais dolorozas e tristes! Dia 9 de Fevereiro entrou em Loanda o vapor Africa que logo foi visto com a bandeira nacional e signal da Companhia a meio páu; não causava admiração porque se esperava que este vapor nos trazia talvez a noticia da morte do infante D. Augusto porém o espanto foi assombrozo e a impressão terrivel quando se recebe a nova do fallecimento de D. João!! Neste mesmo dia fallece e Loanda o cirurgião mor Veiga que tinha feito parte da expedicção à Africa em 1860 pertencendo ao Batalhão Expedicionario d’Infantaria que eu comandei. Era o 15º official da Expedicção que morria durante vinte mezes incompletos. [fl.15v.] Os negocios de Cassange agravarão-se cada vez mais devido pela maior parte à má escolha de comandantes feita sempre pelo Governador Geral dando-lhe na mania desde que chegou nomear para chefes de Concelhos e comandantes das columnas em operações officiaes de segunda linha incapazes para tudo quanto não seja roubar! Foi por este motivo ainda que as forças sahidas de Malange para socorrer Cassange, sem chefe idoneo que as conduzisse a este ponto em 10 ou 12 dias, como devião, gastarão 40 dias sem alli chegarem, tendo por isso o capitam Serra, que comandava em Cassange, de retirar abandonando este ponto e tudo quanto o comercio alli possuia que importava em bastantes contos de reis; veio encontrar a força que o devia soccorrer no caminho e retiravão reunidas para Malange que provavelmente deve vir a ser o ponto mais avançado que deveremos occupar. Estes acontecimentos passavão-se em32 Março e Abril.

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Foi riscada a palavra: “Fevereiro”.

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Documento 4 – Expedição em Angola (1862) [fl.1]

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Tendo feito este dia uma piquena viagem em consequencia do rio trazer pouca

agoa e a lancha grande carga e encalhar frequentes vezes na areia. Dia 10 pernoitei em caza d’um sujeito «chamado» Ricardo cujo sitio porém hé a mais linda casa e com milhor arranjo que se encontra em todo o curso do Luanda. Dia 11 cheguei à Calumbo por nove ou dez horas da noite. Dia 26 d’Septembro chegou a Loanda o Governador. Ganho ou perda ao voltarete Ganho –

Perda

Em Outubro de 1861 – 37.500 Em Novembro “ –

122.500

Em Dezembro “ –

67.800 227.800

Em Janeiro de 1862 –

14.800

Fica ganho 31 Janeiro – 213.000

[fl.1v.] Antonio Henriques de S. Ramos Escrevi a meu irmão J. dia 23 Junho sahindo de Loanda para Malange em 24 Escrevi de Malange em 17 de Julho para ir pelo Vapor Zaire34

[fl.2] Notta dos officiaes pertencentes à malfadada e infeliz expedição que partio para Africa em Junho de 1860 e que fallecerão durante 20 mezes isto hé ate 20 Janeiro 1862. Capitam d’Artilharia – Claudio – 1

33 34

Este texto, riscado, parece ser a continuação de um outro. Este texto está escrito de pernas para o ar.

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Dito de Cavalaria – Barata – 2 Dito do Batalham Provisorio de Caçadores – Infante – 3 Dito do Expedicionario d’Infantaria – Soares – 4 Tenente Coronel Militar do mesmo – Rogerio – 5 Tenente “ – Gama – 6 Dito “ – Infante – 7 Alferes “ – Pio – 8 Dito “ – Carvalho – 9 Dito “ – Gonçalves – 10 Dito do Provisorio de Caçadores – Varella – 11 Dito do mesmo – Camolino – 12 Veterinario da Cavalaria - …35 - 13 Cirurgiam mor de Caçadores Provisorio – Costa – 14 Dito do Batalham Expedicionario de Infantaria – Veiga – 15 «Depois dos 20 meses» Em Lisboa, por se ter retirado para alli muito doente o tenente de Caçadores Provisorios Sá – 16 Em Malange em 6 de Maio de 1862 o Alferes do Expedicionario Barreto – 17

[fl.3] No dia 24 de Junho de 1862 sahi de Loanda para Malange pelas 7 horas da manhãa, às 10 chegamos ao … aonde almoçamos; partindo depois para a Barra do Bengo aonde chegamos pela uma hora da tarde; alli ficamos o resto do dia e pernoitamos; no dia seguinte 25 partimos da Barra às 8 horas da manhãa; por 9 horas e meia chegamos a Cafandongo piquena povoação composta de trez sofriveis casas 35

Pontuação existente no documento original.

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d’alguns negociantes e umas 20 e tantas cubatas de pretos; o sitio hé bonito situado na margem «esquerda» do rio Bengo ficando em frente na margem direita grande arvoredo pela maior parte mangueiras e muitas outras arvores; daqui seguimos deixando á esquerda o Bengo com as suas [fl.3v.] margens cheias de grande arvoredo e verdura e grandes lagoas com uma imensidade de diversas arvores; o caminho que seguimos e toda a imensa extensão de terreno que se descobria à direita contrastava singularmente com esta vistosa orla do Bengo tudo era mirrado, secco e agreste como quasi toda a Africa. Pelo meio dia chegamos à Funda aonde descançamos coisa d’uma hora comendo aqui alguma coisa do que levavamos ja se entende pois quem viaja em Africa tem de levar tudo quanto preciza cama, de comer, louça para cozinhar e comer, e mesmo bilhas com agoa para beber e caminhar alguns dias em que esta se não encontra partindo d’aqui à uma hora chegamos pelas trez e tanto a Quilunda residencia do chefe do Concelho do Icolo e Bengo aonde per[fl.4]noitamos e no dia 26 ao amanhecer continuamos a nossa jornada; caminhamos mais umas cinco horas pelo caminho mais bello e aprazivel como poucas vezes se encontra em Africa principalmente em tão grande extensão, seguindo-se sempre a margem do Bengo tudo campos cheios de verdura e cultivados de milho, mandioca, feijão, etc, bem como cheios d’arbustos, arvores fructiferas e não fructiferas, como a bananeira, laranjeira, palmeira, mangueira e outras muitas. Serião onze horas quando descançamos talvez por hora e meia, continuando depois a marcha mas deixando a aprazivel margem do Bengo encontramos nas montanhas «não tão» aridas como em outra partes mas cheias de matto «espesso» e arvores verdes e tendo feito uma grande jornada [fl.4v.] neste dia chegamos ao anoitecer a Quicanga aonde pernoitamos em um36 unico casebre velho arruinado e cheio de ratazanas que por pouco nos não comião as orelhas; muitas vezes hé preferivel ficar no meio dos matos que em taes casas. No dia seguinte partimos ao amanhecer nada encontramos notavel no caminho que percorremos todo o caminho era cercado de matto tão espesso e cerrado que dificilmente se poderião dar alguns passos por fora do caminho; tãobem tivemos de subir ladeiras tão ingremes e de mau transito que muitas vezes os carregadores nos não podião conduzir nas tipoias e tinhamos de caminhar a pé grandes espaços; do meio dia para a uma hora deste dia 27 chegamos ao lugar de Ten[fl.5]darianico onde apenas há uma casa ocupada por patrulhas «d’empacaceiros» que existem na estrada de distancias em distancias; como a jornada do dia antecedente 36

Foi feita uma correcção pelo autor do documento: estava escrito “uma” e foi riscado o “a” passando a estar escrito “um”.

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tivesse sido muito longa e os carregadores viessem muito cançados resolvi não marchar mais para diante ficando aqui toda a tarde e pernoitando nesta casa que regulava pela da noite antecedente. No dia 28 fomos pernoitar a Calumguenhe; o caminho durante o dia pouco differia do antecedente sendo em uns lugares coberto de grande arvoredo, em outros extensas campinas de capim e algumas poucas e grandes arvores como imbumdeito, latos etc. Em 29 fomos pernoitar em Calôlo durante estes dois ou trez dias nem agoa se encontrava e para beber por estes desertos aridos e inhospitos valeu-nos o trazer alguns moringues com agoa. Dia 30 «por 10 horas chegamos a Muria com resto d’agoa» fomos a Trombeta, neste [fl.5v.] lugar pareceu entrar-mos em um novo paiz; havia aqui uma bella propriedade pertencente a um sujeito chamado Monção e composta pela maior parte de café embellezada porém com muitas bananeiras, laranjeiras, algumas videiras com uvas, horta, ervilhas, feijão e varias outras curiosidades que «pela…» tanto alegrão o europeu, errante por estes ermos sitios. Daqui para o Golumgo Alto o caminho hé mais agradavel e principalmente desde uma ou duas legoas antes de chegar a esta villa em cujo tramito se vem bastantes cubatas e alguma cultura em volta da estrada que hé sempre cercada de muitas bananeiras, laranjeiras e outros arbustos; chegamos pelas duas ho[fl.6]ras da tarde do primeiro de Julho a esta villa, «sitio» bastante agradavel e abundante de bellas agoas; deve vir a ser um dos milhores pontos da Provincia e de bastante importancia se algum dia esta Provincia vier a prosperar do que infelizmente está muito longe e parece que o Governo disgraçado do Calheiros a conduz com passos de gigante a um abismo certo. Tudo aqui ficado no dia 2 para descançar recebemos por uns passageiros sahidos de Loanda dois dias depois de nós a triste noticia que algumas horas antes delles sahirem tinha entrado a Corveta Estefania vinda do Ambriz com a noticia de estar revoltado todo o Districto e sitiadas as guarnições [fl.6v.] do Bembe e Congo. Dia 3 ao amanhecer partimos para nos dirigir a Ambaca; hé sempre uma bella estrada encontrando-se sempre alguns ribeiros de soffrivel agoa; durante uma legoa vê-se alguma cultura e um sitio agradavel; depois vê-se a aridez d’Africa e extensos plainos de capim e arvores silvestres e infructiferas e assim hé todo o concelho d’Ambaca; do Golungo a Ambaca gastamos dois dias pernoitando no primeiro em Cabinda e no segundo dia 4 na residência do Chefe d’Ambaca.

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Dia 5 só podemos seguir viagem por volta das 9 para as 10 horas pela difficuldade que o Chefe teve em arranjar carregadores e «estes»37 mesmos erão pessimos e neste tempo havia grandes difficuldades em as levar daqui para diante com medo da Malange para onde não ião se não amarrados e bem escoltados; por isso apesar de [fl.7] levar-mos alguns soldados para os escoltarem nos largarão as cargas e fugirão trez antes de passar o rio Locála que atravessamos por 11 horas e continuamos a jornada com os trez carregadores de menos tendo por isso de fazer levar uma carga a um dos soldados e ficando as nossas duas tipoias reduzidas a dois carregadores pelo que tivemos de ir a pé grande parte do caminho; nesta noite vendo que nos anoitecia e não podiamos alcançar um lugar que ficava na estrada aonde deviamos pernoitar avistando fora do caminho uma sanzalla composta d’umas trez ou quatro cubatas de miseraveis negros tivemos de nos dirigir para alli e ficar em uma destas habitações para não ficar expostos ao cacimbo e silento da noite. Durante a noite que nada podemos dormir tinhamos o maior receio que os carregadores nos tivessem continuado a fugir e ao a[fl.7v.]manhecer nos achassemos em um sitio tão pouco agradavel privados de seguir viagem; felizmente não tinhão fugido mais e existião os 21 que nos restavão; pondo-nos a caminho logo ao amanhecer chegamos pelas 11 horas à Zamba tendo feito nesta manhãa uma boa jornada d’umas trez legoas; aqui tivemos de «dar» descanço «de duas horas» aos carregadores e almoçar; durante o descanço fomos informados que não era possivel ir esta noite para Pongo-Andongo como desejavamos mas que apenas poderiamos alcançar um sitio chamado Cazil aonde existe uma pessima caza de patrulhas; resolvemos partir para ver se podiamos ir ao menos ficar aqui; 38 a jornada era bastante grande como depois vimos e o caminho dos piores que transitamos tendo de ir sempre por um estreito carreiro [fl.8] entre capim fechado e d’uma imensa altura que com custo as tipoias podião romper; só ao anoitecer chegamos àquelle sitio de Cazil não nos faltando felizmente carga alguma; dormimos pessimamente e ao romper do dia partimos para Pongo-Andongo de que estavamos perto e onde chegamos por nove horas; o Chefe do Concelho que há poucos dias tinha ido de Loanda, official da nossa amizade estava almoçando e por isso chegamos muito a propósito, tractando logo de nos sentar à mesa e primeiro que tudo aproveitar o almoço. Aqui resolvi descançar alguns dias porque precizavamos de descanço e mesmo para ver este sitio digno de se ver e admirável pela singularidade da

37 38

Foi riscada a palavra: “assim”. Foram riscadas as palavras: “este ponto”.

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sua situação no meio de uma muralha de elevadas penedias donde brotão as milhores agoas que se bebem em Africa. Descançamos portanto [fl.8v.] o resto deste dia 7, os dias 8 e 9. Dia 10 partimos às 8 horas; pernoitamos em uma caza de patrulhas pois o caminho daqui até perto de Malange hé quasi todo deshabitado; dia 11 ficamos em um sitio chamado Lomba pertencente a um dos Pires de Pongo-Andongo; dia 12 continuando a jornada fomos pernoitar em um sitio chamado o Franco e no dia 13 ao meio dia chegamos a Malange termo da nossa jornada por algum tempo. Dia 14 tomei conta das forças compostas de 800 e tantas praças sendo 80 do Batalham de Linha de Loanda, tudo o mais … de diferentes concelhos. Dia 25 tivemos hum grande susto por ter pegado fogo na cozinha da residencia do Chefe com quem eu tãobem morava havendo no paiol a uns 40 passos de distancia uma immensa porção de polvora [fl.9] bombas etc. cuja explosão faria ir pelos ares toda a povoação de Malange; felizmente o vento corria contrario à cozinha incendiada do lado do paiol; isto animou a todos e conseguiu-se extinguir breve o incêndio da uma para as duas horas da tarde. Não entrarei minuciozamente no que se passou durante alguns mezes que me conservei nesta posição das amarguras que soffri, as grandes difficuldades que para tudo se apresentavão e finalmente a grande responsabilidade de que sobre mim pesava a uma distancia tal do Governador Geral que só em 24 ou 25 dias se podia receber resposta de alguma coisa que por elle se proposesse; recebi instruções para a campanha que devia ter lugar no fim de Septembro [fl.9v] em cujo tempo devião estar reunidas em Malange dizia o Governador Calheiros as grandes forças que elle imaginava para operarem contra Cassange; em 30 de Septembro tive a noticia de ter rendido o Calheiros pelo Andrade chegado em 17 no vapor D. Pedro. Na occazião da entrega do Governo dizia o Governador que entregava que até fim d’aquelle mez devião estar reunidos em Malange e marchar sobre Cassange pelo menos 15 mil homens!!! Porém chegou o fim de Septembro e os primeiros dias d’Outubro e eu não tinha debaixo do meu comando mais que a força que tinha tomado conta em 14 de Julho, isto hé com

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cento e tantas praças de menos desertadas no fim

d’Agosto e em Septembro. [fl.10] Finalmente em 8 d’Outubro chegou o Major Serra, meu imediato no comando e encarregado de reunir as forças do Districto do Governo Alto em Ambaca trazendo ao

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Foi riscada a palavra: “menos”.

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todo 2.400 praças de pessima gente que pelo maior parte só para carregadores servião e muitos nem para isso e que desertavão continuadamente sendo precizo trazer prezos e amarrados o maior numero delles; eis a que se redusião os 15 mil homens! Dos Bailundos que tinhão sido convidados pelo comercio e que se esperavão em numero de 5 mil homens não aparecião nem havia noticia alguma! Das forças do Calandula de quem se esperavão mil e quinhentos a dois mil empacaceiros e que hé boa gente havia a promessa de virem mas quando isso tivesse lugar (o que hé duvidoso pois [fl.10v.] a ninguem se pode fiar nesta gente) só virião a reunir-se para o fim de Novembro. Aqui estão as circunstancias apuradas em que eu me vi sem poder marchar sobre Cassange por não ter forças para isso e sem poder pedir uma resolução prompta ao Governador Geral pela grande demora que havia em receber resposta de qualquer negocio urgente; algumas portarias me autorizavão a tomar algumas resoluções quando as circunstancias assim o exigissem mas a responsabilidade pesava sobre mim e não era piquena; com um tal apuro reuni um Conselho composto de mim, do Major Serra, e o escrivão Deputado da Junta da Fazenda; neste Conselho prevaleceu a opinião de que se lavrou o competente autho que convinha tomar desde já a resolução d’addiar a guerra para a proxima estação do cacim[fl.11]bo mandado regressar aos seus respectivos concelhos a gente aqui reunida e dispensavel da guarnição deste posto para o que se julgou sufficiente uma força igual a que existia antes do dia 8; sob minha responsabilidade mandei adoptar e pôr em execução esta opinião dando parte ao Governador Geral do resolvido e das circunstancias que a isso obrigavão; dia 15 sahio para os diferentes concelhos a força chegada dia 8 ficando assim adiada a campanha sobre Cassange ou para o cassimbo ou para uma nova epoca marcada pelo Governador e para a qual se devião convocar e reunir com antecedencia novas forças. [fl.12] Em 12 de Novembro sahi de Malange para Pongo-Andongo aonde cheguei em 14 pelas 3 horas da tarde demorando-me alli ate 22 em cujo dia sahi as 8 horas da manhãa e fui pernoitar no Lengue; em 23 pernoitei em Inhengue em casa d’um feirante; dia 24 em Quibuanata; 25 fomos almoçar em Camongoa e dormir em uma piquena casa ezulada à beira do caminho cujo nome ignoro; e em 26 pelas 10 horas da manhãa

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chegamos ao Dondo.41

40 41

Foi riscada a palavra: “pernoita”. O texto da folha 12 está escrito a lápis.

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Fontes e Bibliografia Arquivo Histórico Militar. Lisboa. Portugal. Processo do capitão João José de Botelho Lucena. Arquivo particular António de Lucena Sampaio. BENTTENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti (dir.) – História da Expansão poruguesa. Do Brasil para África (1808-1930) Vol.4 COSTA, Avelino Jesus da – Normas gerais de transcrição e publicação de textos modernos, 3ª ed., Braga, 1993. DIAS, Pedro – Arte de Portugal no Mundo. África Ocidental. Vol. 4, 2009. DIAS, Pedro – Arte de Portugal no Mundo. África Oriental e Golfo Pérsico. Vol. 8, 2009. DIAS, Pedro – Arte de Portugal no Mundo. Índia. Urbanização e Fortificação. Vol. 9, 2009. DIAS, Pedro – Arte de Portugal no Mundo. Índia. Arquitectura civil e religiosa. Vol. 10, 2009. FALCÃO, Armando de Sacadura – Os Lucenas. Tomo I e II. Carvalhos de Basto: Braga, 1993. LUCAS, Maria Manuela – Do Brasil à África: a expansão oitocentista portuguesa na corrente das ideias modernas. Coimbra: [s.n.], 1972. MACHADO, José Timóteo Montalvão – Dos Pizarros de Espanha aos de Portugal e Brasil. História e Genealogia. MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal. O Liberalismo. Vol. 5. Editorial Estampa, 1993.

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Índice Introdução…………………………………………………………………………… Regras de Transcrição………………………………………………………………. Documento 1 – Batalhão Expediconário à Índia (1840-1845) …………………… Documento 2 – Apontamentos da 2ª expedição a Angola (1860) ………………………. Documento 3 – Batalhão Expedicionário a Angola (1861) …………………………. Documento 4 – Expedição em Angola (1862) …………………………………………. Fontes e Bibliografia …………………………………………………………………

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