Os Filhos dos Dias - Eduardo Galeano

August 14, 2017 | Autor: Paula Sicchierolli | Categoria: Eduardo Galeano
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Eduardo Galeano

Os filhos dos dias Tradução de Eric Nepomuceno

L

Gratidões Não posso agradecer a todos os amigos que fizeram este livro possível, nem aos autores das muitas obras que consultei. Os amigos e os autores não lotariam um estádio, mas quase. Isso, sim: não posso deixar de dedicar o resultado a quem teve a paciência de ler e opinar sobre as primeiras versões, que queriam ser últimas e eram sempre penúltimas, porque sempre havia alguma coisa a ser corrigida ou mudada ou suprimida ou acrescentada: Ramón Akal, Mark Fried, Karl Hübner, Carlos Machado e Hector Velarde. Este livro é dedicado a Helena Villagra. Sem palavras. Em Montevidéu, no final do ano de 2011.

9

E os dias se puseram a andar. E eles, os dias, nos fizeram. E assim fomos nascidos nós, os filhos dos dias, os averiguadores, os buscadores da vida. (Gênesis, de acordo com os maias)

11

Janeiro

Janeiro 1

Hoje Hoje não é o primeiro dia do ano para os maias, os judeus, os árabes, os chineses e outros muitos habitantes deste mundo. A data foi inventada por Roma, a Roma imperial, e abençoada pela Roma vaticana, e acaba sendo um exagero dizer que a humanidade inteira celebra esse cruzar da fronteira dos anos. Mas uma coisa, sim, é preciso reconhecer: o tempo é bastante amável com a gente, seus passageiros fugazes, e nos dá permissão para crer que hoje pode ser o pri­ meiro dos dias, e para querer que seja alegre como as cores de uma quitanda.

15

Janeiro 2

Do fogo ao fogo Neste dia de 1492 caiu Granada, e com ela caiu a Espanha muçulmana inteira. Vitória da Santa Inquisição: Granada havia sido o último reino espanhol onde as mesquitas, as igrejas e as sinagogas conseguiam ser boas vizinhas. No mesmo ano começou a conquista da América, quando a América ainda era um mistério sem nome. E nos anos seguintes, em fogueiras distantes, o mesmo fogo queimou os livros muçulmanos, os livros hebraicos e os livros indígenas. O fogo era o destino das palavras que nasciam no Inferno.

16

Janeiro 3

A memória andante No terceiro dia do ano 47 a.C., ardeu em chamas a biblioteca mais famosa da Antiguidade. As legiões romanas invadiram o Egito, e durante uma das batalhas de Júlio César contra o irmão de Cleópatra o fogo devorou a maior parte dos milhares e milhares de rolos de papiro da Biblioteca de Alexandria. Um par de milênios depois, as legiões norte-americanas invadiram o Iraque e, durante a cruzada de George W. Bush contra o inimigo que ele mesmo inventou, virou cinza a maior parte dos milhares e milhares de livros da Biblioteca de Bagdá. Na história da humanidade inteira, houve um e só um refúgio de livros seguro e à prova de guerras e incêndios: a biblioteca andante, uma ideia do grão-vizir da Pérsia, Abdul Kassem Ismael, no final do século X. Homem prevenido, esse viajante incansável levava sua biblioteca consigo. Quatrocentos camelos carregavam cento e dezessete mil livros, numa caravana de dois quilômetros de comprimento. Os camelos também serviam de catálogo das obras: cada grupo de camelos carregava os títulos que começavam com uma das trinta e duas letras do alfabeto persa. 17

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