OS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA UMA TEORIA DA REGULAÇÃO EM MERCADOS DE CAPITAIS EM PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO

July 24, 2017 | Autor: Rene Garcia Jr | Categoria: Financial Regulation
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12 Revista da CVM

Artigos

OS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS PARA UMA TEORIA DA REGULAÇÃO EM MERCADOS DE CAPITAIS EM PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO Renê Garcia Jr1

Introdução A globalização financeira e o aumento

ticular importância no Brasil, em função dos des-

da competição entre serviços financeiros têm

dobramentos da crise deflagrada pós setembro

exigido dos agentes reguladores não só uma

de 2001, e os possíveis desdobramentos desse

nova postura reguladora, mas também uma ver-

ambiente de incertezas sobre o fluxo de capitais

dadeira redefinição de objetivos e políticas de

para os países emergentes. A primeira avaliação

atuação. As recentes mudanças nas estruturas

do fenômeno indica que os países receptores de

regulatórias de países como Austrália, Reino

capital , terão que adotar políticas de valorização

Unido e Japão apontam à necessidade de uma

e fortalecimento de direitos aos investidores e um

visão integrada do papel dos reguladores, com

forte esquema de proteção contra as práticas

ênfase na busca de um ambiente regulatório óti-

de lavagem de dinheiro. Nesse contexto surge a

mo, em que haja a busca constante da

necessidade de um amplo debate e uma pro-

maximização do valor das supostas sinergias en-

funda avaliação do modelo de regulação de mer-

volvidas na relação entre os diversos agentes re-

cados financeiros e uma reavaliação nos atuais

guladores em um mesmo mercado em processo

objetivos dos órgãos. A proposta deste trabalho

de integração . A análise da moderna teoria da

consiste justamente na exposição da moderna

regulação de mercados de capitais em processo

teoria de regulação de mercados de capitais e

de integração econômica, reverte-se de uma par-

seus desdobramentos sobre países emergentes.

As Premissas do Modelo Segundo Hoenig (1996), o modelo de

de de capitais, onde os agentes econômicos

regulação de um país deve levar em conta a

fazem arbitragens de ativos e mercados e onde

existência de um mundo de plena mobilida-

deficiências regulatórias são consideradas

1

O Autor é economista com mestrado e doutorado em economia pela EPGE/FGV, Professor da Faculdade de Economia do IBMEC e do

Curso de Mestrado em Administração do IBMEC e do Programa de MBA da EPGE/FGV , foi diretor da CVM no período 1990/93

Revista da CVM 13

custos de transação ou falhas de mercado,

uma única

agência, possibilitando a

podendo colaborar para a consolidação ou

regulação, a fiscalização e a supervisão de

o esvaziamento de mercados inteiros. O pa-

produtos, mercados e serviços sob uma óti-

drão anglo-saxão de regulação passa a ser a

ca voltada para um completa integração e

norma exigida para a sobrevivência de cen-

complementaridade.

tros de liquidez e a condição inicial para o

Em segundo lugar, as agências regula-

desenvolvimento da relação dinâmica da

doras devem ser vistas como ofertantes de

oferta e a demanda (existência de mercado)

serviços de regulação, fiscalização e super-

por serviços financeiros globalizados, tais

visão, em que os demandantes são investi-

como a colocação de ações, a venda de se-

dores institucionais, especialistas ou forma-

guros, os resseguros, o crédito bancário de

dores de mercado, instituições financeiras,

longo prazo e planos de previdência pri-

seguradoras, consumidores, companhias e

vada.

entes externos. A complicação surge em fun-

Para o início da análise da racionalidade econômica decorrente da regulação de sis-

ção das características da oferta dos serviços da atividade de regulação.

temas financeiros (Dale e Wolfe, 1997), pre-

A oferta dos serviços de regulação ocor-

cisamos de uma definição mais clara de al-

re de forma compulsória pela agência, não

guns elementos conceituais.

sendo claro para os demandantes qual o

Em primeiro lugar, é necessário fazer

valor contido na informação gerada pela

uma distinção entre regulação (estabeleci-

regulação. Essa ausência de mecanismos de

mento de regras específicas de comporta-

mercado acarreta uma distorção na forma-

mento), fiscalização (observação de como as

ção do preço ou do valor que os usuários

regras são obedecidas) e supervisão (verifi-

pagariam pelo serviço, pois a regulação é

cação do comportamento operacional das

claramente, um produto com as caracterís-

empresas financeiras). Essa conceitual é ne-

ticas de bem público. Ou seja , o consumo

cessária porque a argumentação da eficiên-

do bem ofertado pelo agente ofertante não

cia da concentração e da centralização da

diminui a quantidade ofertada do bem para

fiscalização em agências de regulação está

os demais consumidores, aliado ao fato de

fundamentada na hipótese de maximização

que agentes econômicos detêm graus dife-

das economias de escala e de escopo do pro-

renciados de informação sobre o mercado

cesso de regulação de mercados. Essa

em que atuam. Melhor dizendo, a oferta da

maximização, por sua vez, é proporcionada

regulação tem que considerar a hipótese

pelo ambiente concentrador de funções ge-

que o mercado é constituído de situações

rado pelas externalidades positivas deriva-

de assimetrias informacionais e que agentes

das da fusão das entidades reguladoras de

e instituições operam por meios e ações não-

mercados específicos e particularizados em

homogêneas, onde a sinalização das ações

14 Revista da CVM

dos regulados não são de fácil leitura ou in-

3. Os consumidores de serviços financei-

terpretação.

ros, que são os agentes econômicos não-

A constatação da existência de agen-

especializados, chamados de outsiders.

tes com conteúdos informacionais não-ho-

Como resultado para essa tipificação

mogêneos, ou a configuração da assimetria

dos agentes em atuação nos mercados, te-

informacional, é a peça fundamental para

mos uma série de pesquisas em que são ana-

compreendermos a razão do enfoque sobre

lisados a natureza e os efeitos da existência

a apropriação dos conceitos da economia das

dos chamados “ruídos” (noise) nos negócios

informações, (Ackerloff, Stiglitz e outros te-

e nos mercados financeiros em geral (Black,

óricos da teoria da regulação voltados para

1986; Shleifer e Summers, 1990).

mercado de capitais em processo de globalização).

O autores definem “ruído” como qualquer desvio que o preço de um ativo possa

Na economia da informação, é admiti-

apresentar em relação ao seu “valor verda-

da a hipótese da existência de mercados com

deiro”, definido como o preço corresponden-

assimetria informacional ou incompletos, ha-

te a toda informação relevante, publicada ou

vendo três classes de agentes em atuação,

não. Para Black, “ruído” e “informação” são

que seriam investidores ou consumidores de

coisas distintas, sendo o primeiro apenas um

serviços financeiros:

preço espúrio resultante da incapacidade dos

1. Os atacadistas - Os grandes investi-

investidores em precificar corretamente a in-

dores, agentes que pelo porte das opera-

formação obtida.

ções podem alterar a formação dos pre-

Juntamente com esse conceito, tam-

ços dos serviços ou ativos em negocia-

bém são definidas duas categorias de inves-

ção, com condições de propor mudan-

tidores: os operadores de ruídos - “noise

ças em cláusulas ou termos de contratos

traders” e os negociadores de informações -

de prestação de serviços financeiros,

“information traders”. Os primeiros

societários ou projetos de investimento.

transacionam motivados por “ruídos” como

Por suas características, são definidos

se estivessem baseando-se em informações

como os insiders.

verdadeiras, isto é, utilizam um conjunto

2. Os especialistas - Os agentes de merca-

menor de suas informações de compra e ven-

do, profissionais ou entidades ou firmas que

da. Os últimos negociam com ênfase em

atuam no mercado arbitrando desequilíbrios

análises fundamentalistas e prescindem mais

ou dando liquidez, podendo formar preços

de liquidez, pois o timing de seus negócios

em ativos e deter ocasionalmente, informa-

está predominantemente, mas não só, com-

ções relevantes sobre o ativo negociado. São

prometido com tais informações do que com

chamados de market makers.

possíveis distorções nos preços. Portanto, Revista da CVM 15

estaria correto o pressuposto de que os ne-

é, com ele os preços tendem a se desviar

gociadores de informação conhecem melhor

mais e mais de seu valor original, só sendo

o “valor justo” do ativo, de modo que quan-

anulado pela presença de informação ver-

to mais o preço do ativo desviar-se desse

dadeira fornecida pelos negociadores de in-

patamar, mais agressivos eles serão.

formação.

Cumpre ressaltar que essa classificação

Os trabalhos em exposição mostram

define uma linha divisória útil, ainda que

uma correlacão entre a presença de ruído e

difusa e impossível de traçar com precisão,

a volatilidade e a autocorrelação dos retor-

pois mesmo os “negociadores de informação”

nos de um determinado ativo. Além disso,

podem pensar que estão transacionando

revelam a existência de uma relação positi-

com informação quando, na verdade, ao

va entre a existência de “ruído” e a

menos em parte, estariam sendo iludidos por

volatilidade e que qualquer mudança na

alguma espécie de “ruído”.

negociação que envolva “ruídos” alteraria a

Os trabalhos de Black, Shleifer e

volatilidade e a estrutura de autocorrelação

Summers ainda apresentam ponderações

dos retornos do ativo. Essa constatação pro-

sobre o comportamento de tais classes de

porciona a elaboração de uma hipótese a

investidores e possíveis efeitos de suas atua-

respeito da natureza dos investidores que

ções nos preços e na volatilidade dos ativos.

transacionam e realizam operações entre e

Para Black, quanto mais negociadores de

com diversos ativos em mercados ou horári-

ruídos “noise traders” estiverem em opera-

os de funcionamento diferentes.

ção no mercado, maior será a liquidez e

Em outra pesquisa, Wang (1994) baseia-

menos eficiente será o mercado, pois os pre-

se na suposição de que diferentes números

ços não refletirão corretamente o valor ver-

de investidores possuem vários níveis de in-

dadeiro dos ativos nele negociados.

formação sobre o processo de dividendos da

Da mesma forma, quanto mais “noise

firma. A conclusão mais importante de sua

traders”, maior será a presença de

pesquisa foi que o volume negociado está po-

“information traders”. E isso por duas razões:

sitivamente relacionado com o nível de sime-

porque aqueles necessitam da liquidez

tria da informação. Karpoff (1987) encontrou

fornecida por estes e porque a presença dos

uma relação significativa e positiva entre vo-

primeiros aumenta a chance de os últimos

lume e volatilidade. Um modelo teórico pa-

comprarem ou venderem “fora do preço”.

recido é o de Kim e Verrecchia (1991), no

Se essa hipótese for verdadeira, reduzir a

qual a informação pública é associada com o

presença dos negociadores de “ruído” é igual

aumento do volume negociado, sendo esse

a diminuir a liquidez do mercado e a pre-

aumento uma função positiva da precisão do

sença dos negociadores de informação. Além

sinal manifestado pela informação pública.

disso, o “ruído” tende a ser cumulativo, isto 16 Revista da CVM

O que esse conjunto de trabalhos de

dada pode proporcionar uma situação em

pesquisa, de diversos autores e com

que ela pode estar sendo superofertada pe-

metodologias complexas e sofisticadas, nos

los reguladores e subdemandada pelos con-

revela é que, em decorrência da existência

sumidores (regulados), em função de sua ca-

de agentes com diferentes posturas e inser-

racterística de bem público.

ções nos mercados, o modelo de equilíbrio de mercados pode apresentar, como corolário, que a simples percepção das ações dos participantes não seria suficiente para produzir um mercado eficiente (Merton, 1987; Miller, 1998), pois os mercados são incompletos ou, havendo equilíbrio, mesmo que estável, tal equilíbrio pode não ser global ou único.

A regulação impõe custos não-uniformes entre os agentes e de forma diferenciada, o que irá se refletir na formação de preços dos serviços financeiros ofertados. Custos excessivos decorrentes de uma regulação marcada pela aversão ao risco dos reguladores podem inibir mercados, do mesmo modo que a oferta de regulação em quantidades inferiores ao socialmente desejado, ou seja,

A segunda conclusão é que, em fun-

em quantidades insuficientes à maximização

ção da existência de externalidades, a

do bem-estar da sociedade. E isso acaba co-

regulação de serviços financeiros pode cola-

laborando para uma oferta de serviços finan-

borar para um equilíbrio estável. Ocorre que

ceiros com elevado risco individual e alta

a regulação é um serviço ou atividade não-

concentração de risco.

precificável a mercado, daí a dificuldade na provisão dos serviços em quantidades e preços compatíveis com o equilíbrio de mercado, quando essa provisão ocorre de forma não-compulsória.

Por fim, a regulação tende a mudar o comportamento dos agentes regulados, do mesmo modo que a imposição de regras e as restrições de conduta e ações criam estímulos diferenciados entre os entes regula-

A terceira conclusão mostra que, da-

dos e combinações de incentivos e restrições

das as características de formação do custo

que implicam a distribuição de custos de for-

(preço) da oferta dos serviços de regulação

ma não uniforme entre os diversos atores ob-

financeira, a combinação de quantidade de

jetos da regulação, afetando o comportamen-

regulação ofertada com a regulação deman-

to destes diante de uma situação de risco.

Os Objetivos da Regulação A regulação pode ser entendida como um conjunto de contratos, leis, regulamentos e ações de fiscalização e supervisão que impõem incentivos (custos e benefícios) para os agentes regulados (fir-

mas, consumidores), de forma a ajustar suas ações e comportamentos diante de situações ou avaliações de risco, inclusive o monitoramento do seu próprio sistema de avaliação e gerenciamento de risco. Revista da CVM 17

Em um arcabouço institucional mais

Esses princípios determinam a perspec-

elaborado, a regulação deve ser vista como

tiva da ação da regulação e o arranjo de um

um processo de criação de incentivos com-

modelo de ações que estabeleça um con-

patíveis com as obrigações pactuadas em

junto de instrumentos regulatórios que

contratos entre agentes (companhias, insti-

otimizem o bem-estar social. É o que a teo-

tuições financeiras, agentes de investimen-

ria econômica define como uma estratégia

tos e consumidores), de tal sorte os agentes

regulatória consistente (Kane, 1986).

regulados tenham incentivos a adotarem comportamento consistente com os objetivos sociais de estabilidade sistêmica e proteção aos direitos dos consumidores.

De toda forma, como já enfatizado, os benefícios e os custos da regulação tendem a incidir de forma diferenciada entre os diversos agentes de mercado. Em especial, essa

Se os incentivos da relação regulador-

incidência dá-se sobre os consumidores de

regulado forem bem definidos, a regulação

serviços financeiros. Ou seja, sobre aqueles

induz os agentes regulados a um comporta-

agentes econômicos que, em suas relações

mento apropriado. Em caso contrário, pode

contratuais, formais ou não, com ofertantes

colaborar para aumentar a probabilidade de

de serviços financeiros ou entes regulados2

que os ofertantes (firmas) adotem compor-

(firmas, bancos, seguradoras, planos de pre-

tamentos que elevem o risco sistêmico. Em

vidência, serviços de custódia, serviços de

tal situação, um agente individual contribui

negociação de títulos), venham a aderir a

para aumentar o risco de perda do mercado

termos isolados ou à totalidade de contratos

como um todo pela existência do chamado

(de prestação de serviços ou pactos

risco moral, que se caracteriza pelo estado

societários) nos quais a delimitação de seus

da natureza em que um agente, por suas

direitos, deveres e obrigações encontra-se

ações, pode forçar uma situação, na qual

definida prévia e formalmente, com a apro-

consegue a internalização integral de bene-

vação ou não de um órgão regulador ou por

fícios e a externalização do custo de posi-

regras de usos e costumes. A aprovação dos

ções tomadas contra situações de risco

termos, no entanto, não garante consistên-

adversas.

cia à prestação do serviço acordado. Na ocor-

Essa anormalidade ocorre em face da repartição das perdas do agente com os diversos participantes do mercado. Em

rência de desvios, a ação individual do consumidor pode não ser suficiente para alterar ou mudar essa situação.

contrapartida, a mesma situação pode levar

Consumidores de serviços financeiros

à internalização dos ganhos decorrentes das

tendem a comportar-se, diante da existên-

mesmas ações, só que de forma individual.

cia de um agente externo de regulação, com

Em resumo, temos a coletivização dos pre-

maior confiança e credibilidade nas institui-

juízos e a privatização dos benefícios.

ções reguladas mas, nesse caso, há a possi2

18 Revista da CVM

Instituições financeiras, emissores de valores mobiliários, gestores de recursos, agentes de custódia e compensação de títulos etc.

bilidade de ocorrer uma espécie de miopia.3

benefícios da carona (free rider). Se o mer-

A regulação provoca uma externalidade po-

cado como um todo está protegido pelo

sitiva sobre a formação dos mercados, gera

manto da regulação, aos olhos dos consu-

confiança nas regras do jogo e transmite

midores tal inovação também tem a prote-

maior segurança nas relações entre consu-

ção da regulação, o que pode não ocorrer

midores e ofertantes de serviços financeiros

de fato.

quanto ao fiel cumprimento dos contratos pactuados.

Esse efeito é conhecido na literatura como dialética regulatória (Kane, 1988), ou

No entanto, a regulação tende a uni-

seja, a situação em que agentes regulados

formizar as características dos produtos e ser-

são constantemente tentados a procurar,

viços ofertados pelas instituições reguladas e

pela oferta de produtos e serviços diferenci-

a propiciar o aparecimento das chamadas

ados do padrão de mercado, a descoberta

inovações financeiras (Kane, 1986), que con-

de condições ou meios capazes de diminuir

sistem em produtos, criados e oferecidos

os efeitos restritivos da regulação existente

pelas instituições financeiras aos consumido-

em mercados. A instituição procura uma for-

res de serviços, que, na percepção dos con-

ma de ampliação de suas atividades e recei-

tratantes, incorporam os benefícios do am-

tas, uma vez que o benefício auferido pela

biente de segurança da regulação. Agindo

inovação pode afetar de forma positiva o

assim, as firmas conseguem aumentar sua

valor do negócio, interferindo em sua renta-

participação nos mercados, obtendo ganhos

bilidade.

com renda extra e maior valor de franquia (franchise). Não obstante, é preciso estar atento, pois é possível ocorrerem situações em que tais produtos ou as cláusulas da prestação de serviços podem não estar protegidos pela regulação.

A ampliação da participação no mercado (market share) pela instituição pode despertar a atenção dos concorrentes ou da agência de regulação, o que resultaria na imposição de novas restrições ou na oferta do produto ou serviço pela concorrência, forçando as empresas a

Os agentes regulados podem ser tenta

um nova rodada ( loop) de inovações. Nesse

dos individualmente a adoção de estratégi-

aspecto, a regulação deve funcionar de modo a

as e comportamentos em seus negócios que

assegurar condições para a livre competição

não sejam abarcados pelas regras restritivas

entre as instituições financeiras e companhias,

impostas pelos agentes reguladores. E a bus-

sem a possibilidade do desenvolvimento do pri-

ca por benefícios decorrentes dessa fuga às

vilégio do monopólio, da cartelização ou de res-

limitações do marco regulatório aumenta à

trições de qualquer tipo à livre oferta de produ-

medida que a ação de uma firma isolada não

tos e serviços, exceto quando o processo se ori-

seja acompanhada pelas demais, traduzin-

gina de uma vantagem tecnológica específica

do um fenômeno conhecido na literatura de

ou decorre de externalidades. O resultado final

3 Situação em que os agentes podem tomar atitudes agressivas em aplicações financeiras ou na compra de ativos ou serviços financeiros . Ações que em que os consumidores podem estar assumindo posições de aversão ao risco por conta de erros na avaliação de estados da natureza, fruto de excessiva confiança na eficiência regulatória.

Revista da CVM 19

é a equalização das margens de retorno dos produtos e serviços ofertados.

a) a possibilidade de ambientes de insegurança e a insolvência de instituições;

Uma distinção importante a ser feita se

b) perdas não-pactuadas provenientes

refere aos objetivos da regulação. O que a

de informações não-fornecidas pelos

agência reguladora deseja obter em termos

contratantes;

de segurança com a racionalidade da regulação? Por que a regulação é necessária? Quais objetivos devem ser alcançados e

c) perdas por fraude em gestão de recursos;

quais as razões da regulação? Por que, na

d) a oferta enganosa de serviços;

prática, a regulação deve ser imposta?

e) a avaliação enganosa de riscos por

No caso específico de serviços financeiros em sua acepção mais ampla, a regulação governamental pode ser justificada como sendo necessária para:

gestores de recursos; f) a discriminação entre consumidores de serviços; g) o tratamento discricionário; h) a oferta de serviços sem a exposi-

1. preservar a integridade do sistema financeiro contra eventuais riscos de natureza

ção adequada dos riscos assumidos por consumidores não-especializados; e

sistêmica, efeitos de contágios e choques de natureza adversa, locais ou externos; 2. monitorar o comportamento de institui-

i) operações que envolvam a lavagem de dinheiro.

ções financeiras, em face destas serem contrapartes em contratos de prestação

Na prática, as instituições financeiras

de serviços que envolvem a guarda

bancárias podem criar moeda, o que im-

fiduciária de valores e gestão de poupan-

plica mudanças na oferta de crédito da

ça de consumidores ou investidores por

economia e na apropriação do bem-es-

prazos longos, o que acarreta custos de saída e eventuais perdas em caso de quebras dessas instituições; 3. identificar e corrigir imperfeições e falhas no mercado;

tar da sociedade. Em função dessa particularidade, especial atenção deve ser dada aos demonstrativos e à consistência das informações, além da adequada compreensão dos sinais emitidos pelas

4. proteger consumidores, no caso dos ser-

instituições financeiras. Isso porque as

viços financeiros, de desvios e fraudes em

falhas de mercado podem colaborar para

contratos de serviços, garantindo, então,

a apropriação de externalidades negati-

a regulação à proteção dos consumido-

vas pelos agentes, em especial os consu-

res contra:

midores que detenham assimetria

20 Revista da CVM

informacional (Llewellyn, 1998 e 1999)com destaque para o fato de que:

ofertante dos serviços; f) os desvios de conduta e as defic i ências na gestão dos recursos de pla-

a) a liquidação extrajudicial ou a fa-

nos de previdência de benefício defi-

lência de instituições financeiras pode

nido podem colaborar para perdas

impor custos e perdas a terceiros não

não-esperadas de empresas e contri-

envolvidos

buintes;

diretamente

como

contraparte de contratos diretos de serviços (efeito-contágio);

g ) a ofer ta eng anosa de ser v iços fi nanceiros pode alterar a credibilidade

b) a liquidação extrajudicial ou a fa-

nas instituições financeiras como um

lência de uma instituição financeira

todo, afetando a alocação da poupan-

pode resultar em corrida para saques

ça financeira;

ou mesmo para a falência de outras instituições financeiras;

h) informações distorcidas sobre a saúde financeira de empresas, segura-

c) ações de controladores de empre-

doras e instituições financeiras po-

sas contra os direitos dos minoritários

dem impor desnecessários e elevados

podem

de

custos de informação sobre atuais e

credibilidade para os investidores em

futuros usuários de serviços financei-

ações e títulos;

ros;

redundar

em

perda

d) a liquidação extrajudicial ou a fa-

i) um baixo desempenho dos meca-

lência de instituições financeiras (com

nismos de controle interno das insti-

depósitos segurados ou não) pode im-

tuições e imperfeições na concorrên-

por custos para os contribuintes;

cia podem acarretar deficiências na

e) os contratos de serviços financeiros diferem dos contratos de serviços normais ou tradicionais, pois ao primeiro está relacionada a guarda

oferta de serviços bancários e de seguro, o que acaba colaborando para o aumento do risco dos negócios e da economia;

fiduciária de poupança financeira de

j) o mercado é constituído por

indivíduos, na qual estão contidas ex-

agentes heterogêneos em avaliação de

pectativas de valorização futura de ati-

r isc o, infor m aç ão e c apac idade de i n-

vos e confiança em instituições, e a

fluenciar a execução de contratos de

ocorrência de falhas na contraprestação

serviços financeiros; e

dos serviços está normalmente associ-

k) os consumidores tendem a con-

ada à quebra ou à deterioração das

fiar

condições de solvência e liquidez do

ofertados por instituições reguladas,

em

instituições

e

serviços

Revista da CVM 21

A regulação voltada para a proteção aos pequenos o que causa uma relação cruzada entre a oferta

os consumidores podem receber conselhos

de regulação e o alvo da própria regulação.

incorretos ou inadequados;

A regulação deve ter o objetivo de assegurar

podem acontecer situações de insolvência da

que a condução dos negócios seja o desenho

instituição contratada, ao longo da maturi-

das regras e dos procedimentos de conduta das

dade do contrato;

instituições e ser suficientemente abrangente

contratos de prestação de serviços podem

para enquadrar o comportamento desses entes em padrões de confiança e segurança para o pleno exercício das relações entre esses agentes e os consumidores de serviços e produtos financeiros. A proteção aos consumidores de serviços financeiros deve ser focada na perspectiva de que

apresentar resultados diferentes do originalmente acordado entre as partes; podem ocorrer fraudes e informações falsas por parte das instituições e companhias; as instituições financeiras podem ser geridas de forma irresponsável;

os contratos pactuados e a entrega dos serviços

os consumidores de serviços financeiros po-

podem conter erros, falhas de conduta e imper-

dem ser levados a mudanças de comporta-

feições na qualidade dos serviços. Essa quebra

mento, sendo mais agressivos diante do ris-

contratua l(Beston, 1999; Jeunemaitre, 1998;

co devido a falhas do ambiente regulatório e

Rojas-Suarez, 1998) pode ser expressa das se-

do monitoramento, e da supervisão das ins-

guintes formas :

tituições financeiras e dos entes regulados.

As Falhas nos Mercados O emprego da racionalidade econômica

rência de imperfeições nos mercados impõe,

na regulação financeira também se justifica

na maioria das vezes, aos consumidores cus-

pela ocorrência de falhas e imperfeições nos

tos que não estavam previstos ou pactuados

próprios mercados. De fato, as distorções na

originalmente. Essa circunstância implica a

condução dos serviços financeiros pelas ins-

necessidade de uma regulação que corrija as

tituições financeiras normalmente decorrem

imperfeições e falhas de mercado e restabe-

ou estão associadas à ausência de competi-

leça as condições inicialmente acordadas. A

ção, à assimetria informacional, à manifes-

possibilidade de um ambiente de imperfei-

tação de externalidades e ao monitoramento

ções nas características dos serviços finan-

de conflitos de interesses. Em suma, a ocor-

ceiros ofertados ao público em geral, entre

22 Revista da CVM

o momento do contrato e o de sua

b ) avaliação da qualidade dos serviços e

contraprestação, com a entrega do serviço,

a integridade da gestão de entes regulados

constitui motivação suficiente para a

(ofertantes de serviços financeiros);

racionalidade da regulação. Em outras palavras, a regulação financeira, quando direcionada para a defesa dos interesses dos

c ) avaliação de tecnicalidades e identificação de consistência nas posturas agressivas de gestores de risco;

entes atomizados, decorre da existência de (Goodhart, 1998):

d ) obtenção de informações sobre o comportamento e a qualidade da gestão corporativa de companhias;

problemas como informações insuficientes ou inadequadas por parte de instituições; problemas de assimetria informacional: grupos de consumidores de serviços financeiros (varejo) são menos informados, ou seja, possuem um conjunto de infor-

e ) avaliação de níveis de risco envolvidos com posições em contratos de serviços financeiros que envolvam relações de longo prazo; f ) avaliação adequada dos sinais da governança corporativa de companhias e instituições financeiras;

mações menor do que o detido pelos

g ) defesa dos direitos pactuados em contratos

ofertantes de serviços financeiros, na

de serviços ou dos direitos de contratos societários,

média; a existência de elevada assimetria

h ) defesa e a integridade do cumprimento de contratos societários (Hart 1997); e

informacional pode ser usada para reti-

i ) garantia de seus direitos de propriedade e

rar ou diminuir a renda futura e os direi-

do conteúdo informacional adquirido no tempo.

tos patrimoniais de consumidores de serviços financeiros; podem ocorrer diferenças na qualidade dos serviços entre as datas da compra e do exercício dos direitos; e os consumidores de serviços financeiros normalmente têm dificuldade ou custos elevados na:

Como podemos perceber, a natureza dos contratos entre ofertantes e consumidores de serviços financeiros exige o acompanhamento do comportamento das instituições financeiras e das companhias. Isso porque os produtos financeiros, por sua natureza de fidúcia ou custódia, requerem do órgão regulador, o contínuo monitoramento e a fiscalização

a) obtenção e manutenção de informações

do comportamento e das estratégias relaci-

sobre a avaliação de risco e solvência de

onadas com a gestão das instituições finan-

ofertantes de serviços;

ceiras, companhias. Revista da CVM 23

As necessidades de consistência na regulação O atributo principal da regulação está na

próprio Estado, ao possibilitar ações de na-

identificação de consistência entre dois mo-

tureza coercitiva e corretiva de comporta-

mentos diferentes do tempo numa relação

mentos e ações impróprios das entidades

contratual. O momento zero da contratação

reguladas.

dos serviços e a data futura, quando ocorre

A regulação cumpre a importante fun-

a entrega do fluxo de benefícios a que es-

ção de estabelecer padrões de confiança

tão associados os contratos de longo prazo.

nos consumidores de serviços, permitindo

O problema surge quando na relação entre

condições mínimas para a existência de

agente e principal ocorrem disfunções e

contratos de serviços financeiros ou con-

distorções na qualidade dos serviços pactu-

tratos societários.

ados que podem redundar na quebra de confiança nas instituições. Por exemplo: ações de inconsistência intertemporal dos ofertantes de serviços financeiros, costumam afetar principalmente contratos (no sentido de relação pactuada entre partes ) envolvendo aquisição de ações, cotas de fundos de investimentos ou planos de previdência.

À manutenção de incertezas e as distorções informacionais em mercados financeiros de capitais podem levar ao desenvolvimento de mecanismos de aversão ao risco em consumidores que tenham dificuldades para a identificação, de forma clara, dos sinais do mercado. Tal situação de assimetria inviabilizaria a oferta de produtos, serviços e até o

A ação reguladora contribui para

equilíbrio em mercados, fenômeno esse

equalizar a relação de custo e benefício

conhecido na literatura como “Lemons

entre os agentes econômicos, pois permite

Akerlof’s” (1971). Em outras palavras, na

monitorar o comportamento dos agentes

ausência de regulação eficiente, o mer-

com ganhos de escala e redução do custo

cado sozinho pode não ser capaz de as-

social, gerando benefícios com característi-

segurar aos consumidores de serviços

cas de bem público. A especialização da re-

condições de segurança sobre os termos

lação regulador-supervisor possibilita a for-

dos contratos pactuados. Isso poderia

mação de massa crítica e, por conseqüên-

ensejar o desenvolvimento de distorções

cia, o acúmulo de experiência, no sentido

alocativas na distribuição da poupança

de verdadeira expertise em torno de pro-

financeira, e de incertezas adicionais nos

blemas e situações críticas com potencial de

investimentos, com efeitos potencial-

gerar crises sistêmicas. Além disso contribui

mente negativos sobre a economia e o

para o fortalecimento das atribuições do

crescimento econômico.

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Bibliografia AKERLOF, G. (1970) . ‘The Market for Lemons: Qualitative Uncertainty and the Market Mechanism’, Quarterly Journal of Economics . n 54 . BENSTON, G.J. (1998), Regulating Financial Markets: A Critique and Some Proposals, Hobart Paper No. 135, London, Institute of Economic Affairs. DALE, R. (1996), ‘Regulating the New Financial Markets’, in M. Edey (ed.) The Future of the Financial System, Sydney: Reserve Bank of Austrália . DE LONG , J.B; Shleifer , A ; “ Anatomy of a Price Bubble of 1929” Harvard University , paper DE LONG , J.B; Shleifer , A; Summers, L e Waldmann, R (1987) -” Noise Trade Risk in Financial Markets” NBER, WP n/ 2395 . KANE, E.J. (1997), ‘Foundations of Financial Regulation’, mimeo, Boston College, Janeiro. KANE, E.J.(2000) Ethical Foundation of Financial Regulation - Cambridge,USA , NBER - WP n° 6020 LLEWELLYN, D. (1986), The Regulation and Supervision of Financial Institutions, London, Chartered Institute of Bankers.

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