Os Gavião Pyhcop catiji e outros nomes e coisas. ST 25 Redes de relações indígenas no Brasil. 40º Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, 2016.

May 20, 2017 | Autor: Maycon Melo | Categoria: Anthropology, South American Indians
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40º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

ST25 REDES DE RELAÇÕES INDÍGENAS NO BRASIL

TÍTULO: OS GAVIÃO PYHCOP CATIJI E OUTROS NOMES

AUTOR: MAYCON MELO

Caxambu/MG, 2016

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Os Gavião Pyhcop catiji e outros nomes. Maycon Melo1

Resumo: Depois de anos de dispersões e contrações os Gavião Pyhcop catiji se veem como uma “mistura” de grupos locais diferentes que se auto identificam com esse etnônimo à frente do cohpẽ (não indígena), porque em momentos de conflitos e tensão entre si, acionam em suas narrativas origens, trajetórias e etnônimos diferentes. Se por meio da etnologia entre povos Jê e Timbira podemos, desde Nimuendaju, comparar e pensar várias características que se repetem ou que muito se aproximam entre estes grupos, também desde Nimuendaju,

sabemos muito pouco da relação que mantinham entre si e

principalmente, das formas que assumiram historicamente essas relações. Por isso, a proposta deste artigo é focalizar nos etnônimos em uso pelos Gavião Pyhcop catiji temas como circulação/apropriação de pessoas e a descrição das redes de relações (de parentesco, onomástica e de feitiçaria) estabelecidas entre estes grupos e grupos vizinhos.

Palavras chave – Gavião Pyhcop catiji, Etnônimos, Rede de Relações.

Apresentação Os Gavião Pyhcop catiji 2 vivem na parte sudoeste do Estado do Maranhão, na microrregião de Imperatriz. A região é conhecida como a Pré-Amazonia Maranhense e o ambiente que vivem os Gavião se constitui nessa faixa de contato entre a floresta amazônica e o cerrado do centro-oeste. A Terra Indígena Governador (TIG) foi demarcada em 1978, compreende um espaço de 41. 644 hectares localizada no município de Amarante do Maranhão. No período que estive com os Gavião, durante sete meses entre 2014 e 2016, eles viviam em dez aldeias. As aldeias são resultado de um processo de cisão recente,

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Doutorando em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Maranhão (UFMA). Mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Esse artigo é um fragmento de minha tese de doutorado ainda em processo de escrita, a pesquisa é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Cientifico no Maranhão (FAPEMA). 2 Optei em utilizar a grafia desenvolvida pelos professores indígenas gavião, que resulta de um estudo onde corrigiram o trabalho de missionários da New Tribes, que escreveram uma primeira versão da “língua Gavião e Krikati”. As correções se deram no sentido de adaptar a escrita a pronuncia gavião das palavras.

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iniciado em 2010, em algumas delas vivem apenas um grupo doméstico. Quando eu questionava os homens e mulheres mais velhos da aldeia sobre esse recente processo eles não demonstravam nenhuma surpresa, tão pouco preocupação, como a minha, que via nessas divisões algo que enfraqueceria internamente os Gavião. Mas, isso pensava eu. O que se pode afirmar é que hoje os Gavião Pyhcop catiji são uma “mistura”, como dizem os velhos, de grupos locais que já estavam na região de mata do Rio Pindaré e daqueles que migraram da Bacia do Mearim e da Bacia do Gurupi, principalmente pelo Rio Grajaú, Rio Gurupi e Rio Tocantins para a região de Imperatriz/MA. Estes “subgrupos”, ou “grupos de nominação” ou etnônimos, como vou chamá-los, são conjuntos de nomes com termos que designam partes de um grupo, são formados frequentemente pela composição de nomes de animais, plantas e outras qualidades acrescidos de um sufixo. Estes “etnônimos”, considerados nas etnografias como termos de autodesignação, que ainda hoje se proliferam de acordo com o enunciador, mais do que servir para ordenar as descrições com conotações históricas, criando hierarquizações ou apenas comparando os termos presentes com seus correlatos do passado, os etnônimos, “fornecem pistas sobre o modo em que os nativos praticam sua socialidade” (Calávia Saez, 2013:09). Quando Nimuendaju esteve com os Timbira orientais (Jê), dentre eles os Gavião Pyhcop catiji em 1929, os reuniu em um conjunto de 15 grupos através de critérios linguísticos e da localização em comum. A realidade é que sabemos muito pouco da relação que estabeleciam estes grupos e das formas que assumiram historicamente. Nesses casos, “as relações intertribais aparecem como resíduos etnográficos praticamente inexplorados” (Demarchi; Morais, 2015). Já conhecemos alguns desses “resíduos” que antropólogos (as) como Nimuendaju, Damatta, Melatti, Ladeira e Barata nos deixaram sobre as relações, principalmente de casamento e cerimoniais, que indivíduos de grupos Timbira distintos mantinham com os Ramkokamekra-Canela, Krahõ, Gavião, Krikati, Apinajé e se dermos atenção a esse assunto, talvez muitos outros, inclusive de outros povos que não os Jê. Por isso a proposta deste artigo é focalizar nos etnônimos em uso pelos Gavião Pyhcop catiji temas como circulação/apropriação de pessoas e a descrição das redes de relações (de parentesco, onomástica e de feitiçaria e de objetos) estabelecidas entre estes grupos e grupos vizinhos.

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Histórico de contato. Em 1929 quando Nimuendaju esteve com os Timbira orientais, dentre eles os Gavião Pyhcop catiji 3 , falantes do tronco linguístico Jê, identificou como Timbira um conjunto de 15 povos agrupados por critérios linguísticos e que habitavam em comum uma faixa do Rio Tocantins, que por sua vez se estendia por toda bacia do Rio Gurupi no sentido norte, atravessando o Rio Grajaú, Rio Mearim até a margem esquerda do Rio Parnaíba, um trecho entre o norte de Goiás e o sul do Maranhão (Nimuendaju, 1944). Atualmente se considera como povos Timbira os: Krahô (TO), Krikati (MA), Apanjekrá/ Canela (MA), Ramkokamekrá/Canela

(MA),

Gavião

Pykobjê

(MA),

Krepumkatejê

(MA),

Pàrkatejê/Gavião (PA), como Timbira orientais e os Apinajé (TO), considerados Timbira ocidental (Nimuendaju, 1944, Crocker, 1990). Nimuendaju considerou que os Krẽhe haviam acabado ou se misturado aos citadinos próximos de suas aldeias. Mas, recentemente, os Krẽhe, se reuniram e reivindicaram seu território e uma identidade Timbira4. Podemos supor que ao longo do século XVII existiam em torno de 30 aldeias no que se convencionou chamar “Pais Timbira” (Azanha, 1984). Nimuendaju (1944) usou essa ideia do País Timbira fazendo referência a extensa área que estas nações ocupavam e ao fato de haverem tantas semelhanças entre elas. As semelhanças existiam porque os Timbira teriam consciência de que são parte de uma “grande unidade étnica, cujos característicos mais importantes são, segundo eles, além da língua mais ou menos igual, sobretudo o sulco horizontal no cabelo, as rodelas auriculares, a aldeia circular e a corrida de tora” (idem:13). No entanto, mesmo com tantas semelhanças, algumas delas tão bem exploradas pelas monografias com grupos Timbira 5 , sabemos muito pouco sobre as relações intra-étnicas envolvendo estes grupos. Sabemos que alguns deles formavam alianças e negociavam uns com os outros. Mas, antes e durante a pacificação, parte desses grupos eram inimigos e lutavam entre si. 3

Opto por essa grafia do nome uma vez que foi debatida e construída pelos professores Gavião. A grafia inicial, elaborada pelos missionários da New Tribes, que primeiro trabalharam com o povo Krikati, continha palavras e formas gramaticais dos Krikati que não cabiam na língua Gavião. 4 (Comunicação pessoal Monica) Monica doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão está realizando sua tese com os Krẽhe, abordando esse processo de reemergencia étnica. 5 Ver Nimuendaju (1944), Lave (1967), Melatti (1972), DaMatta (1976), Carneiro da Cunha (1978), Azanha (1981), Ladeira (1981), Barata (1981) Crocker (1990), Giraldin (2000).

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Os Pukópye são tidos nessas descrições como “a mais aguerrida de todas as tribo Timbira”. Nimuendaju diz que viviam até além do Alto Grajaú, na bacia no Rio Santana a sua margem esquerda e que possuíam cerca de cinco aldeias em torno de 1819. Entre 1804 até 1849 os Gavião, comumente assim chamados pelos brasileiros, ainda eram considerados ferozes e traiçoeiros. Durante esse período assaltaram povoados no local onde hoje fica Grajau, renderam bandeiras, libertaram prisioneiros e chegaram mesmo a aniquilar bandeiras em combates. Foi apenas na segunda metade do século XIX que os Pukópye estabeleceram acordos de paz, depois de estarem enfraquecidos por décadas de guerras e epidemias. Após essa longa fase de guerras de “pacificação”, com a dominação dos Pukobyê, a região foi definitivamente ocupada em 1852, com a fundação da cidade de Imperatriz [...] realmente, no momento posterior, logo após os primeiros impactos causados pela penetração da frene de expansão pastoril, como consequência da falta de maiores atrativos econômicos, passou a região por uma longa fase de relativa estagnação, tendo permanecida sua população um tanto rarefeita, praticando uma agricultura e pecuária ao nível da economia de “subsistência” ou de “excedente” (Barata, 1981: 60).

Maria Helena Barata esteve em 1980 com os Gavião, sua dissertação é a referência mais recente sobre eles. Para a antropóloga o histórico de ocupação das terras gavião está descrito em dois períodos. O primeiro teve início nos fins do século XVIII e início do XIX, quando o território em que viviam os Gavião é invadido por duas frentes de expansão: a frente pastoril, originária da Bahia e Pernambuco e a frente agrícola que vinha do Pará. A frente pastoril, a mais danosa aos povos Timbira, foi se internalizando pelos sertões em busca de novos pastos, o que criou uma verdadeira guerra por terras6. O segundo período de ocupação inicia-se em meados de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, diante da perspectiva de abertura da Rodovia Belém-Brasília. Como a estrada ajudava o escoamento da produção vieram primeiro nordestinos atrás de condições de trabalho, depois os grandes fazendeiros do sul da Bahia, Minas Gerais e São Paulo, os chamados “sulistas” que promoveram uma súbita valorização das terras. Os “sulistas” penetraram na região em busca de terras consideradas de melhor qualidade, o É interessante como no caso dos Gavião, segundo a abordagem sobre o contato de Barata (idem), a “luta” esteja colocada entre a questão da posse da terra. Uma vez que para Ribeiro (1841), quando ele fala das guerras entre colonizadores e povos Timbira, o eixo central era tornar indígenas escravos. Infelizmente não tenho dados para entrar nesse debate. 6

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que resultou num processo de expropriação de pequenos lavradores instalados desde o primeiro período de ocupação naquelas terras. Criou-se um novo movimento de interiorização, novos centros urbanos surgiram e os “sulistas” formam obrigados a “comprar” terras localizadas em área indígena. Foi somente em 1960 que missionários da New Tribes se instalaram entre os Gavião e em 1970 a FUNAI instalou o Posto Indígena Governador (Barata, 1981). Talvez seja oportuno acrescentar outros dois períodos, digamos assim, ao histórico de ocupação das terras dos Gavião a partir de meus dados de campo. O terceiro período, como o parágrafo acima anunciou, foi estabelecido pela demarcação da Terra Indígena Governador (TIG) em 1974. Segundo o senso de Barata (idem) nesse momento viviam todos os Gavião em uma só aldeia, a Aleia Governador, onde em 1970 foi instalado o Posto Indígena Governador7. A década seguinte foi de intensas transformações no modo de vida dos Gavião. No período que Maria Helena Barata esteve em campo os Gavião estavam em vias de iniciar o convenio com a Vale do Rio Doce, no qual eles seriam indenizados pelos impactos que sofreram no Projeto Carajás. O dinheiro, como dizem, “as brigas por dinheiro e coisas do cohpẽ” fez com que em 1989 o grupo da Aldeia Riachinho decidisse retornar ao seu território, depois de conflitos com o grupo de Governador. Acusavam o cacique de favorecimento próprio. Mas, já em 1986, os moradores da Aldeia Rubiácea decidem retornar depois de brigas entre as mulheres dos grupos da Rubiácea e do Governador. Separadas novamente em três aldeias, cada uma delas começa a reivindicar energia elétrica, estradas, escolas e posto de saúde. O que poderíamos chamar de quarto período, referente ao que acontece hoje na TIG, diz respeito a mais um momento de deslocamento e dispersão dos grupos nas aldeias Riachinho e Rubiácea. Depois de parcialmente assistidas pelas políticas públicas, as duas aldeias passaram a partir de meados de 2010 por uma série de dispersões, onde grupos domésticos e até mesmo uma única família nuclear abandonam o local que moravam e formaram novas aldeias. Nas narrativas sobre as divisões, os motivos giram em torno das mesmas disputas baseadas no acesso aos bens e benesses que as políticas públicas, ou não-

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Na Aldeia São Felix o senso de Barata (1981) diz que viviam cinco pessoas em 1980. Mas as moradoras mais antigas dessa aldeia dizem que durante alguns períodos, que se intercalam com estadias na Aldeia Governador, a aldeia era um local de uso sazonal, especificamente no período da seca quando o trabalho na roça é maior. O avô muito tempo antes delas nascerem já tinha roça naquela região, o pai continuou usando o espaço e agora elas faziam o mesmo com suas roças, que até hoje estão próximas da Aldeia São Felix.

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governamentais, supostamente trazem para dentro da aldeia. Mas, talvez seja precipitado conferir as questões econômicas a razão das dispersões e contrações das aldeias.

Despovoamento da Bacia do Mearim e o mito de Patjapi. Ainda é difícil escrever sobre os acontecidos que datam a um período anterior a década de 1950 e 1960, quando a construção da Rodovia Belém-Brasília trouxe uma segunda onda de migração para o Maranhão e aumentou o interesse sobre as terras indígenas. A ocupação da região onde vivem os Gavião é narrada em meio aos deslocamentos que diferentes povos realizavam por uma extensa área que vai de São Luís até Barra do Corda e Grajaú, tendo como limite oriental o Rio Tocantins e extremo ocidental o Rio Mearim. O sentido desse deslocamento é o da região do Rio Grajaú até a bacia do Rio Gurupi. No entanto, a presença de um indígena que teria vindo do Gurupi para a região do Grajaú, especificamente para a Aldeia Governador, sugere uma via de mão contrária8. Talvez a ocupação da área teria ocorrido também por povos que se deslocavam no sentido norte-sul, das regiões de floresta amazônica para o cerrado. O sentido dessa ocupação é o mesmo do mito gavião de Patjapi (M1), que narra a origem da divisão dos povos Jê-Timbira e do que aqui chamo entre os Gavião de grupos locais diferentes. Essa é a versão que elaborei em base de três versões do mito registradas em duas aldeias diferentes. Os índios fugiam do Rio de janeiro das investidas de Pedro Alvares Cabral. Muitos ficaram lá, outros vieram até São Luís/MA. Fizeram outras aldeias que novamente foram atacadas. Continuaram fugindo. Fizeram uma aldeia do lado de cá do rio onde hoje é Grajáu/MA [lado oriental]. Enquanto se banhavam e bebiam em uma pequena lagoa, viram um grande peixe cascudo 9 . Por onde ele descia a água vinha descendo com ele. Essa água deu origem ao rio Grajaú. Fizeram uma aldeia grande nesse lugar. Para visitar os parentes do outro lado do pátio gastavam um dia de viagem. Patjapi achou que aquilo estava errado. Chamou todos no pátio e começou a separar os povos lhes dando nome

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Gurupi, como é chamado esse homem, é consanguíneo de um grupo que veio da região do Rio Gurupi e que morou durante anos com os Gavião. O filho de um desses antigos moradores da Aldeia Gavião foi buscar Gurupi para se casar com a irmã de sua esposa. 9 Loricariidae. Nome comum aos peixes siluriformes da família Loricariidae, também conhecidos como acari, acari-bodó, bodó, cari, boi-de-guará e uacari. Os loricariídeos são peixes exclusivamente de água doce, tem corpo delgado, placas ósseas e cabeça grande, habita o fundo dos rios, alimentam-se de lodo e restos orgânicos, habitam os rios e lagos da América Central e do Sul.

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e dizendo a direção que cada um deveria assumir. Cy tyhcre cati ji, Cree pym cati ji, Pyh cop cati ji, Rõo cy cati ji, Cohcuj re catiji, Pji hỹre cati ji (nação Krikati) Mỹy ca mecrare (nação Krahõ) Caiapo cati ji, Pyh txiteh (Xerente cati ji ), Gavião do Para cati ji, Wacu con (Gurupi cati ji ) Caraja cati ji.

Não vamos nos aprofundar nas possíveis interpretações sobre M1, o interesse sobre ele agora é ressaltar a Bacia do Mearim como o ponto de despovoamento e fluxo de deslocamento, seguindo pelo Rio Grajaú abaixo. Olhando novamente para o mito, ele tem um princípio desorganizador que move as ações da personagem e acarreta reações em todos os outros povos. É o risco da distância demasiada do parentesco, colocado por uma aldeia grande demais para os fluxos entre as casas e segmentos residenciais10, que faz com que a personagem tome a decisão de dispersar os diferentes povos que viviam nesse local. É a partir desse ato, da profusão de etnônimos que cada narrador acrescenta a seu modo, que sabemos os povos que migraram do Grajaú, seja no sentido rio abaixo, ou das margens do Tocantins e Gurupi no sentido acima.

Deslocamentos, contração e dispersão. Parece não haver dúvida que as aldeias Gavião na década de 1980 estavam reunidas na Aldeia Governador. Depois do deslocamento para a Aldeia Governador o grupo da Rubiácea decide retornar e reconstruir sua antiga aldeia incendiada pelo fazendeiro Otávio em 1974. O grupo do Riachinho, 19 anos depois de fugir da epidemia de sarampo que matou muitas pessoas, retorna para a aldeia e retomam a vida no lugar que consideram seu. A partir de então, nos anos 2000, as aldeias Rubiácea e Riachinho entraram em um processo de cisão, dando origem a novas aldeias formadas por grupos domésticos e algumas delas apenas por uma família nuclear, ou seja, pai, mãe e filhos. Nesse período, novas dispersões e deslocamentos voltaram a acontecer dentro da TIG, implicando na divisão de grupos que passaram a se tratar por aldeias diferentes de um mesmo povo, que se reúnem nos rituais, mas que querem assegurados seus direitos como aldeias diferentes uma da outra; o que muitas vezes coloca uns contra os outros.

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Os Gavião Pyhcop catiji tem um padrão de residência uxorilocal, as mulheres permanecem na casa que nasceram, os homens quando casam passam a morar na casa da sogra. Um outro padrão na transmissão de nomes liga as casas, o irmão dá o nome da irmã para sua primeira filha, a irmã dá o nome do irmão para seu primeiro filho.

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O motivo mais evidente dessas disputas, a princípio, mas também de acordo com as narrativas em português que descrevem o que levou a cada uma das cisões dos anos 2000, está relacionado a disputa pelo controle dos bens e benesses que as políticas públicas supostamente trazem para dentro das aldeias; como carros, motos, cargos, dinheiro. Mas só a princípio. Quando tentei compreender para onde se deslocavam e quem se deslocava dentro da TIG nos últimos 20 anos uma série de tecnonimos que identificam aldeias abandonadas dentro da TIG e etnônimos, que por sua vez identificam os grupos locais que viviam nelas, submergiram trazendo novos elementos sobre os deslocamentos e os momentos de contração e dispersão das aldeias Gavião no século XXI. Então, até esse ponto, podemos fazer alguns comentários sobre os deslocamentos das aldeias Gavião localizados em três períodos. O primeiro do século XIX com base em Nimuendaju (1944), o segundo do século XX com Nimuendaju depois com Lave (1967) e Barata (1981), o terceiro período de acordo com meus dados de campo sobre os deslocamentos do século XXI, que acaba refletindo sobre os outros dois primeiros novas e velhas questões. O que também torna interessante um olhar mais detalhado sobre estes deslocamentos, contrações e dispersões, é que eles não são especificidade dos Gavião Pyhcop catiji, são comuns entre outros povos Timbira que habitam a região entre o Rio Tocantins e o Rio Parnaíba. Antes de Nimuendaju estar com os Gavião o que sabemos é basicamente o que foi descrito pelo Major Paula Ribeiro, comandante de um posto militar brasileiro que atuava na “pacificação” dos Timbira por volta de 1819. A primeira menção que faz ao local que ocupavam os Pukópye vem de um relato do ataque a uma bandeira em 28 de junho de 1813. A mim contaram que o massacre de dera na passagem de um desfiladeiro quando a bandeira quis tomar de assalto pela ponta Leste a Serra da Desordem [...] colinas íngremes isoladas que ali e acolá se levantam no divisor de águas do Tocantins, um pouco ao norte da estrada de Grajaú a Porto Franco. (Nimuendaju, 1944:19-20).

Logo em 1814, ainda segundo Ribeiro, teriam assaltado o povoado de Porto Chapada, na atual cidade de Grajaú. Mas é só depois da “pacificação” em 1858 que temos uma localização mais precisa das aldeias Gavião. Uma “Directoria” foi criada para eles em um trecho as margens do Rio Grajaú, divididos em 14 aldeias até a cidade de Grajaú/MA (idem:20). O deslocamento da Bacia do Rio Santana para a beira da mata do Rio Pindaré,

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para onde fugiram expulsos pelos fazendeiros, onde é o atual local das aleias Gavião, deve ter ocorrido entre meados do século XIX e início do XX. Porque “durante muito tempo eles tiveram uma aldeia no Morro do Chapéu (Quẽhn jawin) a Leste do Alto Pindaré. O senso de 1919 menciona esta aldeia com 52 habitantes, qualificados erroneamente de ‘Canellas’ (idem). Então, acuados pela violência dos fazendeiros e pelas epidemias, podemos supor que essa concentração das aldeias Gavião umas próximas das outras, que temos acesso pelos registros de Major Paula Ribeiro, ocorreu as margens do Rio Grajaú por volta de 1858, nas 14 aldeias de que fala Nimuendaju (1944). Os Gavião fugiam dos brancos em todos estes deslocamentos, no sentido norte das frentes de expansão que vinham, principalmente, do leste de seu território

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. Essa concentração foi motivada,

provavelmente, pela falta de outras opções tendo em vista os resultados devastadores da “pacificação”. Podemos dizer que os deslocamentos destes povos Timbira no fim do século XIX são deslocamentos de longo alcance, onde o contato devastador com as frentes de expansão e as bandeiras os fazia se afastar do local onde estavam, sem parada certa. Quando Nimuendaju (1944) esteve com os Gavião em 1929 eles viviam concentrados em duas aldeias a 16 quilômetros uma da outra, São Felix e Recurso, atual Aldeia Borges, onde vivem os Guajajará. Nimuendaju não discute o deslocamento da aldeia no Morro do Chapéu (Quẽhn jawin), identificado por um senso em 1919 que ele mesmo menciona, para as Aldeias São Felix e Recurso, apenas localiza a primeira mais ao norte e a segunda mais ao sul do Morro do Chapéu. A Aldeia São Félix [A-1] é chamada na língua gavião de Ajromhuc xwaheh (ajromhuc; s. pau de leite + xwaheh; s. ponta). Uma das antigas moradoras contou que moravam primeiro em Ajromhuc xwaheh, só depois fizeram outra aldeia a poucos metros de distância a qual chamaram São Felix. São Felix fica as margens da estrada que vem da MA-227 e leva até a Aldeia Governador, fica ao sul do Morro do Chapéu (quẽhn jawin) e ao lado de uma pequena serra (quên) de onde é possível ver os pés de macaúbas reunidos ao redor do círculo periférico das casas, indicando o local da antiga aldeia12. A outra aldeia que Nimuendaju menciona no senso de

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Há duas exceções que explicaremos. A maior parte da localização destes etnônimos foi identificada, além da participação de alguns anciãos, por caçadores experientes. Os caçadores, mais que todos os outros, são os que mais andam pelo território, 12

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1929 é a Aldeia Recurso, que fica onde hoje está a Aldeia Borges, onde vivem os Guajajára. Recurso era o nome português da aldeia Cu jacaateh (cu;s.água + jacaa; s.branco + teh; adj.grande), provavelmente pela lagoa que existe no local. Mas os dados que levantei em campo criam uma sombra de dúvida sobre a existência de apenas duas aldeias no início do século XX, como escreve Nimuendaju (1944), ou indicam uma grande dispersão nos anos seguintes, o que acho pouco provável. Quando procurei os moradores mais velhos, perguntando o nome Gavião das aldeias na TIG, uma série de tecnonimos foram localizando outras aldeias dentro desse território, aldeias que não tenho como precisar a data que eram ocupadas ou que foram abandonadas, mas que pelas narrativas sei que existiam nas primeiras décadas de 1900. Essa suspeita se comprovou quando tive contato com as professores Diana (Jahr cot, Cruure cwyj, Coh ca tep, Caagỹ xẽn, Ẽhmpicryj, Cryt) e Marcelia, que trabalhavam na cartografia da TIG fazendo o levantamento dos nomes indígenas das aldeias que já existiram no território 13 . Se coloco em questão o pequeno número de aldeias que Nimuendaju identifica em 1929, tão pouco tenho como descrever as dispersões e cisões pelas quais passaram até o senso seguinte de Lave (1967), que é quem primeiro nos leva a pensar com mais precisão os deslocamentos do período posterior ao de Nimuendaju. Durante o mesmo período que esteve com os Gavião, Lave esteve com os Krikati, a antropóloga difere as aldeias de um e de outro povo, mas como ela diz, “ i shall use the term Krĩkati to refer to all of the Gê speakers nears Montes Altos and Amarante” (Lave, 1967:36). Se em 1929 os Gavião viviam nas aldeias São Felix e Recurso, segundo Nimuendaju (1944) em 1963 quando Lave fez o senso eles viviam em São Felix, Governador e Riachinho, sendo que a grande maioria estava toda em Governador. Os moradores de São Felix vieram para Governador depois do assassinato do cacique. Rosilene (Hyhquẽn, Hituu, Xwaxi, Xera, Cahehput, Pjipapeh) filha do último cacique de São Felix, conta que ela e seus parentes “gostavam de andar”, foram para São Felix colocar roça, gostaram tanto que fizeram uma aldeia lá e se mudaram.

por isso conhecem melhor que ninguém a localização de aldeias, locais de caça, coleta, de água, de invasão. Foram fundamentais a participação dos caçadores André (Cawcree, Awrerec, Ccon teh cru) e Manoel Gaio (Pỳh crỳn, Rop cỳ, Cu’cax) 13 As professoras cursam Licenciatura Intercultural Indígena na Universidade Federal de Goiás. Na ocasião trabalhavam nesse levantamento cartográfico para ser apresentado como um trabalho do curso.

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São Felix Governador Riachinho Rubiácea

Nimuendaju Lave

Newton

Cotrim

Barata

Melo

(1929)

(1963)

(1968)

(1969)

(1980)

(2015)

150 120 __________ _________

25 90 30 ______

_______ 140 26 30

_______ 138 25 35

5 258 _______ ________

________ 215 (s\censo) (s\censo)

Tabela 01- Senso das aldeias São Felix, Governador, Riachinho e Rubiácea.

O senso seguinte, de Dolores Newton (1968), contabiliza os moradores das aldeias Governador, Riachinho e Rubiácea, não menciona a Aldeia São Felix e por outro lado, apresenta pela primeira vez a Aldeia Rubiácea. Essa última se trata de uma antiga aldeia na parte norte da TIG, onde hoje fica a Aldeia Borges, que nas primeiras décadas de 1900 se chamava Recurso e era habitada pelos Gavião. Parte desses moradores de Recurso se deslocaram para Vareda Bonita, que era o nome dado a atual Aldeia Rubiácea antes do incêndio em 1974. Outro ponto importante que Newton menciona é que era grande o número de casamentos entre os Krikati e Gavião, assim como o número Krikati que se mudam todos os anos para as aldeias gavião e vice e versa14. Depois de 30 anos que Nimuendaju este com os Gavião eles então passam a viver não mais em duas, mas em quatro aldeias, sugerindo deslocamentos do qual tenho poucos dados para comentar15. O surgimento dessas aldeias entre os anos de 1930 e 1960 pode ter sido ocasionado não apenas por dispersões das aldeias São Felix e Recurso, mas pela contração aos grupos locais de outros grupos que vinham, principalmente, da Bacia do Mearim até a região de Amarante do Maranhão/MA, ou mesmo por outras aldeias que deveriam existir naquele mesmo território. Esses grupos podem mesmo ter se constituído enquanto aldeias depois de casamentos e do nascimento de filhos e netos. Ou ainda, as aldeias podem ter se formado com o influxo dado pelo crescente número dos Krikati no que seria a parte norte da TIG durante a década de 1930, quando alguns buscaram auxilio

Ao contrário de Lave, Newton (idem:29) toma os Krikati e os Gavião como o mesmo povo, “are really one tribe”. 15 Considero a Aldeia São Felix mesmo fora do senso de Lave (1967), porque até a década de 1960 tinha um uso irregular, não cíclico como se dependesse do trabalho da roça, mas de acordo com outros interesses dos moradores, que ainda desconheço. 14

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com parentes próximos ao invés de serem deslocados para a região dos Ramkokamekra/Canela, como queria o SPI (Lave, 1967). Logo se vê que os deslocamentos não seguiam mais a mesma lógica do século passado, com longos trechos sem parada certa quando fugiam dos brancos. Ao que parece, eles continuaram fugindo dos brancos nas primeiras décadas de 1900, mas os deslocamentos não eram longos nem os locais de parada totalmente desconhecidos. No único caso desses deslocamentos de que tivemos acesso, o grupo da Aldeia São Felix se contraiu ao grupo de Governador, fugindo dos fazendeiros que tinham assassinado mais um membro de sua família. Depois outro deslocamento, talvez um micro-deslocamento como fala Fausto (2001) sobre os parakanãs orientais, de pouco mais de 100m, seguindo a orientação de uma feiticeira que via no antigo local o peso de muitas mortes caindo sobre os vivos, os fazendo adoecer e morrer ao final. É a primeira vez que temos registro de um outro motivo, que não fosse a presença violenta dos brancos, que leva os Gavião a deslocarem uma aldeia. Ao que parece, o fluxo dessas migrações e da própria ocupação da TIG ocorreu no sentido norte a sul, de onde estão as aldeias Guajajara, O Riacho da Faveira e da Barriguda, até São Felix e o trecho em direção aos Rios Santana e Rio Pau Ferrado. No início dos anos 1980 temos outros deslocamentos das aldeias gavião, primeiro em um movimento de contração, depois de dispersão. No senso de Barata (1981) não vemos mais as aldeias Rubiácea e Riachinho, apenas São Felix e Governador, a primeira com cerca de cinco pessoas a segunda com 258. De acordo com meu dados de campo, a Aldeia São Felix está em um local de roça muito antigo, onde os mais velhos tinham suas roças e onde os remanescentes da aldeia, ainda hoje, colocam as suas. Por isso podemos dizer que estavam todos na Aldeia Governador no início dos anos de 1980. No caso dessa contração entre as décadas de 1970 e de 1980 na Aldeia Governador temos alguns dados que ajudam a descrevê-la.

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1854

Margens do Rio Grajaú (14 aldeias)

1919

Leste do Rio Pindaré-Morro do Chapéu (1aldeia)

1929

Recurso

São Felix 1960

1967

Governador

Riachinho

Rubiácea

1968

Governador

Riachinho

Rubiácea

1970 1980

Governador

1986

Governador

Rubiác ea

1989

Governador

Riachinho

Rubiácea

2006

Governador

2010

Governador

Riachinho

Monte Alegre

Aldeia Nova

Rubiácea

2012

Governador

Riachinho

Monte Alegre

Aldeia Nova

Rubiácea Água Viva

2013

Governador

Riachinho

Monte Alegre

Aldeia Nova

Rubiácea Canto Bom Água Viva

2015

Governador

Riachinho

Monte Alegre

Aldeia Nova

Rubiácea Dois irmãos Novo Marajá Canto Bom Água Viva

2016

Governador

Riachinho Aldeia Nova

Riachinho Bom Jardim Monte Alegre

Rubiácea

Aldeia Nova Rubiácea Bom Jesus Dois irmãos Novo Marajá Canto Bom Água Viva

Diagrama 1 – Dispersão e contração das aldeias Gavião Pyhcop catiji.

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Como já dissemos, uma epidemia de sarampo segundo o cacique Joel, ou de gripe, segundo a antropóloga Maria Helena Barata, foi o estopim de uma crise instaurada pela proximidade dos cohpẽ, que levou os moradores de Riachinho a abandonar seu lugar em 1970 e ir viver com o grupo de Governador. Agente vivia sem assistência, naquela época do SPI, adoecemos, de sarampo que atacou o povo, morreu muita gente, Lionel (cacique de Governador) que era meu parente e morava no Governador veio buscar o povo do Riachinho e levou pra lá, que era Cabelo Ruivo, Manoel Gaio, André, esse pessoal que mora pra lá , eles cresceram para lá e todo mundo foi embora para lá, foi a época que Otavão incendiou a Aldeia Rubiácea, ai foi entrando a Funai [...] fizeram uma grande aldeia lá, e rápido a Funai demarcou a terra sem consultar os mais velhos, ai por isso nossa área era pequena, antigamente os Gavião andava até Imperatriz, ia pro Grajaú e voltava, ai foi reduzindo a área, os não indígenas foram chegando e ficaram aqui. (Joel [Quẽn] áudio A7).

Essa data de 1970 é de Barata (1981), ela condiz com o período que o grupo partiu de Riachinho para Governador, no mesmo ano da instalação do Posto Indígena Governador. O PIN Governador indicava, supostamente, mais assistência e segurança as outras aldeias, um estímulo da política do aldeamento. Além do PIN, desde o início da década de 1970 os missionários da New Tribes estavam em Governador, o que também criava a ideia de maiores cuidados e assistência médica. Depois que as mortes causadas pela epidemia aumentaram e se espalharam por toda aldeia, o grupo do Riachinho cedeu aos pedidos da Funai para que se aproximassem de Governador. Mas em 1989 o grupo do Riachinho, a maior parte dele, decide retornar a sua aldeia depois de atritos entre as famílias de Joel e o grupo de Governador. O motivo de irem embora, segundo o próprio cacique Joel, estava associado aos interesses distintos sobre o uso daquilo que chegava a TIG através das políticas públicas, como cargos públicos, carros e dinheiro. O cacique de Governador era acusado de favorecer a própria família em detrimento de toda aldeia. A dispersão, como muitos me disseram, era a única forma de evitar conflitos internos. Na narrativa de Joel e de outras pessoas que comentam sobre as dispersões deste período, abandonar a aldeia atual e fazer outra para você e sua família era a última medida a ser tomada para se evitar discussões, conflitos e mortes. Como veremos, isso não implica num rompimento de relações, mas na possibilidade de transformação dos termos em que elas se davam. Em 1974 foi a vez da Aldeia Rubiácea partir de seu local e se contrair ao grupo de Governador, depois do incêndio criminoso que sofreu do fazendeiro paulista Otávio 14

Toledo. Depois de um tempo que o grupo da Rubiácea se instalou, Damásio conta que tiraram Lionel e colocaram ele como cacique. Ele diz que antes já havia trabalhado para conseguir a instalação do PIN Governador, depois com o convenio da Vale trabalhou para conseguir as estradas e as casas, assim como a escola antiga e o antigo posto de saúde. De todos os conflitos que levaram a dispersão de aldeias desde os anos 1980, o retorno da Rubiácea é a única exceção a lógica economicista que adotaram para falar delas. Damásio decidiu retornar depois de uma briga entre mulheres motivada por ciúmes. Com a tensão instalada na aldeia, os primeiros moradores diziam que ele deveria voltar para a Rubiácea, que Governador não era seu lugar nem o lugar do seu povo. Ofendido, ele voltou e reconstruiu a aldeia incendiada. Podemos dizer que assim se encerra o segundo período de deslocamentos das aldeias gavião no século XX, caracterizado pelos deslocamentos de médio alcance, mas ainda fugindo da proximidade perigosa dos brancos; no caso de Riachinho uma epidemia de sarampo, no caso da Rubiácea uma aldeia incendiada. Se antes de 1970 sabemos de apenas um caso de deslocamento que não tenha sido motivado pelo perigo que os brancos representavam, no fim da década seguinte motivos outros que não a presença dos brancos começa a motivar as dispersões e deslocamentos. Não era mais o cohpẽ, mas o dinheiro do cohpẽ o motivo que os levava a se separar e procurar um novo lugar. Esse novo lugar, como vimos com Riachinho e Rubiácea, assim como veremos no terceiro período de deslocamentos dos anos 2000, é geralmente um velho lugar que carrega consigo um velho nome. A Aldeia Governador depois da dispersão de Riachinho e Rubiácea voltou a ficar pequena, se bem que indivíduos destes dois grupos permaneceram em Governador. O grupo do Riachinho, como já disse, ficou no lado do poente da aldeia, o grupo da Rubiácea na parte mais ao leste, entre ambos, os antigos moradores de São Felix. Até hoje os moradores de Riachinho e Rubiácea quando estão em Governador se alojam em casas de parentes que continuam morando na mesma parte do crỹ’cape’nỹ que eles moravam na década de 1980. Muitas pessoas lembram com nostalgia do tempo em que todos estavam em Governador, apontam arvores que plantaram, casas que construíram e dizem como os rituais, corridas de tora e os trabalhos coletivos eram empolgantes quando feitos com a presença de muita gente, o que significava muitas possibilidades de casamento e também de relações sexuais fora do casamento. Desde então não houveram outras dispersões da 15

Aldeia Governador, o que não quer dizer que não seja constante o fluxo de indivíduos entre ela e outras aldeias, muitas vezes, ainda, devido ao casamento. A Aldeia Riachinho quando retornou de Governador passou por um período de crescimento populacional, as ações das políticas públicas começaram a se materializar dentro da aldeia e logo um conflito desencadeou uma dispersão e o surgimento de outra aldeia gavião. O conflito foi entre as famílias de Cabelo Ruivo e Joel. Cabelo Ruivo era o único a dirigir o carro da saúde, ou seja, o transporte disponível para levar os moradores até o hospital de Amarante do Maranhão ou de outros municípios. Mas Cabelo era acusado de usar o carro em benefício próprio, favorecendo seus familiares. Logo começaram a ameaçar sua esposa, da qual os pais são de Governador, Cabelo não gostou e decidiu junto com seus familiares deixar Riachinho em 2006 e construir uma outra aldeia, a Aldeia Nova. Cabelo trouxe seus parentes para a região mais ao sul, as margens da MA-122 que atravessa ao meio a TIG, num local antes chamado de Canto do Martin, onde ele construiu sua aldeia. Depois a Aldeia Riachinho passou por outra dispersão, ao que parece, pelo mesmo motivo. O jovem Getúlio, filho de uma das moradoras antigas do Riachinho, era o responsável por dirigir o carro da saúde. Logo começou a ser acusado de favorecer apenas seus familiares, a discussão se estendeu até que Getúlio, sua família e um outro grande grupo decidiram partir e fazer a Aldeia Monte Alegre em 2010. Maria Helena (Tiire cwyj) é uma jovem liderança na aldeia Monte Alegre, faz parte de outro grupo de parentesco dentro da aldeia, conta que a irmã de sua mãe foi a primeira a chegar, na verdade, já haviam morrido parentes delas naquelas matas antes mesmo deles chegarem de Riachinho, “essa mata é nossa” ela diz. Por volta de 2012 foi a vez da Aldeia Rubiácea passar por dispersões. O motivo não era mais supostamente quem ficava com o carro da saúde, estava relacionado com a escola, especificamente, com quem ocuparia os cargos de zelador, merendeira, professor e diretor da escola indígena na Aldeia Rubiácea. Dois grupos deixaram Rubiácea por esse mesmo motivo. Primeiro o grupo de Cazuza (Cateh) e seu irmão Daniel, filhos de uma das primeiras moradoras que vieram da “antiga” Aldeia Rubiácea, que ficava próximo da área que os Guajajára ocupam hoje no norte da TIG. Descontentes com a forma que Damásio (Wajpe) conduzia a questão dos cargos da escola, eles deixaram a aldeia e construíram a Aldeia Água Viva, entre 2012 e 2013. 16

Depois foi a vez do grupo de Ambrósio (Hopri). Ele conta que era zelador na escola até quando Damásio, doente, entregou o cargo ao jovem Joaquim, filho de uma das irmãs de Damásio. Ambrósio se irritou, porque ele era o “vice-cacique”, então o responsável por assumir. Depois dessa mudança, a família de Ambrósio empregada na escola não teve os contratos renovados. Quando pressionado por uma série de problemas Joaquim decide deixar o cargo, o entrega novamente para Damásio, se sentindo humilhado Hopri e sua família deixam a Rubiácea para em 2012 construírem a Aldeia Canto Bom. Ambrósio contou que aquele lugar era local de antiga roça de seu avô, que ali mesmo arranchavam. De acordo com o mapa dos tecnonimos que construímos, a Aldeia Canto Bom fica onde antes existia a aldeia Awar cu jẽeh quin (awar cu; s.palmeira inajá + jẽeh; s.carne + quin; trad. lit. desse lado). Por volta de 2015 o filho de Cateh, Severino, decide deixar a Aldeia Água Viva e construir a Aldeia Dois Irmãos, uma aldeia para ele e seu grupo doméstico, formado por sogro e sogra que são Guajajára, como sua esposa. No ano seguinte outro grupo, na verdade um pequeno grupo doméstico decide abandonar Rubiácea. Darlene (Hooho), casada com um não-indígena (cohpẽ ), leva as filhas e a mãe dali e constroem a Aldeia Novo Marajá, no local onde antes existia a aldeia A’cryt jari (a’cryt; s.caju + jari; s.raiz). Em 2016, enquanto estava em campo, acompanhei mais uma dispersão da Aldeia Rubiácea. Dessa vez foi um grupo de mulheres e jovens Cree pym catiji que, depois de um conflito que terminou em morte na Aldeia Rubiacea, se deslocou para a TI Geralda Toco Preto. Ao todo foram cinco ou seis famílias, uma média de 30 ou 40 pessoas que deixaram a Aldeia Rubiácea nessa dispersão. No entanto os jovens, aqueles que já nasceram na Rubiácea, retornaram a TIG e construíram uma nova aldeia para eles, a Aldeia Bom Jesus. No mesmo ano uma outra dispersão envolvendo moradores da Aldeia Rubiácea e da Aldeia Riachinho, inclusive Joel que é destituído do cargo de cacique, forma a aldeia Bom Jardim.

Outros nomes e coisas Foi através dos tecnonimos que localizam as aldeias dentro e fora da TIG que tive acesso aos etnônimos em uso pelos Gavião. O nome antigo de um lugar quando era

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pronunciado por mim abria o campo semântico das conversas e trazia consigo o nome antigo dos grupos que viviam nestes lugares. Como dissemos mais atrás, os Gavião Pyhcop catiji são uma “mistura” de grupos que migraram da região do Rio Grajaú até as florestas do Rio Pindaré, somado a outro grupos que já estavam ali. Mas nos momentos de dispersão e contração das aldeias, como pode observar, assim como em conflitos do passado e do presente que descreverei, essa “mistura” decanta e o que vem à tona são elementos bem diferenciados uns dos outros. Nimuendaju (1944:09) dedicou pouca atenção a esses nomes e suas utilizações, para ele as terminações kra(cran) e jê(catê) variavam de acordo com

substantivo

empregado. “Si um nome tribal é formado em (ka-me-)kra ou em (ka-te-)ye depende unicamente do substantivo empregado. Separar as tribos –kra das –ye ou até querer derivar uns dos outros é, portanto, inteiramente inadmissível”. Mas quem dedicou atenção maior ao tema, criando reflexões que ainda são atuais, foi Gilberto Azanha quando discutiu na “Forma timbira” o processo de expansão dos grupos Timbira. Azanha (1984) afirma que os sufixos caté/jê e (ca)mekra não estão submetidos ao substantivo que os antecede como disse Nimuendaju, mas que são formas como os grupos Timbira se denominam e que devem indicar algo a respeito do modo como estes mesmos grupos se relacionam. Enquanto os que apresentam a forma –catêjê marcam, pela designação, uma diferença quanto a ocupação territorial (de domínio de parte de um mesmo território), a forma –(ca)mekra (me+ indicador de plural) assinala uma diferença na origem e que não remete a um lugar geográfico. A primeira forma sugere uma diferenciação tendo por base uma classificação”totêmica”. Portanto, os dois modos de designação dependem, antes de tudo, do modo como se diferenciam uns dos outros os grupos Timbira [...] Por outro lado, a unidade pretendida de todos os Timbira somente se manifesta frente ao cupen (cf. Nimuendajú m.s.: 14/15) (Azanha, 1984:11-13).

Nesse linha, o sufixo –catêjê implica, vizinhança e contiguidade a forma, e o sufixo (ca)mekra marca uma diferença quanto à origem. O que caracterizaria as relações entre os grupos designados nesta segunda forma seria o estado de guerra permanente entre eles. Não se tem notícia de guerra entre grupos que se designavam mutuamente pela forma –catêjê (idem). A máxima que o estudo de Azanha (1984) criou, o modo como os povos Timbira se nomeiam está relacionado ao modo como se relacionam, parece ter eclipsado abordagens de alcance teórico menor, mas que poderiam nos dizer das transformações

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que estas formas estão submetidas por estarem sob contornos específicos que a história infringiu a cada uma delas. Se entre os grupos Timbira temos os trabalhos de Azanha (1984) sobre os sufixos catêjê e (ca)mekra como pedra angular na discussão de etnônimos, na verdade, talvez a única pedra edificada sobre este tema desde Nimuendaju, entre os povos da Amazônia esses dados acompanham a muito tempo as pesquisas etnográficas. “Suas dimensões podem ser apreciadas nos artigos do Handbook of South American Indians (Steward, 1948) que chegou a enumerar uma centena de supostos grupos Pano, ou no livro de Alves da Silva (1977) que [...] enumera nada menos que 332 ‘divisões’ dos grupos Uaupés” (Calavía Sáez, 2013:06). Estes etnônimos são conjuntos de nomes com termos que designam partes de um grupo, são formados frequentemente pela composição de nomes de animais, plantas e outras qualidades acrescidos de um sufixo que se refere a “gente” ou a “povo”. Calávia Sáez explica que durante um longo período agiu-se como se os etnônimos fossem partes de partes, conjuntos de conjuntos que implicavam filiações históricas duvidosas e uma hierarquização dos nomes desde o passado até o presente. Depois eles foram imaginados como parentelas co-residentes, como Rivière escreveu sobre as Guianas, mas ainda como partes de um aglomerado de regras frouxas, no entanto, sem a hierarquia de lógicas de pertença. O descrédito que levou esses dados a se tornarem “ruídos” nas etnografias, uma vez que são lembrados, mas pouco explorados analiticamente, coincidiu com a decisão de tomar os “nomes verdadeiros” como aqueles que um povo usa para designar-se (idem). Rapidamente se proliferou o uso destes etnônimos, multiplicavam-se os povos nominados de acordo com os nominadores que os antropólogos(as) encontravam durante suas etnografias em uma mesma região. Estes termos de autodesignação, costumam a funcionar, no vernáculo, como pronomes. E os pronomes, por muito que a palavra iluda a uma substituição- estão lá em nome do nome – não representam necessariamente um nome; o nome pode simplesmente não existir e os pronomes existem porque agem de modo diferente ao do nome. Sobretudo porque não são essenciais. Pronomes exercem como sujeitos ao igual que os nomes, sem ser, como os nomes, facilmente objetiváveis (Calávia Saez, 2013:09)

Mais do que servir para ordenar as descrições com conotações históricas, os etnônimos, diz Calavia, “fornecem pistas sobre o modo em que os nativos praticam sua socialidade” (idem). Seguindo essa linha, Arisi (2012) escreveu sobre os etnônimos Pano 19

a partir do contato entre Matis e Korubo na TI Vale do Javari, na Amazônia. O recorte étnico colocou famílias diferentes sob o nome Matis, misturando os etnônimos. Arisi então trata os etnônimos “como un stock de gran flexibilidad y criatividad que los Matis usan para designar a partes de sí mismo o a sí propios, a familias, a residentes en una misma maloca o a pueblos vecinos”, pois mesmo com uso restrito, os etnônimos continuam em utilização e em transformação. Eles são usados a partir de um ponto onde os narradores se localizam no “continum” de povos isolados à povos misturados, sendo mais flexíveis, cambiantes e múltiplos, uma vez que muitos termos não são excludentes, mas complementares (Arisi, 2012:20). É a partir dessa perspectiva que olho para os etnônimos Gavião, tentando compreender como no contexto que são usados criam alternativas ao modo de pensar os regimes de socialidade entre estes grupos. Em três contextos pode observar o uso destes etnônimos, descreve-los me ajuda a pensar como agem como marcadores internos e externos de relação entre os Gavião e outros me hẽeh. O primeiro destes contextos de uso está relacionado a dispersão e a contração das aldeias gavião, especificamente no que se refere aos grupos que se deslocaram de uma aldeia para outra depois de conflitos internos. Nas narrativas sobre a origem do povo Gavião, sobre o nome dos grupos que viviam nessa região ou daqueles que vieram para ca, é visível a relevância das migrações da Bacia do Mearim para o leste do Rio Pindaré. O mito de Patjapi (M1) também comprova o sentido desse deslocamento. No entanto, nas narrativas alguns grupos são reconhecidos por já estarem na região quando os deslocamentos ocorreram. Dentre eles estão os Pyhcop catiji (pyh. s. urucu + cop; n.p., v. rastejar, s. lança + cati ji; s. povo, s.afins), que viviam na aldeia São Felix. Como já foi dito, na década 1960 vieram para a Aldeia Governador em busca de segurança e assistência médica. O palavra Pyh deriva do urucu, mas as narrativas sobre esse nome remetem a uma mulher que atacada por um cohpẽ na roça consegue se livrar e arranhar o fazendeiro, deixando-o com marcas por todo corpo. Depois disso ela torna-se grande referência entre o povo, liderando-os nos conflitos contra os cohpẽ. Ao que parece, desde as primeiras décadas de 1900 já viviam na Aldeia Governador outros grupos além dos Pyhcop, como os Rõo cu catiji (Rõo cuu; s. gonga16. + cati ji; s. povo- s. afins). Os Rõo cuu, como muitas pessoas me disseram, é como era chamado o grupo que vivia em uma região de cocal próximo ao município de Amarante 16

O gongo é uma larva de besouro da família dos Bruquídeos que se desenvolve dentro do fruto de várias espécies de palmeiras dentre elas as mais comuns, o coco babaçu e macaúba.

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do Maranhão, seriam um subgrupo dos Krikati, ou como são chamados hoje pelos Gavião, parte dos Põo catiji (põo;s.chapada, s.campo + cati ji; s. povo, s. afins), nome que receberam depois que se deslocaram para as terras de Montes Altos, na TI Krikati. Além dos Roo cu, viviam em Governador também os Xo teh catiji (xo;s. cachorro + teh; adj. grande) + catiji; s. povo- s. afins), que já eram emigrantes da região do Rio Grajaú e, os Gurupi catiji. Os Gurupi quebram o sentido dos deslocamentos antes conhecido somente pela Bacia do Mearim, no sentido Rio Grajaú abaixo, eles teriam vindo pelo rio Gurupi, no sentido rio acima. Não tem um pessoal que é de lá, minha mãe não, o pai da minha mãe é da região entre Para e Maranhão, dizem que os branco começaram a atacar e eles começaram a fugir de lá pra ca, até chegar no Pindaré, ai vieram mais pra ca e descobriram a gente aqui, porque eles falavam tudo a mesma língua, a tia Teresa conta e tudo se encaixa, eles são da mesma região que os pais da minha mãe vieram, nós chamamos tudo de Gurupi (Paulo Belizário (Jỹt cacu, Mỹy heh, Awqui) áudio A8).

O nome aportuguesado e o sentido do deslocamento que realizaram os Gurupi catiji me remetem ao que Nimuendaju (1944) escreveu sobre um grupo que vivia a oeste do Rio Pindaré, os Timbira de Araparytíua. Ele conta que este grupo seguiu um caminho no sentido contrário aqueles que vieram do Grajáu/MA para a Micro Região de Imperatriz, subindo o Rio Gurupi no sentido norte-sul, ao invés de descer no sentido sulnorte o Rio Grajaú. O grupo depois de muita dispersão teria se unido a família de brasileiros as margens do que presumo ser, com base nas anotações de Nimuendaju, o Igarapé Aparitiua, afluente do Gurupi próximo ao município de Centro Novo/MA. Em Riachinho viviam outros três grupos. O pai do cacique Joel, o cacique José Martins, é remanescente dos Cohcujre cati ji (cohcuj; s.macaco + re; adj. pequeno + cati ji; s. povo- s. afins). Na literatura os Cohcujre são conhecidos como Krẽnhe, que se deslocaram da região do Grajaú fugindo de conflitos com os cohpẽ (branco). O outro grupo, que deixou Riachinho na dispersão de 2010 para criar a Aldeia Monte Alegre, é na verdade formado por outros dois grupos. Maria Helena (Tiire cwyj), liderança feminina da aldeia, é filha de pessoas do grupo Rõo cuu catiji, que segundo as narrativas habitava a parte norte da TIG, talvez remanescentes do grupo dos Krikati que buscaram refúgio na década de 1930 nessa região (Lave, 1967). O outro grupo em Monte Alegre é o da família do cacique Getúlio, ele e sua família são filhos de Cree pym catiji (cree; v.cantar, s.ovos + pym; v.cair + cati ji; s. povo, s.afins) que já nasceram na TIG. Os Cree pym são conhecidos na literatura como Krepumkatejê, as narrativas indicam que fugiram da região 21

do Grajaú, primeiro chegaram nas aldeias Guajajára, no norte da TI Governador, casaram com guajajáras, com citadinos e outros se estabeleceram na Aldeia Rubiácea. Anos depois, o cacique de Rubiácea, Damásio (Wajpe), teria ido junto com o chefe do PIN Governador, José Pedro, buscar o restante do grupo que ainda vivia próximo a Grajaú. Em 2016 a morte de um dos filhos das mulheres remanescentes deste grupo Cree pym, supostamente por um Gavião, motivou em torno de 40 pessoas a abandonarem a Aldeia Rubiácea e retornarem a TI Geraldo Toco Preto. Os jovens que já nasceram na TI Governador não se adaptaram, retornaram e construíram a Aldeia Bom Jesus, onde vivem atualmente. Esses três grupos de Riachinho, que inclusive na literatura foram reconhecidos como povos distintos, também o eram pelos moradores da Aldeia Governador. Contam que se evitava o casamento entre as aldeias, algo que com certeza estava relacionado com os desdobramentos do parentesco e nominação entre ambos. “Ai o pessoal de Governador não queria que os menino se cassasse com nós de fora, com as meninas do Riachinho, porque diziam que eram outro povo, que não era pra casa não” (Maria Helena (Axu), áudio A9). Em relação ao grupo da Rubiácea, a maior parte dele, assim como o cacique Damásio (Wajpe), vieram da antiga Aldeia Rubiácea, que ficava próximo da Aldeia Borges na parte norte da TIG. O professor Paulo, filho de Damásio, contou que o pai “é de lá da Rubiácea antiga, do lado de lá da estrada (atual MA-122), ele mudou para lá, mas como teve uma epidemia e morreu muita gente ai eles mudaram para essa banda de ca da estrada” (Paulo Belizário (Jỹt cacu, Mỹy heh, Awqui) – áudio A8). A atual Rubiácea era chamada Aldeia Vareda Bonita, como já disse, o nome foi alterado quando Damásio retornou a aldeia incendiada, passando a chama-la de Aldeia Rubiácea. A maior parte desse grupo da Rubiácea é remanescente dos Cu tyhcre catiji (cu; água+ tyhcre; adj. preto + cati ji; s. povo,s. afins) que viviam na região do Rio Grajaú/MA, provavelmente próximo a Alto Alegre do Maranhão/MA. Quando Nimuendaju (1944) esteve com os Gavião em 1929 ele conta ter encontrado sobreviventes do povo “kotukrekateye”, também menciona como eles habitaram o Alto do Grajaú e teriam se envolvido na revolta dos Guajajára aos padres capuchinos em Alto Alegre do Maranhão/MA. Pois bem, depois que tive acesso a esses etnônimos pode observar como nas dispersões ou cisões de aldeias não se trata apenas de famílias nucleares ou grupos 22

domésticos que se deslocam de um lugar para o outro. São grupos locais diferentes que decidem se deslocar, grupos que frente ao cohpẽ se auto identificam como Gavião, mas que se reconhecem como diferentes, possuem origem diferente e se auto identificam como remanescente destes antigos nomes. Estes grupos quando se reúnem formam uma nova aldeia e tornam-se células até certo ponto autônomas na TIG. O outro contexto de uso destes etnônimos se refere a uma acusação de feitiçaria que teria iniciado uma série de mortes envolvendo os Cree pym catiji e os Gavião dentro da TI Governador. Uso o nome Gavião, não qualquer outro etnônimo especificamente, como Cree pym, porque é assim que me descreveram as mortes, “Cree pym e Gavião se matando”. Ao que parece foram quatro mortes, duas somente em 2016 enquanto estava em campo. A primeira dessas mortes envolveu alguém muito próximo a mim, um membro da minha família17. Enquanto caçava no fim do dia próximo a aldeia ele foi baleado na cabeça por um Cree pym, que alegou ter confundido o colega de caça com um caititu. Das inúmeras versões que me narraram do fato acontecido duas possibilidades, acidente ou assassinato. A versão de assassinato só chegava até mim pelos mais idosos e por um grupo de caçadores experientes, que ao observar o local do tiro e o horário que aconteceu, diziam que o lugar era limpo, havia luz e que um homem sentado, como estava quem levou o tiro, é muito maior que qualquer caititu, algo que qualquer caçador sabe, comprovando a intencionalidade do ato, pois o atirador era experiente caçador. A segunda morte ocorreu dois meses depois na Aldeia Rubiácea. As placas solares da escola da aldeia foram roubadas, mas os ladrões reconhecidos. Um grupo dos Gavião foi exigir a devolução das placas, o acusado era filho de mãe Cree pym e pai cohpẽ. Logo uma confusão generalizada deu início a uma briga de facão, homens e mulheres se cortaram. O acusado foi atingido com um caibro de madeira na cabeça e morreu. Depois disso, em torno de 40 pessoas das famílias Cree pym deixaram a Aldeia Rubiácea e retornaram a TI Geraldo Toco Preto. Os jovens que já nasceram na TI Governador não se adaptaram, retornaram e construíram a Aldeia Bom Jesus, onde vivem atualmente. Eu já havia ouvido narrativas sobre os encontros dos Gavião e Cree pym que resultavam em grande número de mortes. Durante as caravanas de gado que vinham de Goiás e que passava por Carolina\MA, cruzando as terras dos Krahõ, Gavião, Krikati,

17

Me refiro aos termos e as relações de consanguinidade e afinidade criadas pelo nome gavião que me foi dado quando cheguei na Aldeia Governador.

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muito homens seguiam os peões e quando cruzavam certos territórios os conflitos eram inevitáveis. Levado por essas narrativas associei os nomes as mortes e perguntei a pessoas de idade, e que, estariam supostamente relacionadas com as mortes, se haveria algo a mais nessa história de mortes entre Gavião e Cree pym. O conflito, digamos de ordem recente, mas causa antiga, teria iniciado com uma suposta acusação de feitiçaria que terminou em morte de um Gavião. Anos depois um consanguíneo do morto teria assassinado uma mulher Cree pym, também a acusando de feitiçaria. Nos dois casos mais recentes ninguém mencionou feitiçaria, mas a ideia de vingança parece ter muito sentido. Depois da morte em 2016 na Aldeia Governador, ouvi muitos dizendo que não permitiriam que matassem seus parentes assim, que reagiriam se o assassino cree pym retorna-se à aldeia. Na verdade, as mortes narradas mostram que não necessariamente a vingança ocorre com o assassino, qualquer outro membro da família pode ser morto no lugar dele e pronto, as mortes ficam adormecidas até outro infortúnio que acione esse mecanismo. De forma menos velada do que parece, a feitiçaria é uma realidade entre os Gavião e como ocorre com outros grupos da Amazônia, parece ocupar um lugar no sistema político (Coelho de Souza, 2001). Mesmo as acusações de feitiçaria tendo um uso restrito, como os etnônimos também o tem, a feitiçaria aparece como um sistema de abertura destes grupos ao exterior, algo importante no processo de constante reconstituição desse sistema de fronteiras fluidas, que em determinados momentos está baseado em alianças e em outros em conflitos. Nesse contexto os Gavião, que como vimos são formados por vários grupos locais, usam de forma especifica o etnônimo Cree pym para se referir aqueles que mataram ou foram mortos nessa história. Mesmo falando uma língua com muitas semelhanças, o termo usado nesse contexto marca um certo distanciamento entre os grupos, os colocando ora como aliados, já que Cree pym e Gavião tem há muitos anos mantido relações de casamento, ora como inimigos, o que parece atualizar os conflitos do passado. O caso dos conflitos envolvendo os Gavião e Cree pym, assim como outros envolvendo outros grupos, é sintomático no que se refere as colocações de Azanha sobre os sufixos catejê e (ca)mekra. Azanha (1980) diz que entre aqueles que se designam mutuamente usando o catejê não há registros de guerras, mas a história entre os Cree pym e Gavião, ou melhor, os grupos que viviam próximo das florestas do Pindaré, nos alertam que há sim conflitos que levavam a morte entre ambos. Como há conflitos entre os Gavião 24

e grupos de língua Tupi, como os Tenentehara/Guajajará, os Prỹyjẽh (prỹy (s. caminho) + jẽh (s. carne, s. espinho). De forma geral o sufixo catiji é usado como pluralizador, se refere a um grupo que compartilha características especificas, como me pa’heeh catiji (os caciques), mas também é usado para se referir a coletivos em português, como professor catiji, jogador catiji. Além desse sentido, o ji é também fragmento dos termos de parentesco entre afins, como ehmpÿnji (WZ), ẽhjpŷnji (BW,WM), pyyjquitji (WF), ẽhjxwyji (SW), pẽhjõoji (ZH, DH), o que sugere a possibilidade de aparentamento ao sufixo, além do sentido pluralizador. No caso do sufixo (ca)mekra, seguindo com Azanha, ele marca uma diferença quanto à origem, as relações entre os grupos designados nesta forma estariam baseadas no estado de guerra permanente entre eles (idem). Este estado de guerra está presente nas narrativas envolvendo os Gavião, e os Cyj craare [Canela. Ald Escalvado] (cyj;s. machado + craare; s.filho,filhote) e

Mỹy craare [Krahõ] (mỹy; s.ema + craare;

s.filho,filhote). Os Gavião e estes dois grupos praticavam ataques uns aos outros em busca de um machado semilunar de pedra (cỳxre), usado como poderoso instrumento de guerra entre os povos Timbira quando não dispunham de metal. Expedições eram realizadas, territórios extensos eram percorridos para matar inimigos, se possível, mas principalmente, para roubar exemplares desse machado. Me contam que o exemplar da machadinha que restou está no Museu de História Natural e Arqueologia do Maranhão. Foram em expedições de guerra contra os Ramkokamekra-Canela que os Gavião conseguiram roubar as machadinhas. Muitos anos depois, quando já não haviam mais as guerras, um Canela na Aldeia Governador teria roubado a machadinha e levado novamente até a antiga Aldeia do Ponto (TI Escalvado). Em posse dos Canela um Krahõ teria roubado e vendido ao Museu. João Damasceno, coordenador do Setor de Etnologia e Museologia do Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão, que possui longa experiência com os povos indígenas do Maranhão, contou pessoalmente que a machadinha não foi vendida. Ela foi recuperada pela Polícia Federal com um italiano que embarcava com ela. Ele foi obrigado a deixa-la no Centro de Pesquisa em regime de comodato, o que na verdade, não muda os sentidos das narrativas Gavião sobre a machadinha. Os dois sufixos, catiji e craare, são cotidianamente usados em conversas, hoje são muitos os casamentos entre povos que se identificam com um ou outro. Durante 25

2014 uma mulher Romkokamekra/Canela vivia com o marido Gavião em Governador, depois mudaram-se para a casa da mãe dela na Aldeia Escalvado, TI Canela. Além desses casos, há povos que os Gavião usam um etnônimo aportuguesado sem a presença de qualquer um dos sufixos, como é o caso dos Caipo (Kayapó), Xerente, Apinajéh (Apinajé). Agora o etnônimo Prỹyjẽh, usado quando se referem aos Guajajará/Tenetehara, escapa das três formas mencionadas. Foi só muito tempo depois que um homem já idoso me explicou uma interpretação diferente do nome, disse que o nome era referência ao modo como os Guajajará comem carne, assadas em um espeto diretamente no fogo, diferente dos Gavião que assam a carne enterrada. Quando conversava sobre a “origem” dos Gavião, o nome dos povos que vieram e viviam aqui, soube de como eram constantes os ataques entre os Gavião e os Prỹyjẽ, “eles davam em nós, nós dava neles, eles matava nóis, nóis matava eles, porque esses Guaja são muito, eles vinham de todo lado e vinha muito, tinha aldeia grande dos Guajajará ali no Cabeceira, dali espalharam tudo” (David (Copahxen), áudio A12). Hoje pelas aldeias gavião é comum encontrar homens casados com mulheres Guajajára, mas poucos homens guajajára casados com mulheres gavião, conheço apenas homens que tem pai Guajajára, mas a mãe Gavião, sendo que foram criados nas aldeias gavião. Nos dois usos dos etnônimos onde centralizei minhas intenções, bem como nessas rápida incursão envolvendo o tema da guerra, os etnônimos acionados pelos Gavião são abarcados por uma forma mais genérica, me hẽeh, (s. índio ou índios; pessoas vivas; lit. ‘na carne’. Segundo o professor indígena Paulo Belizário (Jytcacu), o termo é usado para outros povos que eles reconhecem que não são cohpẽ, não sabem a origem nem o nome, mas sabem que não são cohpẽ. Em nota Azanha (1981) diz que mehin é autodenominação frente aos Outros (brancos ou não-Timbira), quer dizer algo como “os da minha carne”, gente (humano). Se o me hẽeh foi a forma dos Gavião e de outros Timbira se auto identificarem frente aos cohpẽ, o nome Gavião foi uma forma dos cohpẽ identificaram os primeiros. O professor Paulo (Jytcacu) acredita que algum dos homens que passaram por ali, militares, padres, comerciantes, aqueles que escreveram os primeiros registros sobre eles, devem ter tomado conhecimento da violência dos ataques das mulheres ciumentas, que “unhavam” o rosto dos homens, deixando marcas que continuavam visíveis durante dias. 26

O ataque baseado nas unhas é a analogia as garras do gavião. Na minha opinião talvez o nome Gavião seja uma referência a estética das pinturas, principalmente de preto sobre o nariz e a boca e a emplumação de corpos que acontece nos finais dos rituais, uma imagem que facilmente é relacionada as aves de rapina. Já imaginava que o nome Gavião era uma atribuição exterior, depois do que foi dito mais atrás sobre os etnônimos, podemos supor que o Pukobjê, conhecido na literatura antropológica, tenha sido adotado porque foi junto aos Pukobjê que primeiro chegaram estes militares, padres, viajantes e estudiosos. Sendo assim, um paradoxo nada novo se formou, o nome Gavião Pukobjê podemos dizer que não existe, porque o primeiro é criação do cohpẽ e o segundo apenas o nome de um dos grupos que se auto identifica como Gavião. Se estendermos esse raciocínio que coloca em dúvida o nome enquanto recorte étnico, todos nomes que falamos mais atrás sucumbiram ao Pyhcop, ou seja, o recorte étnico fez com que Rõo cu, Cu tyhcre, Cohcujre, Cree pym, Xo teh, Pji hỹre, todos se tornassem Pyhcop como critério de identificação frente ao cohpẽ. Se esses breves comentários servem para colocar o nome Pyhcop em dúvida, eles também podem colocar classificações ainda mais genéricas, como Timbira, em dúvida também. Quando digo colocar em dúvida o nome Pyhcop ou mesmo Timbira estou me referindo a necessidade de considerarmos fluidas as fronteiras entre estes conglomerados sociais, uma vez que estão costurados por alianças matrimoniais, materiais e políticas como os rituais, como o de Wyty, mostram em intensas redes de circulação de pessoas e objetos.

Considerações. Tendo comentado o uso dos sufixos catiji e craare, principalmente, o uso dos etnônimos nas narrativas sobre as cisões das aldeias gavião e dos grupos locais diferentes, além das acusações de feitiçaria como uma forma de marcar fronteiras entre grupos, posso dizer que os etnônimos gavião são usados para se referir a si mesmo, a uma família, a residentes de uma mesma aldeia, a povos vizinhos e a inimigos do passado e do presente. Como disse Arisi (2012) sobre os etnônimos pano, os etnônimos são marcadores internos e externos, nomeiam povos do entorno e os netos e bisnetos destes povos que hoje vivem “misturados”. Segundo as narrativas de “origem”, antes as fronteiras entre estes etnônimos eram mais claras, por mais que tivessem semelhanças linguísticas, o que sempre é destacado, os grupos vinham de lugares diferentes, ocupavam lugares diferentes, 27

tinham características físicas diferentes, podiam ser aliados ou inimigos, dependendo de questões que foram se mostrando contingenciais. Ainda não tenho dados suficientes sobre os casamentos envolvendo outras aldeias, apenas conheço indivíduos de grupos domésticos de Governador que mantem relações de casamento com indivíduos de outros grupos locais e mais distantes também. O fluxo de pessoas entre as aldeias, principalmente devido as relações de casamento, é outro indicativo das formas que as relações de casamento assumiram entre os grupos gavião. Os Gavião têm um padrão monogâmico, mas através do sistema de nominação acionado pelo parentesco criam outras formas de incorporar alteridades. Talvez por isso os etnônimos sejam tão flexíveis e cambiantes, porque estão constantemente, mesmo que com menos frequência, sendo colocados a prova através das formas de socialidade da qual ganham sentido. Os etnônimos gavião são múltiplos, mas conhecer os nomes e os contextos de uso indicam como além de múltiplos são, principalmente, contraditórios e complementares. Como disse Arisi (2012), os etnônimos ganham sentido num certo local que os enunciadores se colocam entre povo “isolado” e povo “misturado”. Cisões e dispersões se ocuparam de ao longo das décadas colocar os netos e bisnetos remanescentes dos grupos locais gavião sob o mesmo nome Pyhcop, Gavião Pyhcop catiji. “Hoje está tudo misturado”, mas nem tudo.

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