Os gérmens da autonomia universitária

June 24, 2017 | Autor: Leticia Pereira | Categoria: Historia De Las Universidades, Direito Educacional
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3 AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Letícia Pimenta1 Pesquisadora em Ensino Jurídico no Brasil

3.1 Conceito e Autonomia

O vocábulo autonomia possui índole polissêmica, o que sobremaneira dificulta uma conceituação precisa e dotada do rigor cientifico que o tema urge.

O Dicionário Aurélio2 nos fornece a seguinte definição: “[Do gr. Autonomía] s.f. Faculdade de se governar por si mesmo. Direito ou faculdade de se reger (uma nação) por leis próprias. ”

Celso Luft,3 no mesmo sentido, leciona: “s. f. Faculdade de se governar por leis próprias; independência”.

Deriva etimologicamente do francês autonomie, oriundo do grego “autonomia”, sendoautós equivalente a „de si mesmo, por si mesmo, espontaneamente‟e nomós significando „lei‟,4 podendo também se referir a „certa região‟, assim concebidas as instituições universitárias como “ locais privilegiados de produção e de transmissão de conhecimento.”5

1

Foi bolsista FAPERGS de Direito Educacional. FERREIRA, Aurélio. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. 1986, p. 203. 3 LUFT, Celso. Minidicionário Luft. 13. ed., São Paulo: Ática, 1998. p. 94 4 CUNHA, Op. cit. p. 84-85. 5 SANTOS FILHO, Onofre dos. Da liberdade e competência acadêmica. 1995, p. 13. 2

Em suma, consiste no “poder poseído por um sistema subsistema o institución para llevar a cabo sus propias actividades y tomar decisiones sin control externo”6 ou também “possibilidade de um ente jurídico estabelecer as normas de sua própria conduta.”7

Autonomia, lato sensu, é a “margem limitada de liberdade de atuação conferida pelo ordenamento jurídico a pessoas públicas ou privadas.”8 Em sentido estrito, referese à “liberdade dos entes infra-estatais face ao Estado, ou seja, à relativa independência em relação ao poder central”.9

Deste modo, a despeito da imprecisão semântica de que o termo é dotado guarda, de maneira uniforme, alguns caracteres que lhe são essenciais:

Auto-organização: poder de editar os próprios atos constitutivos instituindo os órgãos supremos de direção;Autogoverno: poder de escolha dos próprios dirigentes e a possibilidade de editar as normas de conduta da entidade e de seus membros; Auto-administração: capacidade de dar execução própria às normas vigentes e de buscar a realização dos objetivos da entidade,10 bem como autonomia financeira e orçamentária, que consiste na possibilidade de: definir o próprio orçamento e de manipular as despesas tidas como imprescindíveis, alheias à alçada de quem quer que seja, mas que derivem da lei e dos próprios estatutos.11

3.2 Autonomia Universitária

6

LLINÁS, Edgard. El concepto de autonomia universitária. In: Universidades, jan-jun, 1994, p. 41. ARAGÃO, 2001, p.22. 8 Ibidem, p. 23. 9 BARROSO, 186, apud ARAGÃO, 2001, p. 24. 10 SPAVENTA, 1949, apud ARAGÃO, 2001, p. 25. 11 ARAGÃO, Op. cit., p. 22. 7

“Conjunto de libertades, determinadas en una ley o en un principio constitucional, en la que el Estado reconoce a una Universidad o institución superior, a facultad para darse a si misma las normas que rijan su organización, gobierno y régimen académico, sin interferencias externas.”12

É a autonomia uma prerrogativa conferida pelo Estado a determinados entes, e só possui sentido diante do poder de que este é munido.

Autonomia não é soberania, porque não confere liberdade absoluta.Soberania é a “propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema que não deve a sua validade a nenhuma outra ordem superior”.13

Neste diapasão, soberania refere-se a um poder político, ao passo que autonomia pressupõe poder administrativo. O que os diferencia é o grau, maior ou menor de liberdade, conferido ao ente. Aquele, poder originário; este, poder derivado, de cuja existência é dependente daquele e condicionada ao objetivo para o qual fora instituída a entidade.

A prerrogativa autonômica atribuída às instituições universitárias é justificada perante a natureza das atividades que realiza em seu bojo, ou seja, atua como pressuposto para o bom desempenho das atividades das quais é incumbida. Assim, é um meio e não um fim em si mesmo. Resulta, por conseguinte, em um poder derivado e, portanto, submetido a controle externo.

Deste modo, é dotada de caráter funcional: visa instrumentalizar, viabilizar as 12 13

BERNHEIM. Op. cit., p. 22. FERREIRA. Op. cit., p. 1597.

atividades em função das quais a universidade fora instituída, e destarte, “restrita ao exercício de suas atribuições; não tem como referência o seu próprio benefício, mas uma finalidade outra, que diz respeito à sociedade: incentivar o avanço do conhecimento e sua divulgação”14

As funções que desempenha, isto é, ensino, pesquisa e extensão cingem e delimitam o caráter da autonomia que possui a universidade.

Não se confunde ainda com a autarquia. Estas conferem apenas poder de autoadministração, em contraponto à autonomia, que atribui também capacidade de autonormação, porque munidas de poder político.

Para Guido Zanobini, autonomia é “efeito de uma limitação que a lei impõe a si mesma; possuir autonomia é, sob essa perspectiva , regular com normas próprias situações intencionalmente não alcançadas pela lei, tendo em vista garantir e proteger seus interesses.”15

Concluindo, alicerço-me na definição abrangente de Ranieri, para quem autonomia é “poder funcional derivado, que se manifesta na capacidade legislativa consentida, circunscrita ao peculiar interesse da entidade que o detém, e limitado pelo ordenamento que lhe deu causa, sem o qual, ou fora do qual, não existiria”.16

3.3 A positivação constitucional da autonomia universitária 14

DURHAM., apud RANIERI, 1994, Op. cit.,. p. 33. RANIERI, 1994, Op. cit.,. p. 33 16 FERNANDEZ, 1982, Op. cit., p. 29. 15

De entre todas las libertades publicas y derechos fundamentales, es la más importante de todas, porque todas tienen en ella su origen y su razón de ser [é] a libertad de pensar. Ninguna otra libertad esta 17 sometida hoy a amenazas más graves que ésta.

A autonomia universitária é inerente à própria essência da instituição. Inicialmente uma instituição cujo telos era a exclusiva produção e disseminação de saber passou, no momento em que o Estado reconheceu a sua relevância, a um ente componente da administração pública, e por vezes servindo aos interesses desta. No Brasil, foram feitas diversas tentativas no sentido de extinguir esta prerrogativa das universidades; em 1967, o Decreto Lei 200 modificou a estrutura organizacional do Estado, que de um modelo burocrático, moroso, passou a um modelo gerencial, com uma noção de eficiência que surtiu efeitos no próprio caráter das instituições universitárias, voltada unicamente para o intuito de atingir aos parâmetros de qualidade e eficiência exigidos pelo Governo, visando à sua subsistência, e não ao cultivo e divulgação do saber. De universidade autônoma e dotada de uma identidade cultural própria, passou a uma universidade operacional atendente ao ideal neoliberal.

Embora de há muito contemplada em nosso ordenamento, conquistou patamar constitucional apenas em 1988. Inscrito no art. 207, em seção especificamente afeta à Educação, dispõe: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao principio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

A doutrina realiza tradicional distinção entre princípios e regras enquanto

17

FERNANDES, Op. cit, p. 29.

espécies do gênero normas jurídicas. Assim, regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida.18 Princípio é, por definição, “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondolhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.19

Os princípios constitucionais podem-se subdividir em: princípios jurídicoconstitucionais, que dão a conhecer o ordenamento jurídico nacional; são exemplos os princípios da isonomia, do juiz natural e da legalidade; princípios políticos constitucionais que são “decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras

de Direito Positivo”.20

Bifurcam-se

em

princípios

políticos

constitucionalmente conformadores, “decisões políticas fundamentais estruturantes e organizativas do Estado (república, presidencialismo ou parlamentarismo, separação de poderes, estado liberal ou social, federação, etc).”21 e princípios constitucionais impositivos, os quais, “ao elegerem os objetivos políticos do Estado,‟ impõem aos seus órgãos , sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas(erradicar a pobreza, reduzir desigualdades, convivência justa, desenvolvimento nacional, etc.).22

Luiz Roberto Barroso23 realiza distinção análoga, subdividindo os princípios constitucionais em: 18

CANOTILHO, Joaquim G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1125. 19 BARROSO, 1999, apud MELLO, Celso A B., 1986, p. 149. 20 ARAGÃO, 2001, cit, p. 61. 21 Ibidem, ibid., loc.cit 22 Ibidem, p. 62. 23 BARROSO, Op. cit. , p. 151.

Fundamentais, os quais consubstanciam “decisões políticas estruturais do Estado”.24 Possuem caráter organizativo, atinentes à organização política estatal, de que são exemplos a forma de Estado, forma, regime e sistema de Governo.Constituem o „núcleo duro‟ da Constituição. Gerais, determinam o conteúdo dos direitos constitucionais fundamentais, prestando tutela imediata às situações fáticas que regem, com vistas a resguardar as garantias do cidadão. São também designados princípiosgarantia. Exemplos: Juiz Natural, Acesso à Justiça, Devido Processo Legal.Setoriais ou Especiais, atinem a um tema especificamente contemplado na Constituição os quais, não obstante de restrita extensão, possuem amplo âmbito de atuação. Exemplos: Principio da Legalidade Tributária, Principio Livre Concorrência, Princípio da Autonomia Universitária.

A autonomia das universidades é principio político constitucionalmente conformador na medida em que reflete a ideologia do poder legiferante no processo constituinte, definindo a instituição como autônoma não porque a atribua tal direito, mas simplesmente porque a reconhece como tal, pois que intrínseca e imprescindível à subsistência da mesma.

Deste modo, adota linguagem declarativa, visando elucidar o fato de que a norma atribuiu-lhe apenas patamar constitucional, pela Teoria da Recepção,25 ocasionando modificações meramente em seu status quo, protegendo-a contra intentos de alteração em seu bojo. 24

Ibidem, loc.cit. Acerca da Teoria da Recepção, Hans Kelsen pontífica: “uma grande parte das leis promulgadas sob a antiga Constituição permanece [...] em vigor [...] porque foram postas em vigor sob a nova Constituição, expressa ou implicitamente [...] O Conteúdo destas normas permanece na verdade o mesmo, mas o seu fundamento de validade, e não apenas este mas também o fundamento de validade de toda ordem jurídica mudou.” (BARROSO, Op. cit. p. 69). 25

Sendo um dispositivo „cheio‟ em sua literalidade, gera efeitos imediatos, não pendendo de qualquer normatização que o complemente; por conseguinte, autoaplicável.

É princípio constitucional especifico porque se trata de uma garantia institucional de natureza ôntica, pertinente unicamente à instituição universitária enquanto tal, e sendo assim possui âmbito de aplicação adstrito a estas; sendo proteção especial resguardada a tais entidades cuja existência está condicionada pela realização das funções e consecução dos fins para os quais fora instituída, as protege contra quaisquer formas de ingerência abusiva.26

Destarte, “torna inconstitucional qualquer lei inferior que disponha sobre a extensão, sentido ou conteúdo da autonomia das universidades.”27

Norma de aplicação regulamentável,28 admite apenas normação que se limite a implementar ou otimizar sua aplicação.

Anita Sampaio de modo sintético ilustra o que até então quis se explicitar;

norma de eficácia plena, insuscetível de ter o seu significado e sua extensão diminuídos, ainda que em mínima parte, pela legislação ordinária. Não é que a regra constitucional vede legislação ordinária que explicite, de forma mais minuciosa ou pormenorizada, o seu sentido, facilitando-lhe a aplicação às situações concretas [mas sim] 26

ARAGÃO, op.cit, p. 62-63. RANIERI, 1994, cit., p. 107. 28 Em nota: MEIRELLES TEIXEIRA, J. H., 1991, apud, RANIERI, 1994: 107, “ Regulamentar um dispositivo constitucional é apenas complementá-lo, isto é, criar órgãos, autoridades ou procedimentos necessários à sua aplicação”. 27

impede que, sob o pretexto de dar tratamento mais minudente ao preceito superior, acabe por desvirtua-lo, conferindo-lhe um contorno e uma dimensão que ele não possui.29

Assim, Anna Cândida Cunha Ferraz30 elenca como reflexos de sua elevação a patamar constitucional,

a) a autonomia constitui uma garantia institucional das universidades e constituindo um „mínimo intangível‟ representa proteção reforçada contra o arbítrio e a invasão dos entes legislativos inferiores;

b) a interpretação do principio deve ser feita à luz da Constituição Federal: tem [ele] a mesma força dos demais princípios constitucionais, de tal sorte que todos deverão ser interpretados de modo harmônico , a fim de que o principio tenha aplicação mais eficiente e conforme à finalidade para a qual foi instituído;

c) o princípio se irradia por todo o sistema e tem uma dimensão fundamentadora, interpretativa, integrativa e diretiva para a aplicação do instituto, seja nos planos legislativo e executivo, de qualquer nível do sistema constitucional brasileiro, seja no tocante à sua aplicação geral;

d) o exercício e a aplicação da autonomia universitária não estão condicionados à lei; o exercício da autonomia universitária não se faz „na forma da lei‟. A norma constitucional que abriga o princípio é de eficácia plena, independendo, portanto, de leis para ser aplicada;

29 30

SAMPAIO, Anita. L. B. Op. cit., p. 117. SANTOS FILHO, 1995, p. 127-128.

e) leis que, de qualquer modo, alcancem as universidades, não podem ter como objetivo ou finalidade conceder ou restringir sua autonomia. Toda e qualquer lei que abrigue normas relativas à universidade, ou a ela se dirijam, deve se conter nos limites da Constituição e dispor sobre matéria própria de via legislativa de modo „adequado‟, „razoável‟ e „proporcional‟, a fim de não frustrar a garantia institucional da autonomia;

f) O conteúdo e os limites à autonomia [universitária] constitucional são postos pelo constituinte originário na Constituição Federal e somente estes são admissíveis na vida do instituto;

g) A autonomia universitária é exercida dentro dos limites da Constituição; onde a Constituição não estabelece limites, a lei não pode estabelecê-los também. Assim, onde a Constituição não limita, e a lei também não o faz, porque não pode fazê-lo, a autonomia é plenamente exercitável pela universidade;

h) Finalmente, a inclusão no texto constitucional, do princípio [enquanto] garantia institucional implica a derrogação de toda a legislação ordinária que com ela seja inconciliável.

3.4 A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e a autonomia universitária

Consoante já referido reiteradas vezes, a autonomia é prerrogativa atribuída pelo Estado com a finalidade precípua de instrumentalizar a prática das finalidades para as

quais fora instituída: ensino, pesquisa e extensão.

A articulação indissociada das funções de corporação universitária constituem um “diferencial para as universidades no seu objetivo de produzir e transmitir saber especializado”,31 bem como para propagação dos conhecimentos produzidos em seu interior.

3.4.1 O ensino

Oriunda do verbo latino „insignare‟, no sentido de „transmissão de conhecimento‟,32 consiste basicamente na “transferência de conhecimento de informação, especialmente de caráter geral, na maioria das vezes em local destinado a esse fim; instrução; ato ou efeito de adestrar, de habilitar; treinamento.” 33Assim o é a relação aluno-professor na universidade”, a fim de que o primeiro possa „imprimir conhecimentos‟ na mente do segundo.”34

Pressupõe, portanto, a seleção pela instituição de profissionais efetivamente voltados para a atividade docente, em constante atualização, capazes de inscitar o espírito critico nos discentes. O educador possui a responsabilidade social de formar o profissional do futuro, cuja “qualificação intelectual [seja] de natureza suficientemente ampla e abstrata para constituir, por sua vez, base sólida para a aquisição continua e

31

SANTOS FILHO, Op. cit. p. 12 HOUAISSe VILLAS, 2001, p. 1159. 33 DUARTE, 1986, p. 63. 34 MORAES, Op. cit., p. 24. 32

eficiente de conhecimentos específicos.”35

O modo de produção toyotista requer a “aquisição de competências a longo prazo”36 com vistas a responder às questões que hão de surgir e para os quais o conhecimento especializado resta precário.

Saviani observa que “o ensino que não levar em consideração o meio social e histórico do homem e, ao mesmo tempo, a contribuição do conhecimento cientifico, tem poucas condições de eficácia e certamente se tornará uma forma de alienação.“ 37

3.4.2 A Pesquisa

A universidade de pesquisa é uma feição do ensino superior que consagrou o grande desenvolvimento da ciência e, conseqüentemente, da tecnologia e que tem sua origem na Fundação da Universidade de Bolonha, há aproximadamente mil anos. Sua característica essencial é ser detentora do saber, além de guardiã do conhecimento, formadora das elites dirigentes, motor propulsor da história, da ciência e, depois, da tecnologia, encontrando-se agora em fase de desorientação quanto à sua verdadeira missão.38

Originário do castelhano pesquisa, refere-se à „busca com investigação‟, derivado do latim vulgar, „pesquisita‟ que significa buscar.39

Deste modo, “o ensino sempre esteve ligado à pesquisa (e de fato não haveria

35

Ibidem, p. 24. SAVIANI, 1986, apud SLEUTJES, 1999, p. 105. 37 SAVIANI, apud SLEUTJES, 38 SLEUTJES, op. cit., p.100. 36

39

de se aceitar professores como meros repetidores de conhecimentos enlatados, ou o novo repropondo o antigo).”40 Cunha assinala que “a pesquisa universitária é feita para o ensino(sendo, nesta medida, indissociável o docente do pesquisador), e o ensino, o vetor que assegura a difusão do conhecimento gerado e armazenado na universidade.”41

Consiste em, a partir do conhecimento já existente, perquirir novas soluções para as situações que se apresentam. É a “pesquisa que dá sustentação ao ensino universitário, o que significa dizer que não existe universidade sem pesquisa.”42

A pesquisa pode ser de dois tipos: pura, desenvolvida nas diversas áreas do conhecimento humano, pelo pesquisador, e através da atividade do docente que se atualiza constantemente e aplicada, que consiste em pôr em prática o conhecimento repassado.

3.4.3 A Extensão

É controversa a etimologia deste termo; há quem a relacione ao vocábulo „estendere‟, no sentido de „alargar, espalhar, alastrar‟,43 e quem o vincule ao latim „extensionis”, que refere-se ao „efeito de estender-se, dimensão, tamanho‟. 44

40 41

RANIERI, Op. cit. p. 135. RANIERI, loc. cit.

42 43 44

CUNHA, 2000, p. 329.. Ibidem, p. 329.

De qualquer modo, na acepção que é dado abordar aqui, extensão corresponde ao “ programa de instrução [realizado pela instituição universitária] através do qual o conhecimento teórico disponível em uma instituição de educação ou pesquisa é diretamente comunicado aos interessados mediante cursos e demonstração de praticas apresentados por especialistas itinerantes”.45 Isto é, “... atividade que, vinculada ao ensino e à pesquisa, [dissemina] os conhecimentos gerados pela universidade repassando-os à sociedade”.46

Consiste na faceta socializada do trabalho universitário, consistente no modo pelo qual se publiciza a efetividade das atividades executadas pela instituição.

O dispositivo concedente de autonomia às universidades enseja dissensões doutrinárias: “As universidades gozam de autonomia didático-cientifica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao principio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

A adoção da conjunção aditiva „e‟ no corpo do dispositivo tem sido interpretada no sentido de que a autonomia das universidades se dá somente a partir da indissociabilidade; assim, sem ela não haveria autonomia.

3.5 Dimensões da autonomia universitária

45 46

DUARTE, 1986, p. 78. SLEUTJES, ibid., p. 109.

Não obstante a prerrogativa autonômica seja una desdobra-se, basicamente: na autonomia didático-cientifica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Aquela consiste na atividade-fim da instituição, sendo estas atividades-meio, instrumentalizadoras e concretizadoras de suas finalidades institucionais quais sejam ensino, pesquisa e extensão.

3.5.1 Autonomia Didático-Cientifica

3.5.1.1 .A Autonomia didática

Etimologicamente o vocábulo didá(c)tica provém do francês didactique, oriundo do latim medieval didactica (ars) e, este, do grego didaktiké, feminino do adjetivo didaktikós, da raiz didak-, de didaskein (ensinar), consiste „ciência ou arte de ensinar.‟47

Mediante o fato de ser a autonomia garantia institucional concretizadora da liberdade de apreensão e disseminação do saber inserta no art. 206, II da Constituição Federal Brasileira e corolário do principio da liberdade de manifestação de expressão e pensamento, envolve a competência atribuída à instituição universitária de definir o conhecimento relevante tal como a metodologia empregada para difundi-lo.

Basicamente abarca as prerrogativas de:

47

CUNHA, Op. cit. p. 263.

a) Organizar o ensino, pesquisa e extensão;

b) Criação, modificação e extinção de cursos de graduação, pós-graduação e de extensão universitários;

c) Definir o conteúdo e forma de organização dos currículos sem quaisquer restrições de ordem filosófica, política ou ideológica;

d) Estabelecimento de normas e critérios para seleção e admissão de estudantes, bem como regimes de transferência e adaptação;

e) Definir o percentual de vagas oferecidas em cada curso;

f) Estipular critérios e normas para avaliar o desempenho dos alunos (art. 209,III,CF)

Seus limites são definidos pela tradição universitária em que se insere, considerada a comunidade universitária sob ponto de vista cosmopolita, bem como pela competição profissional e pressão exercida pelos órgãos de classe.

A esta prerrogativa corresponde o ônus da instituição de oferecer ensino de alta qualidade o que permite formação recursos humanos qualificados e bons pesquisadores.

3.5.1.2 Autonomia Cientifica

Como Tomás-Ramón Fernández assinala, “ ... la autonomia de la Universidad es, pues, autonomía para la ciencia y no otra cosa.”,48 porque “... en la universidad, se enseña porque si invetiga.”49

Sendo assim, consiste na “competência da universidade para estabelecer metas prioritárias de investigação, sua forma de desenvolvimento e os métodos de avaliação interna dos resultados”. 50

Incide diretamente sobre a estrutura das instituições através da subdivisão interna nos diversos campos de conhecimento.

É realizada objetivando o desenvolvimento e independência nacional, (arts. 3o II c/c 4o I CF), promoção humanística, científica e tecnológica do País, (art. 214,V, CF), ao bem público e ao progresso cientifico, levando em conta as peculiaridades regionais (art. 218 §§ 1o e 2o da CF).

Em vista disso, exige-se da universidade que dê primazia às especulações que produzam resultados imediatos, não obstante se objetive também conservar certo grau de pesquisa em áreas nas quais não haja interesse econômico-político imediato.

48

FERNANDEZ, op. cit., p. 50. Ibidem, p. 46. 50 RANIERI, Nina.”A autonomia das universidades públicas e a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9394 de 20/12/1996).In:Ensaio: Avaliação das Políticas Públicas, p. 37-48, jan-mar, 1997, p. 39. 49

3.5.1.3 Autonomia Administrativa

Traduz-se na escolha e gestão dos meios, matérias e humanos, de que dispõe a instituição, para a consecução de suas finalidades. É instrumental, decorrente e condição da autonomia didático-cientifica e pressuposto da autonomia de gestão financeira e patrimonial.51

Consiste basicamente na competência para: adoção de uma política geral direcionada para o atendimento de seus objetivos precípuos, elaborar, aprovar e reformar estatutos, regimentos e resoluções; eleger seus dirigentes; dispor sobre o regime de pessoal docente e técnico-administrativo, firmar pactos, convênios e convenções, bem como instituir novos cargos e funções.

Por seu intermédio, o poder de autonormação da instituição universitária “afasta a incidência de normas gerais que não tenham natureza diretivo-basilar, quando invadam sua esfera de incidência ”.52

É dotada da responsabilidade de oferecer serviços eficientes mediante um uso ótimo e racional dos recursos disponíveis.

51

ARAGÃO, Op. cit. p. 91. BASTOS, Celso R. e MARTINS, Ives G. Comentários à Constituição do Brasil, 8° vol. SP: Saraiva, 1998,p. 473. 52

3.5.1.4 Autonomia de gestão financeira e patrimonial

Consiste no “ato de gerir recursos públicos (financeiros e materiais), que são postos à sua disposição e que nesta qualidade se tornam bens da instituição”.53

3.5.1.4.1 Autonomia de Gestão Financeira

É a competência para elaboração e execução do orçamento, de gerir os recursos de que dispõe, quer pelo poder instituidor, quer fornecidos por fontes alternativas, afetados à consecução das finalidades das quais é incumbida.

Como observa Tomáz-Ramón Fernández,54 “La universidad en general, esto es, cada Universidad en particular, debe tener en cualquier caso plena libertad de elaborar su presupuesto de gastos, sin otros límites que los relativos a la determinación de las retribuciones de su personal, materia ésta que entra sin duda en el ámbito de las competencias exclusivas del Estado. Debe ser ella quien decida en qué va a emplear los ingresos de que dispone, de acuerdo con su propio plan de actuación. La descentralización del gasto debe considerarse una exigencia mínima del principio de autonomía.”

3.5.1.4.2Autonomia de Gestão Patrimonial

É a “faculdade de que a universidade dispõe de instituir fundações com os bens 53

BASTOS, Celso R. e MARTINS, Ives G. Comentários à Constituição Federal. 8ª ed. SP:Saraiva, 1998, p. 473. 54 Fernandez, op.cit., p. 68.

de seu patrimônio, de ceder e transferir os bens imóveis de sua propriedade e decidir acerca de sua utilização e tributação.”55

A autonomia de gestão financeira e patrimonial possui como metas construir uma sociedade livre, justa e solidária, além de corroborar para o desenvolvimento nacional (art. 3o I e II CF). Pressupõe responsabilidade institucional no manejo dos recursos, estando sujeita a controle pelo Tribunal de Contas (art. 70 CF).

1

H

55

BASTOS, Celso R. e MARTINS, Ives G. Comentários à Constituição Federal. 8ª ed. SP:Saraiva, 1998, p. 475.

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