Os homens livres de côr na sociedade escravista brasileria

September 27, 2017 | Autor: Herbert Klein | Categoria: História do Brasil, Brasil, Escravidão
Share Embed


Descrição do Produto

ISSN OOti-5258

dados

Dados e uma Pt!bl.ica~io do Instituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro, orgio de. estudos. e pesq~as em Ciencias Sociais da Sociedade Brasileira de lnstru~io, fundada em 1902, mantenedora, tamoom, da Escola Tecnica de Comercio.

Publica~ao

do · lnstituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro

N.0 17 - 1978

Candido Mendes, da Faculdade-'de Ciencias Poilticas e Economicas do Rio de Janeiro e da Faculdade de.Diieito-Candido Mendes.

Diretor .Candido Mendes

Conselho Editorial Candido Mendes Carlos A. Hasenbalg

Editor Simon Schwartzman

·- '.:

Edmundo Campos Coelho Fernando Uricoechea Luiz Antonio Machado da Silva Maria Regina Soares de· Lima Neuma Aguiar Olavo Brasil de Lima Junior Renato Boschi Simon Schwartzman Wanderley Guilherme dos Santos

Editor Adjunto Charles Pessanha '.· . .

Cesar Guimaraes Charles Pessanha

·.

Supervis3:o Gr.ifiea Antonio Seara · Secretaria Maria Elizabeth R. Cobra

Os conceitos errutldos em artigos rassinados sio de absoluta e exclusiva responsabilidade de seus autores.

Reda~, Adminis~o e

3

Herbert S. Klein

Os Homens Livres de Cor na Sociedade Escravista Brasileira

29

Olavo Brasil de Lima Junior

Evoluc;ao e Crise do Sistema Partidario . Brasileiro: As Eleic;oes Legislativas Esta. duais. de 1947 a 1962 .

53

Edson de Oliveira Nunes

Legislativo, Polftica e Recrutamento de Elites no Brasil

79

Pedro Sampaia Malan

Asshtaturas ·

Dados, I~tituto Universitario de Pesquisas do Rio de Janeiro Rua da Matriz, 82 . . . Botafogo ,... ZC-02 Rio de Janeiro, RJ ·

. Brasil Composi~o

ehnpressio

Gr4fica Portinho Cavalcanti Ltda. Rua Irineu Marinho, 52 Rio de Janeiro, R1 .

Brasil

.

Preyo no pais: Assinatura:

97

Cr$

70,00'

.. Cr$ 170,00 (tres numeros)

Price (exterior): USS 6,00 '. . • Subscription: USS 18,00 · US$ 21,00 (Air Mail) (three issues).

Relac;oes "Economicas" lnternacionais do Brasil: Notas para uma Agenda de Polfticas de Pesquisa

_, Renato Raul Boschi Eli Diniz Cerqueira.

Burocracia, Clientela e Relac;oes de Poder: Um Modelo Te6rico

117

David Oliver Hansen

Um lnstrumento para Medir Aspirac;oes Ocupacionais de Adolescentes Brasileiros

135

Argelina Cheibub Figueiredo

lntervem;:oes Sindicais e o "Novo Sindicalismo" \

Boletim lnformativo e Bibliogratico de Ciencias Sociais - BIB

.

.

..

-

Os Ho mens Livres de Cor na Sociedade Escravista Brasileira ( *)

·±

Herbert S. Klein

I

I '

rI I

l

Para analisar a estrutura da escravidao e o desenvolvimento das relayoes raciais . em qualquer sociedade do Novo Mundo, e essencial compreender a condiyao de classe da populayiio livre decor, uma vez que as ocupayoes, a condiyao e o grau de aceitayao deste grupo, durante a escravidao, anunciam o modelo de assimilayao dos ex-escravos no periodo posterior aboliyaO da escravatura. 0 papel desempenhado pela populayiio livre de cor torna-se ainda mais decisivo, como indicador · da natureza, fechada ou aberta, de um dado regime escravista. Esse grupo oferece, para a massa dos homens de cor, modelos altemativos funyiiO de escraVO e, como categoria social ocupa uma posiyao intermediana entre os dois extremos: a liberdade e a escravidao, sugerindo aos individuos de cor a possibilidade de relayoes altemativas interayao senhor/es. cravo. Para compreender o papel desempenhado pela populayiio livre de cor em qualquer sociedade escravista e essencial determinar sua dimensao, seu crescimento no tempo, ·condiyoes de vida, mobilidade

a

i

'

a

a

(*) Este trabalho

e

ocupacional e grau de integrayao na sociedade mais ·ampla. Ate o momento, estudos deste tipo restringem-se ao contexto norte-americano. As anruises desta natureza referentes aos estados escravistas do Sul e aos estados livres do Norte, fornecera:m contribuiyOes significativas para a compreensiio das. origens das relayoes raciais na America do Norte.1 A falta de estudos similares para outras sociedades escravistas e um ·fato lamentavel, sobretudo no caso do Brasil, onde essa categoria social parece ter ildquirido.proporyoes mais significativas. E necessario, portanto, comeyar por definir as questoes fundamentais relativas .a seu numero, distribuiyao, composiyao, condiyao social e estrutura ocupacional. Porem, mesmo comeyando por questoes tao fundamentais, a tarefa toma-se diffcil devido a falta de documentayao adequada. Nenhum recenseamento nacio- . nal foi levado a efeito no Brasil antes de 1872, e por outro lado, os recenseamentos regionais realizados, esparsamente, durante o periodo precedente careceram de organizayiiO OU nao foram publicados.

uma nova verslio do artigo publicado no Journal of Social History, v. 3, n.o l, Outono de 1969, sob o tftulo "'Ihe Colored Freemen in Brazilian Slave Society".

.:

.····

.

. .

!em disso, grande parte. clos ·dados . clema: ·.. um Terc;G de Henriques formado por aticos manuscritos e impressos, referen- .. quinze companhias totalizando· 1.323 ho:s ao periodo anterior al 872, e bastante. mens, alem de um regimento de mulatos aginentana em termos de idade, cor, . livres constituido de 1.400 homens.3 Na mdiyao e distribuiyao por sexos, ou · ·. cidade de Salvador, segundo um recen1esmo no que diz respeito a sua integri- _ seamento de -1774, havia uma unidade de ade e/ou possibilidade de comparll9iio ·•. artilharia cujos soldados e oficiais eram ara uma determinada regiao ou periodo .· . mulatos livres. 4 Estas. unidades nao estae terilpo.2 Portanfo, o presente estudo e vam confmadas as cidades mais imper.ma primeira tentativa de prdenar este tantes, ja que a vila de Jaguaripe,. nao naterial disperso com o prop6sito ·_de deconstituindo excec;ao, possuia, em 1792, erminar as caracteristicas gerais •da caum Terc;o de Henriques com tropas de negros livres. Esta unidade era composta nada de homens livres de cor no Brasil, .ob 0 regime de escravidao. . . de 66 homens, dos quais 7 eram originaOs primeiros recenseamentos marius~ · ·· ~os da Guin~'.e. o rest? nati~os de Jagua~ritos de que se tern noticia datam· dos npe. Estes milic1anos livres tinham a pesilleados do seculo XVIII. Para petiodos ca como ocupac;ao principal (cerca de mteriores as refereilcias . a classe ·de ho56% do total) vindo, a seguir, a agricultura como a segunda ocupac;ao mais immens livres de cor no Brasil. devem ser buscadas em livros de viajantes, relat6rios portan~, .e~quanto cerca d~ uma duzia destes mdiv1duos estava relac1onada como de govemadores e outros docuniento.s dispersos. Embora essa categoria social, as.: .. artesa.s _ sim como o grupo mestic;o de indios e · Estas unidades provinciais de milicia, das cidades e das aldeias, compostas tanto brancos ( conhecidos no Brasil : como cablocos), tenham se desenvolvido len- . de brancos como de homens livres de cor tamente durante. o seculo XVI,· no Jnicio desempenharam um papel importante na do seculo XVII os.·homens livres. de . cor sociedade colonial na mariutenc;ao da orinvasoos estraneram suficientemente numerosos para se- . ·· dem, na resistencia geiras, na cac;a aos indios recalcitrantes e rem categorizados. cpmo unidades de combate parte nas milicias coloniais e escravos fugitivos. 0 alistamento nestas . .· - . · · unidades de milicia, embora muitas vezes exercitos voluntiirios .. : · No seculo XVIII, o. numero e.o tama-. oneroso -e demorado, proporcionava, no nho destas unidades de homens livres de caso dos homens livres de cor e para os cor cresceram de talmodo que passaram a individuos mais destacados, uma importante avenida de mobilidade social. Solser designadas para funyoes militares. esdados de cor, capacitados, poderiam chepecializadas. Ao· mesmo tempo, manifestava-se um processo de diferencia9ao gar a oficiais, e senda:lhes concedidos os das unidades de combate com base .em direitos correspondentes, exercer papel eficaz no governo colonial. Ao lado de sua composi¢ao negra ou mulata. Blas se propagaram poi: quase todas as areas da Henrique Dias, um dos mais destacados colOnia e sua presen9a e constanteniente dentre estes oficiais livres de cor, havia o mulato .Vicente Ferreira de Guedez que assinalada desde · os · primeiros recensea~. mentos militares datados.dos·meados e foi Mestre de Campo de um Ter90 de tro· fins do seculo XVIII. Assim,pa Capitania pas de milicia branca no Maranhao, em· · ou Provincia de Pefuambuco. em 1759; 1783. Colaborador intimo de vanos go. por exemplo, de um total de 18.026 .hovemos, Guedez suscitou uma onda de'. mens de tropa; regulares e··voluntarios; protestos quando de sua nomea~ao para a 2.723 (15%) eram milicianosHv.res. Havia lideran9a de tropas brancas, devida a seus

as

a

contatos especiais ooin oil govemadores maranhenses no periodo - homens de espirito reformista - e por suas zelosas at1vidades antiinstitucionais. em diversos postos govemamentais no passado. Foi ele um dos principais oponentes da oligar- . quia usurpadora do Conselho Municipal de Sao Luis do Maranhao, com a qual trav.ou algumas batalhas legais importantes.. Na mordaz e volumosa correspondencia enviada a Coroa por seus adversaries, fazia-se constante referencia a~ fato de que ele era o prirneiro mulato a ser nomeado chefe de um grupo de voluntarios milicianos brancos, enquanto diversos mu· latos Mestres de Terfo haviam sido feitos chefes de milicias de cor. Os adversiirios de Guedez acusaram-no de tud: de rebelde a escravo fugido, disfar~ado.6 COmo observou um residente do Recife nos anos de 1810, o ingles Henry Koster, a respeito dos regimentos de milicianos mulatos desta cidade, "os oficiais siio homens de bens e o coronel, como comandante de qualquer outro regimento se acha, somente, subordinado ao govemador da Provincia". Com efeito, "o fmado coronel do regimento mulato do Recife, chamado Nogueira, foi Lisboa e retomou a Pemambuco .· com a Ordem de Cristo, que lhe havia sido conferida pela Rainha",

.a

e acrescenta que 0 filho deste homem era padre. Koster observou que mesino nas companhias de milicias brancas, mulatos claros, ou nas suas palavras, "considerados como homens brancos", frequentemente chegavam ao 'oficialato levando-se em consideraylio que "muito pouco cuidado M em se provar que nao ha mistura de sangue" 1 enquanto."grande nilme· ro de soldados pertencentes a regirnentos q~e sao comandados por homens brancos,

sao mulatos e outras pessoas de cor". Ao lado de seus ServiyOS nas COni.panhias de milicias brancas, os rnulatos podiam ser encontrados em todos os postos dos Regimentos Reais de Linha mantidos na cidade, einbora nao houvesse igual oportunidade para os negros. 7 No final do periodo colonial, o numero de homens livres de cor continuou a aumentar rapidamente, apesar do · ritmo sempre crescente das importayoos de escravos, que atingiram cerca de 16.000 por ano, nos Ultimas anos doseculo XVIn.s Nos primeiros;ecenseamentos manu:scritos disponiveis '·nos arquivos do Rio de Janeiro, que cobrem desde os Ultimos anos de 1790 ao iiiicio de 1800, 0 numero de homens livres de cor e consistente e extraordinariamente importante. Na regiao da fronteira de Mato Grosso, por exemplo, ein um recenseamento realizado em 1797, 47% do total dos homens de cor e registrado como Ii.vre, sendo que estes individuos constitu!am 67% do tatal da populairao livre. Enquanto isso, no ano seguinte, na Capitania sulista de Sao Paulo, ainda relativamente atrasada, 43% da populayao de cor era computada como livre, perfazendo os homens livres de cor 26% do total da populayao livre. Mesmo no pros.pero estado escravagista do Maranhao que; indubitavelmente, experimentou as mais elevadas importayoes de escravos nos, Ultimos anos do seculo XVIII, os homens' livres de cor correspondiam a 27% da populac;ao de cor e a 36% do total dos habitantes livres. 0 modelo bruto que emerge destes primeiros materiais censitarios sugere uma alta porcentagem de horn.ens · livres nas regioes perifericas; chegando aproximadamente metade da populac;ao de cor e a uma sigi;iificante mi· noria de homens livres, da ordem de 20 a · 30% nas regioes agricolas de mao-de-obra escrava do Maranhao, Balrla, Pemambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro {ver Tabela I).

a

Tabela I (continua:yao) :

..

APopula~ao de Cor, de

Fins do Pen'odo Colonial ate 6 Recenseamento de 1872

,'Data do Individuos Individuos Escravos Recensea- • Livres decor de Cor -,>mento

Regiiio e Provincia

Indiv{duos Livres deCor Brancos como% de Pessoas de Cor

Regiao e Provincia

Rio Grande do Norte

Parai'ba

NORTE 1.980 1840 8.592 )872 1819_. 1872 -.• 110.556

Amazonas Para

940 '}79 33.000 27.458

14.325a 11.211

67,8 89,7

92.634

80,l

Pemambuco Alagoas

NORDESTE .1789 '> _1872 -1819 '1872 1819-i • 1872'

Maranhao Piaui Ceara ·.;_··::

.

·~

.

..

'.

.

13.606 169.645

121.527

368.100

36.887 74.939 12.405 23.795 55.439 31.913

24.273 103.513

26,l 69,3

LESTE

43.447

&3,6

Sergipe

268.836

92,0

Bahia

(continua)

Salvador Espirito Santo

.

m~o

204. Silo Paulo, 1800: Fontes: Para{ba, 7.98:IHGB/tU,A!q.1-1-13, mayos 148v-149; 1804, A[rquivo] N[acional] (R[io] de J[aneiro]), cod. 808, IV, mayo 255; 1803: mayo 256; 1822: mayo 262; 1811, 1815'e 1826: Roger Bastide e Florestan Fernandes, Brancos e Negros em Silo Paulo (Siio Paulo, 1959)' p. 26. Maranhilo, 1798: UIGB/CU, Arq. 1-1-16, ma90 92. Santa. Catarina, 1811: ANRJ, cod. 808, Ill, ma90 75; 1828: ma90 93; 1831: ma90 84; 1838: 1Ila90 86; 1860: Cardoso. e Ianni, Core mobilidade social, p. 86. Rio Grande do Sul, 1807: ANRJ, cod. 808, III, m~o 147. Mato Grosso, 1797: R[evista] do I[nstituto] H[ist6rico)e G(eografico] B[rasileiro] (Rio de Janeiro), XX (1857), 281; 1815: p. 292; 1828: ANRJ, cod. 808, m; ma9os 38-39. Minas Gerazs, 1814: ANRJ, cod. 808, I, mayos 130-132.· Espirito Santo, 1839: ANRJ, cod. 808, l, ma
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.