Os imperativos da contemporaneidade e o não-lugar da adolescência

May 24, 2017 | Autor: Kaio Fidelis | Categoria: Psychoanalysis, Child and adolescent mental health, Adolescent, Psicanálise, Psychanalyse
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Fidelis, K. A. B., & Pereira, M. R. (2012). Os imperativos da contemporaneidade e o não-lugar da adolescência. In Proceedins do 9º Colóquio do LEPSI do IP/FE-USP (Retratos do mal-estar contemporâneo na educação), São Paulo. Recuperado de http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=MSC00000000 32012000100033&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Os imperativos da contemporaneidade e o não-lugar da adolescência Kaio Adriano Batista Fidelis1 Marcelo Ricardo Pereira2 Resumo Em entrevista concedida a Revista Percurso, o psicanalista Jean-Jacques Rassial refere-se a não aceitação dos estudos da adolescência pela psicanálise no passado, e a recusa de algumas escolas psicanalíticas ao seu projeto sobre o tema. Nos últimos tempos, a pesquisa sobre a adolescência ganhou grande atenção no campo psicanalítico, mas a adolescência em si e o adolescente continuam numa espécie de não-lugar, assim como as investigações de Rassial sobre o tema, no início dos anos 80. Relegados mais a uma condição ou fase transitória do que a uma fase temporal, negados o lugar infantil e também a posição de adulto, esses sujeitos não se localizam fixamente, privados das características sólidas e seguras que a infância e a adultez oferecem. Ao mesmo tempo, na sociedade contemporânea, a juventude e, por consequência, a adolescência ganharam um espaço privilegiado, estendendo-se cada vez mais. O ideal cultural que nos incute o auge da vida contemporânea associado à produtividade, performatividade, renovação, tem constrangido a todos uma juventude indispensável. O trabalho pretende fazer uma interlocução entre esses imperativos e a forma como o adolescente se vê preso a um corpo novo e desconhecido e a ideais e identificações diferentes da infância. Nessa instabilidade, consideram-se respostas transitórias, limítrofes e até mesmo sintomáticas, e inerentemente contemporâneas.

1

Autor. Bolsista de Iniciação Científica, financiado pela FAPEMIG. Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais ([email protected]); 2 Orientador. Psicólogo, psicanalista e professor do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais ([email protected]).

Em “Adolescência, sintoma da puberdade”, Stevens (2004) apresenta três principais possíveis saídas para o mal-estar adolescente: o enlace com o saber, onde, numa espécie de casamento, o adolescente mergulha no conhecimento, na tentativa de substituir o (não) saber sobre o sexo pelo saber sobre o mundo; a relação com as identificações, na qual os fenômenos de grupos adolescentes marcam a tentativa de construção de identificações e simbolização da separação do Outro; e a falha da fantasia, fantasias infantis, que diante dos impasses adolescentes não operam como o faziam, surgindo a passagem ao ato ou o acting out como solução. Além dessas respostas, muitas outras são possíveis, quase todas suficientemente frágeis para dificultar a localização do adolescente no laço social. Segundo Laurent (2007), após a queda dos significantes mestres, que antes tinham a função de unificação, de restauração de um todo, a sociedade se vê no insuportável da falta de garantias de gozo, surgindo assim dois caminhos. O primeiro é o apelo populista de tornar o Outro todo, tendo o fanatismo religioso, o fundamentalismo e o romantismo ecológico como expoentes. O segundo é marcado pelas tentativas de reacessar o gozo por meio de maneiras mais imediatistas, não apenas em comportamentos suicidas, como as toxicomanias, mas podemos aqui pensar na nossa sociedade hipermedicalizada, no uso excessivo e sem limites de privacidade da internet, nos transtornos alimentares, nas condutas sexuais de risco, tatuagens e próteses corporais, no excesso de trabalho. Por meio da overdose, do excesso e do imediatismo, o sujeito contemporâneo experimenta a presença do Outro, podendo assim acreditar nele. Nesse

movimento,

as

respostas

adolescentes

se

encontram

como

inexoravelmente contemporâneas, desligadas de referenciais fixos, transitórias, limítrofes. Assim, talvez o diagnóstico estrutural clássico não se imponha a todos os casos. Algumas mudanças de direção têm sido feitas, experienciando novos caminhos para a clínica psicanalítica. Uma dessas tentativas é a conceituação borderline, onde, de acordo com Luiz Figueiredo (apud Coelho Junior, 2003, p. 179), o ponto central da estrutura borderline seria a hesitação entre a natureza dos aspectos narcisistas e esquizoides, que juntos, se fortificam e constituem uma estrutura estável, mesmo que definida pelo desequilíbrio. Num momento onde as estruturas clínicas clássicas sãos colocadas em questão, o surgimento de uma nova, possivelmente não se apresenta com um rumo que interrogue a psicanálise e suas tradições. Ainda segundo Figueiredo (apud Coelho Junior, 2003, p.

178) a desconstrução e reconstrução das técnicas, práticas, metodologias da psicanálise são necessárias para afastarmo-nos de repetições e imitações que assolam a academia e a clínica. Por esse motivo, nesse ponto, afastamos-nos da estruturação borderline e a cotejamos com outras discussões. Lançando luz sobre a questão adolescente, recorremos a Jean-Jacques Rassial como um dos precursores em estudos da adolescência no campo psicanalítico. Rassial (2000) alega que é próprio da operação adolescente que, com a mudança corporal imposta na puberdade, o eu tem de abdicar à bissexualidade, apesar das possíveis homossexualidades provisórias, incertezas sexuais o u ainda a preservação dessa posição através de sua aparência. Também para Rassial (1999), o encontro com o objeto externo e, portanto, a submissão das outras zonas erógenas à genitalidade não passa de uma promessa. Em todas as oportunidades na infância e puberdade em que o indivíduo renunciou ao gozo total, se anunciava uma futura chance de alcançar esse gozo. O púbere percebe e lida com a revelação de que mesmo o gozo genital é parcial, e que a relação sexual, incompleta por excelência, não regressa ao gozo nostálgico renunciado, só desvela e coloca em questão a sexualidade nessa fase. A adolescência seria um momento favorável a indefinições estruturais clássicas ou claras. O desligamento das figuras parentais, a renúncia ao incesto e a abertura de todos os outros indivíduos como possíveis objetos sexuais, acessam a questão da operação do Nome-do-Pai3. Mas não somente a inscrição ou a forclusão do Nome-do-Pai são possíveis, a suspensão dessa resposta imediata é favorecida nessa fase, e principalmente na sociedade contemporânea, onde a adolescentização dos sujeitos, o prolongamento adolescente e o adiamento da saída dessa condição favorecem diversas respostas, amplas no sentido social e extremamente singulares no sentido individual. Sem a severidade da tradução, Rassial (2000) interpreta o conceito de breakdown, de Winnicott, como “pane”, e associa (ou elenca) duas séries de panes equivalentes à maneira como ele revisa e questiona os transtornos boderlines a partir do que denomina estados-limite, a saber, a adolescência e os maus encontros. Aqui nos atentaremos mais a primeira das séries, já que é objeto primordial de nosso estudo. Para Rassial (2000) uma resposta possível para a questão que se impõe a adolescência: “como mudar continuando o mesmo?” é a constituição de um novo 3

Nome-do-pai segundo Lacan seria a metáfora paterna ou o que representa o pai interditor que separa a relação edipiana. O Nome-do-Pai operante estabiliza a equivalência dos registros (real, simbólico e imaginário).

recalque ou clivagem, mas essa pergunta também caracteriza um golpe de real que afeta o imaginário organizado. Esse golpe de real exerce influência na qualidade dos objetos, já que os referenciais simbólicos e as construções imaginárias infantis são insuficientes para poupá-los do desamparo, da decadência dos pais e da inutilidade do mundo exterior. O desabamento das encarnações imaginárias do Outro, a desqualificação dos pais para ocupar essa função, a dissociação entre o nome-do-pai e a metáfora paterna, que só sustenta na família provisoriamente, carece que a operação primeira de inscrição do nome-do-pai funcione além do que permitia o patronímico para que o sujeito invente novos nomes-do-pai. (Rassial, 2000, p. 149).

Como significante mestre, o nome-do-pai sintomático operou para o sujeito na infância, mesmo que sem a fundação autêntica desse nome-do-pai, ou ainda, tomada de imediatismo e pobre de simbolização, “tudo o que po de fazer nome-do-pai, neste sentido “per-versão” [ père-version]” (Rassial, op.cit., p. 149). Segundo Rassial a adolescência é caracterizada por indecisões narcísicas e simbólicas, onde o processo de redefinição identitária, característico do adolescente, falha. Nesse sentido, ainda de acordo com o autor, tomando o breakdown como função primordial, patologias ocasionalmente advirão. Para alguns, esse processo desaba na psicose, para outros, o recalque irá gerar adultos, que quando adolescentes estavam fora da crise dita normal. Com essa conjuntura de crise manifestada através de uma maturidade enganosa, talvez caiam por terra ao enfrentarem as questões de seus filhos ou outros adolescentes. Mas é para os limítrofes que a suspensão dessas respostas se coloca como solução provisória possível, e também, levando a um reacesso das “questões depressivas da fase autística e ansiosa da fase fóbica”. A partir de uma concepção clássica de Jean Bergeret, Rassial (2000) defende três falhas parciais nos estados-limite. A primeira seria uma falha no setor autístico, com o Nome-do-Pai fixado no lugar do Outro, materno e arcaico. A segunda seria a falha do setor foboperverso, promovendo uma manutenção da parte angustiante e não simbolizável do objeto e, por consequência, repetindo atos simbólicos que se esquivam do objeto. A terceira falha, que pode ser vista como a cadeia final das outras duas, é a falha adolescente, momento em que a impossibilidade de se criar novos Nomes-do-Pai desagregados da metáfora paterna. Nesse entremeio, a possibilidade de identificações esparsas e indefinidas é posta, dessaposadas da solidez e segurança infantis ou adultas.

Isso produzirá condutas cíclicas, de tonalidade maníaco-depressiva, tentativas que sempre fracassam, de entrar num mundo adulto prescrito pelo social, ou de retornar a uma situação de asseguramento infantil. (Rassial, 2000, p. 151).

Ainda para Rassial (2000), três tipos de condições podem levar a essas falhas. Condições objetivas, onde o discurso do pai, continuamente se aproxima de ideais mercantilizados, objetalizados, capitalizados, graças à ciência, a economia, à técnica. Condições subjetivas, sempre individuais, mas marcadas pela recusa de uma nova castração, prezando pela errância, suspendendo assim, a resposta ao Nome-do-Pai. Por último, defendidas com maior afinco pelo autor, estão as condições coletivas, o declínio da função paterna, o declínio do Nome-do-Pai, como condições contemporâneas. “É isso que faz do sujeito em estado limite o protótipo do sujeito moderno, na medida em que ele só deixou ao pai – sustentação da tradição, isto é, da transmissão – um valor nostálgico, nostalgia de um pai imaginário.” (Rassial, 2000, p. 151). Talvez essa estrutura onde são apresentadas falhas e causas geradoras destas, seja em si desenvolvimentista e se aproxime da concepção de borderline, mas em acordo com Rassial o sujeito contemporâneo e, por sua vez, o adolescente como seu retrato mais fiel, é o modelo do sujeito em estado-limite. Pensando nesse sujeito contemporâneo e no adolescente como protótipo, Maria Rita Khel (2004) em seu texto “A juventude como sintoma da cultura”, faz um traçado histórico das causas do que a própria autora chama teenagização da cultura ocidental e aponta o adolescente atual como àquele que usufrui das liberdades adultas, sem dívidas com a responsabilidade e o adulto, como aquele que se identifica prontamente com esses ideais, sendo assim, desqualificado como transmissor de um mínimo de referências, de um

horizonte

infimamente

delineado.

Para

Kehl

(2004)

intimados

a

produtividade/reprodutividade, esses adultos adolescentizados desfazem-se do passado, lançando mão de uma imprescindível juventude. “Ser jovem virou slogan, virou clichê publicitário, virou imperativo categórico – condição para se pertencer a uma certa elite atualizada e vitoriosa.” (Kehl, 2004, p. 1). A posição de “adulto” está vaga, resta apenas a angústia e o desamparo, a errância. Confrontando as origens da psicanálise a nossas reflexões, prontamente, obteremos respostas e contribuições fundamentais. Freud (1905), na terceira parte de seus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, dedica todos seus esforços a descrever “As transformações da puberdade” – título do ensaio – e a dívida que essa fase tem com a infância. Enquanto na infância a sexualidade se caracterizava por seu

autoerotismo, encontrando a satisfação nas zonas erógenas do próprio corpo, na puberdade essas zonas erógenas se subordinam à tirania da zona genital e a pulsão sexual vai de encontro a um objeto externo ao corpo do púbere. Segundo Freud (1905) na condição autoerótica as manifestações sexuais são análogas para ambos os sexos, com o desenvolvimento dos caracteres masculinos e femininos. A necessidade de um posicionamento frente à diferenciação sexual também é colocado como prova cabal à adolescência. Concomitante a esse desenrolar, também está implicado nesse processo a separação das figuras parentais e a busca por novas identificações e novos ideais, já que ainda de acordo com Freud (1914), o desligamento das referências parentais e a transferência dessa identificação é um trabalho necessário para a saída do Complexo de Édipo para a vida púbere. Na contemporaneidade essas referências estão empobrecidas, a identificação dos adolescentes aos adultos se inverteu, e é o adolescente que serve – no sentido escravizador da palavra – de modelo aos adultos. Analisando esse empuxo à adolescentização e a extensão ostensiva dessa fase a todas as outras, retornamos a Rassial (2000) e apontamos como possíveis indícios da expansão dos chamados casos limites os próprios imperativos de gozo da contemporaneidade, associados, como já indicava Freud, ao mal-estar juvenil e à impossibilidade de a genitalidade inscrever-se plenamente. Portanto, o estado-limite relacionado à adolescência estendida, seria a prorrogação da dúvida, a fixação do sujeito na pane, obstando a operação adolescente. A não decisão toma caráter de condição inexorável ao nosso tempo. Referências Bibliográficas Freud, S (1905/1980). Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição Brasileira das Obras Completas, vol. VII, Rio de Janeiro: Imago. _______. (1914/1980). Algumas reflexões sobre a psicologia escolar. Edição Brasileira das Obras Completas, vol. XIII, Rio de Janeiro: Imago. Coelho Junior, N. E. (2003). Resenha de "Psicanálise: elementos para uma clínica contemporânea" de Luis Claudio Figueiredo. Psychê. São Paulo: Universidade São Marcos,

12(7),

pp.

177-180.

Disponível

. Acessado em: 08 set. 2012.

em:

Kehl, M. R. (2004). "A juventude como sintoma de cultura". In: Novaes, R. e Vannuchi, P. (org.). Juventude e sociedade: trabalho, cultura e participação. São Paulo, Fundação

Perseu

Abramo.

Disponível

em:

. Acessado em: 14 set. 2012. Laurent, E. (2007). A sociedade do sintoma.. Rio de Janeiro: Contra Capa. Rassial, J-J. (1999). A adolescência como conceito na teoria psicanalítica. In: APPOA. Adolescência entre o passado e o futuro. 2ª ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios. _____. (2000). O sujeito em estado-limite. Rio de Janeiro: Cia de Freud. Stevens, A. (2004). Adolescência, sintoma da puberdade. Adolescência, sintoma da puberdade. Curinga, Belo Horizonte: Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Minas Gerais, n.20, pp.27-39.

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