Os índios itatins durante o período jesuítico: a construção da fronteira no Paraguai colonial (1630 -1650)

July 5, 2017 | Autor: Bruno Castelo Branco | Categoria: História do Brasil, Historia Moderna, Historia Da America
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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA







BRUNO OLIVEIRA CASTELO BRANCO









Os índios itatins durante o período jesuítico: a construção da fronteira no
Paraguai colonial
(1630 -1650)



















NITERÓI
2014


BRUNO OLIVEIRA CASTELO BRANCO



Os índios itatins durante o período jesuítico: a construção da fronteira no
Paraguai colonial
(1630-1650)



Monografia apresentada ao Departamento de História da
Universidade Federal Fluminense como requisito necessário
à obtenção do grau de bacharel em História.









Orientadora: Profª.Drª. Elisa Fruhauf Garcia









NITERÓI
2014
BRUNO OLIVEIRA CASTELO BRANCO



Os índios itatins durante o período jesuítico: a construção da fronteira no
Paraguai colonial
(1630-1650)



Monografia apresentada ao Departamento de História da
Universidade Federal Fluminense como requisito necessário
à obtenção do grau de bacharel em História.

Aprovado em julho de 2014.



BANCA EXAMINADORA:



________________________________________
Profª. Drª. Elisa Frühauf Garcia – Orientadora
Universidade Federal Fluminense

_____________________________
Profª. Drª. Maria Regina Celestino de Almeida
Universidade Federal Fluminense





NITERÓI
2014



































Para Marinalva.

AGRADECIMENTOS

A realização desse trabalho contou com o auxílio de pessoas muito
importantes, sem as quais a sua finalização teria ficado comprometida.
Agradeço primeiramente à Universidade Federal Fluminense, que me
possibilitou encontrar na faculdade de História um campo com o qual me
identifico pessoal e profissionalmente.
Agradeço aos professores que participaram amplamente da minha formação ao
longo dos quatro anos da graduação.
Eternamente grato a Elisa Frühauf Garcia, minha orientadora ao longo da
pesquisa. Suas críticas e sugestões foram de suma importância e, sem o seu
apoio, esse trabalho não teria acontecido.
À professora Maria Regina Celestino pelo tempo gasto com a leitura crítica
e correção da monografia.
Agradeço também aos amigos que me concederam apoio em todos os momentos e,
direta ou indiretamente, também participaram do trabalho. À Debora Martins,
parceira de sempre. À Camila Caetano pela amizade de longa data, que sempre
rendeu bons frutos. À Jéssica Ojana, Juliana Mattos, Diego Soares, Jéssica
Mendes, Andressa Moraes e Rafael Zincone pelo carinho.
À Thiago Barbosa, por me fazer acreditar que todo o esforço renderia bons
resultados. À Daniel Garcia, que partilhou momentos importantes.
Agradeço à minha querida tia Cyntia Castelo Branco, pela amizade, pelo
amor, dedicação e apoio financeiro. Ao meu tio Juarez dos Santos pelos
livros comprados que me despertaram para o estudo da História. À Marinalva
Castelo Branco, minha avó, por ter sido mais que uma mãe.










































"Nessa terra tudo dá, Terra de índio
Nessa terra tudo dá, não para o índio"
- Djavan
Resumo: A pesquisa pretende analisar historicamente a região do Itatim,
abarcando desde o período da fundação das primeiras missões jesuíticas em
1631, até o momento de sua destruição pelos ataques dos bandeirantes
paulistas. O estudo concentra-se, sobretudo, na disputa pelo controle das
populações nativas, inseridas no regime de prestação de trabalho
compulsório para os colonos espanhóis – a encomienda – sistema que
enfrentaria oposição dos próprios índios e dos jesuítas. Partindo dessa
perspectiva reduzida de observação, conferindo ênfase à história indígena,
o trabalho aspira reconstituir como que o Itatim, localizado nas fronteiras
dos impérios espanhol e português, se inseria num contexto mais amplo de
disputas políticas e territoriais entre os ibéricos, os nativos e os
diversos agentes coloniais – jesuítas, bandeirantes e colonos – em meados
do século XVII.
Palavras-chave: Itatim, índios, fronteiras, missões, jesuítas, sociedade
colonial.






















SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08
Capítulo 1 : Fronteiras, missões e indígenas – os limites da colonização
12
Capítulo 2 : A atuação da Companhia de Jesus 24
2.1 : Os jesuítas no Paraguai – origem das missões 28
Capítulo 3 : Os índios "itatins" 39
3.1 : Reinvindicações indígenas. 44
CONCLUSÕES 49
Referências Bibliográficas 52




















Introdução








Segundo o padre Diogo Ferrer, que escrevia em 1633, no ano
seguinte ao da fundação da missão do Itatim, o quadro
geográfico respectivo compreendia-se entre 19 graus e 22
graus de latitude sul e, entre o rio Paraguai a oeste, e,
a leste, a serra do Amambaí. Em termos de geografia atual,
esta região, pertence ao sudoeste do Mato Grosso e está
situada entre o rio Taquari ao norte e o Apa ao sul.[1]

O antigo Itatim integra atualmente o estado do Mato Grosso do Sul
no Brasil. Uma observação mais precisa de sua localização p– a parte sul do
pantanal sul-matogrossense – reforça a ideia de que as dificuldades de
acesso sempre foram uma constante para a população ao longo do tempo,
sobretudo durante a expansão das frentes de colonização no continente sul-
americano da época Moderna, promovida pelos povos ibéricos. A partir da
segunda metade do século XVI, com a fundação de cidades que impulsionariam
o avanço da colonização aliadas à expansão das frentes de atividade
missionária franciscanas dentre as populações indígenas, esta área passou a
ser considerada pertencente ao Império espanhol. Posteriormente, essa
localidade seria submetida à jurisdição da província jesuítica do Paraguai,
com a chegada dos inacianos na virada para o século XVII.
Porém, antes que fosse criada a província jesuítica, o Itatim
concernia aos índios guaranis, que já ocupavam tais terras desde o momento
anterior à conquista europeia. A região experimentou os primeiros contatos
com os colonos ainda no fim do século XVI, quando ocorreu a sujeição das
famílias nativas ao regime das encomiendas, promovida pelo governador de
Assunção. Constituiu-se, assim, a formação de alianças dos guaranis com os
primeiros conquistadores espanhóis, com o intuito de expulsar os grupos
indígenas rivais, provenientes do Chaco meridional que assolavam as terras
guaraníticas, pressionando suas fronteiras.
Dessa maneira, a constituição de alianças entre indígenas e
europeus foi fundamental no primeiro momento da colonização, especialmente
quando os ibéricos souberam se aproveitar das rivalidades existentes entre
os grupos étnicos nativos, caso da conquista do Paraguai e da região
Platina. Nessa perspectiva, os índios itatins que eram pressionados pelos
grupos nômades chaquenhos, enxergavam nos espanhóis a possibilidade de
defenderem seus interesses constantemente ameaçados pelos seus inimigos. No
entanto, nem todas as famílias indígenas estavam interessadas em firmarem
alianças com os espanhóis e, nessas ocasiões, seriam responsáveis por
ataques com o objetivo de minar os incipientes núcleos coloniais já
estabelecidos, como as cidades de Assunção e Buenos Aires.
No início do século XVII a conjuntura mudaria. O Itatim passaria
por uma série de transformações a partir do avanço da empresa colonial. A
região pode prosperar evitando os confrontos com grupos indígenas de fora,
desencadeando um aumento gradual de sua população. Contudo, a chegada dos
padres da Companhia de Jesus acabaria por submeter gradualmente os nativos
à tutela inaciana, retirando diretamente dos encomenderos o benefício da
utilização da mão-de-obra dos índios anteriormente estabelecido. Com isso,
em última instância, os jesuítas ficariam responsáveis por resguardar
juntamente com os nativos, as margens do império espanhol, uma vez que as
cidades hispano-criollas não possuíam recursos que pudessem efetivar o
controle militar das áreas adjacentes, caso de Assunção que enfrentava
dificuldades em estabelecer uma relação com o Itatim. O protagonismo dos
missionários em relação às populações indígenas serviu para conceder aos
padres jesuítas um poder bastante decisivo nas reduções que eles
estabeleceram no Guairá, no Tape e dentre os próprios índios itatins.
Assunção – cidade mais significante do Paraguai colonial ao longo
dos dois primeiros séculos de colonização – experimentou momentos de enorme
oscilação econômica, os quais por pouco não conduziram a cidade ao colapso.
Não fosse a influência exercida pelos colonos assuncenhos sobre o controle
do emprego do trabalho nativo que era importante para impulsionar a
economia colonial, os jesuítas teriam controlado de forma completa os
braços indígenas que abasteciam a cidade e várias regiões vizinhas com mão-
de-obra, por exemplo, as províncias de São Paulo e São Vicente na América
portuguesa.
Por outro lado, a União Ibérica possibilitou que as fronteiras
ficassem cada vez mais fluidas e os limites territoriais fossem
flexibilizados em ambos os lados, espanhol e português. Assim, os guaranis
se converteriam nos grandes contingentes defensivos dos limites da ocupação
castelhana do Paraguai e do Rio da Prata, os aliados dos espanhóis,
principalmente com o sucesso das missões jesuíticas. Percebendo sua
relevância para o projeto colonizador, estes índios puderam escolher –
dentro de algumas restrições impostas pelos diferentes mecanismos coloniais
de distinção social – suas próprias políticas de autoproteção. Isso incluía
muitas vezes conseguir integrar as missões com o objetivo de evitar a
exploração propalada pelo regime das encomiendas. As aldeias jesuíticas
poderiam representar não apenas uma possibilidade de sobrevivência para os
índios, mas a evasão do trabalho compulsório, da escravidão, além da
tentativa de minar os maus tratos que eles sofriam dos colonos assuncenhos
e também dos sertanistas portugueses, quando capturados em expedições
realizadas em direção ao interior do continente.
Fosse como fosse, os indígenas reunidos nas missões eram
constantemente atacados pelos mamelucos paulistas. Estes buscavam subjulgar
os índios ao trabalho compulsório, visando atender à crescente demanda por
mão-de-obra no Brasil ao longo da primeira metade do século XVII. O mercado
do tráfico negreiro se encontrava na época em mãos holandesas, o que
comprometia o comércio de escravos africanos na América portuguesa. Restava
aos portugueses, sobretudo nas regiões periféricas das possessões
lusitanas, recorrerem ao trabalho indígena, que era notoriamente mais
barato. Embora encontrassem resistência organizada dos padres jesuítas, os
portugueses obtiveram relativo sucesso na maioria das investidas
empreendidas na primeira metade dos seiscentos no Guairá e no Tape,
colocando as missões em situação crítica e culminando na destruição da
atividade missionária nesses espaços.
Nesse contexto, os jesuítas reuniriam os índios restantes desses
lugares e os levariam para o Itatim, dando início às suas atividades em
1631. Ainda sim não puderam evitar que os bandeirantes aniquilassem as
missões na década seguinte. Os itatins, dispersos em meio aos ataques,
perceberam a necessidade de elaborar suas próprias estratégias de
sobrevivência, que iam desde reformulações identitárias a migrações
forçadas para os núcleos urbanos. Em algumas situações os índios
atravessavam as fronteiras étnicas e se misturavam aos outros grupos
nativos. Neste intercurso, o Itatim reaparece na historiografia brasileira
como um local de destaque, extremamente importante não só como uma área
fornecedora de força de trabalho indígena, mas como palco de disputas entre
os mais diferentes setores da sociedade colonial. A partir de seus relatos
e impressões dessa conjuntura histórica, o trabalho pôde ser viabilizado.
cleos urbanos ou atravessando as fronteiras indpigenasaborar suas pr
A pesquisa do Itatim durante o período jesuítico a partir da
análise das fontes escritas deixadas pelos padres pode revelar uma série de
práticas do cotidiano das missões e da vida dos índios, sobretudo como eles
reagiram a essas circunstâncias extremamente desfavoráveis e ainda assim
traçaram seus próprios caminhos, principalmente nas áreas de fronteiras
entre os dois impérios ibéricos onde a disputa pelo estabelecimento de
alianças e amizades com as populações indígenas era crucial para o controle
do território. Além disso, a percepção daquele contexto histórico
específico pode servir para compreender de maneira mais perspicaz os rumos
tomados posteriormente pela Companhia de Jesus e os índios missioneiros a
partir da destruição das missões no Itatim. A atividade missionária passou
por densas modificações que impactaram diretamente na história dos índios.
Seguindo esta direção, a leitura e interpretação das fontes
históricas se tornam indispensáveis. Reunidos e publicados pelo historiador
italiano Pedro de Angelis no século XIX sob o título: Colección de obras
impresas y manuscritas que tratam principalmente del Rio de la Plata, a
documentação coletada retrata toda a área referente ao Rio da Prata;
incluindo o próprio Itatim, além de outros espaços de atuação missionária,
como o Tape, o Guairá e o Uruguai. A Coleção de Angelis, como ficou
conhecida, compõe-se de mais de 1.200 documentos manuscritos, produzidos no
período compreendido entre os séculos XVI e XIX. São documentos originais e
cópias de relatos, correspondências e processos de vários tipos, que
atestam a conturbada história das áreas de fronteira entre as Américas
portuguesa e espanhola. Parte significativa da Coleção é composta de
documentos produzidos pelos jesuítas que atuaram na América do Sul, nos
quais são detalhadas a constituição e o desenvolvimento das reduções. Entre
eles, destacam-se inúmeras referências aos grupos indígenas dos guaranis,
gualacho, guañana, itatins, minuanos e charruas, além de outros. O volume
dois dedicado ao Itatim é a base da pesquisa. No entanto, se faz necessária
a utilização de alguns documentos de outros volumes, como o dedicado à
região do Guairá e do Tape, a fim de enriquecer este trabalho.
Visando organizar e discutir de forma elaborada as questões
apresentadas nesta monografia, houve a necessidade de estabelecer os
capítulos em torno de três ideias centrais: o estudo das fronteiras na
América e sua relação com a história indígena, o surgimento e a
consolidação da Companhia de Jesus no Paraguai e, por fim, a trajetória dos
índios itatins durante o período jesuítico. Nessa perspectiva, o objetivo
principal desse estudo é apresentar possíveis novos horizontes, não somente
para o Itatim enquanto localidade pouco pesquisada, mas também para os seus
principais habitantes, os indígenas. Portanto, os temas tratados em cada
capítulo estão intimamente relacionados à história dos índios.
Finalmente, a instrumentalização de um arcabouço teórico-
metodológico de análise micro-histórica convém de maneira singular aos
objetivos de reconstituir a história social desses indivíduos que habitavam
a região ao longo do período de atuação dos jesuítas. O Itatim permaneceu
durante muito tempo um lugar com pouca visibilidade na historiografia.
Conferir a ele o destaque devido se torna, portanto, a finalidade deste
trabalho.
Capítulo 1

- Fronteiras, missões e indígenas: os limites da colonização -










Nesse avanço, a fronteira é o pico da crista de uma onda –
o ponto de contato entre o mundo selvagem e a civilização.
[2]


A partir da conferência proferida em 1893 por Frederick Jackson
Turner acerca da análise da expansão da fronteira norte-americana, que
obteve ampla repercussão internacional, era então inaugurada toda uma nova
corrente de estudos relacionados ao tema fronteiriço[3]. A fronteira ganhou
destaque, possibilitado pela conjuntura do final do século XIX. Nesse
período, época em que figuravam os paradigmas nacionalista e imperialista,
era imprescindível pensar a fronteira historicamente, conferindo sentido ao
projeto do Estado-Nação e à expansão dos mercados mundiais e dos domínios
territoriais. Turner, como um estudioso e homem de seu tempo, não deixaria
de sofrer influência de tais perspectivas ideológicas. Ele aponta o caso
norte-americano como singular dentro da História da América, tomando como
elemento norteador a "marcha para o oeste" e não a história das antigas
regiões ligadas ao império britânico – as Treze Colônias – para entender as
especificidades da formação política daquele país.
Partindo do pressuposto da construção do ideal de democracia e
do sentido de individualidade estadunidense, tal perspectiva visava
estabelecer um rompimento imediato com as antigas instituições europeias e
coloniais da época Moderna. Turner propõe a noção de fronteira como um
fenômeno próprio norte-americano e estritamente geográfico, o que garante à
sua hipótese lugar de destaque dentro da historiografia e ponto de partida
para os mais variados trabalhos posteriores acerca dessa temática. Contudo,
o autor seria bastante criticado com o alargamento e problematização de
tais questões, discutidas por várias gerações subseqüentes de historiadores
e antropólogos. Menos preocupados com estudos totalizantes e generalizados,
esses pesquisadores atuais promoveriam mudanças na perspectiva fronteiriça,
no sentido de evitar a projeção das fronteiras dos Estados-Nação para o
período moderno, ou seja, possuindo uma preocupação com a historicidade de
cada época, confrontando a teoria turneriana.
Em linhas gerais, a conferência de Turner é de extrema
importância para se refletir sobre o significado da fronteira na história
da América. Embora tenha sido idealizado inicialmente como um esboço sobre
a história da formação territorial dos Estados Unidos da América e seu
impacto nas questões políticas daquele país, não se pode deixar de perceber
como o famoso artigo escrito por ele alimentaria um conjunto vasto e amplo
de obras publicadas sobre os mais diversos enfoques; econômicos, sociais,
culturais, dentre outros. Por se situar no contexto muito particular do
século XIX, ainda que tenha sido inovador, o trabalho não analisa questões
historiográficas mais pontuais, estas bastante difundidas por outros
historiadores[4], que retomariam as ideias de Turner de maneira mais
refinada, com outras questões-problema voltadas para estudos de regiões
diferentes.

Apontando um caminho diferente, Herbert Eugene Bolton[5] vai
discutir o estudo do espaço fronteiriço a partir de uma ótica distinta,
conduzindo sua ideia à reflexão acerca de tais espaços e seu significado
para a América espanhola. Bolton dialoga e expande a ideia propagada por
Turner, ampliando o fenômeno de fronteira, sobretudo para a América
Espanhola, a partir de outros fatores que estariam diretamente relacionados
a duas instituições coloniais: a difusão da prática missionária e a
fundação de presídios, esses últimos entendidos como fortes de vigilância
ou feitorias defensivas. Bolton aponta que "las misiones, pues, como los
presidios, fueron instituiciones de frontera características y deben ser
estudiadas como organismos de avanzada en la colonización."[6]

Apesar de ampliar o significado da fronteira para a América
Espanhola como um todo, autor enfatiza o norte do México, local onde a
sociedade colonial nunca conseguiu se estabelecer com a mesma força que nas
das áreas centrais. Tal aspecto torna a participação das ordens religiosas
crucial na manutenção da presença da colonização naquele território. Neste
sentido, confere aos missionários o papel de não apenas sacerdotes
católicos e pregadores religiosos, mas também de substitutos dos primeiros
conquistadores. Essa substituição se explica em linhas gerais através das
proibições definitivas da conquista militar dos índios a partir de 1570,
lei promulgada pela monarquia que deveria ser aplicada em toda a América
espanhola[7]. Deste modo, os missionários são entendidos como importantes
figuras responsáveis por estabelecer uma mediação indispensável com as
populações ameríndias, a partir da instituição das missões religiosas em
toda a América.

Esse ponto específico coloca em foco um grupo que até então
havia sido ignorado ou pouco pensado por Turner: os indígenas habitantes
dessas áreas. Estivessem envolvidos ou não na prática missionária, os
nativos eram extremamente importantes para o sucesso da colonização
europeia na América, muito embora representassem para os ibéricos a
personificação de uma série de ambiguidades socioculturais. Aos índios foi
conferido um papel coadjuvante na História durante um longo tempo e o que a
análise de Bolton vai possibilitar é uma tendência ao aprofundamento e
maior interesse pelos grupos indígenas; nesse sentido, para refletir o caso
do estudo fronteiriço.

Se num primeiro momento há uma preocupação em entender a
história da construção da democracia e do nacionalismo norte-americano pura
e simplesmente a partir da expansão da fronteira por Turner, ignorando a
existência de grupos subalternos enormemente afetados pelo avanço da
empresa colonial; num segundo momento, Bolton desloca a tese turneriana de
um viés primordialmente geográfico para o geopolítico, ressaltando não
apenas a existência, mas a relevância dos indígenas na construção desses
espaços. Em outras palavras, a fronteira seria mais do que meramente uma
região linearmente delimitada, mas sim, um espaço que só seria entendido em
sua magnitude quando se atenta também para seus habitantes.

Por outro lado, Turner também sugere a ocorrência gradual de uma
substituição dos povos indígenas que habitavam as áreas ermas, os quais
foram em grande parte dizimados pela expansão territorial norte-americana,
que perderam seus espaços para os colonos de origem europeia. Contudo,
segundo Bolton, o papel dos índios se constrói bastante em torno de uma
tentativa de torná-los os contingentes populacionais necessários à ocupação
dos territórios que contavam com uma enorme ausência da população de origem
espanhola. Ambas as posições dos autores corroboram com a antiga
historiografia sobre os índios, alocando os nativos como atores passivos e
movidos apenas na direção do sentido da colonização.

Um segundo tipo de deslocamento de análise também se verifica: a
experiência seria compartilhada por todos os povos americanos, como já
mencionado anteriormente. A discussão se estende do território dos Estados
Unidos para abarcar todas as regiões limítrofes da América espanhola –
áreas como o norte do México, partes do Caribe e América Central, o norte
do Chile, o sul da Argentina e o Paraguai. Essas regiões, com algumas
variações do período histórico e contexto específico, foram tidas como
locais periféricos desde o início da colonização espanhola e só foi
possível edificar qualquer tipo de presença estatal necessariamente a
partir do relacionamento com as populações nativas. Muito embora fosse via-
de-regra para os espanhóis precisarem tecer alianças com os indígenas já
estabelecidos nas regiões centrais, nas fronteiras essa relação era mais do
que indispensável, principalmente porque o contingente militar do Estado
colonial era ainda mais escasso no interior do continente. Isso dificultava
a expansão das frentes de colonização.[8]

Para pensar as discussões sobre a fronteira atreladas à História
da América espanhola, ou em maior escala, à América Ibérica, é importante
considerar uma série de diferentes variáveis interconectadas. A fronteira
ibero-americana se assemelha em muitos aspectos às fronteiras europeias
ibéricas, uma vez que é caracterizada pela fundação de pequenas cidades ou
meros núcleos populacionais ao longo das suas margens e pela ocupação
descontínua do território. É tida, muitas vezes, como uma expansão desses
espaços para além do continente europeu, adentrando as áreas coloniais e
também aquelas não colonizadas; servindo de palco para o desdobramento de
conflitos europeus, fenômenos sociais, dentre outras possíveis
aproximações[9]. O caso da colonização ibérica na América do Sul é clássico
para entender a experiência compartilhada nos dois continentes, na medida
em que há uma separação entre os territórios portugueses e espanhóis
garantida pela existência da linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Na
realidade, Tordesilhas se torna uma espécie de prolongamento das fronteiras
peninsulares. Durante a colonização europeia nesse espaço, todos os tipos
de indivíduos transitavam com relativa facilidade pelos dois lados.

Contudo, a fronteira americana também apresenta suas
singularidades resguardadas pelo contexto histórico, no qual a presença
indígena é constante e ativa. Portanto, "(...) a fronteira latino-americana
teve um papel significante na formação das novas sociedades ibero-
americanas. Ela se tornou um local da mais intensa mistura racial e
cultural e permitiu aos indígenas e mestiços maiores possibilidades de
ascensão." [10]. Por outro lado, a mestiçagem é um fenômeno muito comum ao
longo do período colonial, muito embora nas áreas limítrofes ela fosse um
fenômeno ainda mais evidente e possuísse lugar de destaque para a reflexão
acerca da dinâmica sociocultural das margens territoriais. A ideia da
mestiçagem quer seja biológica, cultural ou social, amplia o sentido
conferido à fronteira. Como salienta Thierry Saignes, "parte importante en
este nuevo tipo de relación fronteriza y elemento poco estudiado en la
historiografía latinoamericanista es el mestizo, fruto justamente del
intenso contacto interétnico."[11]. Com isso, a fronteira ganha uma
variedade de definições plausíveis e se torna um local de inúmeras
possibilidades teórico-metodológicas de interpretação, que vão desde campos
que compreendem a geografia, passando por religiosidade e abarcando as
relações sociológicas e interétnicas. Ainda de acordo com Thierry Saignes,
fica evidente que a história colonial ibero-americana esteve apontada para
o deslocamento em direção ao interior e que as áreas marginalizadas
estiveram sempre relacionadas à tentativa de implantação de um controle
estatal. Esse ponto em especial utiliza bastante as pesquisas conectadas à
Antropologia e serve para entender também a fronteira latino-americana
coetânea.

Integrando essa nova historiografia que repensa as fronteiras,
Ingrid de Jong e Silvia Ratto indicam as intenções dos novos estudos sobre
o tema, que entendem esses espaços como multiculturais, onde tanto
indígenas como mestiços dirigiam suas próprias formas de fazer
política[12]. Nessa perspectiva, o estudo da mestiçagem, que já vem
avançando bastante nas últimas décadas, se converte num aparato essencial
para pensar de forma mais fluida a dinâmica fronteiriça, contribuindo
grandiosamente com as novas abordagens difundidas pelos historiadores.

Outro ponto-chave para compreender melhor o espaço
fronteiriço[13] é relativizar algumas dicotomias consagradas pela
historiografia, como a relação dual entre civilização/barbárie e a noção de
centro/periferia. Como indicado por Russel-Wood, a ideia de um sertão como
um "lugar imaginário" onde imperaria o barbarismo, ausência de leis e sem
nenhuma relação com a sociedade envolvente esvazia o entendimento de
periferia para o mundo colonial[14]. Estudos mais recentes comprovam a
intensa relação bilateral entre os ditos "centros de poder" com as áreas
"periféricas" dos impérios ibéricos, onde se verifica um enorme fluxo de
pessoas de diferentes procedências. Tal fenômeno ocorria mesmo entre as
periferias e as regiões classificadas como não submetidas, uma vez que tais
áreas necessitavam manter relações comerciais e interpessoais com as
vizinhanças, vitais para a sua subsistência. Mesmo quando havia uma
tentativa de centralização metropolitana, era preciso negociar com os
diversos agentes estabelecidos e que circulavam constantemente nesses
espaços, movidos por interesses diferenciados, que por sua vez eram quase
sempre conflitantes com os projetos régios de ocupação e submissão das
populações instaladas em tais territórios. Além disso, não se perde de
vista o fato de que mesmo nos "centros" existem "periferias" e a recíproca
também é verdadeira. Assim, a noção de centro e periferia está em constante
movimentação dentro do mundo colonial, ou seja, é relacional e fluida e não
se explica apenas a partir da hipótese de dois espaços encerrados em uma
relação unilateral de submissão. Convertem-se em locais de interações
múltiplas e pautadas pela imprevisibilidade das relações sociais.

Ainda no sentido de relativizar as possíveis antíteses entre
civilização/barbárie, no caso, índios de fronteira/índios missioneiros, ou
ainda índios aldeados/índios não aldeados; Maria Regina Celestino de
Almeida aponta as dificuldades que os nativos enfrentavam dentro da cultura
política do Antigo Regime. No caso do Brasil trabalhado pela autora, mas
que se aplica em grandes proporções para o restante da América ibérica, os
ditos índios missioneiros 'aldeados', 'cristãos' e 'civilizados', "(...)
ocupavam um dos extratos mais baixos. Além de submetidos ao trabalho
compulsório, estavam sujeitos ao estatuto de limpeza de sangue, que os
discriminavam e os proibiam, (...), de ocupar determinados cargos e receber
títulos honoríficos"[15]. Portanto, mesmo o índio que estava inserido
dentro da lógica colonial, no caso a missão religiosa, sofria uma série de
restrições sociais.

Por outro lado, Elisa Garcia indica a necessidade de portugueses
e espanhóis de fixar alianças com os grupos indígenas estabelecidos nas
bordas dos impérios, índios tomados por "selvagens" e "bárbaros". A autora
demostra como estas alianças eram frágeis e mudavam segundo as diferentes
conjunturas[16]. Portanto, percebe-se que mesmo os índios não submetidos
pelo Estado também eram importantes para a sociedade colonial tanto quanto
os que já estavam inseridos nas aldeias missionárias, sobretudo a partir do
aumento significativo das disputas territoriais europeias no decorrer do
século XVII. A falta de contingentes que efetivassem a posse das terras
conquistadas era uma dificuldade constante do Estado colonial. A fixação de
alianças com os nativos para a defesa e posse das fronteiras era, portanto,
uma prática bastante comum.




***




Desde a chegada dos primeiros europeus no novo continente, ao
longo dos séculos XVI e XVII, as ordens religiosas desempenharam um
importante papel na expansão e, principalmente, na consolidação da
colonização. Inseridos diretamente nas esferas de poder e decisão política,
os missionários contaram com o apoio das monarquias nos mais diversos
empreendimentos nos quais poderiam estar envolvidos. Em alguns casos
práticos, seus projetos acabam convergindo com os interesses das coroas
ibéricas, mas nem sempre era assim. Portanto, é importante destacar que o
suporte a esse tipo de atividade nem sempre era financiado, quer fosse pelo
choque de interesses, quer pela falta de recursos metropolitanos. No
entanto, havia arranjos específicos pelos quais o monarca deveria financiar
as atividades missionárias, em grande medida determinadas pelas diretrizes
do Patronato régio, provenientes de bulas papais e acordos firmados com as
monarquias[17]. De qualquer forma, esse ponto de fricção entre a Igreja e o
Estado, relacionado aos limites entre as soberanias de ambos, perpassa toda
a época colonial e foi discutido por boa parte dos missionários instalados
no Ultramar.[18]


A militância da Igreja – utilizando o termo de Boxer[19] – foi
responsável por elevar os missionários a título de grandes propagadores da
Fé católica dentro dos impérios ibéricos, o que assegurou sua presença ao
longo das áreas centrais como também especialmente nas periferias, estas já
mencionadas anteriormente para o caso da América espanhola. Esse panorama
confere à história das missões americanas e à história das fronteiras um
caráter indissociável, como apontou Bolton em seu artigo[20]. Estariam,
portanto, interligadas em torno de uma terceira perspectiva, a história dos
índios. De acordo com Charles Boxer, "Na falta de um volume considerável de
tropas militares espalhadas por todo o mundo colonial ibérico antes da
segunda metade do século XVIII, foram os sacerdotes católicos que
mantiveram a lealdade às Coroas de Portugal e Castela das populações
peninsulares, criollas, mestiças e indígenas."[21]. Contudo, é necessário
ressalvar que nem todas as ordens religiosas obtiveram a mesma inserção nos
territórios do Ultramar e que tal diferenciação variou conforme o tempo e
espaço, ainda que estivessem atuando nos quatro cantos do mundo. Em áreas
onde o poder do Estado colonial era menos evidente, a soberania dos
territórios era praticamente confiada às ordens, que se converteram em
grandes empreendedores no alargamento das fronteiras, com sucesso variado,
e alvo de uma série de controvérsias por conta disso.

Em suma, verifica-se a relevância dos trabalhos de Turner e
Bolton para os estudos mais recentes, os quais foram responsáveis por alçar
a dimensão do tema fronteiriço a proporções consideráveis dentro das
produções acadêmicas. Como explica Turner, "seu propósito é simplesmente
chamar a atenção para a fronteira como um campo fértil para a investigação
e para sugerir alguns dos problemas que emergem de seu desdobramento"[22].
Portanto, ele não complexifica as relações com os nativos. Esses dois
trabalhos com o passar do tempo foram alvos de críticas permanentes. No
caso de Turner, as críticas recaíram sobre seu viés com bases
essencialmente positivistas e sua dificuldade em entender as relações com
os índios. No caso de Bolton, a dificuldade de compreender a atividade
missionária dentro de uma dinâmica mais ampla, colocando as reduções
indígenas separadas do resto da sociedade foi grande alvo de
questionamentos diversos da historiografia. Bolton, ainda que destacasse a
importância indígena para a defesa do território colonial, não conferiu aos
nativos o protagonismo histórico. Concomitantemente, houve críticas também
com relação à visão bastante submissa dos nativos apresentada por Bolton,
postos em segundo plano quando se trata da análise dos espaços da
missionação. O índio, em sua concretude, fica diminuído perto do que
representou a evangelização dos nativos para os missionários, na visão
boltoniana.
Entretanto, ambos os autores influenciaram uma série de novas
pesquisas direcionadas à compreensão da dinâmica social desses espaços ao
tocar em pontos até então inexplorados. A fronteira era entendida
anteriormente como local de categoria menor e de pouca importância. Quando
se atenta para o caso específico de tais províncias consideradas ermas,
percebe-se não apenas como estavam relacionadas com a sociedade envolvente,
mas que eram polarizadoras de diversos produtos, ou seja, responsáveis pelo
abastecimento dos grandes centros coloniais. Ao mesmo tempo, estavam
envolvidas na lógica econômica local. A dupla dinâmica periférica denota
uma extrema complexidade social e uma constante circulação de pessoas por
esses territórios ao longo do tempo.
Além disso, quando tomado como exemplo o caso do sul do Chile,
verifica-se a preponderância e o poder de barganha que os índios possuíam.
Tal área nunca havia sido submetida pelas autoridades coloniais e os
ibéricos procuravam estabelecer alianças com esses povos. Segundo Boccara,
"o chamado 'pacto colonial' entre mapuches e hispano-crioulos foi tanto o
produto do 'protagonismo' indígena como da política voluntarista dos
representantes da Coroa"[23]. O autor aponta que houve "um interessante
processo de mestiçagem interétnico em um macro espaço que cobre várias
fronteiras e conduz os indígenas a desenvolver estratégias políticas
diversas com os poderes coloniais tanto das fronteiras chilenas quanto
argentinas"[24]. Ainda que seja o caso de uma fronteira muito particular, é
interessante refletir até que ponto essas práticas não se enquadravam num
fenômeno maior. A ideia presente na argumentação de Boccara incide em
questões muito caras à temática e indica o caminho que tal historiografia
vem tomando nos últimos anos, tentando pensar não apenas a ação do
colonizador, mas, sobretudo, a atuação das populações nativas,
paralelamente ao avanço da colonização.


***


No caso da fronteira do Paraguai com a América Portuguesa, este
processo de avanço da fronteira é largamente observável. Ponto de tensão
desde o início da colonização e assunto de uma série de tratados de Limites
entre as possessões portuguesas e espanholas na América do Sul[25], a
região platina contou com o protagonismo da atuação indígena juntamente com
os colonizadores na ocupação e defesa do território[26]. Embora as missões
instauradas nesse espaço, com destaque para a Província Jesuítica do
Paraguai, se situassem dentro de um contexto imperial e de um projeto
político mais amplo – conservando seu status de locais periféricos, quando
comparadas às grandes e ricas possessões espanholas na Mesoamérica e nos
Andes – é importante destacar sua primazia nas relações econômico-sociais
da ocupação castelhana da região do Rio da Prata ao longo da
colonização[27].
Área de escassa ocupação espanhola nos primórdios da
colonização, devido, entre outros aspectos, aos inúmeros ataques promovidos
por índios hostis à presença europeia, a região platina compõe um vasto
território no interior do continente sul-americano. Sua comunicação com
outras partes do continente é favorecida pela existência de uma complexa
estrutura fluvial, bastante conhecida pelas populações nativas. Nesse
sentido, diferentemente dos antigos impérios americanos, a conquista do Rio
da Prata se deu de modo bastante peculiar e sua história está intimamente
ligada a tal empreitada, reunindo os mais diversos agentes coloniais e
agrupamentos indígenas; citando aqui os conquistadores de origem espanhola
do século XVI, criollos, jesuítas, índios da nação guarani e os "infiéis"
(provenientes das áreas em que os espanhóis nunca consolidaram sua
presença, como o Chaco, por exemplo), além de portugueses. Estes últimos
eventualmente cruzavam e transitavam por essas áreas em busca de cativos
indígenas, se envolvendo nas contendas de expansão das fronteiras na
América ibérica ao longo dos séculos XVII e XVIII.[28]
Num primeiro instante, a fragilidade da ocupação territorial do
Rio da Prata e do Paraguai, após a conquista pelos espanhóis, muito em
torno das pequenas cidades fundadas ainda no século XVI (Assunção e Buenos
Aires), fora responsável por colocar as poucas famílias de colonos e índios
aldeados pelos franciscanos em verdadeiros apuros, sendo constantemente
atacados por indígenas hostis à sociedade colonial. Os franciscanos, ainda
que fossem importantes nos primeiros momentos para a organização das
missões, não conseguiam em longo prazo obterem sucessos duradouros.
Ao longo do século XVII, a fragilidade dessas regiões dá lugar a
um crescimento das missões jesuíticas – que substituem em grandes
proporções as franciscanas, uma vez que as mesmas não vinham obtendo
sucesso em longo prazo com os nativos – e também da cidade da Assunção –
especialmente após a concessão de índios para o trabalho nas encomiendas no
final do século XVI. A permanência da sociedade colonial assuncenha e das
instituições missionárias dependia do emprego e participação direta dos
gentios em seus respectivos projetos de expansão. Nesse contexto, os índios
das fronteiras se misturaram aos índios das proximidades dos núcleos
urbanos, porém mais do que isso, aproveitaram tal conjuntura para traçar
suas próprias políticas tentando sobreviver às constantes invasões
bandeirantes, altamente prejudiciais a eles. Soma-se a isso, a União
Ibérica (1580-1640), período no qual as duas Coroas estiveram unidas sob a
direção dos monarcas de Castela, onde portugueses e espanhóis transitavam
mais facilmente pelos limites coloniais, entre os dois impérios. A união
das coroas teve impacto direto nessa geopolítica fronteiriça do Paraguai ao
longo do século. O fim do período pode ter colaborado para o aumento dos
confrontos na fronteira[29].
A mudança na direção política do século XVIII, com o reformismo
da dinastia Bourbon na coroa espanhola e o aumento da concorrência entre as
diferentes potências europeias pela posse das colônias americanas –
principalmente França e Inglaterra – verificou-se a necessidade da
instauração do Vice-Reinado do Rio da Prata, com sede em Buenos Aires
(1776), que garantisse o domínio espanhol em uma rota crucial da navegação
sul-americana, a bacia do rio da Prata. A importância das rotas comerciais
estabelecidas no Atlântico desde o período anterior também reforçam a
necessidade de uma maior eficácia no controle espanhol da área. Contudo,
boa parte da província platina continuaria pouquíssimo povoada pela
sociedade colonial, permanecendo nas mãos dos indígenas até o século
XIX.[30]
Nesse sentido, é importante frisar que tanto a expansão da
fronteira quanto os conflitos gerados em grande parte dessa expansão variam
de acordo com os contextos históricos e apenas são entendidos inseridos nos
mesmos. Além disso, desconstrói-se a teoria da subserviência da colônia em
relação aos centros de poder única e exclusivamente, para pensar tal
relação de forma mais complexa e bilateralizada, sobretudo nas áreas
fronteiriças, onde o Estado é mais enfraquecido. A nova perspectiva da
mediação soma-se à guerra enquanto instrumento de avanço da colonização e
com isso, os missionários ganham destaque.[31]
No entanto, seria nos seiscentos que a região do Rio da Prata e
do Paraguai experimentaria uma série de conflitos muito próprios, tendo
desdobramentos em especial nas missões jesuíticas, então recém-implantadas.
Nesse período, os padres conseguiram atingir o auge da expansão missioneira
dentre os índios guaranis alcançando regiões até então não ocupadas, quais
fossem: o Uruguai, o Paraná, o Tape, o Guairá e o Itatim.








Capítulo 2
- A atuação da Companhia de Jesus -










Em 1639, os padres da Companhia de Jesus, Antonio Ruiz de Montoya e
Francisco Díaz Taño fizeram uma viagem até a Europa – o primeiro foi a
Madri e o segundo a Roma. Eles tinham por objetivo informar às autoridades
da Igreja e da Ordem, respectivamente o Papa e o padre geral da Companhia,
além do monarca espanhol, sobre as dificuldades que enfrentavam as missões
jesuíticas estabelecidas no Paraguai e seus índios missioneiros. Acontecia
que, apesar das reiteradas proibições da coroa castelhana e também do
papado acerca do cativeiro dos índios americanos, as deliberações legais
não vinham sendo cumpridas e, por conseguinte, as missões não
prosperavam[32].
Durante a viagem na qual os dois jesuítas usaram toda a sua
influência e retórica diante das autoridades monárquicas e eclesiásticas,
eles foram muito bem sucedidos, obtendo uma valiosa real cédula que
concedia aos mesmos e seus protegidos indígenas o porte legal de armas de
fogo. Por sua vez, estas seriam utilizadas na organização da defesa das
missões contra os ataques bandeirantes provenientes da América portuguesa.
Além disso, também se encontravam munidos de vários breves pontifícios que
protegiam os índios dos constantes atos de violência dos colonos
espanhóis.[33]
Essa aquisição importante dos jesuítas do Paraguai revela uma série
de possibilidades de interpretação da conjuntura em questão. Num primeiro
instante, pode-se inferir que os padres estariam única e exclusivamente
dedicados a proteger os neófitos do aprisionamento e da truculência dos
colonos. Não obstante, quando o caso é observado com uma atenção maior,
pode desvelar ainda, o grande poder e influência que eles adquiriram na
América, a partir do minucioso trabalho de conversão dos gentios. Não foi à
toa que o pedido foi atendido e antes mesmo que a real cédula atingisse a
comarca paraguaia, ela tenha passado pelo Brasil, em São Paulo e no Rio de
Janeiro[34]. Os jesuítas tentavam enfrentar os colonos paulistas. Estes
últimos se encontravam interessados na mais lucrativa riqueza que se
poderia extrair daquela região extremamente empobrecida: os negros da
terra[35]. Os indígenas passariam a adquirir destaque significativo após o
relativo fracasso das primeiras expedições em busca de metais preciosos
empreendida pelos bandeirantes desde o período inicial da colonização.[36]
É crucial compreender que a atuação dos padres jesuítas na América
foi caracterizada por contradições e ambiguidades. Ao longo de sua
permanência dentre os nativos, foram acusados inúmeras vezes de
concentrarem riquezas e instigarem os índios a se sublevarem contra os
colonos. John Monteiro indica as possíveis causas que levaram os jesuítas a
sofrerem hostilidades: o acúmulo de poder e base material, a concentração
de bens, a exploração do trabalho indígena em demasia dentro das aldeias, a
utilização das terras sem permissão legal dos nativos e a inserção em redes
clientelares do mundo colonial, eram algumas das principais
justificativas.[37]
Muitas dessas acusações foram respondidas pelos jesuítas, que
rebatiam fortemente as críticas, alegando estarem a serviço direto do
monarca, tratando da vida espiritual dos índios e personificando a presença
estatal nas áreas periféricas. Cobriam a falta de contingentes do Estado
colonial para povoar o território, guarnecendo as fronteiras através das
alianças cultivadas com os indígenas. Além disso, segundo argumentavam os
padres, eles estavam diretamente em contato com os índios nas aldeias,
difundindo a educação, a religião católica e ensinando a dignificação do
trabalho aos nativos.[38]
Assim, se faz necessário compreender a trajetória dos inacianos a
partir do século XVI e como estes adquiriram tamanho prestígio e recursos
no decorrer do século XVII, com o alargamento das fronteiras missionárias,
tanto na América espanhola quanto na portuguesa. Para o entendimento desse
ponto é imprescindível ressaltar, para fins de cobertura deste estudo sobre
o período jesuítico no Itatim, duas motivações de conflitos políticos
relacionados: o contexto da União Ibérica – pensada numa perspectiva ampla
– e as lutas locais com os colonos de origem castelhana e lusitana. Tais
questões políticas estiveram todo tempo ligadas à atuação da Companhia de
Jesus no Paraguai e, por consequência, no Itatim.
O panorama das relações políticas internacionais do período serve
para compreender o caráter universal da Companhia. A União Ibérica
inaugurou um novo momento para as regiões de divisas dos impérios. As duas
coroas estariam unidas sob o comando dos Habsburgos da monarquia espanhola,
ainda que Portugal mantivesse sua autonomia política durante a influência
filipina, que se estenderia até 1640. Nessa perspectiva, os territórios do
Ultramar conservaram sua própria jurisdição – respondendo diretamente a
suas respectivas metrópoles – embora fossem nitidamente perceptíveis as
dificuldades cada vez maiores dos ibéricos em definir os limites
territoriais de suas possessões. Isso se deve, em linhas gerais, à
facilidade com que missionários, colonos, bandeirantes e índios
atravessavam essas terras, fato que não pode ser desprezado para
compreender a dinâmica social do período. Assim, os jesuítas espanhóis
mantinham estreitos contatos com os missionários da América portuguesa
trocando todo tipo de informações, que variavam desde correspondências
narrando suas experiências pessoais, suas impressões sobre os costumes
nativos e até avisos sobre os planos dos paulistas de invadirem as missões
do Paraguai. Ainda que esse contato entre os missionários já viesse sendo
praticado desde a formação da Companhia de Jesus, é possível que essa
comunicação interna tenha adquirido um fôlego maior durante o período da
união monárquica.
Além disso, a coroa espanhola se viu envolvida numa série de
conflitos na Europa, sobretudo com os holandeses nas décadas de 1610 e
1620, conflitos estes que conduziram à invasão de Pernambuco no Brasil. O
ápice da crise da monarquia castelhana se acentuou a partir da restauração
portuguesa, com a aclamação de D.João IV de Portugal, monarca da dinastia
de Bragança que desvinculou o território lusitano definitivamente da
influência espanhola, em 1640. Esse fato repercutiu perceptivelmente na
economia e no prestígio de Felipe IV da Espanha perante o cenário político
europeu, resultando no crescimento da retração econômica dos vice-reinos
hispano-americanos e descontentamento das elites coloniais, taxadas de
forma cada vez mais pesada pela administração do Estado que buscava todo
tempo se fortalecer diante das fortes pressões sofridas pelos seus inimigos
e concorrentes europeus.
Para as regiões de economia enfraquecida e pouco dinâmica, caso do
Paraguai, a situação não poderia ser pior, e a sociedade assuncenha tratou
de conceber o maior número possível de alianças para minar o poder dos
jesuítas sobre os indígenas. Os índios passaram a ser cada vez mais
necessários, ainda que os altos índices de mortandade destes contrariassem
a demanda por mão-de-obra, bastante crescente nos núcleos coloniais. Não
apenas a alta mortalidade dos nativos agravou sua procura, mas também se
pode perceber que a demanda estaria intimamente ligada ao Brasil, uma vez
que os holandeses foram responsáveis por tomar das mãos portuguesas
importantes regiões da África fornecedoras de mão-de-obra escrava.[39]
Com isso, mesmo que houvesse uma série de tentativas por parte da
Coroa em controlar a remessa de índios que integravam as encomiendas, era
difícil regulá-la no dia-a-dia. Felipe III, por exemplo, promulgou várias
Ordenações em 1618 que proibiam a superexploração do trabalho dos índios,
medidas essas que foram praticamente ignoradas pelos colonos, cabendo aos
jesuítas o papel de intervir nas questões de proteção dos nativos. Muitas
vezes os inacianos recorriam às autoridades locais, sem obter sucesso.
Contudo, conseguiam maiores resultados quando contatavam diretamente o
Conselho das Índias, ou ainda a Igreja em Roma. Ainda sim, era bastante
complicado por em prática as políticas de resguardo da população indígena,
sobretudo em regiões mais afastadas da influência estatal e onde a economia
rudimentar era extremamente dependente do trabalho nativo.[40]






















2.1. Os jesuítas no Paraguai – Origem das missões








Tendo chegado à costa do Brasil no ano de 1549, os padres jesuítas
logo estabeleceram um contato bastante próximo com os nativos[41]. Desde o
início da trajetória da Companhia de Jesus, as missões religiosas haviam
sido concebidas de forma a zelar pela vida espiritual da sociedade que
começava a se estabelecer na América. Os inacianos rapidamente organizaram
sua política de proteção dos neófitos, separando-os do resto da sociedade
colonial, no que ficou conhecido como a "política dos aldeamentos" [42].
Contudo, a idéia de desvincular as relações dos nativos com restante da
sociedade colonial não havia sido elaborada pelos inacianos, mas sim
aproveitada da legislação espanhola, que foi estruturada a partir da
criação de duas repúblicas: a de índios e de espanhóis. Os jesuítas
alegavam, tal como faziam as legislações indigenistas espanhola e
portuguesa, que o contato com os colonizadores era extremamente deletério e
prejudicial para os índios. Com isso, os padres trataram de obter, sempre
que podiam justificativas legais para a proteção dessas populações,
participando diretamente no auxilio do governo dos índios, que visava ser
utilizado em benefício da sociedade colonial.
O caso das missões no Paraguai apenas destoa das do Brasil, quando
se observa a dimensão e o poder que os jesuítas conquistaram naquele
território, onde conseguiram aldear boa parte dos guaranis sob seu
resguardo, conseqüência de um longo processo histórico. Em outras palavras,
as reduções jesuíticas do Paraguai se caracterizavam por integrar um
sistema econômico e político complexo, ligado ao comércio com o Rio da
Prata e o Alto Peru. Conquistaram enorme prestígio da monarquia, uma vez
que as missões dentre os guaranis embarreiravam as ambições expansionistas
dos portugueses na América do Sul, sem contar com os índios não submetidos.
A chegada dos jesuítas no Paraguai remonta ao final dos quinhentos,
bem próximo do início do século XVII. Assunção, cidade importante da
colonização espanhola na América espanhola meridional até o momento, se
encontrava bastante debilitada economicamente. Dependentes desde o
princípio da mão-de-obra indígena para o trabalho das lavouras, os colonos
assuncenhos encontravam enormes dificuldades em adequar os enormes
contingentes guaranis ao regime compulsório das encomiendas.[43]
A função de conversão dos índios no momento inicial havia sido
designada pelos franciscanos, embora os integrantes da Ordem não estivessem
alcançando um sucesso duradouro nessa empreitada. Os principais motivos
alegados eram a falta de missionários disponíveis que quisessem atuar em
áreas ermas e as pressões dos encomenderos pela utilização do maior número
de índios possível, o que comprometia a sua inserção no cotidiano desses
povoados.
Ainda assim, os padres tentavam estabelecer uma boa relação com os
nativos. Os membros da Ordem de São Francisco já operavam há pelo menos
trinta anos entre os índios guaranis quando os jesuítas chegaram ao
Paraguai. Segundo Ernesto Maeder, os franciscanos haviam conseguido
estender sua relação com os índios desde a década de 1580, dominando a
língua guarani e formando as primeiras reduções (que teriam sua estrutura
organizacional aproveitada posteriormente pelos jesuítas). Também puderam
persuadir os indígenas a viverem em grandes povoados, o que facilitou a
disseminação das encomiendas e a formação religiosa dos nativos.[44]
As propostas dos dois modelos de projetos missionários – dos
jesuítas e dos franciscanos – constantemente se chocavam e concebiam os
índios de maneiras diferentes. Um documento escrito pelo frei Gabriel
Valencia pode servir para indicar as disputas entre os membros das duas
ordens religiosas pelos espaços de atuação e seus distintos pontos de
vista. O frei havia integrado a ordem franciscana durante quinze anos,
antes de ingressar na Companhia de Jesus. Com a justificativa dada pelos
inacianos sobre o porte de armas pelos índios, alegando a necessidade de
proteção das missões, Gabriel Valencia, então afastado da ordem jesuítica
por discordar de algumas de suas práticas, salienta que o uso de armas de
fogo poderia vir a prejudicar o comércio fluvial da região, aumentando o
poder das reduções. O franciscano também alimenta uma desconfiança "da
aparente pobreza que se encontravam as reduções do Itatim", as quais
"deveriam ser fontes de outras riquezas além da terra, senão como fariam os
padres para conseguirem armas tão caras, compradas em mercados de Buenos
Aires e Santa Fé?"[45]. É perceptível no documento a tentativa de Valencia
de sabotar as intenções dos jesuítas, ou ainda questionar o uso das armas,
alegando não haver necessidade real de proteção das missões.
De qualquer forma, os jesuítas já vinham apresentando um notório
sucesso nas missões estabelecidas no Peru e no Brasil. Além disso, eles
possuíam um burocrático sistema de comunicação que os auxiliava bastante
nesses trabalhos – as cartas ânuas[46] – que poderiam e deveriam ser
trocadas entre os membros da Companhia. Contudo, assim como os
franciscanos, os inacianos também experimentaram momentos de inflexão em
vários períodos do século XVI. O "grande projeto jesuítico" não passava de
uma idealização, uma vez que era na vida prática e no cotidiano que as
relações com os índios iam se construindo e se reformulando a todo tempo,
tendo enormes custos humanos e financeiros para a ordem.[47]
Com a fundação da Província do Paraguai (1607), a conjuntura
mudaria. À época da chegada dos inacianos na região, os colonos da cidade
de Assunção não vinham conseguindo obter indígenas para os trabalhos nas
lavouras e serviços pessoais[48], o que foi responsável pelo aumento da
pobreza e fome da pequena sociedade assuncenha. Durante a segunda metade do
século XVI, a cidade se viu assolada por constantes ataques de índios não
conquistados, inimigos dos espanhóis e de seus aliados, os guaranis.
Essas dificuldades também servem para refletir sobre a considerável
noção geopolítica dos jesuítas, quando os mesmos vão pensar os limites da
jurisdição das missões. Ainda que muito dos trabalhos realizados pelos
padres no Peru e no Brasil fossem aplicados, tanto no âmbito
organizacional, quanto no institucional por um longo período, é bem
provável que os inacianos tenham idealizado a Província do Paraguai
integrada aos dois grandes polos missioneiros da América do Sul: o do Vice-
Reino do Peru e o da América portuguesa. Quando finalmente decidiram seguir
submeter as missões paraguaias ao Peru, perceberam rapidamente os problemas
impostos pela considerável distância entre Assunção e Lima e, com isso,
tornaram a região do Paraguai uma nova província missioneira, ainda que a
falta de recursos embargasse a expansão do projeto jesuítico.[49]
Com isso, a partir da mobilização dos padres Diego de Torres,
procurador da província peruana, e do padre geral da Companhia de Jesus,
Claudio Aquaviva, os jesuítas puderam conseguir a permissão para atuar na
região de fronteira entre os impérios espanhol e português. A Província
Jesuítica do Paraguai compreendia um extenso território com jurisdição no
Chile, Tucumán e Rio da Prata.
Como salienta Jaime Cortesão, os inacianos estavam conectados desde
o começo do século XVII aos principais centros de poder e de decisão do
mundo colonial. Última Ordem religiosa a chegar à América, criada no
contexto europeu das reformas católicas, a Companhia de Jesus rapidamente
conquistou espaços de influência no trato com os índios americanos.
Especialmente nas regiões fronteiriças dos impérios ibéricos, onde o
emprego do trabalho compulsório indígena estruturava a sociedade, eles
puderam aumentar seu prestígio e se converter em mediadores fundamentais
nesse processo de estabelecimento do aparelho estatal. Nesse sentido, a
ideia da Ordem "universal" jesuítica que não encontrava limites nas
fronteiras nacionais, se faz indispensável[50]. Ainda conforme Cortesão, a
história do início da presença dos missionários jesuítas no Paraguai só
pode ser entendida se articulada às experiências no Brasil e no Peru[51].
Segundo o autor:


O provincial Diogo de Torres e seus sucessores
compreenderam a importância singular que tinha para eles o
estabelecimento duma missão no Itatim, zona estratégica de
comunicação crucial entre o Brasil e o Peru, entre o vale
do Paraguai e o do Amazonas. Ocupar essa encruzilhada
seria reservar-se e garantir possibilidades de soberania,
a delimitar no futuro, entre espanhóis e portugueses,
entre hispano-americanos e luso-brasileiros.[52]


Nessa perspectiva é que o Itatim poderia ser compreendido como um
campo de experiência jesuítico, ponto estratégico para a dimensão não
apenas religiosa, mas política da Companhia. Além disso, fama das minas de
Potosí, descobertas desde meados do século XVI, despertou a atenção de
muitos colonos, portugueses ou espanhóis, interessados em prestígio e
enriquecimento. E dessas ambições, mesmo os jesuítas não escapavam. De
acordo com Magnus Morner:


Resulta fácil compreender a importância
estratégica da região, que oferecia a possibilidade de
erguer um baluarte contra a penetração do Alto Peru pelo
leste, ainda que nessa época os bandeirantes se sentissem
sem dúvida, mais atraídos pelas riquezas minerais que pela
captura de escravos indígenas.[53]


Muita das ideias aplicadas nessa região tem origem na América
Portuguesa, como já foi dito, desde a organização interna das aldeias até o
emprego da gramática guarani por Montoya, inspirada pelos jesuítas no
Brasil, no caso específico, a do padre José de Anchieta[54]. A política de
estabelecimento das reduções no Paraguai, que eram bastante semelhantes aos
aldeamentos no Brasil, é um claro exemplo dessa configuração[55]. Além
disso, os padres começaram a missionar de forma itinerante entre os
povoados mais próximos do centro colonial de Assunção e, posteriormente,
conduziriam as missões para as regiões mais distantes, fixando residência
dentre os povoados guaranis, numa evidente tentativa de interligar as
distantes e inóspitas reduções indígenas. Assim, os padres se dividiram em
grupos e se espalharam pelos territórios indígenas.
Contudo, logo os jesuítas compreenderam que missões itinerantes não
dariam conta de converter os nativos, bastante vinculados ainda às práticas
pré-hispânicas. Por isso, começaram a pensar de forma mais coesa suas
atividades. Os padres se espalharam pelo território, numa rápida e
consistente expansão das missões durante as primeiras décadas do século
XVII. Na década de 1610, iniciaram-se os trabalhos na comarca do Guairá,
que contou com forte oposição dos paulistas. Esse território, localizado
nas proximidades dos vilarejos portugueses da capitania de São Vicente fora
uma área bastante disputada durante a primeira metade do século. Contudo, o
início da organização das missões do Itatim deve ser entendido como uma
continuidade da experiência no Guairá.[56]
Após os ataques bandeirantes que destruíram essa região em 1629,
muitos dos padres e índios remanescentes migraram para as outras cidades,
com o intuito de fugir dos portugueses. O padre Diogo Ferrer, num documento
endereçado ao padre provincial, conta a situação da cidade Santiago de
Xerez no Itatim, uma das primeiras a serem visitadas pelos missionários e
que recebeu grande parte dos antigos moradores do Guairá:


A cidade de Santiago de Xerez, se vendo tanto
tempo sem cura e sem sacerdote que os administrasse os
sacramentos, (...) vendo que os padres da Companhia
acudiam os mesmos índios infiéis em partes remotíssimas;
já havia escrito duas ou três vezes para o padre Antônio
Ruiz de Montoya – superior da província do Guairá -
pedindo que enviasse algum padre para socorro espiritual
de suas almas (...). Do modo que se delatou esse negócio,
de como os portugueses de São Paulo, assoladores dessas
terras, destruíram a dita Província do Guairá e como se
escreveu na ânua (...), V.R ordenou que o padre Antonio
Ruiz de Montoya fosse fazer uma nova missão em Xerez.[57]


Os índios do Guairá auxiliaram diretamente os jesuítas nos
primeiros contatos com as populações itatins, ajudando os padres no
convencimento dos nativos. Na década de 1620, as missões também atingiriam
o Tape e o Uruguai, além de porções do Paraná. Com o aumento da influência
dos jesuítas na região e a laboriosa tarefa de organização dos índios, era
cada vez mais necessário angariar recursos para a manutenção das reduções.
A fundação do colégio jesuítico em Assunção pôde garantir das autoridades
coloniais uma assistência básica aos missionários que enfrentavam, nas suas
palavras, enormes adversidades e pobreza, mas cujos recursos eram
constantemente desviados das mãos dos regulares. Na mesma carta escrita
pelo padre Ferrer, como o esforço era apresentado como sobre-humano e as
adversidades que enfrentavam os jesuítas e os índios eram enfatizadas:


No Itatim a princípio padeceram os índios de
grandíssima fome, porque além da seca universal que
ocorrera dois anos antes, naquele mesmo havia dobrado a
colheita, vinha de convir que já não se comessem mais
raízes, mas sim o tronco das Palmeiras, moídos como
farinha, algumas flores silvestres, e algumas frutas dos
montes, e havia um Padre, que na falta de alguma dessas
coisas se sustentava de gafanhotos.[58]




Nesse sentido, precisou-se moldar a vida econômica das reduções
para que as missões prosperassem. Os jesuítas enfrentaram a oposição dos
colonos assuncenhos, ávidos por retirar os índios da tutela dos inacianos.
Todavia, como mencionado acima, se no princípio os jesuítas foram chamados
com o objetivo de doutrinar os índios para que trabalhassem para os
colonos, posteriormente eles se transformaram nos verdadeiros inimigos dos
encomenderos, concentrando cada vez mais a posse da administração indígena.
Essa mudança de perspectiva pode indicar algumas reformulações dos jesuítas
acerca do trato com os nativos.
Na realidade, a questão prática era que, quanto mais os índios
ficavam sob a administração jesuítica, menos eles pagavam o tributo devido
em trabalho para os colonos. Os jesuítas conseguiram isenção do pagamento
do tributo indígena, durante boa parte da primeira metade do século XVII,
substituindo o trabalho por produtos – com destaque para o algodão e a erva-
mate – tendo esse procedimento sido alvo de críticas permanentes dos
encomenderos[59]. Embora a repartição das encomiendas já houvesse sido
proibida pela coroa espanhola desde a segunda metade do século XVI, com o
objetivo de preservar os indígenas que padeciam nas mãos dos primeiros
conquistadores e diminuir seu poder, no Paraguai esse sistema vigorou ainda
durante um longo período de tempo, pelo menos até a Independência. Ainda
que os itatins nunca tenham sido de fato prestadores de trabalho
compulsório por excelência, devido às dificuldades de acesso ao Itatim, a
tentativa de integração dos índios a tal modelo sempre existiu, justificada
pela necessidade básica de sobrevivência dos pequenos e empobrecidos
núcleos hispano-criollos da área.[60]
O plano dos padres era submeter os indígenas diretamente à
jurisdição da monarquia, medida extremamente mal vista pelos governadores e
moradores de Assunção e Buenos Aires, uma vez que a princípio esse não
seria o objetivo inicial da missionação. Os governantes se viram incapazes
de alocar os índios à prestação do tributo desde então, e, por conseguinte,
tiveram boa parte de seus poderes reduzidos. O grande instrumento
canalizador das conquistas dos missionários era a maior instância jurídica
da região, a Audiência de Charcas, local onde se travou uma parte
considerável das disputas políticas daquele território entre os padres e os
colonos. Não se perde de vista que, embora os índios estivessem no interior
das missões eles ainda poderiam edificar um tipo de trabalho que não
diferia muito, em termos de esforço humano, do que era realizado nas
encomiendas. Eduardo Neumann indica que os nativos eram enviados para
trabalhar em construções de obras públicas, o que possibilita relativizar a
ideia de que as missões poderiam ser mais brandas para os índios, no
sentido prático de que eles trabalhariam menos durante menos tempo. Isso
variava bastante, conforme o contexto e os agentes envolvidos. O que
diferia era o fato de poderem estar submetidos diretamente ao Rei e não
mais aos colonos. Também puderam alimentar sua autonomia, ainda que fosse
relativa.[61]
Contudo, não se diminui o poder das complexas redes de
sociabilidade existentes no Paraguai colonial. Os conflitos jesuítas versus
colonos são bastante trabalhados pela historiografia que lida com a época
colonial e são amplamente narrados na documentação produzida pelos padres.
Conforme salienta Regina Gadelha:


A leitura da documentação paraguaia do século
XVII, nos apresenta uma sucessão impressionante de perdas:
perdas demográficas, perdas de comércio, perdas de
território, acompanhadas de crises internas e disputa
constante de mesquinhos interesses políticos e econômicos
locais.[62]


No entanto, esse conflito se caracterizou por uma complexidade
muito maior, envolvendo desde as principais autoridades locais até setores
menos favorecidos. Além disso, os grupos não eram definidos em dois blocos
distintos e antagônicos, mas também eram movidos por ambições e desejos
individuais de seus integrantes. Em outras palavras, nem todos os jesuítas
eram contrários aos colonos e o oposto também era verdadeiro. Os grupos
podiam atuar em conjunto, como por exemplo, no caso de uma determinação
régia que colocasse os índios sob o resguardo direto da Coroa, negando aos
regulares e aos colonos a possibilidade de interação com as populações
nativas consideradas importantes por estes grupos.
Ainda que os jesuítas se assentassem no meio de um confronto mais
amplo de concorrência, muitas vezes armada, pelos braços indígenas – entre
os colonos espanhóis de Assunção e os portugueses de São Paulo – houve
momentos em que os dois setores puderam defender os mesmos interesses
contra os membros da Companhia. Como já anteriormente mencionado, as
missões atingiram um rápido e notável sucesso, que despertou uma série de
desconfianças sobre as intenções dos missionários. O prestígio dos
jesuítas, bastante em alta naquele momento, serviu para solapar as
intenções da pobre aristocracia local paraguaia de investir contra o
colégio jesuítico assuncenho.
Com a separação das províncias do Paraguai e do Rio da Prata em
1620, o governador do Paraguai, Luis de Céspedes Xeria, tomou medidas para
garantir que as missões do Guairá caíssem facilmente nas mãos dos mamelucos
paulistas. Evitou que fossem mandadas tropas e auxílio às reduções, que
foram destruídas pela bandeira de Raposo Tavares[63]. Os padres escreveram
para o provincial, que mobilizou a destituição do governador espalhando a
denúncia de que ele estaria envolvido com os colonos paulistas e, portanto,
não defendia os interesses da monarquia espanhola. Céspedes sofreu
investigações quando se descobriu que o governador possuía propriedades em
São Paulo, havia casado com uma portuguesa e que empregava índios
capturados no Paraguai em enormes quantidades em suas propriedades no
Brasil. Fora isso, os jesuítas ainda alimentavam a suspeita de que ele
estaria envolvido na venda de cativos indígenas no comércio do tráfico
interprovincial da América portuguesa. Os jesuítas conseguiram provar tal
envolvimento quando recorreram aos seus colegas que missionavam nas vilas
paulistas, já envolvidos nas disputas com os bandeirantes.[64]
Outro caso elucidativo é o que trata do confronto do bispo
Bernardino de Cárdenas com os jesuítas. O conflito das ordens regulares com
o clero secular perpassou praticamente todo o período colonial e se
traduziu, grosso modo, por uma disputa de poder e jurisdição. A posição
metropolitana em tratar desse confronto é extremamente ambígua, contando
com a aproximação, em determinadas conjunturas, com um ou outro lado. Boxer
indica que "o conflito gerado entre os amplos privilégios das ordens
religiosas e os pleitos jurisdicionais dos bispos jamais ficou
completamente resolvido durante o período colonial".[65]
Segundo Neimar Machado de Souza, Bernardino de Cárdenas tentava
retirar da administração dos inacianos o controle das missões do Itatim e,
no caso das últimas invasões dos portugueses (as que conduziram ao fim
daquelas missões em 1648), o bispo utilizou seu poder para vetar o uso de
armas para a defesa das reduções. Como havia determinado o monarca, a
militarização das missões do Paraguai seria permitida, desde que aprovada
em conjunto pelas autoridades em Assunção[66]. Contudo, após a batalha de
M'bororé (1641) travada entre os índios missioneiros e os lusitanos, já era
notório que a as missões possuíam ao menos uma considerável defesa,
possibilitada pelos armamentos comprados nos núcleos coloniais pelos
padres.
O fato é interessante para refletir não apenas sobre as inimizades
que os jesuítas acumularam ao longo do tempo, mas ainda um possível
envolvimento de Cárdenas – integrante do clero secular – com os interesses
dos colonos paraguaios. Essa relação era tecida de forma muito mais
complexa e dúbia do que a princípio pode-se perceber, remetendo a ideia de
que principalmente durante o período da União Ibérica, os limites (em todos
os seus níveis) caminharam no sentido da fluidez e os diferentes atores
históricos traçavam suas próprias políticas tentando viver e acima de tudo,
sobreviver no mundo colonial.
A expressão máxima das conquistas dos jesuítas sobre a jurisdição
indígena pode ser percebida com a nomeação dos doutrinadores como
protectores de los indios, a partir da década de 1630. Cada vez mais os
religiosos interveriam nos assuntos que diziam respeito aos índios das
missões[67]. Acumulavam, assim, as animosidades dos espanhóis de Assunção e
de vários outros grupos interessados na abundante mão-de-obra nativa que
habitava as reduções.
Contudo, a relativa prosperidade alcançada no início da década de
1630 não duraria muito tempo. Duas grandes ondas de ataques bandeirantes –
concentrados em dois anos: 1632 e 1648 – seriam responsáveis por conduzir
as missões do Itatim ao colapso, não fosse a rapidez com que os jesuítas se
mobilizaram na organização da defesa das missões. Como já mencionado,
puderam comprar armas de fogo e treinar os índios no manejo das mesmas, uma
vez que o governo de Assunção se negava a auxiliar os padres no momento em
que essas invasões ocorriam. O ano de 1632, por exemplo, foi marcante para
o Itatim. A bandeira organizada por Raposo Tavares que havia destruído o
Guairá, conseguiu com que as primeiras missões organizadas entre os índios
itatins fossem dizimadas e, assim, deslocadas para mais longe, em direção
ao interior do continente[68]. Os jesuítas acreditavam que a relativa
distância dos paulistas pudesse de alguma forma retardar suas intenções.
Nesse sentido, foi possível remanejar as reduções em torno de dois
grandes núcleos indígenas: Nossa Senhora de Fé e Santo Ignacio del
Caaguaçu. A primeira missão foi entregue aos cuidados do padre Diego
Ferrer, a segunda, ao padre Justo Mancilla. Juntas, essas reduções
apresentaram um notório crescimento ao longo da década de 1630, tendo
relativamente progredido até o ano de 1647.
Por outro lado, o fim da União Ibérica em 1640 acabou representando
a retomada direta das animosidades existentes entre Espanha e Portugal,
possivelmente tendo reflexos na grande invasão que destruiu as missões do
Itatim em 1648. A realidade adversa enfrentada pelos índios itatins nesse
contexto, pode ajudar a compreender melhor sua trajetória ao longo do
período jesuítico. Nessa direção, se torna importante não apenas discutir a
atuação da Companhia de Jesus, mas também a dos indígenas.












Capítulo 3
- Os índios "itatins" –













Os índios que ocupavam a região do Itatim, em sua maioria,
pertenciam à numerosa e complexa etnia guarani[69]. Antes que os europeus
chegassem à América, esses índios se encontravam num estágio muito
particular de organização social. Sem estender muito a discussão em torno
das origens dos guaranis e como estes povoaram grandes extensões de
território no continente sul-americano, se faz indispensável ressaltar
algumas de suas principais características socioculturais.
No período pré-colonial, os guaranis se concentravam
principalmente nas regiões do Rio da Prata e do Paraguai. Povo de cultura
seminômade, esses índios se familiarizavam com a agricultura e a caça de
animais, esta praticada majoritariamente pelos homens. A coleta de
alimentos também era uma atividade comum, ainda que fosse um trabalho
feminino por excelência. Portanto, a divisão do trabalho se dava através do
gênero: as tarefas eram repartidas de acordo com o sexo.
Além disso, sua organização social se constituía em torno das redes
de parentesco, tendo na figura do xamã a personificação das atividades
espirituais, a cura medicinal e o contato com a religiosidade. A maioria
dos homens guaranis eram poligâmicos, formando numerosas famílias que se
encontravam interligadas por laços consanguíneos. A liderança guarani era
conferida ao índio mais capacitado da tribo, ou seja, aquele que pudesse
conduzir o grupo a vitórias contra outros indígenas rivais. A chefia
indígena – ou cacicado[70] – não era um status hereditário como se tornou
posteriormente, mas um posto conquistado pela guerra e pela capacidade do
chefe de mobilizar os seus parentes, garantindo a sobrevivência do grupo.
O caso dos índios itatins é bastante específico quando se considera
o grau de autonomia em que eles se encontravam quando da chegada dos
europeus. Num primeiro momento, com a conquista do Rio da Prata e do
Paraguai, a repartição das encomiendas foi praticamente ignorada pelos
nativos. Jaime Cortesão aponta as dificuldades de submeter tais índios ao
domínio do Estado colonial quando relata que, apesar de distribuídas, eles
nunca chegaram a prestar serviço pessoal aos seus encomenderos de Assunção,
uma vez que não se conseguia atingir com facilidade a província do Itatim,
bastante isolada geograficamente, dificultando as intenções dos poderes
locais em fazer valer as determinações do governador[71]. Esta situação
demonstra a evidente dificuldade que existia de se conciliar a teoria – ou
seja, as determinações legais – com a vida prática dessas populações, que
poderiam ser caracterizadas das mais distintas maneiras, divergindo do
ideal visado pela administração colonial. Contudo, esse limite entre teoria
e prática nem sempre era claro, servindo para estimular uma série de
situações conflitantes.
Apesar disso, o medo do trabalho compulsório, da escravidão e da
guerra sempre assolou as populações indígenas durante o período colonial.
Nesse sentido, os nativos procuraram reverter essa situação bastante danosa
a eles. Uma alternativa era viver enquanto índios cristãos, no interior das
missões jesuíticas, de forma a preservar sua liberdade jurídica. O
estabelecimento de alianças com os espanhóis no início da colonização da
região platina pode servir para ilustrar a necessidade indígena de ter que
traçar suas próprias políticas, em contextos muitas vezes desfavoráveis.
Sobretudo no Itatim, aqueles que decidiram coabitar ao lado dos europeus o
fizeram em grande medida porque o quiseram. Segundo as fontes, o governo
assuncenho não possuía recursos suficientes para coagir os índios. Além
disso, a pressão de outros grupos étnicos provenientes de regiões ermas do
Paraguai serviu para unir, grosso modo, guaranis e espanhóis contra índios
indiferentes à presença da sociedade colonial. Mesmo os itatins,
majoritariamente isolados, mantinham relações de amizade e parentesco com
alguns desses índios que moravam em regiões afastadas. O trecho da carta
ânua do padre Diogo Ferrer salienta a percepção nebulosa que os jesuítas
tinham destes contatos:


Digo, pois, que desde a cidade de Assunção, mais
de cém léguas rio acima, há varias nações Gualachas que se
chamam Guanas, Tunus, Bayas, Guaramos, etc. Todas se
compreendem pelos de nomes de Guaicurús e Guaicurutis,
ainda que os do rio acima atravessassem antigamente a
passagem, vindo contratar com estes itatins, mas como os
Paiaguás que senhoreiam o rio são seus inimigos, não os
querem dar passagem, para que eles não tenham trato.[72]


Contudo, nem todos os itatins pensavam da mesma maneira ou
compartilhavam as mesmas situações: com o decorrer da expansão colonial
pelo Paraguai, muitos nativos puderam abandonar seus locais de origem e se
submeter ao trabalho nos núcleos urbanos, na tentativa de conseguir
angariar mais recursos. Elisa Garcia indica que "muitos índios também
deixavam as missões, individualmente ou em pequenos grupos, motivados por
expectativas de uma vida melhor. Alguns permaneciam nos arredores dos seus
pueblos, outros escolhiam as cidades da região"[73]. Entretanto, nem sempre
era possível fazer isso, os mecanismos que impediam a ascensão social de
índios – impostos pelo paradigma de Antigo Regime – eram bastante potentes
e faziam com que eles facilmente pudessem cair numa condição
subalternizada, de escravidão ou de superexploração, através do trabalho
compulsório.
Por outro lado, existiam ainda índios que se encontravam na
condição de "administrados": o caso da maioria dos indígenas que habitavam
a região de São Paulo na América portuguesa. De acordo com John Monteiro,
esses nativos realizavam um tipo de trabalho muito similar aos que estavam
envolvidos na condição de escravos. Entretanto, na perspectiva dos Estados
coloniais ibéricos, a permanência da exploração desmedida de mão-de-obra
nativa seria responsável por conduzi-la ao seu desaparecimento. Nesse
sentido, sob a alcunha de "administrados", os colonos paulistas puderam
alegar que na realidade, seus índios se encontravam protegidos, quando na
prática, enfrentavam uma situação não menos adversa do que os índios
capturados em expedições. É bastante provável, devido à proximidade do
Guairá e do Itatim com São Paulo, que esse tipo de categoria fosse
empregada em algum momento por outros colonos que lidavam com esses
indígenas.[74]
A questão do trabalho nativo, bastante controversa por conta dos
variados caminhos que tomou ao longo do período, ainda é um ponto de longa
data de discussão entre os historiadores. Se por um lado, Regina Gadelha
considera que a questão da mão-de-obra indígena foi o pano de fundo dos
conflitos existentes na região do Paraguai colonial, onde jesuítas exerciam
uma espécie de sonegação do trabalho nativo[75]; Jaime Cortesão salienta a
importância não apenas econômica, mas também geopolítica das missões. Nesse
sentido, a hipótese de Cortesão colocaria os bandeirantes portugueses como
grandes responsáveis por expandir os limites territoriais da América
portuguesa, para além dos sertões.[76]
Entretanto, John Monteiro sugere que o principal objetivo que
conduziu mamelucos paulistas e suas tropas indígenas a viajarem pelo
interior do continente sul-americano, seria única e exclusivamente a
existência de braços nativos numerosos, habituados ao trabalho dentro das
missões, que pudessem ser vendidos e empregados nos mercados de São Paulo e
São Vicente no Brasil, com o intuito de fomentar a economia local. Uma vez
que o objetivo inicial das missões jesuíticas era organizar a vida indígena
conforme os moldes cristãos de sociedade, e isso incluía além da vida
religiosa, o hábito do trabalho, os bandeirantes puderam se aproveitar
enormemente dos índios que foram reduzidos pelos padres da Companhia de
Jesus.[77]
Nesse ponto, Monteiro descontrói a hipótese de Cortesão, afirmando
que os bandeirantes eram, em grande medida, homens truculentos e
gananciosos, preocupados apenas com seus próprios interesses imediatos.
Para ele, pensar que esses bandeirantes foram responsáveis pela expansão da
frente de colonização portuguesa, se caracterizaria por uma interpretação a-
histórica do bandeirantismo, cujo caráter foi sumariamente preador e,
sobretudo, despovoador. Ainda que Raposo Tavares tenha conseguido uma
notória proeminência política em Portugal, no fim da sua grande bandeira
que percorreu boa parte do Brasil, ele seria apenas mais um empobrecido
colono.[78]
Por outro lado, o complexo processo de construção de identidades
indígenas – etnogênese e etnificação[79] – foi um fenômeno bastante comum
em toda a América e se constituiu, em grandes proporções, a partir dos
contatos impostos pela situação colonial. O caso da natureza da instituição
missionária entre os índios fornece um aparato significativo para pensar
esses processos sociais, especialmente quando se tenta perceber a relação
dos índios com os seus doutrinadores. É extremamente relevante salientar
que mesmo a categoria generalizante de "índios" foi um produto direto do
impacto da Conquista da América e, posteriormente, representou uma
tentativa do Estado castelhano de traçar políticas corporativas voltadas
para essa malha demasiado heterogênea de grupos étnicos, os quais não se
compreendiam enquanto um conjunto. A ênfase nesses conceitos, acaba por
minar a ultrapassada concepção do índio enquanto um agente meramente
voltado para a resistência às tradições introduzidas no processo colonial,
demonstrando a concretude da ação política indígena e, principalmente, como
ela se molda a partir da situação colonial.[80]
Embora essas políticas indigenistas não garantissem a resolução de
problemas mais pontuais de algumas localidades, elas deveriam servir para
proteger os nativos dos constantes abusos sofridos no decorrer da época
colonial. Os nativos mais familiarizados com os códigos e signos do mundo
colonial conseguiam, ainda que com enormes dificuldades, manejar esses
instrumentos legais de proteção. Por outro lado, quando esses grupos se
encontravam marginalizados do restante da sociedade, eram as ordens
religiosas, com destaque para o clero regular, que muitas vezes precisavam
acionar essas leis perante a justiça colonial. Nesse sentido, o
empoderamento indígena ficava de certa forma comprometido, ainda que não
necessariamente esvaziado. Era preciso pensar alternativas e estratégias
diferenciadas, que em algumas conjunturas, poderiam estar alinhadas aos
objetivos dos missionários.
Finalmente, os europeus passaram a designar tais índios através dos
etnônimo guarani (guerreiro). Os próprios índios não se compreendiam assim.
Muitos documentos escritos por jesuítas no século XVII, talvez mais
capacitados para perceber as sutilezas do mundo indígena, atestam que a
malha étnica da região do Paraguai era muito mais complexa do que os
espanhóis pensavam[81]. É possível também que os conquistadores
identificassem esses índios enquanto guaranis por esses nativos partilharem
de um mesmo tronco linguístico. A língua poderia ser um importante
instrumento coesivo e abria as portas à negociação entre os grupos de
espanhóis e índios, ambos com interesses bastante conflitantes. Como
salienta Elisa Garcia, "com o tempo, a alteridade cultural radical
existente entre os dois grupos foi se atenuando. Ambos passaram a
compartilhar os códigos do mundo ibero-americano - construídos
coletivamente, ainda que de maneira conflituosa e assimétrica".[82]








3.1: Reinvindicações indígenas.








Temos nos alegrado e consolado muito depois de
ter ouvido o que o Rei e o Senhor disseram, e nos parece
que de agora em diante sua Majestade está nos olhando.
Antigamente, quando vivíamos pobres e acossados pelos
espanhóis nos parecia que sua Majestade não tinha
notícias de nós, mas de agora em diante, depois de ter
ouvido suas provisões reais, nos consolamos por ver que
ele já as tem, e parece que agora ele nos olha e nos
favorece.[83]


O trecho do documento em questão narra um dos inúmeros episódios
que ocorreram na região do Paraguai colonial: os abusos sofridos pelos
índios submetidos ao trabalho compulsório, onde eles constantemente
reclamavam ao Rei espanhol seus direitos de proteção e vassalagem. Esse
documento, com parte dele tendo sido supostamente escrito em guarani pelos
próprios índios, relata a resposta que os nativos da aldeia de Santo Inácio
– localizada no Guairá – deram aos padres jesuítas, quando souberam que o
monarca espanhol se preocupava em diminuir o tempo de prestação de serviço
compulsório para dois meses de trabalho.
É muito provável que tal documento tenha sido escrito pelos
próprios jesuítas, que no decorrer do texto escrevem uma série de pareceres
que atestam as dificuldades enfrentadas pelos indígenas quando prestavam
serviços aos colonos, padecendo de fome, doenças e maus tratos. Chamam a
atenção também para a extrema truculência dos colonos no trato com os
gentios, pedindo que o governo metropolitano tome alguma medida prática
para melhorar esse quadro. Na realidade, os padres estavam interessados a
todo custo em favorecer o seu próprio projeto, uma vez que usaram boa parte
das referências indígenas na carta.
Contudo, não se pode descartar a ideia de que o documento pode
relevar algumas das intenções indígenas, sobretudo quando destacam como se
preocupavam que o monarca lhes desse importância, através da garantia de
que eles fossem respeitados e bem-tratados pelos colonos. Ainda reforça
como as autoridades da monarquia davam ênfase às respostas indígenas de
acordo com as situações que aconteciam. Isso talvez explique o fato dos
jesuítas terem escrito o documento usando as vozes dos nativos. No caso, os
índios temiam ser levados para a região de Maracaju, onde padeciam de
enormes atrocidades:


Para o Rei e Senhor nós dizemos e pedimos para
que não nos mande à Maracaju, a não ser que queiramos,
porque se diz (o Rei) que vamos se queremos ir, os
espanhóis não hão de nos afligir (e acoitar) (...). Não
nos levaram apenas com perseguições, mas sim contra nossa
vontade e dirão depois que só fomos porque queremos, e nos
amedrontaram (...) trazendo o tenente de Maracaju chamado
Sayavedra com gente de guerra para nos castigar (...) por
termos vindo de Maracaju depois de haver trabalhado ali
muitos meses, esgotando-nos diante dos olhos de nossos
pais, mulheres e filhos, e aqui, nesse extenso Pueblo
também castigaram o cacique Rodrigo Mbae ay, queimando-lhe
a cara com um tição diante dos nossos olhos, quebrando a
nossa coragem de dor.[84]


Além disso, pode-se depreender do documento a estima dada pelos
jesuítas aos anseios da população nativa. Muito embora nem sempre fosse
fácil perceber essas reinvindicações – muito por conta da alteridade
cultural radical – os padres se esforçavam para defender as leis de
proteção dos índios, estabelecendo uma série de hostilidades com os mais
diversos agentes coloniais. Entretanto, o projeto jesuítico dependia do
envolvimento dos nativos para que vingasse – tinham de negociar com os
indígenas - e seu sucesso era o objetivo final dos padres, mesmo que para
isso fosse necessário defender os índios em várias circunstâncias. Houve
momentos em que os jesuítas puderam usar as leis de proteção dos índios em
benefício próprio.
Por mais que muitos fossem contrários à pretensão dos inacianos em
controlar todas as nações indígenas presentes no Paraguai colonial, como
planos de extensão das missões até as regiões mais remotas da Amazônia e do
Peru[85], nem todos os setores urbanos eram favoráveis ao fim das missões.
Muitos reconheciam a importância da presença do braço regular do clero,
comprometido com o trato dos nativos, caso de um dos governadores de Buenos
Aires, que escreveu uma carta ao monarca espanhol, relatando a importância
da manutenção das missões e ressaltando a necessidade de se tratar esses
índios itatins enquanto espanhóis e súditos fiéis da Coroa:


Quando atualmente estava ocupado nos reparos e
defesa de um agravante, sobre o que se pretende fazer com
os índios da nação Guarani das Províncias do Paraná,
Itatim e Uruguai, recém-convertidos, que estão a encargo
dos religiosos da Companhia de Jesus; e pelo o que tenho
experimentado durante o tempo do meu cargo no governo,
julgo que esses índios dessa nação devem ser tratados não
como outros índios, mas sim como espanhóis, porque em sua
vida, obras, fidelidade e amor que tem por Vossa
Majestade, e obediência aos seus Governadores, acudindo a
tudo quanto o Real serviço os encarregam, com grande
pontualidade. [86]


O que na realidade o governador expõe de forma clara no documento,
é uma preocupação com o estatuto jurídico dos índios. Na sociedade
corporativa de Antigo Regime, pautada pela qualidade dos indivíduos, a
diferenciação era um elemento estrutural dessa sociedade. O estigma
indígena era acionado constantemente, por conta que esses grupos não
possuíam o estatuto jurídico dos espanhóis. Ao mesmo tempo em que a
qualidade de "índios" podia representar um elemento social necessário em
determinados momentos para as políticas pró-indigenistas, em outros ele
poderia servir para impedir que os grupos pudessem alcançar graus na
hierarquia mais altos aos quais estariam teoricamente destinados. Mesmo no
interior das reduções a sociedade corporativa se manifestava, na medida em
que os jesuítas incentivavam a existência de uma hierarquia social para
organizar a vida nesses espaços. Na realidade, o que o governo colonial
propõe é que estes índios gozem da qualidade de espanhóis como uma espécie
de privilégio por serviços prestados. Segundo Maxime Haubert, "os padres
honram os privilégios da antiga 'nobreza' indígena (...) é evidente que há
diferenças de acordo com a situação social de cada um. Por exemplo, os
caciques e outros magistrados municipais só devem uma contribuição
simbólica"[87]. Portanto, os espanhóis reconheciam uma diferença
fundamental entre os índios: os nobres e os do comum. Essa diferenciação
era incentivada pelos padres nas reduções e embasava a estrutura da
sociedade que se organizou dentro das missões.
Na vida prática, os itatins, habitantes das fronteiras, não sofriam
de forma muito evidente o estigma da impureza de sangue, porque possuíam a
seu favor um favorável elemento de negociação: eram eles que em grande
medida protegiam os limites do Império espanhol na região do Paraguai.
Nessa perspectiva, conseguiam obter maiores regalias do que outros grupos,
como por exemplo, a posse de armas de fogo e a concessão de alguns
privilégios mais imediatos. Afinal como afirmou Regina Celestino, "para os
índios, no entanto, as aldeias missionárias tinham um significado e funções
bastante diferentes: terra e proteção, por exemplo, aparecem nos documentos
como algumas de suas expectativas básicas ao buscar alianças".[88]
Outra questão presente no trecho toca no ponto-chave da sociedade
da época: como que são as pessoas e situações concretas – aqui entendidas
como sendo seus interesses, crenças e inimizades que mobilizam as práticas
sociais desse período. Segundo Guillermo Wilde, "o impacto da conquista
primeiro e da legislação posterior trouxe como consequência alterações
notáveis em todos os âmbitos e regiões e, como consequência, a necessidade
de adaptação às novas circunstâncias por parte das populações
indígenas".[89]
Por fim, ainda que as missões tenham se consolidado ao longo da
década de 1630 e 1640, elas não escapariam das posteriores investidas dos
paulistas que seriam responsáveis por conduzi-las ao colapso, causando a
migração e dispersão de várias famílias guaranis. O ano de 1648 seria
decisivo por destruir as reduções remanescentes dos itatins, a partir da
bandeira organizada por Raposo Tavares, que percorreu boa parte do interior
do continente sul-americano, causando enorme estrago nas concentrações
populacionais indígenas. Após a derrota em M'bororé, os paulistas haviam se
preparado e, conhecendo razoavelmente a região, puderam se apoderar das
missões dos itatins e expulsar provisoriamente os jesuítas de sua
administração. Segundo Regina Gadelha, quando os padres puderam retornar ao
Itatim, já na década de 1660, os itatins já haviam perdido boa parte de
suas terras e muitos se misturaram as outras populações fronteiriças, ou
migraram para outras reduções mais afastadas das investidas dos lusitanos.
Com isso, inaugura-se um novo momento para a localidade, que não possuindo
mais suas características peculiares, passaria a integrar os núcleos
missioneiros dos arredores, tendo sua população nativa dispersada[90].
Contudo, os itatins conseguiram ao longo do tempo sair da região e puderam
pensar novas formas de vida: integrando os núcleos coloniais, se inserindo
em outras missões ou se misturando aos outros agrupamentos de índios, para
além das fronteiras coloniais.






































































Conclusões









O aparato teórico-metodológico utilizado pelos historiadores para
pensar a história de uma região específica é, em grande medida, o da micro-
história. Tal método de análise se volta para uma densa descrição histórica
de um recorte microscópico em certo tempo-espaço, a fim de perceber
determinadas singularidades, embora não se descarte as percepções e
generalizações macroscópicas, colocadas no mesmo grau de importância para o
entendimento do todo[91]. A proposta metodológica abre, assim, espaço para
estudos mais pormenorizados e específicos voltados para trabalhos ligados à
História indígena, que possui ainda diversas lacunas.
No caso deste trabalho, o estudo sobre o Itatim pretende, como já
assinalado, entender não apenas a dinâmica daquela área, mas também
perceber como a partir deste espaço específico pode-se depreender questões
relativas às disputas coloniais entre as monarquias ibéricas e seus agentes
coloniais, que envolviam as populações nativas num imbricado jogo de forças
políticas. Contudo, os índios que até então eram apresentados como atores
passivos pela historiografia, são elevados à categoria de sujeitos ativos
na construção daquele mundo colonial, especialmente a partir do emprego de
novos métodos de análise histórica.
Portanto, na tentativa de estabelecer um estudo histórico
pormenorizado do Itatim durante o período jesuítico, é necessária uma
crítica minuciosa da documentação produzida pelos jesuítas. Contudo, existe
um grande obstáculo ao tentar interpretar - situação do presente trabalho -
os anseios da população indígena nas fontes, uma vez que estas se encontram
dispersas dentro de uma documentação produzida por agentes coloniais;
jesuítas ou funcionários das monarquias ibéricas, estes preocupados com
questões relativas às suas respectivas aspirações, desejos e motivações,
que nem sempre estavam em sintonia com as dos índios.
Nesse direção, é imprescindível o cruzamento de fontes provenientes
das mais diversas origens para compreender de forma mais significativa a
história do Itatim durante o período jesuítico. Cartas escritas por
jesuítas que atuaram no Guairá, no Tape, ou até mesmo na América
portuguesa, por exemplo, ajudam a amarrar de forma mais coerente e concisa
as lacunas deixadas pelos padres que trabalharam no Itatim, especialmente
nos anos "prósperos" das missões (1634-1647). As situações de conflito,
como por exemplo, os anos de 1633 e 1648 possuem uma vasta produção de
cartas pelos jesuítas, na medida em que narram grandes animosidades entre
os mais variados setores da sociedade de forma detalhada. Por outro lado,
em determinados anos, a falta de dados factuais acerca do Itatim serve de
obstáculo para que mais questões possam ser discutidas com maior
profundidade.
Assim, ainda que a micro-história tenha sido usada vastamente por
historiadores no Brasil para tentar pensar de forma mais articulada essas
regiões mais distantes e obscuras diante das áreas mais conhecidas dos
Impérios ibéricos, esse tipo de pesquisa metodológica não seria capaz de
cumprir seus objetivos sem o cruzamento das fontes históricas: cartas,
registros de nascimento, mapas, censos demográficos, dentre outros. Com
isso, a micro-história, trabalhada dentro da historiografia sobre a
História da América ou mesmo do Brasil, se apóia nessas interlocuções e
encontra um amplo campo de interpretações inovadoras.
Sobretudo quando se trabalha com a história dos índios, a
necessidade de mapear a trajetória de determinados indivíduos que habitam
nessas áreas, sua vivência ao longo das diferentes situações que vão
surgindo no cotidiano, também confere ao historiador uma fonte bastante
interessante de material, que possibilita refletir sobre novos tipos de
abordagens. A análise do conflito existente causado pelos numerosos agentes
envolvidos nessas questões concretas, ajuda na elaboração de uma leitura
mais sutil de determinados aspectos da sociedade de Antigo Regime.
Quando se aprofunda na vida prática e no cotidiano dos índios,
jesuítas e agentes coloniais que moldaram a história do Itatim colonial,
percebe-se que aquela sociedade era muito mais complexa do que se pensava,
questionando as consagradas visões da historiografia tradicional, uma delas
de que os índios seriam sujeitos sem história e que, no caso, o Itatim
seria apenas uma região sem importância ou secundária, subordinada à
historiografia de outras áreas, como a de São Paulo. Como indica Hebe
Castro, "a história social mantém, entretanto, seu nexo básico de
constituição, enquanto forma de abordagem que prioriza a experiência humana
e os processos de diferenciação e individuação dos comportamentos e
identidades coletivos – sociais – na explicação histórica".[92]
Neste trabalho monográfico, o objetivo central foi discutir tópicos
que envolviam os índios, dando ênfase à história social dos itatins.
Através de situações narradas nas cartas jesuíticas, tentou-se abordar os
aspectos principais da sociedade indígena daquela região, compreendendo as
perspectivas dos nativos acerca do processo de avanço da colonização na
região do Paraguai do século XVII. O período jesuítico (1630-1650) fornece,
nesse sentido, uma fonte grandiosa de documentação histórica que
possibilita pensar de forma mais refinada a questão indígena nos seus mais
diversos aspectos. Com isso, partindo dos estudos relativos às fronteiras
americanas e a trajetória da Companhia de Jesus, tentei demonstrar como o
Itatim poderia ser entendido numa perspectiva mais integrada às situações
da época, evidenciando sua relevância como uma área de presença colonial e,
sobretudo, indígena.




















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[1]CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e
Bandeirantes no Itatim. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de
Obras Raras e Publicações, 1952. p. 5.
[2]TURNER, Frederick Jackson. O significado da fronteira no Oeste
Americano. In: KNAUSS, Paulo (org). Oeste Americano: 4 ensaios de História
dos Estados Unidos da América de Frederick Jackson Turner. Niterói: EDUFF,
2004. pp: 23-54.
[3]TURNER, op.cit.
[4]Trabalhos em grande medida surgidos a partir da segunda metade do século
XX, com o impacto das ideias trazidas pelos Annales e sua proposta de
rompimento com a antiga História Política. Sobre a historiografia dos
Annales, ver BURKE, Peter. A Escola dos Annales: 1929-1989. São Paulo:
Edit. Univ. Estadual Paulista, 1991.
[5]BOLTON, Herbert Eugene. "La misión como institución de la frontera en el
septentrión de Nueva España" [1917], Estudios (Nuevos y Viejos) sobre la
frontera, Anexo 4 Revista de Indias 1990, Madri, CSIC, pp: 45-60.
[6]BOLTON, op.cit, p. 46.
[7]Ainda que a proibição da conquista seja datada de 1580, nos anos
anteriores a monarquia já se preocupava em traçar políticas que evitassem a
consequente destruição em massa das populações nativas. Segundo Charles
Boxer: "As Ordenações de Felipe II em 1573 proibiam expedições armadas, ou
entradas, como as chefiadas por Cortéz, Pizarro, Valdivia, Alvarado e
outros conquistadores clássicos. A responsabilidade principal pela
pacificação das fronteiras foi confiada aos missionários das ordens
religiosas, secundados, onde se fizesse necessário, por pequenas escoltas e
guarnições militares." In: BOXER, Charles. A Igreja e a Expansão Ibérica
(1440-1770). Lisboa: Edições 70, 1989, p. 92.
[8]Um dos autores que destaca de forma brilhante a influência indígena na
expansão das frentes coloniais do Brasil é Sergio Buarque de Hollanda, onde
ele discute a necessidade que os portugueses tinham de se apropriar de uma
série de elementos culturais indígenas, indispensáveis à sobrevivência da
sociedade colonial paulista. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e
fronteiras. 3ªed. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
[9]Para um aprofundamento nessa temática veja-se: MCNEILL, H. William, The
Great Frontier: Freedom and Hierarchy in Modern Times. Pinceton University
Press, 1983. In: WEBER, David. J & RAUSCH, Jane. M. Where Cultures Meet:
Frontiers in Latin American History. Wilmington, DE: Scholarly Resource s
Inc, 1994, p.17-26.
[10]Tradução livre, In: WEBER, David. J & RAUSCH, Jane. M. Where Cultures
Meet: Frontiers in Latin American History. Wilmington, DE: Scholarly
Resource s Inc, 1994. Introdução.
[11]SAIGNES, Thierry. "Las Zonas Conflictivas Fronteras Iniciales de
Guerra" In: Historia general de América Latina, Vol. 2, 1999 (El primer
contacto y la formación de nuevas sociedades). Paris: Unesco, Madrid,
Trotta, 2000. p. 298.
[12]RATTO, Silvia & DE JONG, Ingrid. Dossier. La política en las fronteras
americanas, siglos XVIII y XIX. In:
http://historiapolitica.com/dossiers/fronterasamericanasxviiiyxix/
[13]Segundo Guillaume Boccara, o uso do termo espaço fronteiriço explica
melhor a dupla natureza da fronteira colonial, enquanto zona de contato
fluida e relacional: "Entendendo assim a fronteira como um espaço
transacional de colonização no qual imperam mecanismos performativos de
denominação e rituais de tomada de posse que levam à formação de novos
sujeitos sociais." In: BOCCARA, Guillaume. "Poder colonial e etnicidade no
Chile: territorialização e reestruturação entre os Mapuche da época
colonial". Revista Tempo, Rio de Janeiro, n°.23, 2007, p.60.
[14]RUSSEL-WOOD, A.J.R. "Centros e periferias no mundo luso-brasileiro,
1500-1808". Revista Brasileira de História.[online]. 1998, vol.18, n.36,
pp: 187-250.
[15]ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 85.
[16]GARCIA, Elisa Fruhauf. As diversas formas de ser índio: políticas
indígenas e políticas indigenistas no extremo sul da América portuguesa.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009.
[17]"Em vários assuntos, portanto, o clero colonial ibérico podia ser
considerado um corpo de funcionários assalariados do Estado monárquico."
In: BOXER, op.cit, p.100.

[18]O conflito entre a soberania da Monarquia e da Igreja se deu
principalmente em decorrência da instituição do Patronato régio, que
conferia ao monarca o poder de comandar a igreja colonial (exceto no que
tange questões relativas ao dogma e à doutrina católica). Vide: BOXER,
op.cit, pp: 97-106.
[19]BOXER, op.cit.
[20]BOLTON, op.cit.
[21]BOXER, op.cit, p.97.
[22]TURNER, op.cit, p.25.
[23]BOCCARA, Guillaume. Poder colonial e etnicidade no Chile:
territorialização e reestruturação entre os Mapuche da época
colonial. Revista Tempo, Rio de Janeiro, n°.23, 2007, p.59.
[24]BOCCARA, op.cit, p.68.
[25]O Tratado de Tordesilhas (1494), O Tratado de Madri (1750) e o Tratado
de Santo Ildefonso (1777) são alguns dos principais exemplos de demarcação
dos limites das possessões espanholas e portuguesas na América do Sul.
[26]"Dessa forma, a existência de grupos indígenas nas regiões de fronteira
começou a ser considerada como importante variável nas políticas
territoriais dos impérios ibéricos. Não era suficiente para estas
monarquias assinarem tratados entre si, pois, para a execução desses
tratados, era muitas vezes necessário considerar os grupos que habitavam a
região, uma vez que as populações indígenas poderiam obstaculizar os tratos
firmados nas Cortes" In: GARCIA, op.cit, p. 217.
[27]"No final do século XVI, outras ordens religiosas receberam permissão
de juntar-se às três ordens originais, os agostinianos, os franciscanos e
os dominicanos; e os jesuítas, que fundaram sua Província Jesuítica do
Paraguai em 1607, viriam a desempenhar um papel especialmente importante na
obra missionária junto às áreas mais remotas e às regiões fronteiriças."
In: ELLIOTT, J. H. "A Espanha e a América nos Séculos XVI e XVII". In:
BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina: a América Latina
Colonial 1. Vol. 1. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão,
1997, p. 297.
[28]GARCIA, op.cit.
[29]Magnus Morner aponta a revolta instalada em Portugal de 1640 – a
restauração portuguesa – como o auge do período de crise externa entre as
duas monarquias ibéricas, caracterizado por confrontos na Europa e também
na América, acrescentando-se a isso, a guerra da Monarquia castelhana com
os Países Baixos e a invasão dos holandeses no Brasil, do mesmo período. No
caso das missões jesuíticas do Paraguai, a defesa das reduções contra os
ataques bandeirantes só passou ser um verdadeiro alvo de preocupação da
Coroa a partir do fim da União Ibérica, quando foi produzido o balanço das
perdas territoriais da Espanha. Vide: MORNER, Magnus. Actividades políticas
y económicas de los jesuitas en el rio de la Plata. Buenos Aires: Paidós,
1968, p.59.
[30]WEBER, David. Bárbaros. Los españoles y sus salvajes en la era de la
ilustración, Barcelona, Crítica, 2007.
[31]Contudo, deve-se ressaltar as dificuldades de implementação da política
régia nas Américas espanhola e portuguesa, que enfrentou profunda
resistência dos colonos, resultando num complexo sistema de negociação e em
uma relação que era em grande medida bilateral. Para o caso da América
portuguesa, veja-se: FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F e & GOUVEA, M. F (orgs.). O
Antigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, e, para o caso da
América espanhola, veja-se: GELMAN, Jorge. "La lucha por el control del
Estado: administración y élites coloniales en Hispanoamérica". In: Enrique
Tandeter (dir.). Historia General de América Latina – Procesos americanos
hacia la redefinición colonial. Madrid/Paris: Editorial Trotta/Unesco,
2007, Vol.IV. pp 251-264.
[32]A partir da segunda metade do século XVI, a Coroa passaria a tentar
limitar a posse de cativos indígenas através de uma série de Ordenações.
Com a cada vez mais aparente dizimação dos nativos, uma série de
autoridades coloniais, juristas e humanistas começariam a pensar
alternativas para a preservação dos índios, que teve grande representação
na atuação de Bartolomeu de Las Casas.
[33]CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e
Bandeirantes no Tape. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de
Obras Raras e Publicações, 1952, p. 10.
[34]Para um maior detalhamento desses fatos, vide: "Doc. XL – Carta de
retratação pelo padre Francisco Díaz Taño da desistência, imposta por
ameaças, de publicar os breves de proteção aos índios contra os moradores
de São Paulo (22/06/1640)" In: CORTESÃO, op.cit, p.329-334.
[35]Maneira pela qual os indígenas eram tratados pelos paulistas. In:
MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens
de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras. 1995.
[36]MONTEIRO, op.cit.
[37]MONTEIRO, op.cit, p.146.
[38]HAUBERT, Maxime. Índios e jesuítas no tempo das missões, séculos XVII-
XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
[39]MORNER, Magnus. Actividades políticas y económicas de los jesuitas en
el rio de la Plata. Buenos Aires: Paidós, 1968.
[40] De acordo com Regina Gadelha "a confirmação das Ordenanças por Felipe
III, em 1618, representou, sem dúvida alguma, uma grande vitória para a
Companhia. Contudo, a situação do Paraguai, dependendo direta e
exclusivamente de uma economia natural e, por isto mesmo, não podendo
substituir a mão-de-obra do índio pela do assalariado, tornaria letra morta
o cumprimento das Ordenações". In: GADELHA, Regina Maria A. F. As Missões
jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-econômicas coloniais
do Paraguai, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p.200.
[41]Alexander Marchant ressalta que há uma preocupação constante em definir
quais grupos deveriam administrar os índios, no caso, os colonos ou o
Estado colonial. Nesse contexto, os missionários surgem como uma
alternativa viável, na medida em que estivessem comprometidos em pacificar
as populações nativas e auxiliar na organização do seu governo dentro das
missões. Vide: MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão. 2 ed. São
Paulo: Nacional; [Brasília]: INL, 1980.
[42]Para a América espanhola se utiliza a ideia da redução (ou pueblo) de
índios, diferentemente da portuguesa, na qual o mesmo modelo das reduções
ficou conhecido na historiografia pelo nome de aldeia ou aldeamento. Para
entender como se estruturou a política dos aldeamentos na América
portuguesa, ver: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História
do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010; POMPA, Cristina. Religião
como tradução: missionários, Tupi e Tapuia na Brasil colonial. Bauru, SP:
Edusc, 2003.
[43]A primeira grande repartição das encomiendas no Itatim foi conduzida
pelo governador do Paraguai Juan Ramirez de Velasco no biênio de 1597-98.
Vide: RAMIREZ DE VELASCO, D.Juan - "Lista de las encomiendas de yndios
practicado por el Gral. D. Juan Ramirez de Velasco...", In: CORTESÃO,
Jaime, org. - Jesuítas e bandeirantes no Itatim.. op.cit, pp: 9-11. São os
seguintes os documentos constantes relativos às encomiendas no Itatim: I -
Doc. 66: "Encomendas de Índios na província do Tepotii e Serra do Itatim.
Assunção, (30/11/1596)"; II - Doc. 139: "Encomenda de índios no Itatim e
sobre a estrada que aí leva. Assunção, (12/2/1597)"; III - Doc. 148:
"Encomenda de índios na comarca do Itatim. Assunção, 20/02/1597)"; IV -
Doc. 315: "Encomenda de índios nas vizinhanças da cidade de Xerez.
Assunção, 17/04/1597)". In: CORTESÃO, op.cit. Sobre o regime das
encomiendas na América espanhola, vide: MORNER, Magnus. A Economia e a
Sociedade Rural da América do Sul Espanhola no período colonial. In:
BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp, 1998,
v. 2.
[44]MAEDER, J. A Ernesto. "Las misiones jesuíticas" In: TELESCA, Ignacio
(Org.). Historia del Paraguay. Assunção: Taurus, 2010.
[45]Doc. XXV – "Cópia de uma carta do governador de Tucumã para Frei
Gabriel Valencia, franciscano, mas egresso da Companhia de Jesus, pedindo
notícias sobre esta, com a respectiva resposta, contendo informes muito
particulares sobre toda a província jesuítica do Paraguai e as atividades
dos seus membros. (06/05/1657)," In: CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da
Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes no Itatim, op.cit, pp: 254-
272.
[46]Como aponta Charlotte de Castelnau-L'Estoile, as cartas ânuas serviam
para interligar o "corpo jesuítico", unindo a aparentemente dispersa
burocracia da Companhia de Jesus, num sistema que dinamiza as relações
entre seus membros integrantes, presentes nas periferias do mundo colonial
com o centro de poder da Igreja católica, Roma. Vide: CASTELNAU-L'ESTOILE,
Charlotte de. Operários de uma vinha estéril: os jesuítas e a conversão dos
índios no Brasil, 1580-1620. Bauru, SP: Edusc, 2006.
[47]CASTELNAU-L'ESTOILE, op.cit.
[48]Segundo Elman Service, existiam dois grandes tipos de organização do
trabalho no Paraguai colonial, ligados à instituição das encomiendas dentre
os nativos: os índios mitayos e as yanaconas.. Vide: SERVICE, Elman. The
Encomienda in Paraguay. The Hispanic American Historical Review 31 (2) (May
1951): 230-252.
[49]MAEDER, op.cit, p.115.
[50]Ainda que fosse um ideal perseguido pela ordem dos jesuítas, a
universalidade pretendida pelos membros da Companhia sempre foi ambígua,
uma vez que muitos deles estavam ligados aos seus estados de origem e eram
acusados constantemente de conspirarem contra os interesses do Estado
colonial.
[51]CORTESÃO, op.cit. p.04.
[52]CORTESÃO, op.cit, op.cit.
[53]MORNER, op.cit, p.51.
[54]MONTOYA, Antônio Ruiz de. Conquista Espiritual. 1a edição brasileira,
Porto Alegre, Martins Livreiro, 1985.
[55]Regina Gadelha indica a existência de cabildos dentro das reduções do
Itatim. É bastante provável que essa fosse talvez a diferença crucial
quando comparadas aos aldeamentos portugueses de índios. In: GADELHA,
op.cit. p. 265.

[56]"Este proceso de expansión misional supuso, em esa etapa, la fundación
de casi cuarenta misiones, aunque no todas alcanzaron la misma consistencia
y continuidad. De todos modos, el ciclo registro dimensiones territoriales
y demográficas estraordinarias, que pusieron de manifesto el renovado
ímpetu misional que los jesuítas incorporaron a esta región.", In: MAEDER,
op.cit, p. 117.
[57]FERRER, Diogo, "Doc. VII – Ânua do Padre Diogo Ferrer para o provincial
sobre a geografia e etnografia dos indígenas do Itatim. (21/08/1633)", In:
CORTESÃO, op.cit, p.31. (Tradução livre).
[58]FERRER, Diogo, op.cit, In: CORTESÃO, op.cit, p. 33. (Tradução livre).
[59]Os assuncenhos acusam os padres de evitarem que os índios prestem o
pagamento da encomienda, tendo os jesuítas sugerido que o mesmo fosse
trocado por gêneros alimentícios ao invés dos braços indígenas. Vide:
PUCHETA, Baltasar de. Doc . VIII – "Petição apresentada ao governador do
Paraguai pelo procurador geral de Assunção, na qual acusa os jesuítas e
suplica que os índios voltem a prestar serviço pessoal (10/05/1637)", In:
CORTESÃO, op.cit, pp:49-60.
[60]GADELHA, op.cit.

[61]NEUMANN, Eduardo, O trabalho guarani missioneiro no Rio da Prata
colonial, 1640-1750. Porto Alegre, Martins Livreiro, 1996.
[62]GADELHA, Regina Maria A. F. As Missões jesuíticas do Itatim: um estudo
das estruturas sócio-econômicas coloniais do Paraguai, séculos XVI e XVII.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 162.
[63]Conhecida como a "grande bandeira", que reuniu uma quantidade
considerável de mamelucos, portugueses e seus cativos indígenas que
correram grande parte do território dos sertões da América portuguesa,
liderados por Raposo Tavares. Essa bandeira foi a responsável pela
destruição quase total das missões no Paraguai ao longo da primeira metade
do século XVII. Vide: ELLIS, Myriam. "A presença de Raposo Tavares na
expansão paulista". Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 9, 1970,
pp.23-61; MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e bandeirantes nas
origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras. 1995.
[64]Vide: Doc. LVIII – Três memoriais: 1) capítulos provados na sumária
feita contra o governador Luis de Céspedes Xeria; 2) pontos do processo que
já existiam antes de se enviar juiz ao Paraguai; 3) informações e autos
feitos pelo governador Luis de Céspedes Xeria contra od religiosos da
Companhia (1631), In: CORTESÃO, op.cit, pp: 409-426.

[65]BOXER, Charles. A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770). Lisboa:
Edições 70, 1989, p. 85.
[66]SOUSA, Neimar Machado de. A Redução de Nuestra Señora de la Fe no
Itatim: entre a cruz e a espada. Campo Grande: UCDB, 2002, p. 73.
[67]MORNER, Magnus, op.cit, p. 51.
[68]Na realidade, a população restante da bandeira de 1629, que destruiu as
missões do Guairá, chefiada por Raposo Tavares, continuou ocupando a região
até 1632. Nesse ano, um grupo bastante significativo liderado por Ascenso
Quadros atacou a cidade de Santiago de Xerez e capturou boa parte da
população do Itatim, que foi forçada a se deslocar junto com os padres em
direção ao interior do continente. Vide: GADELHA, Regina Maria A. F. As
Missões jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-econômicas
coloniais do Paraguai, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1980, p. 241.

[69]Segundo Neimar Machado de Sousa, "normalmente, a documentação
etnográfica produzida pelos jesuítas e viajantes engloba todos os índios do
Itatim como itatines e muitas vezes como Guarani-Itatines". Essa afirmação
nos permite observar que na realidade o etnônimo 'itatins' não passava de
uma denominação genérica maior para um grupo composto por várias etnias de
índios além dos guarani. In: SOUSA, Neimar Machado de. A Redução de Nuestra
Señora de la Fe no Itatim: entre a cruz e a espada. Campo Grande: UCDB,
2002.p. 52.
[70]"De fato, na sociedade guarani, os caciques tinham ordinariamente seu
poder reduzido à proporção de seu prestígio pessoal". In: GADELHA, Regina
Maria A. F. As Missões jesuíticas do Itatim: um estudo das estruturas sócio-
econômicas coloniais do Paraguai, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1980, p. 213.
[71]"Se as encomiendas distribuídas pelo governador, nos mesmos anos, no
Guairá, não representaram ocupação efetiva do solo, mas, quando muito, a
utilização dos serviços dos índios, e a titulo precário, estas nem este
valor tiveram. Não vão além duma aspiração dos moradores." In: CORTESÃO,
Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e Bandeirantes
no Itatim. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de Obras Raras e
Publicações, 1952, p. 05.
[72]FERRER, Diogo, "Doc. VII – Ânua do Padre Diogo Ferrer para o provincial
sobre a geografia e etnografia dos indígenas do Itatim. (21/08/1633)", In:
CORTESÃO, op.cit, pp: 45-46. (Tradução livre).
[73]GARCIA, E. F. "Dimensões da liberdade indígena: missões do Paraguai,
séculos XVII-XVIII". Tempo - Vol. 19 n. 35 " Dossiê: Missões na América
Ibérica – dimensões políticas e religiosas. p. 86.
[74]John Monteiro ressalta a ambigüidade existente em torno da categoria de
índios "administrados", ao salientar duas práticas comuns do período: a
venda de índios cativos e a concessão de alforrias, que tinham por objetivo
diminuir os encargos dos colonos envolvidos enquanto administradores. Nesse
sentido, Monteiro chama a atenção para a discussão acerca da natureza da
liberdade indígena e como ela representava uma questão muito cara ao
governo colonial. Veja: MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra. Índios e
bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras.
1995. pp: 147-148.
[75]GADELHA, op.cit.
[76]CORTESÃO, op.cit.
[77]Veja-se: HAUBERT, Maxime. Índios e jesuítas no tempo das missões,
séculos XVII-XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
[78]MONTEIRO, op.cit.
[79]Os processos de etnogênese e etnificação são conceitos antropológicos
que auxiliam no entendimento das construções identitárias e ajudam a
História a pensar melhor essas sociedades indígenas, sendo conseqüência
direta dos contatos. A etnogênese representa a formação de novas
identidades indígenas a partir deles mesmos, um processo endógeno. A
etnificação seria a criação de identidades étnicas por parte do Estado, ou
seja, uma construção de fora para dentro. Nesse sentido, entende-se a
categoria "índio" dentro de um processo de etnificação, auxiliando nas
percepções acerca das políticas indigenistas e as estratégias dos próprios
índios. Para um aprofundamento maior, vide: OLIVEIRA FILHO, J. P. Uma
etnologia dos 'índios misturados'? Situação colonial, territorialização e
fluxos culturais. Mana (UFRJ. Impresso), Rio de Janeiro, v. 4, n.1, p. 47-
77,1998 ; MONTEIRO, John Manuel. "Entre o Etnocídio e a Etnogênese:
Identidades Indígenas Coloniais", in: Tempos Índios: Histórias e Narrativas
do Novo Mundo, org. John Monteiro e Carlos Fausto, Lisboa.
[80]SPALDING, Karen. "¿Quiénes son los indios?", In: ______., De indio a
campesino, Lima, Instituto de Estudios Peruanos, 1974, pp. 147-193.
[81]Uma série de obras atestam a diversidade étnica do Paraguai colonial,
onde se destacam os trabalhos da antropóloga Branislava Susnik.(1920-1996).
[82]GARCIA, op.cit, p. 84.
[83]Doc: XLIX — "Resposta que os índios de Santo Inácio deram aos padres
Joseph Cataldino e Cristoval de Mendiola, quando estes lhes comunicaram as
provisões reais em que manda aos índios das reduções não sirvam mais que
dois meses, nem sejam levados à Maracaju na estação doentia. Acompanhado de
testemunho de vários padres da Companhia. Santo Inácio, (14/08/1630)". In:
CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e
Bandeirantes no Guairá. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de
Obras Raras e Publicações, 1952, p. 354. (Tradução livre).



[84]Doc: XLIX — "Resposta que os índios de Santo Inácio deram aos padres
Joseph Cataldino e Cristoval de Mendiola, quando estes lhes comunicaram as
provisões reais em que manda aos índios das reduções não sirvam mais que
dois meses, nem sejam levados à Maracaju na estação doentia. Acompanhado de
testemunho de vários padres da Companhia. Santo Inácio, (14/08/1630)". In:
CORTESÃO, op.cit, p. 355. (Tradução livre).
[85]CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis - Jesuítas e
Bandeirantes no Itatim. Rio de Janeiro. Biblioteca Nacional - Divisão de
Obras Raras e Publicações, 1952.
[86]"Doc: XXVII – Carta do governador de Buenos Aires, D. Pedro Baigorri,
para o Rei de Espanha, em defesa da Companhia e dos índios guarani
(15/03/1659)", In: CORTESÃO, op.cit, p. 273. (tradução livre).
[87]HAUBERT, op.cit, pp: 206-207.
[88]ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p.75.
[89]WILDE, Guillermo. Religión y poder en las misiones de guaraníes. Buenos
Aires: SB, 2009, p. 57.
[90]GADELHA, op.cit, p. 275.

[91]"O princípio unificador de toda pesquisa micro-histórica é a crença em
que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados".
In: LEVI, Giovanni. "Sobre a micro-história" In: BURKE, Peter (org). A
escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.

[92]CASTRO, Hebe. "História Social". In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS,
Ronaldo. Domínios da História: ensaio de Teoria e Metodologia. Rio de
Janeiro: Campus, 1997.
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