OS INTELECTUAIS NÃO SE ENTENDEM

June 2, 2017 | Autor: F. Filho | Categoria: Literary History
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OS INTELECTUAIS NÃO SE ENTENDEM




No passado e no presente a história literária brasileira está mergulhada em
intrigas, invejas, ressentimentos, vias de fato, injustiças, indiferenças
e, em nível mais elevado de debate, em polêmicas. A começar das
incompreensões no próprio seio dos movimentos literários ou periodizações,
as dissensões se instalam com grupos novos defendendo suas propostas ou
manifestos de independência no que respeita ao estilos ou estilos
anteriores, o que, de alguma maneira, explica ou justifica a dinâmica
interna e específica do fazer literário. Não deixa de ser um jogo ancestral
entre a velha e a nova geração num período histórico considerado. 
Quem chega, deseja a desestabilização do estilo anterior, como se o novo
fosse sempre "superior" ou "melhor" do que o antigo. Nada mais longe da
verdade. O caráter de dinamismo da escrita literária fala mais alto do que
as relatividades das vanguardas. O que convém ter em mira é o sentido de
modificações que instrumentalizadas pelas realidades sociais e culturais
diferentes acompanhando o ritmo da História, sem vezos de alcances de
perfeição e formas ideais. 
Portugal e o Brasil são dois países em que a polêmica alcançou, mais
naquele do que neste, considerável fortuna crítica. Em Portugal, cujas
primeiras notícias datam da época dos trovadores e jograis, serve de ponto
alto a polêmica conhecida como "Questão Coimbrã", embate ácido entre o
Romantismo e o Realismo, dividindo, no plano intelectual, figuras
consagradas da velha geração liderada por Antônio Feliciano de Castilho
(1800-1875) apoiado pelo destemido e mordacíssimo romancista Camilo Castelo
Branco (1825-1890). Do outro oposto, representando as novas idéias os
escritores Antero de Quental (1842-1891) e Teófilo Braga (1843-1924)
procurando desqualificar o Romantismo chamado "decadente," encarnado na
produção ficcional de Camilo Castelo Branco. 
No Brasil, segundo Naief Sáfadi, a polêmica não é tema tão freqüente assim,
podendo-se asseverar que um dos seus capítulos mais conhecidos é aquele
alusivo ao poema "A Confederação dos Tamoios" (1857), de Gonçalves de
Magalhães (1811-1882) polêmica que resultou na publicação de oito cartas de
José de Alencar reunidas em Cartas sobre a Confederação dos Tamoios (1860)
escritas sob o pseudônimo de "Ig." Nelas Alencar assinala como defeito na
elaboração daquele poema a ausência de vigor poético e, além disso, refere
à precariedade de sua maneira de conceber a figura do índio, segundo ele,
artificialmente composto. Ora, o próprio Alencar foi também, por sua vez,
vítima de crítica semelhante, que lhe apontavam idealizações exageradas na
caracterização física e psicológica do indígena brasileiro. Em defesa de
Magalhães, saíram Araújo Porto Alegre (1806-1879) e o imperador D. Pedro II
(1825-1891). Defendendo Alencar esteve Pinheiro Guimarães (1832-1877) 
Outras polêmicas, na década de 1880, poder-se-iam mencionar aqui. As de
Carlos de Laet (1847-1927) com os portugueses Camilo Castelo Branco e
Castilho e outra com Valentim Magalhães (1859-1903) sobre uma questão até
sem muita relevância, a de saber (!) quem seria o melhor poeta brasileiro
Gonçalves Dias (1823-1864), Castro Alves (1847-1871) ou Luís Delfino (1834-
1910). 
Ainda naquela mesma década, houve uma destacada polêmica entre Júlio
Ribeiro (1845-1890), romancista, gramático e filólogo, famoso por sua verve
cáustica em assuntos de política (Cartas sertanejas, 1885) e o Pe. Sena
Freitas, a propósito do romance naturalista, A carne, zombeteiramente
chamado "A carniça" pelo crítico Agripino Grieco ( 1888-1973). 
Algumas outras polêmicas se tornaram suficientemente divulgadas: a de
Tobias Barreto (1839-1889), em 1883, com os padres maranhenses Joaquim
Albuquerque (1867-1934) e Casemiro da Cunha, sobre questões de clericalismo
no meio cultural brasileiro. As polêmicas de Sílvio Romero (1851-1914) com
Teófilo Braga, com José Veríssimo (1857-1916) e com o gramático Laudelino
Freire (1873-1937) 
Famosa ficou também a polêmica de Rui Barbosa (1849-1923) que manteve com o
seu ex-professor Ernesto Carneiro Ribeiro() versando sobre a redação do
Código Civil Brasileiro (1903). Em resposta às críticas de Carneiro
Ribeiro, Rui escreveu a célebre Réplica à defesa da redação do Código Civil
Brasileiro, 1904) que lhe valeu, da parte do opositor, uma Tréplica. 
Anos depois, outras polêmicas surgiram, como aquela travada entre Cassiano
Ricardo (1895-191974) e Fernando de Magalhães tendo por eixo da discussão
Cecília Meireles (1901-1964) e a Academia Brasileira de Letras. Osório
Borba e Menotti del Picchia (1892-1988) polemizaram sobre o tema da crítica
literária brasileira, Osório desanca o regionalismo e o caráter
personalista daquela crítica. 
Não podemos esquecer entre outras, as polêmicas entre o Pe.. Leonel Franca
(1893-1948) e José Oiticica(1882-1957). Em outra ocasião, Oiticica, que era
anarquista e gramático, terçou armas com o linguista e filólogo Sílvio
Elias (1913-1998). 
Finalmente, para não alongar o objetivo deste artigo, que não é o de
desenvolver em profundidade o tema da polêmica literária no país, lembraria
a polêmica acérrima entre dois críticos de grande valor, mas de diferente
tendência teórica e visão cultural : Álvaro Lins (1912-1970) e Afrânio
Coutinho(1911-2000). A raiz da polêmica situa-se a partir da publicação da
obra de Coutinho, A filosofa de Machado de Assis (1940). A natureza dessa
polêmica tem fundamentação argumentativa nos campos da estilística e da
visão crítica de autores que influenciaram a ficção machadiana. A meu ver,
a diatribe, até extrapolando para o plano pessoal, foi, primeiro, provocada
por um ensaio de Lins sobre aquela obra de Coutinho. A reação de Coutinho
foi imediata e duríssima. 
Todos esses comentários me vieram à baila após recentes leituras de duas
crônicas de Ferreira Gullar publicadas na sua coluna do Caderno Ilustrada
da Folha de São Paulo, nas quais menciona o nome de Augusto de Campos a
respeito de uma afirmação deste sobre o que pensava do escritor e poeta
modernista Oswald de Andrade (1890-1954). O fato se resume no seguinte: num
encontro de Gullar com Augusto de Campos, no Rio de Janeiro, em 1955, na
Spaghettilândia, na Cinelândia, Centro do Rio. Gullar relatou numa das
crônicas acima referidas que Augusto chamara Oswald de Andrade de
"irresponsável.", julgamento que Gullar imediatamente rechaçara. 
Augusto de Campos, em artigo recente publicado naquele mesmo jornal,
desmentiu o que Gullar escrevera a respeito do encontro, afirmando que não
houve tal encontro, mas não negou que chamara Oswald de Andrade de
"irresponsável". 
Pelo que conheço de Gullar, o que a questão levanta é não só evidência de
vaidade da parte que pretende ter sido quem julgou com acerto – o que não
foi o caso de Augusto de Campos - e de forma antecipadora um escritor de
inegável qualidade como Oswald. Ao contrário, fora Gullar quem acertara em
cheio no julgamento justo e antecipado sobre a poesia de Oswald de
Andrade. 
Quanto a saber se Augusto de Campos, numa releitura mais cuidadosa da obra
de Oswald, conseguiu que o autor de Serafim Ponte Grande (1933) fosse
reconhecido como figura de relevo na poesia brasileira, isso torna as
justificativas de Gullar bastante louváveis. 
Agora, ao trazer à discussão a questão do encontro e da opinião negativa de
Augusto para um deslocamento de assunto relacionado à dúvida sobre o valor
e importância de poemas de Gullar, a história se complica e, então, não há
como não tomar o partido de um poeta de alta expressão como Ferreira
Gullar. Daí para diante, de um lado e de outro, os entreveros só a custo
conseguem se manter em bases educadas, uma vez que a verrina da polêmica
já se instalou nos campos intelectual e pessoal, o que, no último caso,
empobrece qualquer polêmica em alto nível conduzida. É uma pena que assim
hajam chegado a tais divergências. 

NOTAS: 

1.SÁFADI, Naief. Verbete sobre "Polêmica" na literatura brasileira. In:
Dicionário de literatura (direção de Jaccinto do Prado Coelho). 3 ed., 2º
vol. L/S. Porto: Figueirinha, p. 838-839. Ver também o verbete "Polêmica"
na literatura portuguesa. PRADO COELHO, Jacinto do. Idem, ibidem, p. 837-
838. 
2. Nomes de escritores, cuja indicação de data de nascimento e morte não
aparecem neste artigo, serão incluídos posteriormente no corpo do texto
logo que devidamente localizados. A ressalva vale também para os nomes de
obras e datas de publicação.
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