Os Italianos em Moçambique na Época Portuguesa, de Augusto Massari

May 29, 2017 | Autor: J. Pimentel Teixeira | Categoria: Mozambique, Moçambique, History of Mozambique
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Os Italianos em Moçambique na Época Portuguesa, de Augusto Massari José Pimentel Teixeira Blog ma-schamba, 22.12.2010

[Augusto Massari, Os Italianos em Moçambique na Época Portuguesa (1830-1975), Maputo, Imprensa Universitária, 2005]

Livro dedicado à presença dos italianos em Moçambique, escrito por um diplomata italiano durante a sua missão no país. Interessante, informativo, ainda que a profissão se tenha imposto ao olhar. Filiado à actividade missionária católica e também ao nacionalismo (de retórica até serôdia): “[os missionários italianos] para além do seu trabalho de evangelização … permitiram às populações moçambicanas habitando as zonas mais arredadas e desconhecidas pelo homem europeu conhecer e apreciar a humanidade, a laboriosidade [sic], a inteligência e a alegria do povo italiano” (226) e “pondo em prática os grandes ideais de solidariedade e de amizade, típicos do povo italiano, perante as populações mais necessitadas” (131). Já não é tempo destas formulações! Um nacionalismo católico que lhe prejudica a compreensão da história colonial moçambicana, como neste eco anti-pombalino da historiografia portuguesa católica: “durante o período da ditadura do Marquês de Pombal, foi o seu ódio patológico contra a Companhia de Jesus…” diz o autor. “Ódio patológico”, porquê? - que o autor até entende como prejudicial para o “controlo português da África Oriental” pois que devido a isso se teria então restringido a “poucos senhores dos prazos, que no vale do Zambeze, conseguiram manter uma certa

influência portuguesa” (8 ) [de referir a inconsistência de apresentar Pombal como no poder durante a segunda década de XVIII (7-8), o que talvez seja apenas um erro de revisão]. Parece óbvio o exagero da influência eclesiástica (e jesuítica) bem como a incompreensão da sociopolítica dos “Prazos” e das realidades políticas em Moçambique, algo que até transparece na forma como escorrega na questão das terminologias administrativas portuguesas e dela retira, para o longo período XVI-meados XIX que “os portugueses tinham o controlo de pouco mais de 30% do actual território moçambicano” (10), um exagerado exagero. Ainda de notar a incompreensão (ou nacionalista tentativa de ilegitimação) do projecto colonial europeu em Portugal, ao invectivar a I república portuguesa por “o partido republicano, paradoxalmente, que fará do imperialismo um dos seus cavalos de batalha, consolidando o sentimento de afeição e de vínculo à vocação colonial da nação portuguesa” (18). Paradoxalmente porquê? Enfim, características “amadoras” da obra, somadas ao facto de indiscutir a identidade “italiana” ao longo da história. Mas que não lhe tiram o interesse ainda que exijam alguma distância na leitura. Em particular face à sua deriva nacionalista, desnecessária, a que nem o pequeno prefácio da historiadora Anna Maria Gentili está imune. Mas não é para discutir a história geral de Moçambique que se avança para um livro destes, sim para fruir o que há para saber sobre a presença de italianos aqui (ainda que, repito, a própria ideia de "italianos" seja indiscutida no livro). E para esse objectivo é muito interessante: O livro organiza-se cronologicamente. Começa por breve abordagem a alguns passantes de XVI, e que deixaram registo escrito: Lodovico de Varthem que aportou a Ilha de Moçambique e Sofala na primeira década e publicou em 1510 um “Itinerário”, reeditado em 1885 (citado em 2728); Andrea Corsali, que aportou na Ilha em 1515 (citado em 28-29). São breves incursões, como se curiosidades, em relatos típicos da época.

[João Albasini, comerciante e caçador, diplomata e autoridade política.]

Depois são abordados os percursos de duas famílias ainda presentes na paisagem moçambicana, os “pioneiros” como lhe chama o autor. Os Fornasini e os Albasini, oriundas de indivíduos que chegaram cerca de 1830, e que durante várias gerações tiveram membros com relevo, e com interessantes percursos. a) Carlos António Fornasini (1805-1868), bolonhês chegado em 1830 à Ilha, e depois instalado em Inhambane, naturalizado português em 1840. Ali foi importante comerciante e político influente, além de naturalista, tendo feito estudos de botânica e de história natural – há eco do seu encontro com o naturalista alemão responsável pelo museu zoológico de Berlim, Wilhelm Karl Hartwich Peters. Enviou para a universidade de Bolonha exemplares de flora, algas conchas, fósseis e fauna típica, para além de correspondência com os professores. Esses exemplares estão no Instituto de Zoologia da Universidade de Bolonha, e outra parte no museu de história natural de Trieste]. Foi também político (chegou a presidente da Câmara, tendo-se anteriormente naturalizado português em 1840). Casa com viúva Gonçalves Damas – de quem teve cinco filhos - e outra viúva Albertina Santos Pinto. Viaja frequentemente por Moçambique, indo várias vezes à Ilha e também à India. Ele será pai de João António (1842) e de Paulino António (1853), sendo este pai de Tomás António (1895) do qual descendem os actuais membros da vasta família laurentina. João António Fornasini, mulato, que chegará a ser governador, capitão-mor até meados de 1890s, do distrito de Inhambane, militar de carreira, e que nesse posto substituiu José Loforte (também italiano?) que o fora durante vinte anos. No seu domínio o controle português desse distrito restringia-se a uma zona a 80 kms norte de Inhambane e 120 a oeste e 150 a sudoeste, sob constantes guerras (Massari, 42). Ainda que exonerado chegou a General. Em Inhambane fez o palácio Fornasini. Paulino António com quatro filhos de duas mulheres. Empresário comercial e mercantil em LM, até sócio da Bryner and Wirth, uma das mais importantes casas comerciais de então, com actividade política variada até chegando a vereador de LM. Morreu em Londres. b) Albasinis: António (pai) e João (filho) chegados em 1831, vindo de Portugal. João Albasini (nascido em Lisboa, 1812 – morto em 1888). À época Lourenço Marques era “constituído por duas casas de construção europeia, setenta de madeira, quarenta de pedra e argila e muitas palhotas” (45). Vieram ao serviço da Companhia Comercial de Lourenço Marques e Inhambane (inspector e contabilista), dedicados ao comércio de marfim. Foram para Marracuene, subiram o Incomati da foz até Taninga (onde o marfim chegava de Magude e Gaza) e ali acamparam. António Albasini voltou a Lisboa em 1834 e o filho ficou, tornado caçador de elefantes, e articulou com a população local. Ali casou e teve dois filhos, um deles (Francisco João) casou com uma filha do régulo Maxaquene, e teve quatro filhos. Depois segue (após 1844) para a República do Transvaal, instalando-

se na margem do Save, em Mgomenye. Aíli casou com uma boer (9 filhos) e instalou-se como comerciante, sendo foi vice-cônsul de Portugal na República do Transvaal desde 1859. Foi feito chefe tradicional, tal como seu filho e seu neto. Os seus netos (João Francisco e José Albasini) foram conhecidos no início de XX, o primeiro como funcionário dos caminhos-de-ferro e o segundo despachante. Fundaram “O Africano” (1909) com apoio da maçonaria, órgão de informação do Grémio Africano, agregando assimilados. João Francisco tornou-se importante, também pela influência que o seu nome tinha no seio dos africanos. Em 1918 criaram o “Brado Africano”. Neste âmbito Massari refere até que João António Fornasini, mulato que chegou a governador interino do distrito de Inhambane e seu capitão-mor (décadas de 80 e 90 de XIX), teria sucedido a José Loforte, também ele de origem italiana, e também ele fonte de uma reconhecida e alargada família local – mas não adianta mais dados, para essa “italianização” das famílias históricas da sociedade crioula moçambicana. O livro debruça-se apenas sobre estas figuras mais relevantes dessas famílias, ainda hoje bem conhecidas na sociedade moçambicana. Mas pode dar material para uma abordagem histórica mais ampla sobre esses núcleos.

[Hotel Cardoso, década de 1920]

Um terceiro período do livro abrange o processo de formação urbana, com a corrida aos minérios preciosos na África do Sul e Rodésia do Sul, com a construção dos caminhos-de-ferro LMPretória e Beira-Salisbury, implicando a chegada de operários especializados e de pequenos comerciantes, alguns dos quais se fixaram, principalmente na capital (onde o primeiro consulado italiano se firmou em 1905, demonstrando o crescimento estável dessa comunidade). E logo

depois com o sucesso de alguns comerciantes e industriais que marcam a paisagem urbana e social da cidade: Giuseppe Cavallari, fundador da “A Nacional” a primeira marca de cerveja moçambicana, que resultaria na fábrica Jolanda. Os Sorgentini que ficarão e desenvolverão o Hotel Cardoso. Os Buffa-Buccellato que construirão a primeira pista de patinagem e o Varietà. E na Beira o Hotel Savoy de José de Martini e o Cosmopolitan Hotel de Pedro Tognoli. E a “Branca das Mãos de Ouro”, Branca Berg, das primeiras europeias residentes na então Lourenço Marques, mulher do espectáculo, cantora, empresária hoteleira, jogadora, muito provavelmente prostituta de elite - um historial, de que há memória histórica, e que se impõe de imediato como personagem para futuras ficções, literárias ou cinematográficas.

[Anúncio fábrica "Jolanda" (1914) que virá a produzir "A Nacional", 1ª cerveja moçambicana]

Um quarto período, de tentativa de implantação de interesses italianos (lombardos) no norte do país, em Cabo Delgado e fundamentalmente no Niassa, vocacionados para a agricultura, e com apoios económicos e políticos de Itália, que terão soçobrado com a crise de 1929. Tratava-se de um projecto pouco sistematizado mas de evidentes contornos políticos intentando a expansão

italiana (a imagem da capa do livro é a da reprodução de um jornal italiano que refere a "colónia italiana em terras de África"), desenvolvido em articulação com os missionários italianos que haviam chegado ao Niassa em 1925.

[Mandimba, 1926, missonários italianos na 1ª igreja católica no Niassa]

Massari, narra risonhamente, que os missionários da Consolata, foram recebidos no porto da Beira por uma orquestra cujo maestro local, italiano, fez tocar o hino da juventude do partido governamental, de Mussolini. Esta missionação do Niassa – seguida pela presença de missões capuchinhas, dehonistas e comonianas, chegadas após a II Guerra Mundial – tendo sido um objectivo explícito do clero italiano e, talvez, do poder italiano, chocou com o nacionalismo do clero e administração portuguesa, o que permite um entendimento algo mais trabalhado sobre as relações entre missões católicas e Estado português de então. É talvez o ponto mais interessante

do livro, esta abordagem aos processos estratégicos da missão da Consolata em penetrar no Niassa, articulados (mesmo que de forma algo fluída) com os interesses agrários e políticos de sectores italianos pró-coloniais e agrários. Isto durante a década de 20, aquando do espírito colonial italiano virado para a África Oriental. E enfrentados com profunda desconfiança por clero e administração portuguesa, o que permite um entendimento algo mais trabalhado sobre as relações entre missões católicas e Estado português de então.

[Tulio Cianetti, ex-ministro de Mussolini, dono da Sociedade Industrial do Maputo, recebe homenagem em Bela Vista]

O período seguinte abordado no livro é dedicado aos efeitos da II Guerra Mundial. O refúgio no porto de Lourenço Marques do navio Gerusalemme, ali fundeado com a sua tripulação durante 3 anos e meio, e o afundamento do navio britânico Nova Scotia ao largo da costa e cujos sobreviventes foram transportados para Moçambique, aqui tendo ficado por anos, em ambos os casos implicando alguns processos de integração, episódica ou perene. Para além desses episódios marítimos (também muito propícios a narrativas) dois elementos surgem no pósguerra. A presença de alguns refugiados italianos, oriundos do regime derrubado, associados a uma alguma disponibilidade de capital e estatuto social e facilmente integrados no âmbito do Estado Novo. E a chegada das novas missões católicas, capuchinhas, dehonistas e comonianas, que viriam a marcar a paisagem cultural e até política da colónia e do futuro país. Como o veio a fazer este futuramente célebre padre Prosperini (falecido em 2004) depois de fundar a União Geral das Cooperativas. Condignamente homenageado no final do livro.

[Prosperino de Montescaglioso, em Morrumbala]

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