Os jogos digitais e a aprendizagem nos idosos: desafios e recomendações

June 7, 2017 | Autor: Ana Veloso | Categoria: Jogos Digitais, Jogos Digitais na educação, Idosos, Envelhecimento
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15 OS JOGOS DIGITAIS E A APRENDIZAGEM NOS IDOSOS1 Ana Isabel Veloso Liliana Costa Introdução

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Atualmente, assiste-se a uma enorme crise demográfica. Segundo as Nações Unidas (2002; 2013), a população mundial envelhece em ritmo acelerado. Prevê-se que o envelhecimento demográfico se agrave ainda mais, nos países desenvolvidos, até 2050. Esse fenômeno está associado a mudanças na sociedade, nomeadamente, ao aumento da expectativa média de vida, à diminuição dos índices de mortalidade, à diminuição das taxas de natalidade e fecundidade, à emancipação da mulher no trabalho, entre outras. A essa realidade, acresce-se o fato de que as dificuldades de mobilidade e, por consequência, também de comunicação que podem afetar as atividades sociais emergem em idade mais avançada. Desse modo, urge adequar as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) às mudanças do envelhecimento, uma vez que estas poderão assumir um papel preponderante ao conectar diferentes pessoas com vários interesses e estilos de aprendizagem, independentemente da sua localização geográfica ou do seu limite temporal. As TICs podem proporcionar ainda experiências positivas como a redução de sentimentos de solidão, depressão e, por sua vez, reforçar o apoio social e a qualidade de vida entre os indivíduos (Pires 2008). No que concerne aos jogos digitais, vários estudos (Nouchi et al. 2012; Pires 2008) têm se debruçado sobre o efeito da sua utilização nas funções cognitivas do idoso. Porém, há ainda uma ausência de informação sobre a integração dos jogos como estratégia de aprendizagem e suas implicações nesse processo. Para além disso, as estratégias de aprendizagem a serem adotadas nos jogos são, ainda, mais relevantes no que diz respeito ao idoso, em virtude dos inúmeros fatores decorrentes do processo de envelhecimento e de alguns estereótipos enraizados na sociedade relativamente à (in)capacidade de aprender novas matérias em idade mais avançada. Diante do exposto, este capítulo apresenta um conjunto de recomendações para o design de interfaces e estratégias de aprendizagem a ser aplicado ao desenvolvimento de jogos digitais para os idosos.

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Os jogos digitais para um envelhecimento ativo

Nos últimos anos, o setor de entretenimento tem alargado o mercado no que diz respeito a novos públicos-alvo de jogos digitais. O número de jogadores de mais de 50 anos tem aumentado ao longo do tempo (Costa 2013; Pearce 2008; Quandt, Grueninger e Wimmer 2009), pois a indústria dos videojogos (Nintendo, cfe. Nouchi et al. 2012) começa a responder às motivações e a algumas especificidades no modo de interação para esse público-alvo. Os jogos acabam por ser o reflexo do jogador, já que promovem a transição para o mundo exterior e conferem expectativas das relações sociais para o cenário virtual                                                                                                                

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O projeto SEDUCE (Utilização da comunicação e da informação mediada tecnologicamente em ecologias Web pelo cidadão sénior – www.seduce.pt) foi financiado por FCT (PTDC/CCICOM/111711/2009) e Compete (FCOMP-01-0124-FEDER-014337) de Lisboa.

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(Salen e Zimmerman 2003). Considerando que a sabedoria e a experiência fazem parte da integridade do ego na idade adulta (Erikson apud Aiken, 1998), os jogos digitais devem promover atividades que reforcem a integridade nas diferentes fases do desenvolvimento psicossocial propostas por Erikson. Ou seja, se na maturidade, a partir dos 60 anos, há uma retrospecção do passado vivido, então, sugere-se que os jogos fomentem os temas de memória, narrativa e partilha de experiências. Essa teoria corrobora o modelo de atribuição de significado ao jogo por parte do idoso em que os jogos devem apresentar: a) propósito/valores; b) benefícios culturais ou educacionais (crescimento pessoal); e c) contribuição para a sociedade (De Schutter e Vanden Abeele 2008). Os jogos digitais tendem, ainda, a assumir fins terapêuticos (cognitivos, físicos, psicológicos, entre outros), ajudando a aliviar a dor e proporcionando uma sensação de bem-estar, prazer e produtividade (Allaire et al. 2013; Loureiro et al. 2010; Tanaka et al. 2012; Wiemeyer e Kliem 2012; Whitlock, Mclaughlin e Allaire 2012). Para além disso, os jogos apresentam grande potencial para transmitir e atribuir significado a experiências de aprendizagem ativa, bem como estabelecer a conexão entre regras, sistemas de recompensa e ação com boas práticas (p. ex., voluntariado numa comunidade, participação nas decisões econômicas, políticas e sociais). Previamente ao trabalho de campo junto com o público-alvo, foi necessário compreender, a priori, alguns conceitos, como: a) os efeitos do envelhecimento e o design de jogos digitais; e b) as relações de aprendizagem e os jogos digitais. Os efeitos do envelhecimento e o design de jogos digitais

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As perspectivas em relação ao envelhecimento se modificaram ao longo do tempo. De acordo com Roebuck (1979), durante o século XIX, o envelhecimento apresentava um critério essencialmente funcional. Como consequência, determinava-se por idoso quem fosse frágil, física ou mentalmente incapacitado, sem autonomia suficiente e que apresentasse modificações na aparência. Hoje, sabe-se que o envelhecimento resulta de fatores biológicos/fisiológicos, bem como de fatores psicossociais e socioeconômicos (Aiken 1995; Costa 2013; Ferreira 2013; Paúl e Fonseca 2005; Veloso 2014). Apesar de o processo de envelhecimento estar fortemente ligado às características individuais de cada um, há mudanças que ocorrem em nível biológico e psicossocial que são comuns e incontornáveis, como: a) o declínio físico, pela perda de acuidade dos órgãos sensoriais e de funções do organismo; b) perda de massa muscular e densidade óssea; c) fadiga; d) transformações na aparência (perda do material proteico da pele, deterioração e enfraquecimento da estrutura capilar, alteração da estatura e curvatura do corpo); e) diminuição do tamanho da pupila, da quantidade de luz que entra na retina e da sensibilidade ocular (redução da visão periférica e noturna e da diferenciação da cor) (Paúl e Fonseca 2005; Vaz-Serra 2006). De um modo geral, essas vulnerabilidades determinam a adequabilidade dos dispositivos tecnológicos à interação e ao conteúdo veiculado. Algumas mudanças que influenciam a concepção e o design de jogos digitais são: • O endurecimento do cristalino, que gera dificuldades para focar objetos pequenos e “vista cansada” (Paúl e Fonseca 2005; Fisk et al. 2009). Portanto, os elementos de jogo devem ter uma dimensão mínima, equilíbrio de cor e iluminação, ajustes da

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profundidade de campo em relação à câmera e posicionamento dos objetos no centro em vez das laterais da tela. • A redução da acuidade auditiva, que afeta a capacidade de executar tarefas em simultâneo e a memória de curto prazo. Essas mudanças acabam por determinar a tipologia de jogo e os desafios a serem incluídos, bem como a separação entre música ambiente e voz-off e identificação dos personagens (Anguera et al. 2013; Dye, Green e Bavelier 2009; Spence e Feng 2010; Barlet e Spohn 2012; Costa 2013). • A redução do campo lexical e semântico, que é afetado a partir dos 70 anos (Helfer e Freyman 2008), demandando regras e narrativa de jogo que atendam a mudanças na linguagem. • A diminuição do número de células nervosas, que apresenta impactos diretos na energia e na força do corpo, na flexibilidade das articulações e nos movimentos. Desse modo, os jogos digitais devem ser ajustados à falta de precisão e ao incremento dos níveis de ansiedade perante a novidade (Barlet e Spohn 2012; Costa 2013).

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Tabela 1. Síntese dos efeitos do envelhecimento e sua influência no design de jogos digitais. Efeitos

Visão

– Dificuldade na adaptação a diferenças de iluminação e maior sensibilidade ao brilho. – Redução da visão periférica e de foco.

Audição

– Perda auditiva periférica e dificuldade de perceber sons distorcidos por ruído.

Tato

– Diminuição da sensibilidade do tato a vibração e temperatura. – Movimentos menos precisos e mais lentos.

Influência no design de jogos digitais – Repetição de desafios ou tarefas e invocação de conhecimento apreendido anteriormente, a fim de estimular a memória e aprendizagem. – Design de espaços virtuais que estimulem o reconhecimento de objetos e a memória espacial. – Estímulo da capacidade de atenção e de resolução de tarefas por meio dos jogos. – Estímulo da leitura, compreensão e soletração por meio da narrativa e da descrição dos elementos do cenário. – Estímulo da capacidade numérica em exercícios de lógica e de cálculo. – Balanceamento dos níveis de brilho e de cor dos cenários de jogo. – Imposição de um tamanho mínimo para os objetos de jogo. – Ajuste do campo de visão da câmera e da quantidade de luz nos diferentes cenários (a fim de serem consistentes). – Incorporação de legendas. – Separação do ruído ambiente do discurso da personagem. – Identificação da fonte de som. – O fator velocidade/tempo não deve condicionar a performance em jogo nem ser elemento distintivo para obter pontuação. – Possibilidade de interagir com o jogo através de vários comandos e dispositivos.

Suporte social (em alguns casos)

– Diminuição de algumas redes de amizade e de suporte social.

– Promoção de relações sociais, da sensação de comunidade e pertença, ao introduzir componentes sociais no jogo.

Cognitivos

Memória

Atenção

– Perda da memória de curto prazo, longo prazo e da memória implícita. – Declínio da atenção seletiva e dividida. – Dificuldade na compreensão e produção de discurso. – Declínio na capacidade numérica.

Sociais

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Físicos

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Linguagem e raciocínio

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Fonte: Adaptada de Costa 2013 e Veloso e Costa 2014.

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Relativamente aos aspetos psicossociais, o idoso é, geralmente, apresentado como um indivíduo socialmente isolado e afastado da comunidade, então, o contato com sistemas interativos nos espaços domésticos e privados deve promover a sua integração na comunidade e a aproximação com familiares e amigos. Assim, a estimulação intelectual e as relações sociais gratificantes podem exercer um benefício real no combate aos sintomas biológicos e psicológicos do envelhecimento (Costa 2013). A Tabela 1 apresenta uma síntese dos diferentes efeitos do envelhecimento e sua influência no design de jogos digitais. Como se pode constatar na análise da tabela, são vários os efeitos do envelhecimento que um designer de jogos digitais deve considerar para torná-los acessíveis a um público mais vasto, mesmo considerando que o processo de envelhecimento é individual, que varia de pessoa para pessoa. O contexto do jogador é o fator mais determinante quando se desenvolvem os componentes de um jogo. As relações de aprendizagem e os jogos digitais

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Ao longo do tempo, o processo de aprendizagem tem despertado o interesse da comunidade científica. Se recuarmos até o ano de 1600, às teorias da tábua rasa, propostas por Lock, e as compararmos com os avanços nas teorias comportamentais (p. ex., experiências de Lorenz com comportamentos inatos) (Gee 2010), na neurociência (p. ex., neuroplasticidade), na psicologia cognitiva e na educação, verifica-se que a aprendizagem é não só um conceito abrangente como também multidisciplinar. Boyd e Apps, entre outros autores (citados em Knowles, Holton e Swanson 2005), definem aprendizagem como um ato ou processo no qual são adquiridas mudanças no comportamento, competências e atitudes. Relativamente à aprendizagem de adultos, novas disciplinas têm surgido: a andragogia (aprendizagem em adultos), a geragogia ou gerontagogia (aprendizagem em idosos) (Findsen e Formosa 2011; Lemieux e Martinez 2000). Esses estudos têm como base o estudo de Knowles, Holton e Swanson, que introduz, nos anos 1970, o conceito de andragogia: um “conjunto de princípios da aprendizagem para adultos que quando aplicados permitem a construção de processos de aprendizagem eficazes” (2005, p. 2). Os seis princípios são: 1) correspondência do conteúdo às necessidades de aprendizagem (saber a priori “o quê”, “por que” e “como”); 2) atenção ao autoconceito do formando (fomentar a autonomia e a autodireção); 3) atenção à experiência prévia do formando (modelo mental, experiência); 4) direcionamento da aprendizagem para problemas concretos e relacionados ao cotidiano; 5) orientação da aprendizagem para problemas e atenção ao contexto do formando; 6) resposta às motivações dos formandos para a aprendizagem (valores intrínsecos e recompensa pessoal). Apesar de existir um conjunto de princípios que se estende aos adultos, para tornar a aprendizagem mais eficaz, é interessante mencionar que o processo de aprendizagem não é homogêneo e diferentes estilos de aprendizagem devem ser considerados. Os jogos baseados na aprendizagem podem facilitar a personalização do modo e do ritmo de aprendizagem, bem como atender ao contexto de cada indivíduo, diluindo os constrangimentos geográficos e temporais. Segundo Prensky (2001, p. 145), os jogos baseados na aprendizagem consistem “num casamento de conteúdo educacional e jogos”. Eles se diferenciam de: a) outros jogos, pelo nível de aprendizagem que integram; b) outras plataformas de aprendizagem, pela diversão e pela interatividade. Em What makes things fun to learn? [O que torna as coisas divertidas de aprender?], o autor Malone (1980) defende que os elementos principais que motivam a

aprendizagem são desafio, curiosidade e fantasia. Porém, o feedback também é um elemento crucial para motivar a aprendizagem, uma vez que é indicativo de progresso e pode determinar a repetição ou não de determinada ação. Na próxima seção, apresentase o processo de concepção e desenvolvimento da área de jogos da comunidade miOne, bem como a interligação das decisões de design com os princípios de aprendizagem em adultos, apresentados por Knowles, Holton e Swanson (2005). Investigação empírica para a concepção e o desenvolvimento da área de jogos da comunidade online miOne

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Método Este estudo segue uma abordagem qualitativa de investigação-ação, método em espiral, com um ciclo de etapas – planejamento, ação e avaliação – em que os participantes são envolvidos. O método foi adotado na concepção e no desenvolvimento da área de jogos da comunidade online miOne, considerando o contexto e os modos de interação do idoso com as diferentes tipologias de jogos (Gray 2009).

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Participantes

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O estudo envolveu dois grupos: 1) GA – um grupo de nove idosos envolvidos na concepção e no desenvolvimento da área de jogos, com idade entre 70 e 89 anos (M = 80; SD = 6,66), que frequentam as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS2), parceiras do projeto Seduce; 2) GB – um grupo de dez idosos envolvidos na avaliação da área de jogos, com idade entre 61 e 80 anos (M = 69,5; SD = 5,4), que pertencem à Universidade de Apoio à Terceira Idade (Uati), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb3). Todos os participantes aceitaram participar da investigação, assinando o protocolo de consentimento informado. Ambos os grupos têm atividades semanais de utilização das TICs em contexto de sala de aula. No GA, essas atividades integram sessões de jogos de computador, com Wii e Kinect. Apesar de apresentar comportamentos informacionais diferentes (no domínio da avaliação, seleção e atribuição de significado à informação em diferentes contextos) em relação ao GA, o GB inicia a utilização das TICs e o contato com os jogos digitais. Essas diferenças parecem não ter impacto nos resultados obtidos, dado que o desafio esteve na concepção da interface e todo o processo foi testado iterativamente com o GA. A maior aptidão instrumental do GB para avaliar e selecionar informação permitiu verificar se os mesmos artefatos teriam uma boa aceitação por utilizadores em outro contexto, mas que partilhassem os mesmos efeitos e dificuldades do envelhecimento e as mesmas condições de utilização das TICs. Concepção da área de jogos da comunidade miOne

Na concepção da área de jogos da comunidade miOne, conduziu-se a priori um conjunto de sessões de jogos, com três objetivos: a) estimular os idosos para os                                                                                                                

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Um agradecimento especial às IPSS parceiras do projeto Seduce (www.seduce.pt), pela disponibilidade e recepção permitindo uma verdadeira troca de saberes e valores. 3 Um agradecimento muito especial também, à Uneb (Brasil) na pessoa da professora doutora Lynn Alves, pelo apoio incondicional e acolhimento no grupo Comunidades Virtuais, e à coordenadora da Uati, Sônia Bamberg, e a toda a equipe integrada.

diferentes tipos de jogos digitais existentes; b) compreender as dificuldades de interação com os jogos ao longo do tempo; c) familiarizar os idosos com os conceitos de avatar, narrativa, objetivos de jogo e ambientes virtuais. Em cada sessão, foram realizados diferentes exercícios com jogos digitais e os dados foram recolhidos em um roteiro de observação e numa entrevista com um guia semiestruturado. Essas sessões tiveram a duração de 90 minutos e foram concretizadas in loco nas IPSS parceiras do projeto Seduce. Processo de seleção dos jogos utilizados nas sessões iniciais com o GA

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Durante as sessões, o GA testou jogos que estimulam atenção e percepção (Sopa de Letras ou Caça-palavras e “Jogo das Diferenças”), raciocínio lógico (Sudoku) e memória (Jogo da Memória); jogos de entretenimento (Angry Birds, Space Invaders, Super Mario) e jogos com componente social ( “Quatro em Linha”). De modo geral, verificou-se uma preferência dos participantes pelos jogos de desafio cognitivo em relação aos restantes, assim, os jogos de memória e atenção eram os prediletos. Essas observações corroboram o estudo de Costa (2013), relativamente aos hábitos e ao contexto de jogo de 245 jogadores com idade igual ou superior a 50 anos, pois nesse estudo os participantes associam: a) jogos de memória à atenção, à memória e à linguagem (leitura e escrita); b) jogos de estratégia à resolução de problemas e organização; c) as aventuras gráficas à resolução de problemas, à memória espacial e temporal e ao cálculo. Os jogos selecionados correspondem a diferentes desafios cognitivos da preferência deste público-alvo. No entanto, pelo facto dos jogos não atenderem ao contexto e especificidades do processo de envelhecimento (ex. Limite de tempo, complexidade no domínio dos dispositivos, ausência de uma narrativa), é necessário a adaptação dos mesmos para o público sénior. Prototipagem e avaliação dos jogos da comunidade miOne

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Com base nas observações do momento de interação das diferentes tipologias de jogo, desenvolveu-se a área de jogos da comunidade miOne (Figura 1), que apresenta três jogos de estímulo cognitivo, um jogo de tabuleiro multiplayer e um jogo de interação gestual – o Jogo da Malha.

Figura 1. Interface de entrada de jogos da comunidade miOne.

O Jogo da Malha foi realizado numa investigação anterior e publicado noutros contextos (Terra e Veloso 2014; Veloso 2014; Veloso e Costa 2014). Os outros jogos foram desenvolvidos em HTML DOM, CSS e Javascript. Destaca-se que, apesar de os

jogos apresentarem diferentes identidades visuais, as estratégias de apoio ao usuário são transversais a todos eles, nomeadamente, as opções de ver regras, pausar jogo, obter ajuda, mudar de nível e sair. Em relação à avaliação dos jogos, esta foi feita com o GB, por meio da monitorização direta da atividade, de questionário e de observação participante. “Sopa de Letras” ou “Caça-palavras”

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O jogo “Sopa de Letras” ou “Caça-palavras” tem grande potencial para treinar a atenção, a memória espacial, a percepção e a identificação de palavras. De fato, cada letra é identificada e examinada em detalhe antes de se verificar qualquer padrão e decidir se é ou não alvo de procura (Rayner e Fisher 1987). O ambiente do jogo assume o padrão de jornal como fundo e o desafio abrange as temáticas: nomes de rios portugueses, distritos portugueses, países e frutas (sugeridas pelo GA). As temáticas são geradas aleatoriamente. No momento de avaliação do jogo, 80% (N = 8) do GB afirmaram: compreender, na totalidade, as regras de jogo; considerar que os elementos do jogo e a quantidade de informação estavam adequados ao contexto e à tela; recomendar o jogo a um amigo, porque é fácil de jogar e promove grande satisfação. Relativamente aos pontos fortes e fracos do jogo “Sopa de Letras” ou “Caça-palavras”, as respostas foram unânimes (p. ex., “Gostei muito. Vou para casa jogar”). Só dois participantes manifestaram opiniões diferentes, mas diretamente relacionadas com sua preferência pessoal (p. ex.: “Não gosto de jogos, mas este é interessante”; “Prefiro palavras cruzadas”) (Veloso e Costa 2014). Jogo da Memória

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O Jogo da Memória é um jogo que os idosos do GA jogam frequentemente, porque consideram que exercitar a memória é importante nas suas vidas. No design desse jogo, optou-se pela utilização da madeira como textura de fundo, a fim de promover a proximidade com o contexto tradicional – “jogar as cartas na mesa”. O número de cartas depende do nível de jogo. O acesso aos níveis é sequencial e depende de o nível anterior ter sido completado. Os vários níveis têm como temática as dinastias de Portugal. Cada nível termina com mensagens de reis e rainhas, congratulando o jogador e convidando-o a jogar o próximo nível. Segundo o GB, o jogo se apresenta acessível em termos de clareza, tema e adequação de informação, elementos e ambiente do jogo (90% do GB, N = 9, compreenderam, na totalidade, o jogo e o mecanismo de interação). No entanto, a maior parte dos participantes não compreendeu o mecanismo de bloqueio de níveis, então, falta legendar esses elementos de jogo. Relativamente aos pontos fortes e fracos, as respostas foram unânimes em reconhecer que esse jogo estimula a memória, promove o desafio e que a inclusão das dicas parece ter sido uma boa opção. Um dos idosos destacou, em relação às dicas: “Apesar de serem uma boa ideia, não usei”. O GB considera como aspectos piores o fato de o jogo ser “viciante” e ter “muitos cliques” (Veloso e Costa 2014). Sudoku O Sudoku é benéfico no reforço do processo cognitivo de resolução de problemas, atenção e memória de curto prazo. No design da interface, optou-se por

utilizar papel antigo e bambu como cenário, para criar o ambiente do enigma japonês. Os níveis de jogo estão diretamente relacionados ao grau de dificuldade do Sudoku e a progressão de nível depende do sucesso no nível anterior. Na avaliação do Sudoku, o GB considerou que é muito claro na indicação das regras, adequado nos elementos de jogo e na quantidade de informação. Verificou-se, ainda, que os idosos (N = 5, 50%) que já jogavam o Sudoku em papel apresentaram índices de satisfação muito elevados relativamente ao resto do grupo (Veloso e Costa 2014). “Quatro em Linha”

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O jogo “Quatro em Linha” apresenta a particularidade de promover interações sociais entre os membros da comunidade. Assim, a interface de entrada na área desse jogo mostra, primeiro, a descrição do jogo e, depois, se o jogador escolher por jogar sozinho ou com um amigo, aparece a opção de convidar jogadores da lista de amigos. Os usuários convidados são notificados sobre o jogo e podem aceitar ou ignorar o convite antes do jogo ser iniciado. O feedback para o jogador vencedor mostra quatro estrelas brancas no centro das peças da cor do respectivo jogador. No momento de avaliação, verificou-se que não havia grande familiaridade com o jogo “Quatro em Linha” no Brasil, pois os níveis de satisfação total se situaram num valor médio. Como desenvolvimentos futuros, pretende-se introduzir um tutorial e melhorar a inteligência artificial na versão de jogador versus computador. Recomendações sobre princípios de aprendizagem aplicados ao design de jogos digitais para promover um envelhecimento ativo

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Esta seção sumariza as decisões de interface e as opções de aprendizagem adotadas no envolvimento dos idosos na identificação de problemas, nas condições de sua experiência de jogo com as interfaces existentes e as relaciona com os princípios da aprendizagem em adultos apresentados por Knowles, Holton e Swanson (2005). A Tabela 2 apresenta uma síntese dos problemas identificados, as respostas aos problemas identificados na área de jogos da comunidade miOne e as opções escolhidas para o design da interface. Tabela 2. Síntese dos efeitos do envelhecimento e sua influência no design de jogos digitais. As principais questões identificadas nos jogos existentes são: a) problemas de interação (clique e arraste do cursor para identificar a palavra); b) ausência de mecanismos de ajuda; c) falta de

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Jogo

“Sopa de letras” ou “Caçapalavras”

O jogo da comunidade miOne apresenta:

Importância das opções de design para a aprendizagem

a) interação com o clique na primeira e na última letra da palavra; b) menu de ajuda e dicas; c) destaque nas palavras assinaladas por meio de forma e cor com elevado contraste (preto sobre

> Definir estratégias de interação alternativas a movimentos complexos e de demasiada precisão (Princípios: atender à experiência prévia do formando; orientar a aprendizagem para problemas e atender ao contexto do formando). >As regras devem ser claramente definidas e estar sempre presentes com

a) monitorização do tempo e identificação do número de tentativas; b) ausência de mecanismos de ajuda; c) falta de feedback imediato.

a) substituição de indicadores de controle (p. ex., tempo) por indicadores de atividade/progresso (p. ex., pontuação, bônus, recorde pessoal e ranking); b) integração do menu ajuda, dicas, feedback em tempo real no momento de cada iteração. a) identificação dos jogadores por nome, fotografia, peça e situação no jogo – número de vitórias, empates e derrotas; b) identificação de quem é a vez de jogar; c) interação com o teclado ou mouse.

mecanismos de ajuda ao utilizador (princípio: corresponder o conteúdo às necessidades de aprendizagem). > Definir estratégias de recompensa dos jogos (p. ex., bônus, pontuação) alternativas às que valorizam precisão/destreza nos movimentos (p. ex., tempo, tentativas), que podem condicionar a experiência de jogo (princípio: atender ao autoconceito do formando). > Definir tamanho mínimo para os objetos e a proximidade dos conceitos/objetos com a realidade (princípio: direcionar a aprendizagem para problemas concretos e relacionados com o cotidiano), dado que, com o envelhecimento, há uma diminuição da acuidade visual e dificuldade em focar. > Adotar temas para exercícios repetitivos (p. ex., descobrir o par correto da carta) ajuda a conferir um propósito à atividade de jogo (princípio: responder às motivações dos formandos para a aprendizagem). > Conceber interfaces que levem em conta diferentes níveis de aprendizagem, adaptativos ao conhecimento apreendido anteriormente pelo jogador (princípio: atender à experiência prévia do formando). Para a concretização de novas atividades por parte desses participantes, o feedback deve ser imediato, a fim de que prossigam na ação.

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branco e traço por cima da palavra encontrada). a) substituição de indicadores de controle (p. ex., tempo, número de tentativas) por indicadores de progresso (p. ex., pontuação, bônus e ranking); b) opção pela fotografia em vez de vetores para comunicar objetos/conceitos; c) atribuição de um tema ao jogo (p. ex., história).

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Memória

destaque nas palavras assinaladas. a) monitorização do tempo e indicação do número de tentativas falhas; b) integração de imagens vetoriais, o que dificulta a identificação dos objetos/conceito s; c) não ajuste do desafio ao nível de aprendizagem e progressão no jogo.

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Sudoku

a) falta de clareza na indicação de quem é a vez de jogar; b) falta de identificação e distinção do jogador em relação ao oponente; c) dificuldade na interação com o jogo.

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“Quatro em linha”

Considerações finais

Otimizar a interface relativamente a jogos com componente social, em que é necessário identificar os diferentes jogadores (reconhecimento em vez de recordação de informação), distinguir o papel de diferentes jogadores e providenciar várias alternativas de interação, a fim de atender ao contexto de jogo de cada um (princípio: orientar a aprendizagem para problemas e atender ao contexto do formando).

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Este capítulo descreve o processo de concepção, desenvolvimento e avaliação da área de jogos da comunidade online miOne, considerando o contexto do idoso. Relativamente à concepção da interface dos jogos para a comunidade miOne, este estudo sugere que o estímulo das capacidades cognitivas e as interações sociais são a alavanca para o idoso jogar. Revela também algumas recomendações para o desenvolvimento de interfaces de jogos que visem ativar a memória, o raciocínio lógico e a sensação de comunidade, tais como: a) fomentar temas de memória e retrospecção do passado vivido, narrativa e partilha de experiências; b) promover a familiaridade com o jogo por meio da integração de elementos de jogo análogos ao ambiente real e ao contexto de utilização; c) reforçar estímulos multimodais; d) promover interações entre os membros da comunidade (p. ex., jogos multiplayer) e, caso seja turn-based (jogo vez a vez), indicar claramente de quem é a vez de jogar; e, ainda, e) apresentar ajudas passo a passo ao usuário (p. ex., instruções de jogo, minitutoriais e dicas). Essas estratégias também estão ligadas aos princípios de aprendizagem para adultos apresentados por Knowles, Holton e Swanson (2005). Por fim, importa mencionar que a área de jogos da comunidade miOne ainda se encontra em desenvolvimento e que o trabalho futuro passa pelo desenvolvimento de outros jogos integrados num programa de aprendizagem para idosos, pela maior dinamização das relações sociais e pela extensão dos jogos a outras plataformas (p. ex., dispositivos táteis). Referências bibliográficas

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