Os jovens refletem sobre a mídia - notas de uma experiência escolar RODRIGO RATIER

July 5, 2017 | Autor: Rodrigo Ratier | Categoria: Journalism, Journalism Education, Jornalismo, Magazines, Jornalismo De Revista, Sociology of Journalism
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Descrição do Produto

Cadernos Camilliani v. 14 n. 1, 2013

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Pe. Antônio Mendes Freitas Presidente

Pe. Mário Luís Kozik Vice-Presidente

Pe. Justino Scatolin Superintendente

Domingos Sávio Alves de Faria Diretor Geral

Carlos Ferrara Junior Diretor de Ensino

Missão Contribuir para a socialização do conhecimento científico, favorecendo a atualidade e a continuidade das pesquisas, pressupostos fundamentais do espírito investigativo.

Produção indexada em: CSA - Sociological Abstracts, Linguistics and Language Behavior e Social Services. LATINDEX

Editor-Chefe Pe. Msc. João Batista Gomes de Lima

Tiragem: 1000 exemplares

Editor-adjunto Prof. Dr. Gilson Silva Filho Produção Editorial Enaylle Feijoli Faria Pe. Francisco de Lélis Maciel Reitor

Pe. Msc. Américo Pinho de Cristo Vice-Reitor

Prof. Dr. Marcos Oliveira Athayde

Pró-Reitor Acadêmico

José Bessa Barros Pró-Reitor Administrativo

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Rua São Camilo de Lellis, nº 01, bairro Paraíso CEP: 29304-910 Cachoeiro de Itapemirim-ES www.saocamilo-es.br

Assessoria Técnica Diagramação: Enaylle Feijoli Faria Projeto Gráfico: Seção de Comunicação e Informação Revisão: Profª Ana Cristina Pereira Prof. Fábio Ferreira Brito Tradução: Profª. Sandra Novaes Coelho Bibliotecárias Cristiane Almeida Temporim Ironete Firmo Vieira

Depósito Legal: Biblioteca Nacional

Periodicidade: Quadrimestral Assinatura Anual: R$ 45,00 Número Avulso: R$ 15,00 Assinaturas e Permutas: Rua São Camilo de Lellis, nº 01, Paraíso, Cachoeiro de Itapemirim/ES - Brasil Cep: 29304-910 Tel.: (28) 3526-5911 A revista Cadernos Camilliani é uma publicação sob responsabilidade do Departamento de Publicações Acadêmicas e Científicas do Centro Universitário São Camilo - Espírito Santo. Este periódico foi produzido no ano de 2014, visando atualizar a periodicidade da revista.

Pede-se Permuta. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Críticas são bem-vindas.

Conselho Editorial Prof. Dr. Florêncio Almeida Vaz Filho Doutor em Ciências Sociais pela UFBA. Mestre em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela UFRRJ. Atualmente é professor na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Tem experiência na área de Antropologia/Povos indígenas (Munduruku, Flona Tapajós, Resex Tapajós-Arapiuns, conflitos e identidade indígena no Brasil). Prof. Dr. Gilson Silva Filho Doutor em Ecologia e Recursos Naturais e mestre em Produção Vegetal pela UENF. Atualmente é docente e Coordenador Geral de Pós-Graduação do Centro Universitário São Camilo-Espírito Santo. Tem experiência na área de Ecologia e Meio Ambiente. Profª. Drª. Ivoneide Pinheiro de Lima Doutora em Educação e mestre em Física pela UFC. Atualmente é professora do mestrado acadêmico em Educação da UECE. Tem experiência na área de Educação/Métodos e Técnicas de Ensino ( aprendizagem, ensino e aprendizagem, ensino-aprendizagem, matemática e ensino de matemática). Prof. Dr. João Wanderley Geraldi Doutor e mestre em Linguística pela UNICAMP. Atualmente é professor colaborador voluntátio da UNICAMP, e professor visitante da Universidade do Porto em Portugal (U.PORTO). Tem experiência nas áreas de: análise do discurso, estudos bakhtinianos e ensino de língua portuguesa. Profª. Drª. Liéte Oliveira Accácio Doutora e mestre em Educação pela USP e pela UFRJ, respectivamente. Atualmente é professora associado da UENF. Tem experiência na área de Educação/História da Educação (formação de professores, profissão docente, política educacional, educação especial e escola normal). Prof. Dr. Manoel Lima Cruz Teixeira Doutor em Educação Matemática pela PUC-SP. Mestre em Matemática pela UFF. Atualmente é professor adjunto da UFRJ. Tem experiência na área de Educação/Formação de Professor (matemática, educação matemática, educação, ensino e pesquisa em educação). Prof. Dr. Marcovan Porto Pós-doutor pela UNICAMP. Doutor em Biologia Animal pela UFRRJ. Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia) pela UFRJ. Atualmente é pesquisador associado do Departamento de Farmacologia da UNICAMP. Tem experiência em ensino de Ciências para o Ensino Fundamental, e de Morfologia e Zoologia em cursos de Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Fisioterapia, Medicina Veterinária e Nutrição. Profª. Drª. Rosane Hein de Campos Doutora e mestre em Engenharia Ambiental pela UFSC. Atualmente é professora e coordenadora do curso de Engenharia Civil no Centro Universitário São Camilo-Espírito Santo e participa do mestrado profissional em Engenharia de Saúde Pública e Desenvolvimento Sustentável da UFES. Profª. Drª. Silvia Regina Barrile Doutora em Fisiopatologia em Clínica Médica e mestre em Ciências da Motricidade pela UNESP. Atualmente é professora assistente da Universidade do Sagrado Coração. Tem experiência na área de Fisioterapia/Doenças Metabólicas Crônicas (hipertensão arterial, diabetes, obesidade, síndrome metabólica, exercício físico aeróbio e fisioterapia cardiorrespiratória).

Assessores Científicos Ad hoc Drª. Alcina Frederica Nicol - FIOCRUZ Dr. Andre da Silva Mello - UGF Dr. Antonio Carlos Lopes Petean - UNESP Drª. Carla Witter - USP Dr. Carlos Francisco Perez Reyna - UNICAMP Drª. Cinthia Lopes da Silva - UNIMEP Drª. Claudia Fernanda Franceschi Klement - USP Drª. Cláudia Silva Estima - UEL Dr. Daniel Ribeiro Silva Mill - UFMG

Drª. Elaine Franco dos Santos Araujo - UERJ Drª. Elizabeth Abelama Sena Somera - UNESP Drª. Fátima Cristina Vieira Perurena - PUC/SP Drª. Francieli Ruiz da Silva - UNIFESP Dr. Geraldo Magela Rodrigues de Vasconcelos - UFMG Dr. Gilson Silva Filho - CUSC Drª. Gisela do Carmo Lourencetti - CUML Dr. Gleydson Pinheiro Albano - UFPE Dr. Gustavo Gilson Sousa de Oliveira - UFPE

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Assessores Científicos Ad hoc Drª. Heloísa Orsi Koch Delgado - UFRGS Dr. Ilio Montanari Junior - UNESP Drª. Irene Dias de Oliveira - PFTIM Drª. Irene Garcia Costa de Souza - USP Drª. Ivalina Porto - USP Drª. Ivoneide Pinheiro de Lima - UECE Dr. Jorge Henrique de Oliveira Sales - UESC Dr. José Lourenço Pereira da Silva - UNICAMP Drª. Juliane Aparecida de Paula Perez Campos - UFCAR Drª. Léia Priszkulnik - USP Drª. Liéte Oliveira Accácio - USP Drª. Luciane Noal Calil - UFRGS Dr. Luís Antônio Monteiro Campos - UFRJ Dr. Luiz Anastácio Momesso - USP Drª. Luiza Helena Dalpiaz - UNOESC Dr. Marcelo Pereira Marujo - UFRN Dr. Marcos Garcia Neira - USP Dr. Marcos Muniz Moreira - UFF Dr. Marcovan Porto - UNI IBMR Drª. Maria Gladis Sartori Proença - UFMS Drª. Maria Regina Fay de Azambuja- PUC/RS Drª. Maria Sarah da Silva Telles - IUPRJ Drª. Marilene Dandolini Raupp - UFSC Drª. Marlis Morosini Polidori - IPA Drª. Marlize Rubin Oliveira - UFRGS Drª. Maura Maria Morita Vasconcellos - UNICAMP

Dr. Maurício José Nardini - UFG Dr. Muryatan Santana Barbosa - USP Drª. Nancy Nonato de Lima Alves - UFG Drª. Patrícia Jantsch Fiuza - UFRGS Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso - PUC/SP Dr. Rafael Luis Pompeia Gioielli - USP Dr. Ramiro Mincato - Angelicum University Drª. Regina Baruki Fonseca - UFMS Drª. Regina Rigatto Witt - USP Dr. Renaut Michel Barreto e Silva - UFRJ Drª. Rita Márcia Andrade Vaz de Mello - UFV Dr. Roberto Antônio Penedo do Amaral - UFG Drª. Rosemary Lacerda Ramos - UFBA Drª. Selma Baptista - UNICAMP Dr. Sérgio Roberto Silveira - USP Dr. Sidney de Moraes Sanches - FAJE Drª. Silmara de Oliveira Gomes Papi - PUC/PR Drª. Silvia Helena Henriques Camelo - USP Drª. Silvina Julia Fernandez - UFF Dr. Silvio Pinto Ferreira Junior - PUC/SP Drª. Soraia da Rosa Mendes - UCB Drª. Telma Santa Clara Cordeiro - UFPE Drª. Teresinha Covas Lisboa - UNISA Drª. Thelma Helena Costa Chahini - UFMA Drª. Valéria de Castilho Palhares - UNESP

Cadernos Camilliani / Centro Universitário São Camilo – Espírito Santo, v. 14 n. 1, 2013. Semestral (2000-2006), Quadrimestral (2007-) ISSN 1518-0395 1. Educação – Periódicos. 2. Saúde – Periódicos. 3. Sociedade – Periódicos. I. Centro Universitário São Camilo – Espírito Santo. CDD 001.05

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca São Camilo.

EDITORIAL Cadernos Camilliani v. 14 n. 1, 2013

Colaboradores, revisores e leitores da revista Cadernos Camilliani. Todos nós que trabalhamos na área acadêmica e da produção cientifica sabemos que o esforço e o trabalho contínuo são a forma mais promissora para o avanço do progresso da ciência. Nesse sentido, é gratificante olharmos para a trajetória da nossa revista e constatarmos que há mais de 15 anos estamos publicando artigos científicos de qualidade nas áreas de Cultura, Sociedade e Educação. A revista, em suas edições, está empenhada na divulgação científica de novos conhecimentos que possam ser utilizados de forma inovadora, técnica e sustentável. Entendemos que esse é um meio muito eficiente para o aprimoramento da ciência, do fazer docente e do aprendizado discente. Pois o processo de formação bem sucedido tem em sua gênese a ambiência para discussão, em espaços formais e não formais, de temas voltados diretamente ou indiretamente à formação profissional e humanizadora. A pesquisa científica não se caracteriza apenas pelas descobertas de realidades inusitadas, mas também pela apresentação de soluções inovadoras em prol da melhoria da qualidade de vida do homem e de sua melhor interação com meio ambiente. Para se alcançar esse principal objetivo da ciência no seu sentido lato, faz-se necessário que haja a interlocução de fato entre a pesquisa básica, as pesquisas aplicadas e a sustentabilidade ambiental, amparada pela transversalidade do fazer técnico-científico. Em seu primeiro número de sua 14ª edição, a revista aborda de forma reflexiva a participação da ouvidoria hospitalar como ferramenta estratégica para atendimentos diferenciados ao paciente, aos familiares, aos órgãos públicos e aos demais atores envolvidos na relação de prestação de serviços de saúde. Com sua atenção centrada nas discussões de qualidade de vida, aborda-se a saúde do trabalhador reciclador, pela avaliação da ergonomia deste nos processos de triagem dos materiais. Ainda com análises distintas na área da saúde, aborda uma rica discussão sobre os principais riscos biológicos aos quais os acadêmicos em enfermagem estão expostos, e quais as formas de redução e prevenção da exposição. Neste volume, são também apresentados trabalhos voltados à questão educacional, como a questão do estímulo ao processo de leitura, de forma a criar ou manter o hábito de leitura nos jovens, e a formação continuada para alfabetizadores que desenvolvem estratégias de ensinagem diariamente. Também se aborda como funciona o imaginário da mente do professor, suas referências imaginárias e sua ontologia Além disso, evidenciam-se as práticas desenvolvidas para pesquisa em educação, perpassando pelas trajetórias, abordagens e dilemas dessa modalidade de pesquisa. Ademais, discute-se sobre as velhas estratégias e arranjos do Neoliberalismo no Brasil, destacando-se as reflexões das estratégias burguesas de superação da crise do capitalismo e seu estímulo ao terceiro setor. Este número ressalta ainda as importantes formas de veiculação e gestão da informação por meio da utilização de distintas mídias e pela aquisição dos seus conteúdos e informações. Assim, divulgando um acervo científico diverso, produzido nas áreas da Cultura, Sociedade e Educação, a Cadernos Camilliani deseja a seus leitores boa leitura e bom trabalho. PE. MSC. JOÃO BATISTA GOMES DE LIMA Editor Chefe

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EDITORIAL Cadernos Camilliani v. 14 n. 1, 2013

Writers, participants and readers of the Cadernos Camilliani, all of us who work with the academic area and with the scientific written production know that our effort and continuous work are the most promising way for the advancement of science. In this sense, it is reawarding as we analyze the path that our Revista has thread and as we sense that we have been publishing, for over 15 years, quality scientific articles in the Cultural, Social and Educational areas. In its editions, the Revista strives for the scientific spread of new knowledge that can be employed in an innovative, technical and sustainable way. We understand that this is a very efficient means for the scientific, teaching and learning upgradings, as the development process has in its genesis the ambiance for discussion, whether in formal or informal spaces, on themes directly or indirectly aimed to the professional and humanizing growth. The scientific research is not only characterized by the unusual reality discoveries, but also by the presentation of innovative solutions for the improvement of the quality of the human life and for their better interaction with the environment. In order to achieve this main scientific goal in its broad sense, it is relevant that there is the real interlocution between the basic research, the applied researches and the environmental sustainability, supported by the transversality of the technical – scientific performance. In its 14th edition first issue, the Revista reflexively approaches the participation of the hospital ombudsman as a strategic tool for the patients´ care, for their family members, for the public institutions and for the other ones involved with the health care services. The attention is centered around the discussions on the quality of life, the health of the recycler, and the evaluation of the process of the material screenings ergonometry. And yet with different analysis in the health area, the article involves a rich discussion on the main biological risks to which the nursing students are exposed, and to the ways for the reduction and prevention to exposure. This issue also brings works aimed at the educational area, like the motivation to reading, the way to start or keep the youngsters´ reading habit, and the continuous study of the literacy teachers who daily develop their teaching strategies. It also deals with the imaginary in the teachers´ mind, as well as its ontology. Besides, it shows the practices developed in the area of educational research, passing through the paths, approaches and problems in this kind of research. Furthermore, it discusses the old Brazilian Neoliberalism strategies and arrangements, highlighting the bourgeois overcoming of the capitalism crisis and its stimulus for the third sector. This issue also highlights the important ways for the placement and management of the information through its different media use and through the acquisition of its contents and information. Therefore, publishing in a diverse scientific collection, and produced in the areas of Culture, Society and Education, Cadernos Camilliani wishes its readers a good reading and a good work. 6

PE. MSC. JOÃO BATISTA GOMES DE LIMA Editor in Chief

SUMÁRIO Cadernos Camilliani v. 14 n. 1, 2013

Ouvidoria como ferramenta para avaliação dos serviços do Hospital e Maternidade São Francisco de Assis na perspectiva dos usuários The ombudsman as a tool for the evaluation of the São Francisco de Assis Hospital and Maternity services under the perspective of the users Charliano Alison Silva Maia, Leônia Maria Santiago Cavalcante e Mariete Ximenes Araújo Lima ............. 9

Avaliação da cadeia de suprimentos, análise ergonômica no processo de triagem de materiais recicláveis: estudo de caso An evaluation of the supply chain, and ergonomic analysis in the process of recyclable materials screening: a case study Leoni Aparecida Cordeiro et al ......................................................................................................................... 21

O acadêmico de enfermagem de uma clínica escola e os riscos biológicos A clinical school nursing student and the biological hazards Magda Ribeiro de Castro et al ........................................................................................................................... 29

Hábitos de leitura de jovens ingressantes no ensino médio: suas escolhas e preferências High school freshmen´s reading habits: their choices and preferences Marta Passos Pinheiro ....................................................................................................................................... 37

Formação continuada: um estudo sobre participantes dos programas Letra e Vida e Ler e Escrever Continuing education: a study on Letra e Vida and Ler e Escrever program participants Luciana Ribolli de Oliveira ................................................................................................................................ 47

Práticas de pesquisa em educação: trajetórias, abordagens e dilemas Education research practice: trajectories, approaches and dilemmas Francisco Alencar Mota e Aline Monteiro Alves ............................................................................................. 61

Neoliberalismo da Terceira Via no Brasil: velhas estratégias novos arranjos The Third Via neoliberalism in Brazil: old strategies, new arrangements Simony Araújo de Morais, Sandra Silvestre do Nascimento, Maria do Socorro Silva Cavalcante ............. 75

Mitohermenêutica e maestria: considerações sobre o imaginário do professor Mythermeneutic and mastery: discussions on the teacher´s imaginary Antônio Roberto Giraldes ................................................................................................................................. 87

Os jovens refletem sobre a mídia: notas de uma experiência escolar The youngsters’ reflection on the media: notes from a school experience Rodrigo Pelegrini Ratier .................................................................................................................................... 97

Impacto das Novas Tecnologias da Comunicação (NTC) na subjetivação e socialização de adolescentes do Recife The impact of New Technologies of Communication (NTC) on the subjectivation and socialization of teenagers from Recife Elaine Magalhães Costa Fernandez ............................................................................................................... 107

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OS JOVENS REFLETEM SOBRE A MÍDIA: NOTAS DE UMA EXPERIÊNCIA ESCOLAR THE YOUNGSTERS’ REFLECTION ON THE MEDIA: NOTES FROM A SCHOOL EXPERIENCE

Rodrigo Pelegrini Ratier

Doutorando em Educação e Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como editor dos sites da Fundação Victor Civita (Nova Escola, Gestão Escolar, Estudos e Pesquisas Educacionais, Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 e Fundação Victor Civita), e como coordenador na área de Educação e Comunicação da ONG Repórter Brasil. Endereço: Rua Aimberê, 374, Apto. 43 Bairro Perdizes São Paulo-SP CEP: 05018-010 E-mail: [email protected]

Palavras-chave: identidade; socialização; mídia; escola. Keywords: identity; socialization; media; education.

Resumo: Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que investigou a relação de jovens estudantes com a mídia. Imersos no consumo dos conteúdos veiculados em diversos meios (notadamente a TV e a internet), esses jovens encontram na mídia um importante referencial para a construção de suas identidades. Entretanto, eles são portadores, no ambiente escolar, de um discurso negativo, por vezes demonizador, em relação à mídia. Para compreender essa relação paradoxal e examinar sua centralidade no processo de socialização de jovens, concebemos e ministramos um curso livre de comunicação e educação, de adesão voluntária, para um grupo de 20 alunos de 2º e 3º anos do Ensino Médio numa escola pública em bairro nobre da cidade de São Paulo. No decorrer do curso, concebido como instrumento para aproximação e compreensão do universo simbólico e cultural do grupo analisado, foram produzidos os materiais em que se embasam os resultados (questionários de práticas culturais, diários de classe e uma produção de vídeo). A experiência também apontou pistas sobre a influência da escola como mediadora da relação entre os jovens e a mídia. O trabalho indica que a instituição escolar, ao promover discussões que fujam ao caráter condenatório da mídia, pode colaborar para a formação de jovens reflexivos em relação à comunicação.

Recebido em: 20/03/2013 - Aprovado em: 03/02/2014

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Rodrigo Pelegrini Ratier

Abstract: This article presents the findings of a study that investigated the relationship of young students with the media. Immersed in the consumption of various media types (especially the TV and the internet), these young people find in the media an important benchmark for the construction of their identities. However, wthin the school environment, they present a negative discourse towards the media. To understand this paradoxical relationship and examine media centrality in the socialization process of young people, a course on communication and education was taught to a group of 20 sophomores and juniors who attend a public high school in an illustrious district in the city of São Paulo. During the course, which was designed as a tool to better understand the cultural and symbolic universe of the group analyzed, there were produced materials that sustain the results (questionnaires on cultural beliefs, daily observance and a video). The experience also pointed clues about the influence of the school as a mediator for the relationship between young people and the media. The work indicates that the school institution, by promoting discussions about the media, instead of demonizing it, it can assist in training young reflective students regarding communication. INTRODUÇÃO

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Este trabalho dialoga com as teorias acerca dos processos de socialização contemporânea. Reflete sobre uma bibliografia que fala da importância da mídia na formação de identidades, concorrendo – ora em situações de harmonia, ora de disputa – com outras instituições socializadoras, notadamente a família e a escola. Procuramos entender que tipo de relação os jovens estabelecem com a mídia e como é seu discurso a respeito dessa relação. Também buscamos examinar se a escola pode ajudar os jovens a estabelecer uma relação mais reflexiva e madura com a mídia – e em que condições isso ocorre. Para explorar essas indagações, concebemos e aplicamos um curso de comunicação e educação para alunos de 2º e 3º anos do Ensino Médio em uma escola pública da cidade de São Paulo. Em linhas gerais, deparamo-nos com jovens cuja relação com a mídia era profundamente ambígua. De um lado, há o envolvimento pela comunicação em todas as suas formas, demonstrado pelo elevado consumo de seus produtos, esforço para vencer a exclusão digital e pela postura de interesse – em alguns casos, de docilidade – ao participarem de um curso sobre o assunto. De outro, a ideia bastante forte de que a mídia engana, manipula e

distorce. Ou seja, a noção de que um recurso tão presente em sua vida é, de forma generalizada, uma influência negativa e pouco confiável. Recolhemos indícios de que a opinião negativa emitida dentro do ambiente escolar pode ser decorrente da influência da própria escola, portadora de um discurso defensivo e demonizador em relação aos meios de comunicação. Convém, inicialmente, situar o escopo teórico com que este artigo dialoga, o das teorias da socialização contemporânea. Desde sua organização como ciência autônoma no século 19, a sociologia investiga como se dá a relação entre indivíduo e sociedade. Nesse sentido, a contribuição de Émile Durkheim, com o conceito de socialização, apresenta-se como um aporte fundamental. Em sua acepção original, “socialização” descreve o conjunto de processos de integração do indivíduo aos grupos sociais. Apesar de a problemática ser bem explorada no campo da sociologia da educação, parece tímido o debate sobre as especificidades desse processo na atualidade (SETTON, 2005). A hipótese é que uma nova arquitetura do social, marcada pela centralidade da cultura na construção das subjetividades, protagoniza uma dupla transformação. De um lado, potencializa a força socializadora de instituições como a mídia e as religiões, que passam a dividir/disputar com a família e a escola a primazia da formação

São Camilo - Espírtio Santo Cachoeiro de Itapemirim - ES, Cadernos Camilliani, v. 14, n. 1, p. 97-106, jan./abr. 2013.

Os jovens refletem sobre a mídia: notas de uma experiência escolar

de identidades. De outro, amplia a capacidade reflexiva do indivíduo, aumentando sua criticidade em relação ao processo de socialização e sua capacidade de articular a mutiplicidade de informações a que tem acesso. Diversos autores jogam luz sobre como as características da contemporaneidade alteram as maneiras pelas quais se dá a relação entre indivíduo e sociedade. Para Berger e Luckmann (2004), os processos de modernização, pluralização e secularização operaram uma transformação sem precedentes nas condições básicas da vida humana, abalando a conservação de percepções estáveis de sentido em grandes grupos da sociedade – as concepções de vida, ao contrário, passam a ser partilhadas apenas por pequenas comunidades. Assim, imerso em uma multiplicidade de sistemas de valores, que, não raro, encontram-se em situações de conflito, o homem contemporâneo apresenta dificuldades para conservar uma identidade estável. Com argumentação semelhante, Lahire (2002) afirma que, na contemporaneidade, a socialização é muito mais plural do que foi no passado. Segundo ele, atualmente vivemos simultânea e sucessivamente em contextos sociais diferentes. Todo o corpo individual mergulha numa pluralidade social, sujeito a princípios de socialização heterogêneos e, às vezes, contraditórios, que o agente social acaba incorporando. O resultado é uma relativização sobretudo do poder do passado e, mais especificamente, do poder da família como instância socializadora e da primazia da socialização primária (a familiar): As socializações secundárias, mesmo realizadas em condições socioafetivas diferentes, podem questionar profundamente e fazer competição com o monopólio famíliar na socialização da criança e do adolescente (LAHIRE, 2002, p. 33). Hall (1997) explora as mudanças na socialização pelo prisma da centralidade da cultura, que assume aspecto plural e diver-

sificado, materializada na heterogeneidade de espaços de produção e troca de informações, saberes e competências. Questionando a interpretação de que a construção de identidades se dá pela interiorização do social, Dubet (1996) defende a noção de experiência para exprimir condutas individuais e coletivas dominadas pela heterogeneidade de princípios de orientação. Submetido a variadas lógicas de ação, o indivíduo não se socializa inteiramente – ao contrário, guarda capacidade crítica e certo distanciamento em relação a si mesmo, não aderindo totalmente a nenhum de seus papéis. Da perspectiva da sociologia da experiência, o indivíduo é considerado um ator intelectual, capaz de dominar, conscientemente, pelo menos em certa medida, sua relação com o mundo. Giddens (1991) analisa a novidade em termos semelhantes, informando-nos de que a nova conformação do espaço social potencializa a capacidade reflexiva do indivíduo, “aumentando sua capacidade de articular a multiplicidade de informações a que tem acesso”. Nesse contexto, a reflexividade é muito mais importante do que no passado, fazendo a balança da socialização pender para o indivíduo, que, mais do que nunca, precisa ter capacidade de avaliação para saber em que momentos aplicar lógicas de ação apreendidas em diferentes espaços e tempos de socialização. O mundo da educação também é decisivamente impactado pela emergência da nova arquitetura do social. Para os estudos clássicos da sociologia da educação, educação era assunto da escola e de família (SETTON, 2005). A perspectiva durkheiminiana explica que pais e professores agem sobre a criança em um processo civilizatório, fazendo predominar sobre o ser individual o ser social. Berger e Luckmann (2004) matizam essa influência falando em socialização primária (familiar, principalmente) e socialização secundária (mundo do trabalho e escolas). Para os autores, os saberes incorporados pelas crianças dependeriam das relações entre crianças e adultos e entre família e universo escolar, não estando garan-

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tida a linearidade ou complementaridade entre os saberes. Aprofundando o questionamento sobre o poder educativo da escola e da família, Dubet (1996) nos lembra de que segue em curso um progressivo processo de desinstitucionalização, ocorrendo a perda da força das instituições tradicionais na construção de identidades. Medindo forças na socialização, diversas instituições (especialmente a mídia) apresentam discursos concorrentes, não raro contraditórios, expondo o homem a esquemas de ação heterogêneos – a socialização plural de que nos fala Lahire. O ritmo frenético do avanço tecnológico também põe por terra o paradigma de que o vetor educativo é unidirecional, sempre dos mais velhos para os mais novos (LAHIRE, 2002). Libâneo (1998) aponta que uma das principais consequências da introdução de novos atores e de novas práticas no campo educacional foi a redução da distância entre a educação formal, não formal e informal, que, no ambiente escolar, passaram a se interpenetrar cada vez mais. Ainda que a formação escolar formal siga sendo, em tese, o espaço educativo por excelência, essa modalidade de educação passa a conviver mais fortemente com outras menos sistemáticas – especialmente a educação informal, que ocorre nas relações sociais ou com o ambiente (LIBÂNEO, 1998, VASQUEZ, 1998) e se dão de forma espontânea na família, com amigos, com vizinhos, com colegas de escola, religião, mídia (GOHN, 2006). No caso brasileiro, salta aos olhos a relevância da mídia nos processos de socialização. Tal relevância transforma-se em centralidade quando consideramos apenas o universo jovem1. De acordo com a sondagem Dossiê Jovem (MTV, 2008), que ouviu 2.579 jovens de classes ABC entre 12 e 30 anos, 100% dos jovens ouvem música, 98% deles assistem à TV e 74% têm celular – transformados em plataformas multimídia, são usados para trocas de mensagens sms/ texto por 87% dos proprietários e acesso à internet por 37%. Também fortemente presente, a internet (utilizada por 86% dos

pesquisados) é o espaço para a produção de conteúdo, sobretudo em redes sociais: oito em cada dez jovens têm perfil em um ou mais sites do gênero. CASUÍSTICA E MÉTODOS Conforme registrado anteriormente, a investigação da hipótese de trabalho compreendeu a concepção e aplicação de um curso de comunicação e educação para alunos de 2º e 3º anos do Ensino Médio em uma escola pública da cidade de São Paulo. O curso foi realizado entre 28 de agosto e 14 de novembro de 2007. Participaram 31 alunos entre 16 e 21 anos, dos quais 20 permaneceram até o fim, compareceram, no mínimo, a 75% das aulas e responderam a todos os questionários de pesquisa. São esses que compõem o grupo aqui analisado. Os encontros tiveram duração de três horas, realizados à tarde, fora do período de aulas regulares dos alunos, que estudavam de manhã. Sua organização se deu como uma disciplina optativa e voluntária, mas respeitando ritualidades dos cânones escolares, com instrumentos como controle de presença, periodicidade semanal, tarefas de casa, entrega de certificados aos concluintes etc. A inscrição se deu por adesão voluntária após a divulgação nas classes no período de aulas. Foram, ao todo 41 inscritos, sendo 31 sorteados aleatoriamente para frequentarem as aulas. Com duração de 36 horas-aula, divididas em 12 encontros semanais, o curso serviu como um instrumento de aproximação desses jovens, fornecendo detalhes sobre seus hábitos, padrões de comportamento e ideias sobre mídia, escola, família, religião, trabalho e amigos. Por meio dessa abordagem metodológica, foi possível aplicar questionários de práticas culturais e de competências em relação à comunicação, receber produções escritas dos alunos, preencher diários com observações em sala e orientar uma produção midiática, um vídeo inteiramente concebido e produzido pela turma. As informações embasam o panorama apresentado a seguir.

São Camilo - Espírtio Santo Cachoeiro de Itapemirim - ES, Cadernos Camilliani, v. 14, n. 1, p. 97-106, jan./abr. 2013.

Os jovens refletem sobre a mídia: notas de uma experiência escolar

RESULTADOS E DISCUSSÃO Em termos demográficos gerais, o grupo apresentava faixa etária entre 16 e 21 anos, significativa maioria feminina (15 dos 20 alunos) e auto-declaração por cor assim dividida: 1 amarelo, 9 brancos, 5 pretos e 5 pardos. Dezesseis estudaram apenas em escolas públicas a vida toda. Em termos de renda, o conjunto mostrava-se bastante homogêneo. A renda familiar de quase metade (9) é de até 5 salários mínimos (7 não declararam a renda familiar e não houve menções a rendas familiares superiores a 10 salários mínimos). Entre os pais, dados de escolaridade (26 dos 40 pais não têm Ensino Médio completo) e de ocupação (predomínio de profissões como taxista, comerciante, copeiro, zelador, motorista, porteiro e eletricista entre os homens, e de donas de casa e diarista entre as mulheres) indicam tratar-se de um grupo de camada urbana baixa. Entretanto, o grupo tem a possibilidade de se dedicar integralmente aos estudos, sem fortes constrangimentos familiares ou do mundo do trabalho. Nenhum deles tem filhos, 19 moram com os pais, 19 declaram-se solteiros e 18 não trabalham – entre os que o fazem, apenas 1 necessita ajudar nas despesas familiares. A escola analisada, por sua vez, é um tradicional estabelecimento da capital – comemorava seu 50º aniversário em 2007, data da pesquisa de campo. Atendia na época, cerca de 1.700 alunos, distribuídos em 40 turmas nos três períodos de funcionamento. Entre os 20 alunos do grupo analisado, 12 levam mais de 30 minutos para chegar à escola (7 deles demoram mais de uma hora). A razão de tamanho deslocamento, segundo a maioria dos respondentes (16), é a qualidade da escola. A noção de qualidade destacada, entretanto, não encontra respaldo em avaliações exterrnas. Em 2007, o desempenho dos alunos da instituição no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) era ligeiramente superior à média nas escolas da rede pública da cidade de São Paulo (41,9

pontos em um total de 100 possíveis, enquanto a média da rede pública no município é de 38,8). A avaliação positiva de uma escola apenas um pouco melhor que a média parece expressar, como nos diz Bourdieu (1998), uma economia das práticas em que as aspirações e as exigências são definidas pelas condições objetivas “que excluem a possibilidade de desejar o impossível” (p. 47)2. O ensino-aprendizagem aparece como maior motivação para ir à escola para 19 alunos. Porém, para 11 deles, o foco do aprendizado é “meu futuro”, enquanto 8 mencionam “aquisição de conhecimentos”. A escola é, portanto, reconhecida como a instituição por excelência para a educação, mas boa parte não vê aplicabilidade imediata para o que aprende. Em conclusão semelhante em seu estudo com estudantes de periferia, Charlot (1996) aponta que, para a maioria dos estudantes, ir à escola faz muito sentido, na perspectiva do que a freqüência à instituição é essencial para ter “uma boa profissão”, “um bom futuro” ou uma “bela vida”. Trata-se, nessa perspectiva, de uma relação mágica com a escola, “na medida em que aquilo que se tenta ensinar-lhes na escola não faz sentido em si mesmo, mas somente em um futuro distante” (p. 56). A análise das respostas sobre as práticas de lazer mais realizadas revela como a mídia ocupa lugar central no dia-a-dia do grupo de alunos. Das cinco atividades mais realizadas, quatro incluíam o uso de algum meio de comunicação: navegar na internet (a mais usual, com 19 respostas de “muito frequente” ou “às vezes”), assistir a vídeos ou DVDs, ouvir rádio e assistir à televisão. Atividades culturais mais eruditas (museu) ou mais caras (cinema, teatro, shows e bares) são pouco mencionadas, evidenciando as limitações monetárias do grupo analisado. De outro lado, o contato com a TV é muito mais intenso. Dez alunos declaram passar diariamente ao menos duas horas assistindo à programação – ou seja, metade de um turno escolar. A análise dos

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gêneros televisivos favoritos indica que a maioria faz uso da TV como entretenimento: novelas, humorísticos, filmes, musicais e esportes totalizaram 28 respostas, enquanto gêneros mais identificados com a formação ou a informação, tiveram apenas 4 menções. O mesmo padrão se manifestou no uso da internet: em questão aberta sobre as razões do uso da web, houve 23 menções do uso para diversão ou comunicação interpessoal (MSN, Orkut, e-mail, conversar com amigos etc.3), 11 para estudos escolares (pesquisa, estudos, trabalhos escolares, cultura e conhecimento) e 3 para busca de notícias. À época do estudo, 8 alunos acessavam a rede em casa, 5 em bibliotecas ou infotecas e 7 em lan houses – indício da importância da web para esse grupo, a ponto de motivar um desembolso de recursos para acessá-la. A mídia sempre representou a elite na história do Brasil. (...) Sempre foi de elite e para a elite, não pensando nunca na classe menos favorecida. (...) É muito favorecedor, para os poderosos, que essa manipulação geradora da alienação da massa aconteça diariamente, dando notícias tendenciosas e mentirosas, colocando no ar novelas que iludem o povo e colocam em sua mente a forma de viver dessa elite. Mal sabe o telespectador que nem todos conseguem ficar ricos e isso torna-o escravo de um sistema que o faz pensar de maneira errada quanto à realidade que o cerca. (...) Mas o que esperar de uma juventude que tem a televisão como a sua escola, tendo a sua cultura e a sua educação ditada por um padrão que simplesmente foi estabelecido?

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O trecho acima, extraído de um trabalho de quatro alunas do 2º ano do Ensino Médio (e alunas de nosso curso) que procuravam responder à pergunta proposta pela professora de Sociologia – A mídia informa ou deforma a mente humana? –, é emblemático

da relação do grupo estudado com a mídia. Primeiro, porque revela criticidade, o que contrasta com a opinião do senso comum, segundo a qual os jovens são dóceis, passivos e manipuláveis frente às mensagens veiculadas pela TV. Segundo, porque o discurso crítico assume a forma de demonização. Soa desconectado da prática cotidiana, uma vez que os alunos estão imersos na mídia e dela se servem para se entreter e se informar. O maniqueísmo do discurso contrasta com a presença constante dos meios de comunicação na vida cotidiana e revela uma relação ambivalente em relação aos usos da mídia e percepções sobre ela, em que convivem juntos o fascínio e a crítica. Se na linearidade do trabalho escrito, essa dualidade, muitas vezes, se esconde, no improviso da oralidade ela se revela. Perguntado na primeira aula se a TV educava, um aluno desnudou esse conflito entre o que se diz e o que se faz: A TV só aliena a cabeça das pessoas. Se você assistir à Globo, por exemplo, vai ficar completamente alienado. É muito ruim. Se bem que eu assisto também... Em nosso exemplo, o próprio enunciado do tema de texto proposto aos alunos revela um pouco do discurso dicotômico da escola em relação à mídia. A origem do temor, argumenta Martín-Barbero (2001), é que a mídia, muito especialmente a TV, transforma os modos de circulação de informação. Ao contrário do livro, que necessita de um complexo código de acesso (a alfabetização), a TV expõe as crianças a um mundo que era antes apenas dos adultos, gerando o que ele classifica como desordem cultural. Enquanto nos lares a TV passa a explicitar a censura – única forma que os pais têm de “proteger” seus filhos de conteúdos que consideram perniciosos – antes implícita na complexidade de temas e no vocabulário exclusivista dos livros “de gente grande”, a escola tem optado pelo “entrincheiramento em seu próprio discurso”. Qualquer outra forma de

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circulação de saber, segundo o autor, é entendida pelo sistema escolar como um “atentado à sua autoridade” (p. 59). Não causa supresa, portanto, que predomine na mediação escolar em relação à mídia uma postura de negação ou de crítica a seu discurso (SETTON, 2004). Martinez de Toda (2001) vincula esse tipo de postura à chamada metodologia crítica, presente em programas de educação para os meios há cinco décadas e atuante até hoje. Tal perspectiva parte da premissa de que os estudantes são passivos e que cabe ao professor torná-los ativos. Com o objetivo de evitar as manipulações e de substituir o conhecimento ideologizado do jovem pelo verdadeiro e objetivo conhecimento – o acadêmico –, a metodologia crítica tem foco no professor e no conteúdo dos meios, apoiando-se na semiótica e na análise do discurso. Para Lopes (1996), trata-se de uma linha de trabalho mais de denúncia do que pedagógica. Entre suas principais limitações, está o fato de ser analítica demais, autoritária e dogmática, podendo degenerar no que Martinez de Toda chama de “metodologia repetitiva”, em que o estudante simplesmente reproduz o que é ensinado pelo professor. Outra metolodogia, que Martinez de Toda denomina de progressista, parte da premissa de que os estudantes são ativos, cabendo ao professor ajudá-los a ser ainda mais ativos, independentes e responsáveis em sua relação com os meios, tendo como objetivos estender o contato natural com os meios de comunicação de massa, formar consciências críticas e liberar a criatividade grupal, mantendo foco no aluno e no significado das mensagens midiáticas para as audiências. Apoia-se nos estudos de recepção e no construtivismo. Lopes (1996) afirma que essa perspectiva ganha força a partir da década de 1980, quando a educação para os meios acompanha a crise do paradigma da teoria crítica e passa a referenciar-se nos estudos de recepção. Embora também tenha limitações – no limite, pode levar à inversão de papéis, com o aluno tornando-se perito e o professor aprendiz, além de

dedicar importância excessiva à cultura popular, degenerando no que Martinez de Toda chama de “metodologia celebratória” (o professor celebra o que o estudante já conhece), o autor afirma que o estado geral da arte, especialmente o conhecimento sobre como as audiências constroem seus significados, sugere que o método progressista ajuda a conseguir entender as diferentes dimensões do sujeito (MARTINEZ DE TODA, 2001, p .67). Em nosso curso, procuramos pautar nossa intervenção pedagógica pela inspiração progressista, propondo debates, favorecendo o trabalho em grupo para a troca de opiniões e evitando o discurso condenatório em relação ao consumo midiático. Ao longo das aulas, pudemos observar o arrefecimento na dicotomia consumo constante x ideologia demonizadora no discurso dos alunos. Na oitava aula, o mesmo aluno que admitia assistir a programas “alienantes” exprimia assim, numa redação, sua atuação como telespectador: Assisto a muitos programas, sendo eles de qualidade ou não. Tento retirar alguma informação, entretenimento, lazer etc. A sinceridade sem culpa apareceu na redação de outro aluno na mesma aula: TV de qualidade para mim significa uma programação a que toda a família possa assistir. Sendo sincero, eu não assisto a esses programas. Como na TV tem muita violência, eu aprendi a gostar desse tipo de programa. A fuga do maniqueísmo veio com outro colega na mesma oitava aula: Nem só de baixaria e sensacionalismo vive a televisão. Existem muitos telejornais sérios que passam informação de qualidade e também pro-

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gramas educacionais. Mas uma TV de qualidade não precisa ter apenas programação séria. Afinal, todos gostam de uma novela ou de um programa de auditório. A quebra da dicotomia entre discurso e prática foi saudada pela aluna que avaliou o texto do colega que “confessava” assistir a “muitos programas, sendo eles de qualidade ou não” (o exemplo que ele citava era o do Pânico na TV): Meu caro amigo, gostei muito do seu texto. Você mostrou seu ponto de vista e foi sincero no que disse (grifo no original). A postura “manipuladora” também passava a ser questionada. Uma aluna iniciou sua redação sobre a qualidade da TV na oitava aula partindo da constatação não maniqueísta de que: Não devemos acreditar em tudo o que a mídia nos diz, mas também não é tudo mentira. A necessidade de senso crítico frente aos conteúdos veiculados pelos meios apareceu em diversos trechos. Mas, como regra, o entendimento é de que a capacidade de recepção crítica é algo trivial, quase inato. No máximo, é preciso escolher o que (os gêneros reconhecidos como informativos) e como se assiste (basta “ficar apenas com o lado bom” do conteúdo), o que equivale a uma receita didática genérica e rudimentar:

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Não vou dizer que assisto a todos os telejornais e que não vejo novelas, mas, sabendo escolher o que assistimos e absorvendo as coisas boas que a TV nos oferece, podemos ter nosso senso crítico apurado e aprender a assistir a TV de qualidade. De qualquer forma, é importante notar que uma afirmação como “saber ab-

sorver as coisas boas” indica a consciência de que a recepção é um processo ativo. A mesma percepção de impossibilidade da manipulação determinista é compartilhada por outra aluna, em uma redação entregue na oitava aula, sobre a qualidade da TV: Eu particularmente assisto a esses programas [de entretenimento], pois acho que não influem no dia-a-dia. As pessoas ficam muito encanadas com a questão da qualidade, mas se esquecem de que nem sempre transmitimos aos outros aquilo a que assistimos. Poucos alunos verbalizam a necessidade de outras competências, além do genérico “senso crítico”, na relação com a mídia. Uma das exceções, o texto abaixo, também produzido na oitava aula, ressalta a importância da socialização de opiniões para construir significado sobre os conteúdos veiculados: Para analisar se uma notícia é verdadeira ou não, devemos analisar os fatos, refletir sobre eles, tirar dúvidas com colegas e professor e ler sobre o assunto. CONCLUSÕES Com a sempre necessária ressalva de que se trata de grupo reduzido (20 alunos) e bastante homogêneo (jovens urbanos de classe baixa, estudantes de uma escola pública de São Paulo), é possível ressaltar alguns aspectos que a pesquisa levanta em relação à socialização dos jovens. A primeira diz respeito à influência de múltiplas instâncias de socialização, que competem pela conformação de atitudes, valores e modelos de conduta sem que haja uma clara precedência de uma sobre as demais. Em relação à escola, os jovens indicam perceber nela a principal instituição de formação, mas a educação, entretanto, parece ser vista mais como

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um patrimônio importante de ser construído para o futuro e não para alguma aplicação imediata. Pode-se hipotetizar que a escola não tem conseguido conferir sentido nem comunicar adequadamente a relevância do que ensina. Os alunos parecem intuir que aquilo que aprendem é importante, mas esperam que o conteúdo venha a fazer sentido em um momento futuro de sua trajetória. A mídia, por outro lado, adquire papel central na formação de identidades. Para muitos jovens, em virtude do expressivo contato com os meios de comunicação de massa, a exposição à mídia acaba sendo maior do que o tempo passado na escola, em conversas com a família ou em cultos religiosos. Ainda que o grupo enxergue nos meios de comunicação um instrumento que visa, primordialmente, ao entretenimento, é inegável que qualquer produção midiática veicule opiniões, pontos de vista e valores que, obviamente, impactam os jovens em variados graus. Como nos diz Setton (2008), “o mercado de cultura disponibilizado pelas mídias vem ocupando um lugar de destaque na formação do gosto de amplos segmentos da população e, dessa forma, vem aos poucos contribuindo para pensar o caráter híbrido da formação do gosto jovem na contemporaneidade” (p. 27). Reforça-se, por fim, a importância da função da escola no aprimoramento dos modos pelos quais os jovens consomem e analisam a mídia. Em um contexto de múltiplas mediações e de uma socialização articulada por diversas instâncias, a escola encontra-se em situação de desvantagem por veicular um saber desprovido de sentido para a maioria de seus alunos. Uma excelente oportunidade que se desenha é a possibilidade de atuar como mediadora na relação dos jovens com os meios de comunicação. Há indícios de que iniciativas de educação e comunicação, sobretudo de inspiração progressista, podem auxiliar os jovens a desenvolver uma relação mais equilibrada com a mídia, pautada pela reflexão.

NOTAS Ao falar de “juventude”. Apoiamo-nos no critério da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que é predominantemente etário: juventude é o ciclo que vai dos 15 aos 29 anos, cuja principal característica é a transitoriedade, razão pela qual está fadada a ser perdida com o passar dos anos (Unesco apud ESTEVES e ABRAMOVAY, 2007). 2 Ressalve-se, entretanto, que a percepção positiva é questionada quando o entendimento genérico do que seria o processo de ensino-aprendizagem é desdobrado em outros itens. O conhecimento dos professores, por exemplo, é tido como regular para a maioria dos alunos (15), enquanto apenas 5 o enxergam como bom. 3 Vale notar que o estudo de campo é anterior à massificação do Facebook. 1

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