Os mistérios da histeria e da feminilidade

Share Embed


Descrição do Produto





Corrente teórica correspondente à Anton Mesmer
Época que atravessa todo o século XIX
TRILLAT, Etienne. História da Histeria. São Paulo: Escuta, 1999.
Idem.
O termo histeria é daí derivado, conquanto que hyster em grego/latim significa útero. Os principais representantes dessa corrente foram Hipócrates, Soranos e Galeno. As teorias referiam-se à uma "sufocação da matriz (útero)" na mulher, na qual o útero, encarado de início como um verdadeiro animal (por hipócrates), deslocava-se à revelia pelo corpo da mulher devido à abstinência sexual, ocasionando os sintomas histéricos. Galeno, por exemplo, defendia a ideia de que uma suposta "retenção da semente", derivada do não exercício da sexualidade era causa principal do quadro histérico. De qualquer modo, todos referiam-se a uma "sufocação da matriz" e prescreviam o exercício da sexualidade.
TRILLAT, Etienne. História da Histeria. São Paulo: Escuta, 1999
FREUD, S (1896). A Etiologia da Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III. Rio de Janeiro: Imago, 1996
TRILLAT, Etienne. História da Histeria. São Paulo: Escuta, 1999
TRILLAT, Etienne. História da Histeria. São Paulo: Escuta, 1999.
Idem.
Digno de nota é o fato histórico da ida de Freud às aulas de Charcot na Salpêtrière, exatamente no período em que o mestre francês desenvolvia seus estudos sobre a histeria traumática.
Freud aborda essa questão detalhadamente em seu artigo "As neuropsicoses de Defesa"
termo frequentemente utilizado por Charcot
. FREUD, S (1893-1895). Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1893). Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: uma conferência In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III. Rio de Janeiro: Imago, 1966
FREUD, S (1894). As Neuropsicoses de Defesa. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
FREUD, S (1893). Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: uma conferência In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III. Rio de Janeiro: Imago, 1966
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996, pág. 43.
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1893). Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: uma conferência In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III. Rio de Janeiro: Imago, 1966
Idem
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S (1893). Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: uma conferência In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III. Rio de Janeiro: Imago, 1966.
Idem
é importante ressaltar que nessa época discutia-se sobre a etiologia de uma outra entidade clínica, "irmã" da histeria, denominada neurastenia. Esse termo foi cunhado por George Beard em 1869.
FREUD, S (1894). As Neuropsicoses de Defesa. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Idem.
FREUD, S (1894). Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
FREUD, S (1894). As Neuropsicoses de Defesa. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
O que denota a neurose
FREUD, S (1893-1895). Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação preliminar. In: Estudos sobre a Histeria. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1996, pág. 43.
FREUD, S (1894). Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
O que não significa, obviamente, corretamente abordado
FREUD, S (1894). A Etiologia da Histeria. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem.
Idem
Idem.
Idem.
Idem.
FREUD, S (1894). A Etiologia da Histeria. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996, pág. 189.
FREUD, S (1894). A Etiologia da Histeria. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
"É verdade que, se a atividade infantil fosse uma ocorrência quase universal, a demonstração de sua presença em todos os casos não teria nenhum peso. Mas, para começar, asseverar tal coisa seria certamente um grande exagero; e, em segundo lugar, as pretensões etiológicas das cenas infantis repousam não apenas na regularidade de seu aparecimento nas anamneses dos histéricos, mas também, acima de tudo, na evidência de haver laços lógicos e associativos entre essas cenas e os sintomas histéricos– evidência que, se lhes fosse apresentado todo o relato de um caso clínico, seria para os senhores tão clara quanto a luz do dia" - FREUD, S (1894). A Etiologia da Histeria. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996, pág. 205.
FREUD, S (1894). A Etiologia da Histeria. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem
Idem
Idem.
Idem
Idem.
Freud chega a considerar a sedução entre duas crianças, porém com a condição de que a uma que seduz já o tenha sido previamente. A equação termina, de qualquer modo, na investida sexual por parte de um adulto. "Quando a relação se dá entre duas crianças, o caráter das cenas sexuais não é de espécie menos repulsiva, já que todo relacionamento dessa natureza entre crianças pressupõe a sedução prévia de uma delas por um adulto" - FREUD, S (1894). A Etiologia da Histeria. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996, pág 210.
FREUD, S (1894). Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem.
FREUD, S (1894). A Etiologia da Histeria. In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III . Rio de Janeiro: Imago, 1996
FREUD, S (1894). Extratos dos documentos dirigidos a Fliess. In: Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol I . Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem.
FREUD, S (1893). Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: uma conferência In: Primeiras Publicações Psicanalíticas. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol III. Rio de Janeiro: Imago, 1966.
FREUD, S (1905[1901]). Fragmento da Análise de um Caso de Histeria. In: Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a Sexualidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem.
Idem.
Idem
Idem
Idem
Idem
Freud irá posteriormente explicitar uma hipótese de que o pai tinha como objetivo maior em seu ato de lhe trazer Dora para tratar-se, fazer cessar as críticas da filha à sua relação com a Sra. K.
FREUD, S (1905[1901]). Fragmento da Análise de um Caso de Histeria. In: Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a Sexualidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem
Idem.
Idem.
Idem.
Idem.
Idem.
Idem.
Idem.
Idem
Análise essa que sem dúvida foi melhor apreciada por Freud em data posterior à conclusão do caso.
FREUD, S (1905[1901]). Fragmento da Análise de um Caso de Histeria. In: Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre a Sexualidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem.
Idem.
FREUD, S (1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre Sexualidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996
FREUD, S (1924). A Dissolução do Complexo de Édipo. In: O Ego e o Id e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem.
Idem.
Que obedecem aos mecanismos de condensação e descolamento, colocados em evidência por Freud, ao tratar dos sonhos, na Interpretação dos Sonhos.
FREUD, S (1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Um Caso de Histeria, Três Ensaios sobre Sexualidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996
FREUD, S (1933[1932]). Feminilidade. In: Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1996
Idem
Idem.
Idem
Idem.
Falo e bebê já haviam sido citados por Freud em textos que tratam sobre a sexualidade infantil, o último como representante desse primeiro.
Idem.
LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem. Relatório do Congresso de Roma, realizado no Instituto di Psicologia della Universitá di Roma, em 26 e 27 de setembro de 1953. In Escritos (1966) Trad. Vera Ribeiro. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1998, p. 238-323.
Por castração simbólica compreendemos o processo de vinculação do ser humano à linguagem, a incidência do significante, que provoca um distanciamento irremediável à partir de então, já que o sujeito não mais terá acesso à coisa em si. É desta maneira que o simbólico, sendo referência biológica à espécie humana, acaba por fazer emergir aquilo que foge do sentido: o real.
ANDRE, Serge. O Que Quer Uma Mulher?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
ANDRE, Serge. O Que Quer Uma Mulher?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
As dimensões simbólica, imaginária e real são elaboradas por Lacan para compreender a condição em que o ser humano, como espécie, opera. A já comentada inscrição do parlêtre (ser falante) no mundo simbólico, partir do significante, faz surgir essa dimensão em que não existe o sentido. O registro imaginário diz respeito às imagens, tendo início no que Lacan formula como "o estádio do espelho"
ANDRE, Serge. O Que Quer Uma Mulher?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
ANDRE, Serge. O Que Quer Uma Mulher?. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
SOLLER, Colette.A Psicanálise na Civilização. Rio de Janeiro: Conta Capa, 1998.
vide citação anterior
SOLLER, Colette.A Psicanálise na Civilização. Rio de Janeiro: Conta Capa, 1998.
Lacan, Jacques, 1901-1981.
o Seminario: Livro 20: mais, ainda / Jacques Lacan;
texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; versao brasileira de M.D. Magno. - 2' ed. - Rio de Janeiro: Jorge lahar Editor, 1985.
SOLLER, Colette.A Psicanálise na Civilização. Rio de Janeiro: Conta Capa, 1998.
FREUD, S (1933[1932]). Feminilidade. In: Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol XXII. Rio de Janeiro: Imago, 1996


1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP









FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE









PSICOLOGIA









"OS MISTÉRIOS DA HISTERIA E DA FEMINILIDADE"









JOÃO LUCAS BORGES ZANCHI

ORIENTAÇÃO DE REGINA FABBRINI


Capítulo 1: A histeria e Freud

Hoje, mais de um século depois de Freud ter escrito seus Estudos sobre a Histeria, vemo-nos frente à questão: afinal, de que se trata a histeria? Já em seu encontro com as histéricas no final do século XIX, Freud identifica: a histeria é um mistério. Se o enigma leva o detetive posteriormente para mistério-algum é algo a ser discutido – posteriormente. Por enquanto dizemos que Freud lançou-se à resolução do mistério da histeria, e que teve a genialidade de conseguir apreende-lo dentro do contexto que lhe é próprio e não se perder, em seu trajeto como um todo, no labirinto que propõe a natureza do fenômeno em questão. Esse encontro de Freud com a histeria é crucial para o entendimento da teoria da psicanálise, podendo-se dizer que é aí que se originou todo o fundamento da ciência psicanalítica – assim como seus desvios mais fundamentais – que posteriormente foi elaborada tomando por base outros pilares.
A histeria evidencia algo muito além de suas manifestações, tão claras aos olhos daquele a quem ela se mostra . Ela indica o caminho a ser tomado pela ciência se deseja-se compreender a natureza humana, a incidência efetiva – será? – da linguagem no homem. Freud o seguiu. O produto do encontro entre Freud e a histérica é nada menos do que a próprio conceito de inconsciente.

a) A Herança de Charcot
A tentativa de se apreender o fenômeno histérico existe desde sempre (ao menos, que temos registro, desde a antiguidade greco-latina). As teorias, que na maioria das vezes escaparam do campo científico, caindo nas garras da religião e do misticismo, são, em sua totalidade, obscuras. O que parece acontecer na história da histeria e em sua compreensão ao longo dos tempos é uma dicotomia entre o fenômeno histérico, objeto de observação do teórico, e a própria histeria do observador, que interfere no dito teórico por ele proferido. Deixemos para uma outra ocasião o detalhamento dessa história, bastante interessante, da evolução das teorias sobre a histeria. Agora, focaremos no que importa para que compreendamos de onde partiu Freud.
O grande ponto de partida de Sigmund Freud, na época um neurologista vienense, para a criação da psicanálise à partir de sua experiência com a histeria foi seu contato com Jean-Martin Charcot e com sua teoria sobre a histeria traumática. Renomado neurologista francês, docente em Salpêtrière, Paris, Charcot utilizava o método hipnótico – que tem sua origem no mesmerismo e que foi consagrado na época romântica – no estudo do fenômeno histérico. Esse contato com Charcot é o que impulsiona Josef Breuer e Freud a desenvolverem seus Estudos Sobre a Histeria, obra que demarca sob diversos aspectos a origem da psicanálise ao ser esboçado, aí, seus pilares conceituais. A grande questão a ser apreendida nesse período inicial, de importância fundamental para a construção do conhecimento psicanalítico, constituindo mesmo o fundamento dos Estudos Sobre a Histeria é o trauma. Como descreve Trillat:
Com a histeria traumática, aborda-se a última parte da obra de Charcot. Somente ela sobreviverá a seu autor e, sob um outro nome, chegara até nós: a "neurose traumática". É também nessa época que se situa a estada de Freud na Salpêtrière. A histeria traumática, como veremos, terá um importante papel no nascimento da psicanálise. Com o desenvolvimento da maquinaria e, muito particularmente, das estradas de ferro, assiste-se à multiplicação dos traumatismos, provocando perturbações inteiramente comparáveis às manifestações histéricas de caráter neurológico
É a partir da teoria do trauma na histeria que a psicanálise surgirá como prática, no momento em que Freud abandona ambos a hipnose e o método catártico elaborado por Breuer, passando a convidar seus pacientes a associarem livremente. Trilhemos o caminho da evolução desse conceito de trauma, que desemboca no nascimento da psicanálise e na compreensão freudiana da histeria.

a.a) A histeria traumática de Charcot
Charcot não elabora a teoria da histeria traumática de imediato. Decerto teve o grande mérito de fazer a histeria "adentrar no templo científico", como o diz Trillat (1999), estabelecendo-a como uma doença. No entanto, como o mesmo autor o diz

é também verdade que Charcot reabilitou, no mundo científico, práticas que ainda liberavam um cheiro de enxofre.
De início, para ter-se ideia, o médico francês chega a revisitar as antigas teorias greco-latinas, que situavam a etiologia da histeria no útero, denominadas portanto "teorias uterinas". No entanto, o que interessa à psicanálise permanece fixado na teoria do trauma na histeria:
De todos os trabalhos de Charcot sobre a histeria, são incontestavelmente aqueles que ele consagra à histeria traumática que permanecerão na história. A histeria traumática, a histeria masculina, a hipótese segundo a qual a ideia sugerida pode viver no aparelho psíquico em estado de parasita e, por causa disso, adquirir um poder considerável, o estado mental no momento do choque comparado a um estado hipnótico, todo esse ensinamento não cairá em ouvidos moucos. É um ensinamento que Freud guardará quando de sua estada na Salpêtrière, e é ele que servirá de ponto de partida para a psicanálise. Foi Freud quem soube compreender e recolher a herança de Charcot.
Para Charcot a histeria é uma doença. Portanto, seja qual for o trauma atuante no fenômeno em questão, ele produz-se sob um terreno natural, ou seja hereditário.
Como sabem os senhores, do ponto de vista da influente escola de Charcot, somente a hereditariedade pode ser reconhecida como a verdadeira causa da histeria, enquanto todas as outras perturbações, da mais variada natureza e intensidade, desempenham apenas o papel de causas incidentais, de "agents provocateurs

Isso é importante para que se compreenda o futuro desenrolar do conceito de histeria, no qual Freud termina por descartar a hereditariedade, propondo uma outra base fundamental para explicar tais causas incidentais. A busca é por especulações científicas que tanto distinguiriam a histeria das demais doenças, construindo sua propriedade teórica, quanto a assemelharia, para que possa ser classificada junto às mesmas.
Durante sua história, a histeria foi largamente confundida com outras doenças, em especial com a epilepsia e com a melancolia. Sydenham chega a afirmar categoricamente que
a histeria não é uma doença como as outras; ela não entra num quadro nosográfico ao lado das outras doenças; ela se situa acima de todas as doenças, em superposição ao um plano paralelo; ela as imita todas; ela dá de todas uma imagem enganadora.
Está posta uma das dificuldades da compreensão da histeria: teria ela uma imagem própria? O próprio setor de Salpêtrière pelo qual Charcot era responsável agrupava promiscuamente as epiléticas juntos às histéricas:
um grande número de mulheres epiléticas que entraram na Salpêtrière há muitos anos e que lá se encontravam hospitalizadas [...]. Ao seu lado, intimamente misturadas a elas, nos mesmos dormitórios, nos mesmos refeitórios, nos mesmos pátios, encontrava-se um certo número de jovens histéricas, cujas famílias, cansadas de suas crises e frequentemente, também de seu humor extravagante, empenharam-se em delas livrarem-se, internando-as na Salpêtrière. Os resultados de uma semelhante promiscuidade não podiam deixar de se fazer sentir. Certamente, os ataques das infelizes epiléticas em nada foram modificados, mas foi bem diferente para as crises das histéricas. Por viver assim, entre as epiléticas, por segurá-las quando caíam, por cuidar delas quando seu mal as lançava por terra, as jovens histéricas tinham tido impressões tais que, dadas as tendências miméticas de sua neurose, elas reproduziam em suas crises toda a aparência do ataque da epilepsia puro.
Portanto, a preocupação de Charcot em agrupar a histeria junto às outras doenças ao mesmo tempo em que a caracteriza com propriedade distinta parece bastante justa. Trillat (19XX) ressalta que o foco do trabalho de Charcot, esse nosográfico e clínico, ia na contramão das afirmações de Sydenham tendo precisamente por objetivo:
desalojar a histeria de seu estatuto de fenômeno abarcador do conjunto da patologia.
O que Charcot tenta transmitir ao tratar da histeria traumática é que os fenômenos histéricos são constituídos sob um trauma. Desse modo, sustentado por seu método experimental, prova que, sob o solo naturalmente histérico, e sob a influência da hipnose, são possíveis investidas de cunho sugestivo que atuam como traumas na formação dos sintomas histéricos. A resposta parece estar no estado mental particular em que os histéricos se encontram no momento da sugestão, ou, no caso dos traumas naturais, da autossugestão: uma obnubilação psíquica análoga à hipnose, permitindo que ela – sugestão – adquira uma força enorme e ocasione os sintomas histéricos. Essa é a tese nuclear que sustenta seus tratados sobre a histeria traumática e que será bastante aproveitada por Breuer, e por Freud.

b) Breuer e os estados hipnóides
Nos deparamos com as teorias de Breuer sobre a histeria não somente devido à sua coautoria com Freud dos Estudos sobre a Histeria, mas também sobre a influência que foi para ele quando adentra nos mistérios da histeria. Foi Breuer quem apresentou a Freud essa que seria sua primeira paciente, Anna O., e que acabaria por se tornar uma ilustre personagem da história da psicanálise. Ao se ler os Estudos sobre a Histeria, é paradoxalmente difícil distinguir a palavra de cada autor, já que Freud se encontra imerso nas especulações que faz Breuer, e fácil identificar que Freud nos apresenta um pensamento diferente e mais avançado em relação ao colega, o que futuramente será causa do inevitável rompimento de suas relações. É possível dizer que já desde início os dois autores entendem os ensinamentos de Charcot de maneira distinta.
A tese fundamental de Breuer sobre a histeria é a teoria dos "estados hipnóides". Para abordarmos esse assunto, faz-se necessário uma pequena digressão.
Contemporâneo aos dois autores dos Estudos... havia Pierre Janet que, se não é possível dizer que lhes serviu de influência, é citado ao menos à guisa de comparação. É que, paralelo ao conceito de trauma desenvolvia-se a teoria da "divisão da consciência" sobre a histeria, teoria na qual ambos Freud e Breuer se ocupam igualmente, relacionando-a com o trauma.
Resumidamente, a teoria de Janet afirmava que o fenômeno nuclear na histeria era o "estreitamento do campo da consciência", portanto seria algo da ordem de um déficit. Isso significa que a histeria já está posta muito antes do estabelecimento do trauma ou da "ideia parasita", significa que a divisão da consciência é um traço primário. O que veremos é como as novas elaborações teóricas, tanto de Freud quanto de Breuer pensarão essa concepção. Introduzamo-nos nesse progresso com um trecho da Comunicação Preliminar aos Estudos...
Quanto mais nos ocupamos desses fenômenos, mais nos convencemos de que a divisão da consciência, que é tão marcante nos casos clássicos conhecidos sob a forma de "double conscience", acha-se presente em grau rudimentar em toda histeria, e que a tendência a tal dissociação, e com ela ao surgimento dos estados anormais da consciência (reuniremos sob a designação de "hipnóides"), constitui o fenômeno básico dessa neurose. Quanto a esses concordamos com Binet e com os dois Janets. (p. 47 e 48)
Retornemos, então, a Breuer e sua teoria sobre os estados hipnóides. O autor define a histeria à partir da observação de uma única paciente: Anna O. Freud assim nos conta, em sua segunda Comunicação Preliminar:
Aproximadamente na mesma época, senhores, em que Charcot assim lançava luz sobre as paralisias histerotraumáticas, o Dr. Breuer, entre 1880 e 1882, empreendia o tratamento médico de uma jovem senhora que – com uma etiologia não-traumática – fora acometida de uma histeria aguda e complicada (acompanhada de paralisias, contraturas, distúrbios de fala e da visão e toda sorte de peculiaridades psíquicas) enquanto tratava de seu pai enfermo [Anna O]. Esse caso conservará um lugar importante na história da histeria, já que foi o primeiro em que um médico teve êxito em elucidar todos os sintomas do estado histérico, desvendando a origem de cada sintoma e descobrindo, ao mesmo tempo, os meios de fazer cada sintoma desaparecer. Podemos dizer que foi o primeiro caso de histeria a se tornar inteligível. (p. 39)
Uma característica marcante desse caso era a ocorrência alternada de dois estados diferentes da consciência, sendo que em um deles Anna O. apresentava uma "ausência", um "mutismo". Breuer capta esse fator e desenvolve um pensamento no qual, aqui citado via Freud:
a base e condição sine qua non da histeria" é a ocorrência de estados de consciência peculiares, semelhantes ao sonho, com uma capacidade de associação restrita, para os quais propôs o nome de "estados hipnóides". Nesse caso, a divisão da consciência é secundária e adquirida: ocorre porque as representações que emergem nos estados hipnóides são excluídas da comunicação associativa com o resto do conteúdo da consciência. (p. 54)
É esse estado, como nos explica Freud, que Breuer denominará "estado hipnóide" e que constituirá o pilar central da construção teórica de Breuer sobre a histeria. Ela, como doença, faria acontecer os estados hipnóides, de maneira que o trauma propriamente dito se constituiria das representações que permaneceriam isoladas da consciência normal. A histeria teria uma tendência para uma dissociação da consciência, fazendo aparecer os estados hipnóides. No entanto, diferentemente de Janet, a divisão da consciência não seria primária, apesar da tendência natural da histeria da efetivação desse processo.
Depois de considerável experiência com esses fenômenos, julgamos provável que em toda histeria estejamos lidando com um rudimento do que é chamado "double conscience" – consciência dupla – e que o fenômeno básico da histeria seja uma tendência para tal dissociação e, com ela, para a emergência de estados da consciência anormais, que propomos chamar de "hipnóides. (p. 47)
Para Freud e Breuer, assim como para Charcot, era evidente que a representação traumática, a ideia parasita, permanecia inacessível à consciência do sujeito histérico. Na teoria da divisão da consciência observamos esboçado algo que faz sentido, mas que terá de passar por Freud para que ganhe sua carga efetiva. No entanto, ao fazê-lo, a altera fundamentalmente.

c) Os Estudos Sobre a Histeria
os histéricos sofrem principalmente de reminiscências

Os Estudos Sobre a Histeria presentificam a época em que Freud está altamente engajado com Breuer nos estudos iniciais sobre a histeria e o desenvolvimento das lições aprendidas com Charcot, ao mesmo tempo em que caminha solitário para um avanço teórico revolucionário no campo científico. Desde sempre, as teorias elaboradas por Freud nascem na prática clínica e, desenvolvidas, são revertidas para a mesma. O que acontece nos Estudos... é exatamente isso. Freud trata de redigir, além de seus exemplos clínicos iniciais, o quarto capítulo, denominado "A psicoterapia da Histeria". Vejamos o que podemos apreender dessa obra tão significativa na história da psicanálise e que esboça o impulso do desenvolvimento teórico freudiano, a partir de sua prática com as histéricas, apoiando-nos em dois pequenos artigos que resumem o trajeto dos autores, lá denominadas Comunicações Preliminares.
De início, Freud adotou o método aprendido com Charcot para o tratamento da histeria: a hipnose:
Na grande maioria dos casos não é possível estabelecer o ponto de origem através da simples interrogação do paciente, por mais minuciosamente que seja levada a efeito. Isso se verifica, em parte, porque o que está em questão é, muitas vezes, alguma experiência que o paciente não gosta de discutir; mas ocorre principalmente porque ele é de fato incapaz de recorda-la e, muitas vezes, não tem nenhuma suspeita da conexão causal entre o evento desencadeador e o fenômeno patológico. Via de regra, é necessário hipnotizar o paciente e provocar, sob hipnose, suas lembranças da época em que o sintoma surgiu pela primeira vez; feito isso, torna-se possível demonstrar a conexão causal da forma mais clara e convincente. (p. 39)
Parece idêntico ao procedimento adotado por Charcot em suas experimentações. A hipnose é a via pela qual pode ser demonstrada a conexão lógico-causal entre a ideia/representação parasita e o sintoma histérico manifesto. No entanto, os dois autores parecem ir além, fazendo uma descoberta que concerne à possibilidade de tratar a histeria, além da mera experimentação para criar sintomas por meio da sugestão:
É que verificamos, a princípio com grande surpresa, que cada sintoma histérico individual desaparecia, de forma imediata e permanente, quando conseguíamos trazer à luz com clareza a lembrança do fato que o havia provocado e despertar o afeto que o acompanhara, e quando o paciente havia descrito esse fato com o maior número de detalhes possível e traduzido o afeto em palavras. A lembrança sem afeto quase invariavelmente não produz nenhum resultado. O processo psíquico originalmente ocorrido deve ser repetido o mais nitidamente possível; deve ser levado de volta a seu status nascendi e então receber expressão verbal. (p. 42)
Essa descoberta dá subsidio ao método elaborado, então, por Breuer, denominado método catártico. Ora, se a histeria como doença é a ocorrência de estado hipnóides, o método catártico propõe portanto um tratamento da histeria, assim como Breuer acreditava fazer com sua paciente, Anna O. No entanto, exclui a possibilidade de cura da histeria, já que a etiologia nuclear da histeria não era o trauma. Esse era apenas consequência da ocorrência dos estados hipnóides. A verdadeira cura da histeria, se existisse, deveria incidir sobre o funcionamento mental anormal que produz os estados hipnóides.
é verdade que não curamos a histeria na medida em que ela dependa de fatores disposicionais. Nada podemos fazer contra a recorrência dos estados hipnóides. Além disso, durante a fase produtiva de uma histeria aguda, nosso método não pode impedir que os fenômenos tão laboriosamente eliminados sejam imediatamente substituídos por outros. Tão logo passa essa fase aguda, porém, quaisquer resíduos que possam ter ficado sob a forma de sintomas crônicos ou ataques costumam ser removidos de forma permanente por nosso método, porque ele é radical; e nesse sentido ele nos parece muito superior em sua eficácia à remoção através da sugestão direta, tal como é hoje praticada pelos psicoterapeutas. (p. 53)
Paralelamente à teoria dos estados hipnóides como fator constitutivo da histeria é delineado o conceito de ab-reação, que faz referência direta ao trauma, na medida em que procura dar consistência a esse último. Os autores afirmam que o trauma é na verdade uma lembrança que manteve seu afeto inalterado e fora retirada da consciência pelo fato de que, em algum momento, não houve reação energética adequada a um estímulo traumático. Esse será o fundamento do método catártico, já que a almejada "reação adequada ao estímulo" é denominada catarse
A reação da pessoa insultada ao trauma só exerce um efeito inteiramente "catártico" se for uma reação adequada – como por exemplo, a vingança. (p. 44)
Esse processo, nomeado por eles de repressão da reação, impede o esmaecimento de uma lembrança ou a perda de seu afeto, ocasionando a aparição dos estados hipnóides. Os produtos desses, a lembrança com o afeto retido, por sua vez,
intrometem-se na vigília sob a forma de sintomas histéricos. (p. 49)
Freud e Breuer afirmam de maneira categórica:
os pacientes histéricos sofrem de traumas psíquicos incompletamente ab-reagidos. (p. 46)
Essa concepção irá abrir a possibilidade de se estabelecer, para toda a histeria, um núcleo traumático, formador dos sintomas, que tem por identidade afetos reprimidos que não foram ab-reagidos:
Assim aprendemos, para dizê-lo em termos grosseiros, que há uma experiência afetivamente marcante por trás da maioria dos fenômenos da histeria, se não de todos; e mais, que essa experiência é de tal ordem que torna imediatamente inteligível o sintoma com que se relaciona, mostrando mais uma vez, por conseguinte, que o sintoma é inequivocamente determinado. Se os senhores me permitem comparar essa experiência afetivamente marcante com a grande experiência traumática subjacente à histeria traumática, posso desde já formular a primeira tese a que chegamos: Há uma analogia total entre a paralisia traumática e a histeria comum, não-traumática. A única diferença é que, na primeira, há um grande trauma em ação, ao passo que, na segunda raramente há um único evento principal a ser assinalado, operando antes uma série de impressões afetivas – toda uma história de sofrimentos. Mas não é nada forçado equiparar essa história, que aparece como o fator determinante nos pacientes histéricos, ao acidente que ocorre na histeria traumática, pois hoje não restam dúvidas de que, mesmo no caso do grande trauma mecânico da histeria traumática, o que produz o resultado não é o fator mecânico, mas o afeto de terror, o trauma psíquico. A primeira coisa que se deduz disso, portanto, é que o padrão da histeria traumática, tal como exposto por Charcot nas paralisias histéricas, aplica-se de maneira geral a todos os fenômenos histéricos, ou pelo menos à sua grande maioria. Na totalidade dos casos, aquilo com que temos que lidar é a atuação de traumas psíquicos, que determinam inequivocamente a natureza dos sintomas emergentes. (p 40)
O trauma aparece, em seu desenvolvimento teórico, tanto para Charcot, como para Breuer e para Freud, como algo que não pode ser assimilado pela consciência, seja pelo estado mental em que o sujeito se encontra quando a representação é recebida, seja pelo próprio teor do trauma, como Freud desenvolve ou, como mais adiante veremos, pela imaturidade do sujeito. De qualquer modo, Freud ainda defende a prática de Breuer, o método catártico, no tratamento da histeria:
Agora poderá ficar claro por que o método psicoterápico que descrevemos nestas páginas tem um efeito curativo. Ele põe termo à força atuante da representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, ao permitir que seu afeto estrangulado encontre uma saída através da fala; e submete essa representação à correção associativa, ao introduzi-la na consciência normal (sob hipnose leve) ou eliminá-la por sugestão do médico, como se faz no sonambulismo acompanhado de anestesia. (p. 52)

É possível dizer que as teorias esboçadas junto a Breuer sobre os estados hipnóides e a catarse são interessantes à Freud na medida em que abordam a questão do trauma. Certamente Freud não compartilha com Breuer o mesmo entendimento desse conceito, em especial. Vejamos como ele será fundamental para o nascimento da psicanálise, em que Freud faz quase equivaler trauma, histeria e inconsciente.

d) Os passos de Freud
O que está em jogo para Freud é também o trauma e a divisão da consciência. A histeria, para ele, é definida por um núcleo traumático. No entanto, parece que enxerga algo além de um simples dissociação da consciência tal como é proposto como fenômeno primário para Janet, ou mesmo além da tendência à formação dos supostos estados hipnóides de Breuer. A questão passa a ser, aos olhos de Freud, concernente ao teor do trauma, a seu conteúdo. Breuer parece ao menos adiantar-se à Janet, considerando a divisão da consciência como fenômeno secundário. No entanto, Freud não se contentará com a explicação dos estados hipnóides, começando o esboço do que viria a ser uma característica do mecanismo da histeria: a defesa.
Charcot e Janet não se importavam, em absoluto, pelo conteúdo da representação que consistia no trauma. Era, sim, o estado do sujeito ao receber uma representação qualquer em sua consciência que a elevaria à categoria de trauma. Breuer assim o pensava, também, apesar de compartilhar com Freud algumas considerações sobre o conteúdo da representação. Freud, no entanto, parece sempre dar importância a esse fator. Já em sua segunda Comunicação Preliminar faz a tentativa de encaixar sua apurada percepção em meio a rede teórica construída nos Estudos... dividindo dois grupos distintos de condições sob as quais as lembranças se tornariam patogênicas, ou seja, traumas. Sobre o primeiro, diz:
as lembranças a que se podem vincular os fenômenos histéricos têm como conteúdo representações que envolveram um trauma tão grande que o sistema nervoso não teve forças para manipula-lo de nenhuma forma, ou representações às quais foi vedada a reação por motivos sociais (isso se aplica amiúde à vida conjugal); ou, por fim, o sujeito pode simplesmente recusar-se a reagir, pode não querer reagir ao trauma psíquico. (p. 46)
Ou seja, nesse primeiro grupo, o fator determinante é o conteúdo representativo do trauma. Enquanto isso, Freud estabelece, no segundo grupo, o fator determinante como a tendência à dissociação da consciência, possibilitando que qualquer representação possa ser isolada da consciência, emergindo nos estados hipnóides:
No entanto, num segundo grupo de casos, a razão da ausência de reação não está no teor do trauma psíquico, mas em outras circunstâncias, pois é muito frequente constatarmos que o conteúdo e os fatores determinantes dos fenômenos histéricos são eventos em si mesmos bastante triviais, mas que adquiriram alta significação pelo fato de terem ocorrido em momentos especialmente importantes, quando a predisposição do paciente havia aumentado patologicamente. (p. 46 e 47)
Pois bem, um ano mais tarde, ao redigir seu artigo sobre As Neuropsicoses de Defesa, Freud propõe uma segunda divisão, essa feita entre três tipos de histeria. A primeira, a histeria de Breuer: a histeria dos estados hipnóides; a segunda, o que chama de histeria de retenção, na qual postula que
a divisão da consciência desempenha um papel insignificante, ou talvez nulo. Trata-se de casos em que aconteceu apenas uma falta de reação aos estímulos traumáticos, e que podem, consequentemente, ser resolvidos e curados por "ab-reação". Essas são as "histerias de retenção" puras". (p. 54)
Finalmente, o terceiro tipo de histeria, que recebe o nome de histeria de defesa. É o início da trajetória freudiana, propriamente dita, rumo ao inconsciente. Para Freud, a divisão do conteúdo da consciência acontece devido à vontade do próprio paciente, proveniente de uma incompatibilidade da representação isolada na vida representativa do mesmo. À partir daí, esse núcleo traumático rege a composição dos sintomas histéricos.
Esses pacientes que analisei, portanto, gozaram de boa saúde mental até o momento em que houve uma ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa – isto é, até que seu eu se confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua capacidade de resolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio da atividade do pensamento. (p. 55)
Incompatibilidade essa, representando a teoria da ab-reação, agora já desenvolvida, que só pode ser da ordem do desejo.
Essa tese de sua autoria se estenderá a outros quadros patológicos, agrupados pelo termo "Psiconeuroses" "Neuroses de Defesa", que abarca fobias, obsessões e certas psicoses alucinatórias. Em época posterior, ao fazer suas Observações Adicionais Sobre as Neuropsicoses de Defesa, Freud conclui
Minhas observações durante os dois últimos anos de trabalho fortaleceram-me a tendência de considerar a defesa como ponto nuclear no mecanismo psíquico das neuroses em questão, e também me capacitaram a fornecer uma fundamentação clínica a essa teoria psicológica. (p. 163)
A Histeria de Defesa, classificada como neurose de defesa nesse momento por Freud, constituirá a base mesma do que conheceríamos como a "neurose", diagnóstico diferencial diferente da psicose e da perversão. Utilizando uma terminologia que tem início em seu Projeto..., Freud assim nos explica seu mecanismo:

A tarefa que o eu se impõe, em sua atitude defensiva, de tratar a representação incompatível como "non-arrivé", simplesmente não pode ser realizada por ele. Tanto o traço mnêmico como o afeto ligado à representação lá estão de uma vez por todas e não odem ser erradicados. Mas uma realização aproximada da tarefa se dá quando o eu transforma essa representação poderosa numa representação fraca, retirando-lhe o afeto – a soma de excitação – do qual está carregada. A representação fraca não tem então praticamente nenhuma exigência a fazer ao trabalho da associação. Mas a soma de excitação desvinculada dela tem que ser utilizada de alguma outra forma. (p. 56)
Portanto, os sintomas neuróticos podem ser explicados à partir dessa utilização da soma do afeto que, desvinculado à representação incompatível, é empregado de maneira diversa. A relação com a defesa vem daí, no sentido de que o eu furta-se da tarefa de receber essa representação, recalcando-a e desviando o afeto a ela anteriormente ligado. Essa explicação serve para esclarecer os sintomas histéricos mais característicos: os sintomas de conversão. Segundo Freud, a histeria possuiria a capacidade de transpor a soma de excitação resultante da operação de defesa para a inervação somática, ao contrário das obsessões e fobias, o que produziria os ataques histéricos mais típicos, tão enfatizados por Charcot.
Ao estabelecer o núcleo traumático como o faz posteriormente, como veremos, e estender o trauma a todo homem que se disponha a aceitar a condição de ser humano, o mecanismo da neurose de defesa será considerado o terreno inaugural sobre qual a vida psíquica do sujeito se sustentará.
Dizemos que na frase utilizada por Freud e Breuer
os histéricos sofrem principalmente de reminiscências,
é Freud quem entende o verdadeiro significado das reminiscências, de seu cunho traumático e de sua atuação na formação dos sintomas. Além disso, coloca a dita "divisão da consciência" em seu devido lugar: como produto. Até onde podem ser levadas essas considerações, levando em conta o tempo e a constituição do sujeito, é o que Freud desafiará.

e) O traumático é sexual, o sexual é traumático?
Nos primeiros artigos publicados por Freud – inclusive aqueles que tinham Breuer como autor – o teor sexual concernente às representações traumáticas já era posto em evidência. No entanto, é no momento em que Freud põe-se a escutar suas pacientes histéricas mais atentamente que é possibilitado o desenvolvimento desse fator até suas últimas consequências. Esse trabalho começa a desenhar-se em 1896, em seu artigo Observações adicionais sobre as Neuropsicoses de Defesa, e terá como efeito o rompimento efetivo com seu colega e amigo, Breuer, no que diz respeito às suas concepções teóricas e, consequentemente, à relação entre os dois. Freud assim introduz o referido artigo:
Em publicações anteriores, Breuer e eu já expressávamos a opinião de que os sintomas da histeria só poderiam ser compreendidos se remetidos à experiências de efeito traumático referindo-se esses traumas psíquicos à vida sexual do paciente. O que tenho a acrescentar aqui, como resultado uniforme das análises efetuadas por mim em treze casos de histeria, diz respeito, por um lado, à natureza desses traumas sexuais e, por outro, ao período da vida em que eles ocorrem. Para causar a histeria, não basta ocorrer em algum período da vida do sujeito um evento relacionado com sua vida sexual e que se torne patogênico pela liberação e supressão de um afeto aflitivo. Pelo contrário, tais traumas sexuais devem ter ocorrido na tenra infância. (p. 164)
O que Freud diz, portanto, é que o trauma, o referido trauma, tão explorado pelos outros autores, é de natureza sexual – chegaremos à segunda parte da citação, referente à sexualidade na infância. Essa concepção restringe bastante a amplitude do trauma, como proposto anteriormente, e coloca a teoria da histeria frente a uma encruzilhada: ou o componente sexual do trauma não significa coisa alguma, e continua-se a ignorar o conteúdo do trauma, ou esse constitui parte fundamental do trauma, e consequentemente da histeria.
Breuer não irá se opor à importância da sexualidade no teor do trauma na histeria. Como citado anteriormente, será essa importância levada às últimas consequências, por Freud, que afastará seu colega.
A escuta de suas pacientes permite à Freud ir mais além da sexualidade que se mostra nos tratamentos levados à cabo pela hipnose ou pelo método catártico. O que irá perceber é que as representações rememoradas pelas pacientes, reproduzidas conscientemente segundo os moldes da catarse, não são aquelas que constituem o centro do trauma, o trauma último, poderíamos dizer, ou primeiro. É esse núcleo que se supõe verdadeiro parasita e gerador dos sintomas que Freud busca, e que o faz abandonar os métodos que até então utilizava. Isso porque esses métodos não proporcionavam a profundidade desejada, para tornar possível alcançar aquilo que era verdadeiramente a causa da histeria. Além disso, as representações que emergiam durante suas aplicações eram nada mais do que representantes associadas ao trauma central, e que existiam respondendo ao objetivo de defesa proposto por Freud, considerando que o trauma era o que de fato possuía a característica de apresentar uma incompatibilidade com a vida representativa consciente do sujeito. Ele estava interessado no que não sabiam os pacientes sobre si mesmos, coisa que não era possível alcançar pelos métodos de hipnose e catarse. Ilustremos, com suas palavras, sua insatisfação com essas práticas por meio de sua consideração que orienta a classificação de uma lembrança que emerge durante o tratamento como trauma:

A atribuição de um sintoma histérico à cena traumática só auxilia nossa compreensão quando a cena atende a duas condições: quando possui a pertinente adequação para funcionar como determinante e quando tem, reconhecidamente, a necessária força traumática. [...] Suponhamos que o sintoma em exame seja o vômito histérico; nesse caso, consideraremos que nos foi possível compreender sua causação (exceto por um certo resíduo) se a análise atribuir o sintoma a uma experiência que tenha justificavelmente produzido uma alta dose de repugnância – por exemplo, a visão de um cadáver em decomposição. Mas se, em vez disso a análise nos mostrar que o vômito proveio de um grande susto, como, por exemplo, num acidente ferroviário, ficaremos insatisfeitos e teremos que nos perguntar por que o susto levou ao sintoma específico do vômito. A essa derivação falta a adequação como determinante. Teremos outro caso de explicação insuficiente se o vômito for supostamente proveniente, digamos, de se ter comido uma fruta parcialmente estragada. Aqui, é verdade, o vômito é determinado pela experiência, mas não podemos compreender como, nesse caso, a náusea ter-se-ia tornado tão poderosa a ponto de se perpetuar num sintoma histérico; falta a experiência força traumática. (p. 191)
e, à partir dessa, conclui:
Consideremos agora até que ponto as cenas traumáticas da histeria descobertas pela análise preenchem, num grande número de sintomas e casos, os dois requisitos que nomeei. Aqui deparamos com nossa primeira grande decepção. Realmente é verdade que a cena traumática de que se origina o sintoma possui, ocasionalmente, as duas qualidade – a adequação como determinante e força traumática – de que precisamos para a compreensão do sintoma. Com muito mais frequência, porém, com frequência incomparavelmente maior, encontramos realizada uma de três outras possibilidades muito desfavoráveis à compreensão: ou a cena a que somos conduzidos pela análise e na qual o sintoma apareceu pela primeira vez parece-nos inadequada para determina-lo, no sentido de que seu conteúdo não tem nenhuma relação com a natureza do sintoma; ou a experiência supostamente traumática, embora tenha de fato uma relação com o sintoma, revela ser uma impressão normalmente inócua e, via de regra, incapaz de produzir qualquer efeito; ou, finalmente, a "cena traumática" nos deixa às escuras em ambos os aspectos, afigurando-se ao mesmo tempo inócua e sem relação com o caráter do sintoma histérico. (p. 192)
Freud ainda faz, de passagem, uma crítica à teoria de Breuer, dos estados hipnóides, baseando-se nas considerações por ele configuradas nesses dois trechos que se mostram pertinentes ao esclarecimento da polaridade que se estabelece entre suas concepções sobre o trauma na histeria, ilustrando o porque do abandono por Freud do método catártico:
a concepção de Breuer sobre a origem dos sintomas histéricos não é abalada pela descoberta de cenas traumáticas que correspondem a experiências insignificantes em si mesmas. Isso porque Breuer presumiu – segundo Charcot – que mesmo uma experiência inócua pode ser elevada à categoria de um trauma e desenvolver força determinante, se acontecer com o sujeito num momento em que ele se achar num estado psíquico especial – no que se descreve como estado hipnóide. Considero, porém, que muitas vezes não há nenhum fundamento para se pressupor a presença de tais estados hipnóides. O que permanece decisivo é que a teoria dos estados hipnóides em nada contribui para a solução das outras dificuldades, a saber, que falta frequentemente às cenas traumáticas adequação como determinantes. (p. 192)
Para atender à essa demanda, os métodos elaborados por Freud são a sugestão e, posteriormente e finalmente, a associação livre. Põe-se fim, portanto à hipnose e à catarse para que se possa atentar ao conteúdo trazido pelo sujeito em suas associações livres, esperando-se que a lógica por trás de seus elos revelem, tanto ao analista, quanto ao sujeito, a verdadeira cena traumática que permanecia desconhecida, suprimindo, assim, os sintomas histéricos:
Mas talvez tudo de que precisamos seja uma ideia nova para nos ajudar a sair de nosso dilema e nos levar a resultados valiosos. A ideia é a seguinte. Como sabemos através de Breuer, os sintomas histéricos podem ser resolvidos quando, partindo deles, conseguimos encontrar caminho de volta à lembrança de uma experiência traumática. Se a lembrança que descobrimos não atende à nossa expectativa, talvez devamos prosseguir um pouco mais no mesmo caminho; é possível que, por trás da primeira cena traumática, oculte-se a lembrança de uma segunda cena que satisfaça melhor a nossos requisitos e cuja reprodução tenha maior efeito terapêutico; de modo que a cena descoberta em primeiro lugar tem apenas a importância de um elo de ligação na cadeia de associações. E talvez essa situação se repita; cenas inoperantes poderão ser interpoladas mais de uma vez, como transições necessárias no processo de reprodução, até que encontremos finalmente nosso caminho desde o sintoma histérico até a cena que é efetivamente traumatizante e satisfatória em ambos os aspectos, tanto terapêutica como analiticamente. (p. 193)
Afinal revela, por meio da lógica exposta pelas citações, e adotando, agora, uma nova prática, a da associação livre, que essa cena "efetivamente traumatizante", que possui ambas as características que dão ao trauma sua conotação, a adequação como determinante e a força traumática, é pertencente à esfera sexual:
qualquer que seja o caso e qualquer que seja o sintoma que tomemos como ponto de partida, no fim chegamos infalivelmente ao campo da experiência sexual. Aqui, portanto, pela primeira vez, parece que descobrimos uma precondição etiológica dos sintomas histéricos. (p. 196)
Freud via algo de traumático na sexualidade e é por isso que constrói seu argumento que relaciona o trauma operante na histeria com o sexual. A histeria como doença tem esse traço característico (trauma de natureza sexual), que como fator etiológico a define nosograficamente. Entretanto, para que se pudesse explicar porque todos os traumas observados na histeria possuíam essa característica de dizerem respeito à sexualidade, foi necessário à Freud que levasse sua hipótese de observação para a clínica, na aplicação do método da associação livre. Segundo ele, seria desvelada, em última instância, após percorrer-se a rede de associações, a resposta sobre a histeria. É nesse momento que Freud descobrirá algo que se tornará a peça mais fundamental de sua obra, fazendo desenvolver-se todos os demais conceitos da psicanálise. Aqui podemos colocar o marco de nascimento da ciência que criará, e nomeará Psicanálise. Percebamos como esse marco está diretamente relacionado com a prática da associação livre, que o próprio Freud considera como o nascimento da psicanálise. Isso porque as consequências últimas de sua descoberta não são elaboradas imediatamente, mas a partir de um processo: processo de hipóteses teóricas, possibilitadas e revertidas à prática psicanalítica. A descoberta de Freud é o inconsciente.

f) A sedução
A escuta empenhada por Freud das associações de suas pacientes histéricas lhe revelam a posição nuclear da sexualidade na causação de seus sintomas, e portanto diz respeito à natureza própria do trauma. De que lembranças estamos tratando, aqui? E o que apreendemos delas sobre a etiologia da histeria? Freud nos dá a explicação, passo a passo:
Eventualmente, portanto, após terem convergido as cadeias de lembranças, chegamos ao campo da sexualidade e a um pequeno número de experiências que ocorrem, em sua maior parte, no mesmo período da vida – ou seja, na puberdade. Ao que parece, é nessas experiências que devemos procurar a etiologia da histeria, e é através delas que aprenderemos a compreender a origem dos sintomas histéricos. Mas aqui encontramos uma nova e seríssima decepção. É verdade que nessas experiências, descobertas com tanta dificuldade e extraídas de todo o material mnêmico, e que pareceriam se as experiências traumáticas máximas, têm em comum as duas características de serem sexuais e ocorrerem na puberdade; mas em todos os outros aspectos, elas diferem muito entre si, tanto em espécie como em importância. (p. 197)
Vemos por esse trecho como Freud não se satisfaz apenas com materiais diversos de cunho sexual trazidos pelas associações das histéricas. Ele procura, isso sim, algo que possa preencher a lacuna deixada até então pelas teorias que abordam a histeria. A manobra de Charcot, por exemplo, para dar alguma consistência lógica à sua rede conceitual, foi colocar aí o fator hereditário. Como pudemos observar, a teoria do mestre francês considera os sintomas da histeria como meros agents provocateurs, nas palavras de Freud, baseando-se na suposição hereditária como a verdadeira etiologia da neurose histérica. Freud, à partir do método da associação livre, passa a considerar a existência de um trauma último, algo que pudesse obedecer a uma certa uniformidade, servindo então à caracterização etiológica final da histeria e abandonando o apelo radical à hereditariedade.
Ao continuar sua investigação, agora já adentrando no campo psicanalítico propriamente dito, Freud consegue finalmente encontrar uma trama presente no discurso das histéricas que obedeceria à uniformidade almejada, bem como às características de adequação como determinante e força traumática do trauma. Cito-o:
Pois agora estamos realmente no fim de nosso cansativo e penoso trabalho analítico, e aqui vemos a realização de todas as pretensões e expectativas em que vínhamos insistindo. Se tivermos a perseverança de avançar na análise até atingir a primeira, retrocedendo até onde a memória humana é capaz de alcançar, invariavelmente levaremos o paciente a reproduzir experiências que, graças a seus traços peculiares e suas relações com os sintomas da doença posterior, devem ser consideradas como a procurada etiologia de sua neurose. Essas experiências infantis são, mais uma vez, de conteúdo sexual, mas de um tipo muito mais uniforme do que as cenas da puberdade anteriormente descobertas. Não se trata mais de temas sexuais que tenham sido despertados por uma ou outra impressão sensorial, mas de experiências sexuais que afetaram o próprio corpo do sujeito – de contato sexual (no sentido mais amplo). Os senhores hão de admitir que a importância dessas cenas dispensa provas adicionais; a isso podemos agora acrescentar que, na totalidade dos casos, os senhores poderão descobrir, nos detalhes das cenas, os fatores determinantes que talvez faltassem às outras cenas – às cenas que ocorreram mais tarde e foram primeiro reproduzidas. (p. 199 e 200)
Pode-se afirmar que nesse momento Freud faz nada menos do que "dar boas-vindas" ao leitor no campo da psicanálise. A grande novidade que irá compor as novas especulações teóricas psicanalíticas é a existência de uma sexualidade infantil, que ainda não se configura como a encontraremos posteriormente desenvolvida, mas que contém traço fundamental cuja compreensão se faz necessária para o encadeamento lógico dos conceitos psicanalíticos. Freud nos relata o processo dessa descoberta e a lógica por trás dessa hipótese da seguinte forma:
chegamos ao período da primeira infância, a um período anterior ao desenvolvimento da vida sexual; e isso pareceria envolver o abandono de uma etiologia sexual. Mas será que não temos o direito de presumir que nem mesmo a infância é desprovida de leves excitações sexuais, e que o futuro desenvolvimento sexual talvez seja decisivamente influenciado pelas experiências infantis? As lesões sofridas por um órgão ainda imaturo, ou por uma função em processo de desenvolvimento, frequentemente causam efeitos mais graves e duradouros do que causariam em época mais madura. Talvez a reação anormal às impressões sexuais, que nos surpreende nos sujeitos histéricos na fase da puberdade, baseie-se, muito genericamente, nesse tipo de experiências sexuais na infância, caso em que tais experiências deverão ser de natureza uniforme e importante. Se assim for, estará aberta a perspectiva de que o que até agora se atribuiu a uma predisposição hereditária ainda inexplicada possa ser compreendido como algo adquirido em tenra idade. (p. 198 e 199)
Sua tese inicial é, portanto, de que:
na base de todos os casos de histeria, há uma ou mais ocorrências de experiência sexual prematura, ocorrências estas que pertencem aos primeiros anos da infância, mas que podem ser reproduzidas através do trabalho da psicanálise a despeito das décadas decorridas no intervalo. Creio que essa é uma descoberta importante, a descoberta de uma caput Nili na neuropatologia. (p. 200)
Segundo Freud,
os conteúdos das cenas infantis revelam-se como complementos indispensáveis à estrutura associativa e lógica da neurose, e sua inserção evidencia pela primeira vez o curso de desenvolvimento da neurose, ou mesmo, como muitas vezes poderíamos dizer, torna-o auto-evidente" (p. 202)
As experiências sexuais infantis vêm, assim, ocupar o lugar do trauma, esse irredutível associativamente, que vai ser considerado como o último causador dos sintomas histéricos. Retrocedendo às teorias anteriores, agora, com essa descoberta em evidência, podemos perceber porque o tratamento da histeria era ineficaz: não atingia sua verdadeira etiologia. Freud assim o percebe:

Há casos em que se pode obter uma cura parcial ou completa sem que tenhamos de nos aprofundar nas experiências infantis. E há outros em que não se obtém absolutamente nenhum sucesso até que a análise chegue a seu fim natural, com a descoberta dos traumas mais primitivos. A meu ver, nos primeiros casos, não temos garantia contra recaídas; e é minha expectativa que uma psicanálise completa implique uma cura radical da histeria. (p. 202)
Dizer isso é bastante semelhante a dizer, como Charcot e Breuer o faziam, que o tratamento da histeria não pode ser realizado de maneira completa atuando-se em algo que se considerava superfícial, e que deveria incidir no campo hereditário ou da predisposição natural. A diferença de Freud é que, por sua genialidade, e motivado por um desejo de saber, que o fez ouvir as histéricas, quebra essas barreiras cientificistas em prol de uma teoria muito mais apurada e lógica. À partir de então, abre as portas do calabouço onde estava aprisionada a histeria, postulando a possibilidade de uma cura.
Nesse período Freud já passa a usar termos como "inconsciente", "eu" e "recalque" como um desenvolvimento psicanalítico da tese sobre a histeria de defesa relacionada ao trauma.
Posso também recordar-lhes que, há alguns anos, eu próprio apontei um fator, até então pouco considerado, ao qual atribuo o papel principal na provocação da histeria depois da puberdade. Propus então a ideia de que a eclosão da histeria pode ser quase invariavelmente atribuída a um conflito psíquico que emerge quando uma representação incompatível detona uma defesa por parte do eu e solicita um recalcamento. Na época, eu não soube dizer quais seriam as circunstâncias em que um esforço defensivo desse tipo teria o efeito patológico de realmente jogar no inconsciente uma lembrança que fosse aflitiva para o eu e de criar um sintoma histérico em seu lugar. Hoje, porém, posso reparar essa omissão. A defesa cumpre seu propósito de arremessar a representação incompatível para fora da consciência quando há cenas sexuais infantis presentes no sujeito (até então normal) sob a forma de lembranças inconscientes, e quando a representação a ser recalcada pode vincular-se em termos lógicos e associativos com uma experiência infantil desse tipo. (p. 206)
Os processos da divisão da consciência pensados anteriormente são descartados pela descoberta desse nível último do trauma que possibilita o entendimento do mecanismo real de formação dos sintomas histéricos. Veremos que, apesar de ainda opor a histeria, que como vemos pertence ao registro da "defesa" – recebendo o título de neurose de defesa–, às neuroses atuais, ou seja, aquelas cujos sintomas não encontram sustentação nas experiências sexuais infantis recalcadas, Freud atentará muito mais ao núcleo traumático infantil e destituirá tal divisão nosográfica por descobrir a universalidade da sexualidade infantil no ser humano à partir da sedução. Ao mecanismo do processo de defesa em relação à representação do trauma que emerge do inconsciente, quando ocorre a formação dos sintomas histéricos, é que Freud dará o nome de "trauma em dois tempos". Ou seja, as lembranças que envolvem cunho sexual e que pertencem ao núcleo traumático, as cenas de sedução, permanecem inconscientes até que algum evento desestabilize o processo do recalcamento, a defesa, fazendo acontecer, portanto, os sintomas histéricos como estratégia de defesa. Então revelamos que na data da ocorrência do trauma não podemos chama-lo trauma, já que ganha essa conotação por sua ressignificação. Vejamos brevemente o que Freud expressa à esse respeito:
Desse modo obtemos uma indicação de que é necessário um certo estado infantil das funções psíquicas, assim como do sistema sexual, para que uma experiências sexual ocorrida durante esse período produza, mas tarde, sob a forma de lembrança, um efeito patogênico. (p. 208)
Para que fosse possível chegar à essas conclusões, postulando o trauma máximo que sustenta todos os sintomas por sobredeterminação como uma experiência sexual prematura na infância, foi necessário, como já dito, um empenho na escuta de suas pacientes, via associação livre, já que acreditava que tinham algo a dizer. Feito isso, Freud encontra, nas associações lembradas pelas pacientes, que compunham o trauma, algo que muito interessa à compreensão psicanalítica: a sedução. Escreve Freud, principalmente em dois artigos denominados Observações Adicionais Sobre as Neuropsicoses de Defesa e A Etiologia da Histeria que o conteúdo do trauma consiste em uma sedução sexual por parte de um adulto, que desperta precocemente a sexualidade da criança a partir da excitação de seu corpo. A cena de sedução, agora equivalente ao trauma, é responsável pela formação dos sintomas histéricos que posteriormente virão a se estabelecer, compondo a neurose.
Nesse momento notamos como a histeria consiste o núcleo traumático à que corresponde a neurose, que levou Freud à elaboração da teoria psicanalítica, considerada por ele uma "psicologia das neuroses". Segundo ele, a histeria tem como conteúdo da representação incompatível uma cena de passividade sexual na infância, enquanto a obsessão uma cena de atividade sexual. Daí, por exemplo, a preferência da histeria pelas mulheres e da obsessão pelos homens. No entanto, Freud atesta a primazia da histeria em uma construção lógica na qual afirma primeiro que:
as experiências sexuais da primeira infância têm na etiologia da neurose obsessiva a mesma importância que na histeria. Aqui, entretanto, não se trata mais de passividade sexual, mas de atos de agressão praticados com prazer e de participação prazerosa em atos sexuais – ou seja trata-se de atividade sexual. (p. 168)
mas completa:
em todos os meus casos de neurose obsessiva, descobri um substrato de sintomas histéricos, que puderam ser atribuídos a uma cena de passividade sexual que precedeu a ação prazerosa. Suspeito de que essa coincidência não seja fortuita, e de que a agressividade sexual precoce implique sempre uma experiência prévia de ser seduzido. (p. 168 e 169)
Acusaremos Freud de deixar-se enganar pela histeria? É verdade que ele chega a sustentar a realidade dos eventos de sedução relatados pelas histéricas. No entanto, existe uma verdade na teoria da sedução que é fundamental para o entendimento da histeria, podendo ser considerada como sua pedra angular, a verdadeira trama a ser descoberta por Freud e que será responsável pelo surgimento da psicanálise como ciência. Essa verdade, que dirá respeito à fundação do inconsciente e traçará o caminho para a conceituação das demais estruturas psíquicas, que a ela respondem, é o par Édipo/Castração, a posição de objeto em que se encontra, de início, o ser humano e o verdadeiro trauma – equivalente ao trauma máximo – que consiste no processo de subjetivação: o inconsciente o atesta.

g) A histeria e a passividade
O que sabia Freud, afinal, sobre a histeria? Após toda sua trajetória que teve o trauma como fio condutor, Freud nos explica: a histeria é a estrutura na qual o trauma pode ser compreendido. Em outras palavras, histeria é defesa ao trauma. Essa construção lógica será de extrema importância, tanto na distinção da histeria em relação às psicoses e à perversão, quanto na determinação de sua identidade nuclear em relação à obsessão e às fobias. O que Freud descobriu, portanto, em sua exploração do trauma via associação livre de suas pacientes foi algo que talvez não esperasse: não só o trauma é de ordem sexual, como está situado na infância, nos primórdios do inconsciente, e ligado à uma cena de sedução sexual por parte de um adulto.
No entanto, aqui acontece uma reviravolta. A veracidade dos relatos trazidos pelo discurso das histéricas, que denunciavam uma cena de sedução sexual experimentada passivamente na infância é posto em cheque, desmascarando o desejo que ali jazia. Portanto, o que na verdade permanece no inconsciente como representante do trauma é um desejo. As cenas reproduzidas pelas pacientes de Freud perdem o estatuto de verdade, dando lugar à fantasia.

convém lembrar que, na época em que o escrevi, eu ainda não me havia libertado de minha supervalorização da realidade e minha subvalorização da fantasia. (nota de rodapé p. 201)
O que Freud perceberá é que, na verdade, a incompatibilidade entre vida representativa do eu e o inconsciente é o desejo de ser seduzido. Entretanto, não descartemos a sedução como fato. Ela existe, estando intimamente relacionada com a fantasia. Afinal, se é real o desejo de ser é porque, de algum modo, foi. A sedução, no entanto, é de outra ordem, que não a da perversão do adulto, mas da neurose. E quem de início desperta a sexualidade infantil, fazendo da criança seu objeto de desejo e estimulando o prazer erógeno é sua mãe.
Em uma carta dirigida à Wilheim Fliess, datada de 1897, Freud escreve:
Confiar-lhe-ei de imediato o grande segredo que lentamente comecei a compreender nos últimos meses. Não acredito mais em minha neurótica. (p. 315)
E os motivos para essa descrença são apresentados logo em seguida. Além do fracasso de suas tentativas de êxito nas análises, é posto que:
o pai, não excluindo o meu, tinha de ser apontado como pervertido – a constatação da inesperada frequência da histeria, na qual o mesmo fator determinante é invariavelmente estabelecido, embora, afinal, uma dimensão tão difundida da perversão em relação às crianças não seja muito provável. (A perversão teria de ser incomensuravelmente mais frequente do que a histeria, de vez que a doença só aparece quando há uma acumulação de eventos e quando sobrevém um fator que enfraquece a defesa.) Depois, em terceiro lugar, a descoberta comprovada de que, no inconsciente, não há indicações da realidade, de modo que não se consegue distinguir entre a verdade e a ficção que é investida com o afeto. (Assim, permanecia aberta a possibilidade de que a fantasia sexual tivesse invariavelmente os pais como tema.) Em quarto lugar, a reflexão de que, na psicose mais profunda, a lembrança inconsciente não vem à tona, não sendo, pois, revelado o segredo das experiências da infância nem mesmo no delírio mais confuso. (p. 316)
Ora, a conclusão a que chega Freud à partir desse impasse é da mais suma importância, e diz respeito à construção final do conceito de inconsciente.
Freud havia formulado a hipótese de que a sexualidade infantil era consequência da sedução, e portanto fenômeno restrito àqueles que havia passado por tal experiência. Esse pensamento, se bem analisado, não é incorreto. No entanto, o que Freud reavalia é, além da perversão dos adultos na participação da sedução, a consequente extensão universal da sexualidade infantil, bem como a também consequente presença universal do trauma e da neurose – afora os psicóticos e perversos. Freud já desde sempre percebe os homens "saudáveis" como também inscritos na lógica do inconsciente de alguma maneira análoga à histeria. Quando desenvolvia a teoria da ab-reação, por exemplo, escreve:
o primeiro homem a desfechar contra seu inimigo um insulto, em vez de uma lança, foi o fundador da civilização. Portanto, as palavras são substitutas das ações. (p. 45)
Ora, quem é, nesse momento da teoria da ab-reação, aquele que falha em responder com uma ação adequada (no caso, desfechar uma lança) que não o sujeito histérico?
Podemos demarcar então o surgimento do inconsciente, representante do novo trauma elaborado por Freud, trauma que consiste no processo de estabelecimento da sexualidade no ser humano: o édipo e o recalque. Freud enfatiza que os sintomas neuróticos são satisfações substitutivas desse primeiro desejo em relação à mãe, denotando o fracasso do recalque. A histeria é produzida a partir do recalque, mas será sua grande delatora.


h) O Caso Dora: entre a histeria e a feminilidade
Em 1905 Freud publica seu Fragmento da análise de um caso de histeria, o caso de uma jovem histérica por ele tratada entre 1898 e 1902, que será conhecido como "O Caso Dora". A grande importância desse caso é localizada no saber produzido pela interrupção do tratamento por parte da paciente, sem que a análise chegasse à seu fim natural. O que Dora traz ao primeiro plano é o papel fundamental da mulher no processo pelo qual a histeria vem a se constituir, o complexo de castração, que põe em evidência o complexo de Édipo. Vejamos como se dá o Caso Dora, tal como relatado por Freud no texto, para que possamos tirar as conclusões necessárias ao desenvolvimento da teoria psicanalítica.
Freud aceita Dora em análise quando essa tinha dezoito anos. O quadro clínico, como por ele apresentado, consistia na presença de sintomas somáticos e psíquicos que considera característicos da histeria. Na apresentação do caso, Freud nos diz que o caso de Dora se trata
de uma "petit hysterie" com os mais comuns de todos os sintomas somáticos e psíquicos: dispnéia, tussis nervosa, afonia, e possivelmente enxaquecas, junto com depressão, insociabilidade histérica e um taedium vitae que provavelmente não era muito levado à sério. (p. 33)
Á partir daí, Freud começa o tratamento via método da associação livre, que possibilitaria a cura da histeria, como vimos, ao decifrar os sintomas que foram construídos à partir de uma de defesa à representação recalcada que incompatibiliza com a vida representativa do eu, revelando o desejo inconsciente. Todas as conclusões a que chegou Freud devem-se a essa prática, que pôde revelar a verdadeira trama que jazia por trás do conteúdo manifesto da paciente – o que inclui seus sintomas. Para que a possamos compreender, no entanto, devemos adentrar seu caso.
O circulo familiar de Dora, Segundo Freud
incluía, além dela própria, seus pais e um irmão um ano e meio mais velho que ela. O pai era a pessoa dominante desse círculo, tanto por sua inteligência e seus traços de caráter como pelas circunstâncias de sua vida, que forneceram o suporte sobre o qual se erigiu a história infantil e patológica da paciente. (p. 29)
No curso de suas relações, Freud enfatiza que a paciente era muito apegada ao pai, em contraste à sua relação com sua mãe. Segundo ele, enquanto Dora pendia para o lado do pai, menosprezando a mãe, seu irmão fazia o contrário. Sobre isso, comenta:
Assim, a costumeira atração sexual aproximara pai e filha, de um lado, e mãe e filho, de outro. (p. 31)
Quando Dora contava seus seis anos seu pai adoeceu de tuberculose, o que obrigou a família a mudar-se para uma cidadezinha de clima mais propício: B. Lá, então, fizeram uma íntima amizade com um casal, que conheceremos no relato de Freud por Sr. e Sra. K.
O pai de Dora e a Sra. K mantinham uma relação muito íntima e, apesar de o próprio homem ter alegado a Freud a inocência dessa relação, para Dora,
não havia nenhuma dúvida de que o que ligava seu pai àquela mulher jovem e bonita era um relacionamento amoroso. (p. 41)
Freud nos relata, então, um episódio contemporâneo ao início do tratamento psicanalítico, em que Dora, justificando sua recusa em passar um período de tempo na casa dos K., alega que
o Sr. K tivera a audácia de lhe fazer uma proposta amorosa, durante uma caminhada depois de um passeio no lago. (p. 35)
Pai e tio de Dora chamam o homem à prestar contas sobre o assunto, que nega
do modo mais enfático possível qualquer atitude de sua parte que pudesse ter dado margem a essa interpretação, (p. 35)
lançando suspeitas sobre a possibilidade de Dora ter imaginado a cena que descrevera, já que
segundo soubera pela Sra. K., só mostrava interesse pelos assuntos sexuais, e que até na própria casa dele junto ao lago lera a Fisiologia do Amor, de Mantegazza, e livros semelhantes. (p. 35)
Segundo o pai de Dora, em relato à Freud, esse acontecimento, seria responsável
"pelo abatimento, irritabilidade e ideias suicidas de Dora. Ela vive insistindo em que eu rompa relações com o Sr. K., e em particular com a Sra. K., a quem antes positivamente venerava. Mas não posso fazer isso, primeiro porque eu mesmo acredito que a história de Dora sobre a impertinência imoral do homem é uma fantasia que se impôs a ela, segundo, porque estou ligado à Sra. K. por laços de honrosa amizade e não quero magoa-la" (p. 35)
Ora, escreve Freud:
A experiência de Dora com o Sr. K, – suas proposta amorosas a ela e a consequente afronta de sua honra – parece fornecer, no caso de nossa paciente, o trauma psíquico que Breuer e eu declaramos, no devido tempo, ser a condição prévia indispensável para a gênese de um estado patológico histérico. Mas este novo caso também mostra todas as dificuldades que depois me fizeram ir além dessa teoria, acrescidas de uma nova dificuldade de cunho mais especial. Como é tão frequente nos casos clínicos de histeria, o trauma que sabemos ter ocorrido na vida do paciente não basta para esclarecer a especificidade do sintoma, para determina-lo; entenderíamos tanto ou tão pouco de toda a história se, em vez de tussis nervosa, afonia, abatimento e taedium vitae, outros sintomas tivessem resultado do trauma. Mas há ainda a consideração de que alguns desses sintomas (a tosse e a perda da voz) tinham sido produzidos pela paciente anos antes do trauma, e que suas primeiras manifestações remontavam à infância, pois tinham ocorrido no oitavo ano de vida. Portanto, se não queremos abandonar a teria do trauma, devemos retroceder até a infância da moça e buscar ali influências ou impressões que pudessem ter surtido efeito análogo ao de um trauma. (p. 36 e 37)
Dito isso, Freud apresenta o relato de outra cena, comunicada pela paciente, que operaria como trauma sexual, já superadas essas "primeiras dificuldades do tratamento". Nela, Dora tinha apenas quatorze anos e o Sr. K, após uma manobra de intenção para reuni-los a sós
estreitou subitamente a moça contra si e depôs-lhe um beijo nos lábios. (p. 37)
Era, segundo Freud,
justamente a situação que, numa mocinha virgem de quatorze anos, despertaria uma nítida sensação de excitação sexual. (p. 37)
No entanto, não é assim que acontece com Dora. Ao contrário do suposto prazer sexual que experimentaria, o que sentiu foi repugnância, livrando-se de imediato do homem. Essa inversão de afeto é traço característico ha histeria, para Freud, que afirma:
Nessa cena – a segunda da sequência mas a primeira na ordem temporal –, o comportamento dessa menina de quatorze anos já era total e completamente histérico. Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em que uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos preponderantemente ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou não capazes de produzir sintomas somáticos. (p. 37 e 38)
Essa lembrança revelou ter sido o ponto de partida de vários dos sintomas somáticos de Dora, construídos por deslocamento da sensação. Dora manteve essa cena em segredo até sua confissão no tratamento, evitando a aproximação à sós com o Sr. K. por algum tempo.
Feitas todas essas considerações sobre o contexto do caso de Dora, devemos partir para as conclusões feitas por Freud no que concerne à elucidação da histeria de Dora, que nos revela não só o mecanismo e o desejo histérico, mas o caminho a se abordar a feminilidade.
Essa situação, em que o pai de Dora relacionava-se com a Sra. K. e optava por ignorar as investidas feitas a ela pelo Sr. K., a levou a considerar a si própria como objeto de troca, oferenda do pai ao Sr. K. para que esse não interferisse em suas relações com sua esposa:
Quando ficava com o ânimo exasperado, impunha-se a ela a concepção de ter sido entregue ao Sr. K. como prêmio pela tolerância dele para com as relações entre sua mulher e o pai de Dora; e por trás da ternura desta pelo pai podia-se pressentir sua fúria por ser usada dessa maneira. (p. 42 e 43)
A interpretação de Freud é: Dora esconde um amor recalcado pelo Sr. K. A conclusão vem da lógica que relaciona as acusações manifestas de Dora ao pai a uma autoacusação inconsciente. Segundo essa última, a paciente colocava-se como cúmplice da relação entre seu pai e a Sra. K., motivada por seu amor dirigido a seu marido:
extraia-se a mesma conclusão de que sua tácita aquiescência às relações do pai com a Sra. K., a saber, que em todos aqueles anos ela estivera apaixonada pelo Sr. K. (p. 45)
Portanto, esse seria o desejo inconsciente que, à partir da ressignificação sexual, pertencente à puberdade, das experiências sexuais infantis, passa a sustentar os sintomas histéricos de Dora. Sobre isso, Freud nos diz, nesse momento, que
Os fenômenos patológicos são, dito de maneira franca, a atividade sexual do doente. (p.

O amor infantil da menina, pertencente ao âmbito edípico, pela figura masculina, estaria traduzido aqui no amor de Dora pelo Sr. K. Essa hipótese ganha força já que inicialmente Freud concebe que o Complexo de Édipo acontece de modo exatamente inverso entre os sexos masculino e feminino: o amor do menino pela mãe e o desejo de eliminação do pai e o amor da menina pelo pai, acompanhado do desejo de eliminar a mãe.
Parece claro ao decorrer do caso que Dora procura um amor à figura masculina. Enquanto seu pai padecia de poder nesse quesito, não correspondendo às expectativas de Dora, o Sr. K. representa esse ideal. Em um dos sintomas que possuímos a descrição da interpretação de Freud, é visível esse desejo da moça de um Pai, aquele potente o bastante. Tal interpretação ilustra a tese de Freud de que o sintoma consiste na atividade sexual do doente, na realização de um desejo inconsciente.
Logo surgiu uma oportunidade de atribuir à tosse nervosa de Dora uma interpretação desse tipo, mediante uma situação sexual fantasiada. Quando ela insistiu mais uma vez que a Sra. K. só amava seu pai porque ele era "ein vermögender Mann" , certos pormenores da maneira como se expressou levaram-me a notar que por trás dessa frase se ocultava seu oposto, ou seja, que o seu pai era "ein unvermögender Mann". Isso só se poderia ser entendido num sentido sexual – que seu pai, como homem, era sem recursos, era impotente. Depois que Dora confirmou essa interpretação com base em seu conhecimento consciente, assinalei a contradição em que ela caía quando, por um lado, continuava a insistir em que as relações do pai com a Sra. K. era um caso amoroso corriqueiro e, por outro, asseverava que o pai era impotente e, portanto, incapaz de tirar proveito de tal relacionamento. Sua resposta mostrou que ela não precisava reconhecer a contradição. Ela sabia muito bem, disse, que há mais de uma maneira de se obter satisfação sexual.
Como lhe perguntei se ela se estava referindo ao uso de outros órgãos que não os genitais na relação sexual e ela respondeu afirmativamente, pude prosseguir dizendo que, nesse caso, ela devia estar pensando precisamente nas partes do corpo que nela se achavam em estado de irritação. (p. 53 e 54)
portanto, Freud conclui que
era irrecusável a complementação de que, com sua tosse espasmódica – que, como de hábito, tinha por estímulo uma sensação de cócega na garganta–, ela representava uma cena de satisfação sexual per os entre as duas pessoas cuja ligação amorosa a ocupava tão incessantemente. (p. 54)
O desejo se exprime dessa maneira, então, no sintoma de Dora. Além da interpretação de Freud dada à essa trama, em que ela amava o Sr. K. e assim estabelecia seu amor pelo desejo de manutenção da relação entre seu pai e a Sra. K., parece haver aí uma questão nuclear que deixa escapar, que diz respeito a um pai que é fraco. A realização de desejo encontrada nesse sintoma revela-nos que o teor desse último é, na verdade, que um pai pudesse responder à uma mulher em termos sexuais. Daí o desejo de relação sexual entre os dois. Podemos observar, no caso, que tanto o amor pelo Sr. K. quanto pelo próprio pai, ambos identificados por Freud no inconsciente de Dora, tem como núcleo algo diferente, chegando a confundirem-se entre si. Freud chega a atestar o amor de Dora pelo pai como sintoma, formação inconsciente defensiva que teria como representante inconsciente o amor pelo Sr. K. E, mesmo esse segundo deveria, em última análise responder a outro conteúdo:
Esse amor pelo pai, portanto, fora recentemente reavivado e, sendo esse o caso, podemos perguntar-nos com que finalidade isso ocorreu. Obviamente, como sintoma reativo para suprimir alguma coisa que, por conseguinte, ainda era poderosa no inconsciente. Considerando a situação, não pode deixar de supor, em primeiro lugar, que o suprimido era seu amor pelo Sr. K. Foi-me forçoso presumir que ela ainda estava apaixonada por ele, mas que desde a cena do lado, por motivos desconhecidos, seu amor tropeçava numa violenta resistência, que a moça retomara e reforçara sua velha afeição pelo pai para não ter de notar nada em sua consciência sobre esse amor dos primeiros anos de sua adolescência, que agora se tornara penoso para ela. (p. 62)
O ponto de interesse que esse argumento nos fornece situa-se nas bordas do Complexo de Édipo, já que Freud o elabora em termos que postulam o amor da filha pelo pai como desejo último a ser desvelado pela escavação do inconsciente na análise. Portanto, Dora não queria simplesmente seu pai, mas sim alguém que pudesse idealmente cumprir o papel de Pai. Esse alguém é, na trama de Dora, o Sr. K. Isso nos fica ainda mais claro quando notamos que a destituição do amor de Dora pelo Sr. K. é precisamente quando o homem, na primeira cena, a do lago, perde sua função de pai, ao dizer-lhe que não tem nada com sua mulher, diminuindo assim o valor da Sra. K. Concluímos, então, assim como Freud o fez, que é na medida em que a Sra. K. é algo para Dora que o amor pelo Sr. K. se sustenta. É sobre ela, Sra. K., que recai o verdadeiro núcleo traumático da histeria de Dora:
Por trás da sequência hipervalente de pensamentos que se ocupavam com as relações entre o pai de Dora e a Sra. K, ocultava-se, de fato, um impulso de ciúme cujo objeto era essa mulher – ou seja, um impulso que só se poderia fundamentar numa inclinação para o mesmo sexo. (p. 64)
O Caso Dora, portanto, só pode ser fundamentalmente explicado se tomarmos a referência que Freud constrói na psicanálise sobre a homossexualidade. E assim o retifica, em nota de rodapé no posfácio do texto:
Quanto mais me vou afastando no tempo do término dessa análise, mais provável me parece que meu erro técnico tenha consistido na seguinte omissão: deixei de descobrir a tempo e de comunicar à doente que a moção amorosa homossexual (ginecofílica) pela Sra. K. era a mais forte das correntes inconscientes de sua vida anímica. Eu deveria ter conjecturado que nenhuma outra pessoa poderia ser a fonte principal dos conhecimentos de Dora sobre as coisas sexuais senão a Sra. K., a mesma pessoa que depois a acusara por seu interesse nesses assuntos. Era realmente de chamar atenção que ela soubesse todas aquelas coisas indecentes e jamais quisesse saber de onde as conhecia. Eu deveria ter tratado de decifrar esse enigma e buscado e motivo desse estranho recalcamento. O segundo sonho poderia então ter-me revelado. A sede brutal de vingança expressa por esse sonho adequava-se melhor do que qualquer outra coisa para ocultar a corrente oposta: a generosidade com que ela perdoara a traição da amiga amada e escondera de todos que fora justamente esta quem lhe participara os conhecimentos pelos quais ela caíra depois sob suspeita. Antes de reconhecer a importância da corrente homossexual nos psiconeuróticos, fiquei muitas vezes atrapalhado ou completamente desnorteado no tratamento de certos casos. (nota de rodapé p. 114)
É o interesse de Dora pela Sra. K., muitas vezes detalhado por Freud durante o relato do caso, no saber por ela transmitido sobre a sexualidade, na identificação de Dora por ela e no interesse da paciente por seu corpo, que se configura como o mistério da histeria de Dora. Veremos que tal mistério não é plausível de solução, na medida em que o desejo de saber da histeria vinculado ao Pai, tal como observamos em Dora é destinado a permanecer eternamente insatisfeito. É aqui que se localiza o erro de Freud que, movido por sua própria histeria, tenta jogar terra num buraco sem fundo.


Capítulo 2: A feminilidade

Freud coloca, em sua obra, o conceito do Édipo em destaque, fazendo dele mesmo a via pela qual é possibilitada a compreensão do ser humano. Ele é, como podemos dizer à partir das considerações anteriores, a representação última na qual se podem buscar as fontes inconscientes, a partir do qual todas as demais representações surgem como referência. Esse processo, que tem íntima relação com o que Freud denomina complexo de castração, marca o surgimento de um sujeito que, exatamente à partir desse aparecimento de uma representação primordial, poderá adentrar na "vida representativa" e constituir um "eu". Todas essas conclusões foram esboçadas por Freud em seus escritos. E é pensando nesses aspectos que poderemos compreender melhor os conceitos de masculino e feminino, bem como o que postula como a condição bissexual inata do homem. Adiantemos, entretanto, que Freud irá esbarrar no mesmo obstáculo que o fez errar com Dora ao tratar a feminilidade, o que o impedirá de prosseguir, elaborando sua célebre pergunta:
afinal, o que quer uma mulher? (p.
Esse questionamento, apesar de denunciar de certa forma o fracasso freudiano na apreensão completa desse conceito, indica que o caminho para a resposta está traçado.

a) Um homem e uma mulher
Em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud nos fornece uma importante advertência que deve ser anterior à especulação sobre os conceitos a serem tratados:
É indispensável deixar claro que os conceitos de "masculino" e "feminino", cujo conteúdo parece tão inambíguo à opinião corriqueira, figuram-se entre os mais confusos da ciência e se decompõem em pelo menos três sentidos. Ora se empregam "masculino" e "feminino" no sentido de atividade e passividade, ora no sentido biológico, ora ainda no sentido sociológico. O primeiro desses três sentidos é o essencial, assim como o mais utilizável em psicanálise. (nota de rodapé p. 207)
A última afirmação, segundo ele, deve-se ao fato de que:
a libido seja descrita no texto como masculina, pois a pulsão é sempre ativa, mesmo quando estabelece para si um alvo passivo (p.

Pois bem, vejamos como a psicanálise faz equivaler, como Freud nos adverte, masculino à atividade e feminino à passividade, ressaltando a importância disso para a compreensão do sistema teórico psicanalítico.
Inicialmente, tomando como referência o complexo de Édipo, Freud não diferencia a feminilidade de seu par oposto senão pela inversão de seu conteúdo traumático. O processo, tal como se daria nos meninos, também aconteceria nas meninas, com a diferença de que essa última tomaria não a mãe como objeto de amo/desejo, mas seu pai. Percebe-se aqui o argumento que faz da atração entre os dois sexos condição anterior, assim como os dois polos opostos de um imã. Portanto, nesse primeiro momento, a passividade inerente à condição feminina apareceria como um fator quase biológico, um destino que diz respeito à determinação subjetiva pela anatomia, evidenciado pelas fantasias sexuais infantis. É dito que se nasce mulher ou homem.
Na fase do desenvolvimento da libido que Freud denomina "fálica" atuaria o Complexo de Castração. Nesse período, o órgão genital masculino, investido por ambos os sexos, faria dividir as meninas e os meninos conquanto as primeiras deveriam deparar-se com sua falta, e os últimos com o temor de perde-lo. É importante frisar que, na verdade, trata-se da constatação da falta do pênis à partir da visão (escopia) da mesma que leva à geração de uma fantasia de castração:
A observação que finalmente rompe sua descrença é a visão dos órgãos genitais femininos. Mais cedo ou mais tarde a criança, que tanto orgulho tem da posse de um pênis, tem uma visão da região genital de uma menina e não pode deixar de convencer-se da ausência de um pênis numa criatura assim semelhante a ela própria. Com isso, a perda de seu próprio pênis fica imaginável. (p. 197)
Quais as consequências do complexo de castração? Para o menino, a dissolução com Complexo de Édipo, motivada pelo temor da castração; para a menina, o início da ligação objetal ao pai, ou seja, do próprio complexo. Por quê? Eis a resposta:
O complexo de Édipo da menina é muito mais simples que o do pequeno portador do pênis; em minha experiência, raramente ele vai além de assumir o lugar da mãe e adotar uma atitude feminina para com o pai. A renúncia ao pênis não é tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensação. Ela desliza – ao longo da linha de uma equação simbólica, poder-se-ia dizer – do pênis para um bebê. Seu complexo de Édipo culmina em um desejo, mantido por muito tempo, de receber do pai um bebê como presente – dar-lhe um filho. (p. 200)
No entanto, a maneira como a menina se desenvolve, partindo desse ponto de vista, não permite a destruição do complexo de Édipo ou, podemos dizer, o recalque do desejo edípico, tal como acontece nos meninos, o que nos confunde em relação a classificação da mulher como sujeito, obedecendo à logica inconsciente. Freud nos informa apenas que, segundo sua impressão:
o complexo de Édipo é então gradativamente abandonado de vez que esse desejo jamais se realiza. (p. 200)
É evidente que aqui se encontra um problema. O que faz Freud é uma tentativa de explorar a história do inconsciente, que tem como fim último, como vimos, a sexualidade representada pelo complexo de Édipo. Contudo, deixa passar uma pré-história, essa que servira melhor à explicação do Édipo feminino, e da qual tratará em textos finais, unificando os conceitos de sua obra que vinham sendo desenhados até então.

b) Pré-histó(e)ria
Se é dito que o inconsciente representa o marco inicial da histeria – podendo fazer com que a partir do núcleo traumático possam se formar representações defensivas – o que é anterior à ele? O Édipo e a castração marcam o início da trajetória subjetiva, do aparecimento de um sujeito que não pode ser considerado tal porque existia apenas como objeto. Daí dizer que o que há antes carece de um registro.
O caminho, que tem como extremidade final a elaboração última do conceito de feminilidade por Freud, parte da sedução.
De início, a função sexual e a necessidade não aparecem dissociadas. É a partir da primeira experiência de satisfação, fornecida pela amamentação da criança, que se inaugura a inscrição da sexualidade. O traço mnêmico deixado por essa experiência tem como efeito o aparecimento de uma tensão que impulsiona a busca por sua repetição. Diz Freud, em seus Três Ensaios...:
O problema está justamente em saber como é que o prazer vivenciado pode despertar a necessidade de um prazer ainda maior (p. 199)
Até então a criança encontrava-se em posição de absoluta passividade. Aqui, necessidade e desejo diferenciam-se, ao contrário do que observamos no estágio anterior. Esse processo instaura no sujeito a busca por um objeto de desejo: o falo, esse encarado como aquele que permitiria o acesso à satisfação perdida. Sucede-se, aqui, a atribuição de grande importância a um fator que não era primeiro plano, para Freud, em matéria de feminilidade: a mãe:
Para um menino, sua mãe é o primeiro objeto de seu amor, e ela assim permanece também durante a formação do complexo de Édipo e, em essência, por toda a vida dele. Para a menina, também, o seu primeiro objeto deve ser sua mãe (e as figuras da babá e da nutriz, que nela se fundem), Os primeiros investimentos objetais ocorrem em conexão com a satisfação de necessidades vitais importantes e simples, e as circunstâncias relativas à criação dos filhos são as mesmas para ambos os sexos. Na situação edipiana, porém, a menina tem seu pai como objeto amoroso, e espera-se que no curso normal do desenvolvimento ela haverá de passar desse objeto paterno para sua escolha objetal definitiva. Com o passar do tempo, portanto, uma menina tem de mudar de zona erógena e de objeto – e um menino mantém ambos. Surge então a questão de saber como isto ocorre: particularmente, como é que a menina passa da vinculação com sua mãe para a vinculação com seu pai (p. 127)
Reformula-se, portanto, a fórmula do complexo de Édipo, saindo de uma perspectiva que foca na "atração" entre os dois sexos como fenômeno natural no ser humano, dando lugar ao desencontro. O sujeito é então sujeito porque seduzido, de certa forma, provocado, no surgimento de seu desejo pela mãe. Essa, à partir de então objeto de desejo constituído da criança, fornece então o modelo de busca fálica, busca essa que classificamos sob a égide da atividade, mesmo sabendo que é uma busca ativa de um fim passivo, sob a qual os dois sexos deverão formar-se. Daí que Freud nos informa que
nisto somos obrigados a reconhecer que a menininha é um homenzinho. (p. 126)
Ou seja, os dois sexos não existem como diferenciados, se pensarmos nessa busca fálica da primeira satisfação perdida, que é a busca imposta pela sexualidade. Essa concepção aparece ao longo da obra de Freud cunhada pelo termo "bissexualidade", que mais bem poderia chamar "a-sexualidade" que se pressupõe característica do primeiro estágio de desenvolvimento do sujeito. Ora, percebemos, agora, onde podemos identificar essa disposição, ou seja, na pré-história do sujeito, ou digamos, no início de sua história e de sua histeria. A língua inglesa ilustra muito bem essa unilateralidade do sexo, ao descartar a referência da linguagem que separa dois gêneros: masculino e feminino. Dizemos "the men" e "the women" ao invés de "os homens" e "as mulheres". A grande verdade é que a masculinidade e a feminilidade não são dois conceitos que se bastam por si só, mas apenas quando referidos ao falo, que na verdade é o representante máximo da sexualidade do ser humano.
Qual é, portanto, o momento que marca o nascimento do par sexuado? É no complexo de Castração, no qual, à partir da visão da falta do pênis, aqui encarnado como o falo (aquilo que completa a falta da mãe), inicia-se na menina o que Freud chama de "Complexo de Inferioridade" e a obriga a voltar-se ao pai. Esse é o momento que previamente inaugura sua entrada no Complexo de Édipo, mas que na verdade consiste em nada mais do que suas consequências para a identificação na posição feminina.
Num menino, o complexo de Édipo, no qual ele deseja a mãe e gostaria de eliminar seu pai, por ser este um rival, evoluiu naturalmente da fase da sexualidade fálica. A ameaça de castração, porém, impele-o a abandonar essa atitude. Sob a impressão do perigo de perder o pênis, o complexo de Édipo é abandonado, reprimido e, na maioria dos casos, inteiramente destruído, e um severo supereu instala-se como seu herdeiro. O que acontece à menina é quase o oposto. O complexo de castração prepara o complexo de Édipo, em vez de destrui-lo; a menina é forçada a abandonar a ligação com sua mãe através da influência de sua inveja do pênis, e entra na situação edipiana como se esta fora um refúgio. Na ausência do temor de castração, falta o motivo principal que leva o menino a superar o complexo de Édipo. As meninas permanecem nele por um tempo indeterminado; destroem-no tardiamente e , ainda assim, de modo incompleto. (p. 137)
No entanto, Freud afirma que o complexo de Castração na menina, acompanhado do sentimento de inferioridade, a lança contra a mãe que, segundo seu pensamento, é a responsável por conceber sua inferioridade:
Esse passo no desenvolvimento não envolve apenas uma simples troca de objeto. O afastar-se da mãe, na menina, é um passo que se acompanha de hostilidade; a vinculação à mãe termina em ódio. (p. 130)
Para Freud, como consequência, a menina volta-se para o pai com a esperança de encontrar o tão desejado falo que, por efeito de deslocamento simbólico, é representado por um bebê:
O desejo que leva a menina a voltar-se para seu pai é, sem dúvida, originalmente o desejo de possuir o pênis que a mãe lhe recusou e que agora espera obter de seu pai. No entanto, a situação feminina só se estabelece se o desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê, isto é, se um bebê assume o lugar do pênis, consoante uma primitiva equivalência simbólica . (p. 136)
Freud explicita: a feminilidade normal é aquela a qual na mulher dirige seu amor ao pai, esperando, em troca, dele receber um filho. Se o homem continua sua atividade fálica – essa é barrada pela ação do pai – a mulher também o faz, diz ele. Mas isso nos parece de difícil compreensão, já que nesse sentido homem e mulher não se diferenciariam, e uma suposta atribuição dos nomes "masculinidade" e "feminilidade" seria inútil. Se os sexos se formam à partir do falo e da castração, como explicar a mesma relação dos dois com o falo? A verdade é: uma mulher que permanece vinculada ao prazer fálico parece, na verdade, mais negar a natureza própria da castração, permanecendo no desejo de ter o falo, do que situar-se em relação a ele de uma forma feminina.
Chegamos então no limite desde onde Freud pôde teorizar sobre a feminilidade. Na realidade, o sujeito que tenta preencher o buraco formado pela castração negando-a dessa maneira não é a mulher, mas a histérica. A mulher, por sua vez, parece adotar uma posição diferente frente à falta, essa que definitivamente marcaria o início da feminilidade. No final do último texto que aborda o conceito, Freud nos diz:
não se esqueçam de que estive apenas descrevendo as mulheres na medida em que sua natureza é determinada por sua função sexual. (p. 143)
O que será que Freud nos indica, aqui? Existiria algo além da função sexual no ser humano? Além de uma sexualidade dita fálica? Seja como for, percebe que sua argumentação, em algum momento, falha. E é exatamente por essa falha que uma mulher pode se pronunciar como feminina. Dizemos, portanto, que apesar de suas tentativas, a psicanálise, tal como Freud a esculpiu, não chega a concretizar o conceito de feminilidade em suas formulações últimas. No entanto, não se pode negar que o próprio desenvolvimento da psicanálise é dado de uma maneira que esse conceito pode ser facilmente identificado. O erro de Freud consistiu não na construção da lógica da psicanálise, mas na tentativa, no final de sua obra, de dar nome À mulher.


Capítulo 3: Lacan e os ensinamentos de Freud

O inconsciente é estruturado como uma linguagem
a) O avesso da obra freudiana
Para conseguir finalizar a tarefa à que se dispôs Freud, Lacan busca no início de sua obra a verdadeira lógica contida em seus escritos: de que o trauma, como o descreve Freud, é a incidência da linguagem no homem. O inconsciente é encarado, então, como produto do significante, da castração simbólica. O que faz Freud, diz Lacan, à partir dessa construção, é supervalorizar o poder do Pai, dessa função simbólica, almejando preencher o furo criado por essa operação. Serge André, em seu livro O Que Quer uma Mulher? nos guia de maneira bastante clara por esse pensamento lacaniano:
Lacan, assim, não faz mais do que restaurar uma verdade primeira da doutrina freudiana — verdade que, no progresso da elaboração dessa doutrina, foi eclipsada pelo desenvolvimento da teoria da castração. Seria então falso dizer que, nesse ponto, Lacan se opõe a Freud. Ele só faz retomar o projeto freudiano com essa precisão que traz o pequeno texto introdutório à segunda parte dos seus Escritos, onde é dito que se trata de " uma retomada pelo avesso do projeto freudiano ". Lacan, com efeito, parte da reta de chegada da obra freudiana (as noções de complexo de castração, do primado do falo e da clivagem do sujeito) para fazer ressurgir aquilo que Freud punha em evidência no ponto de partida desta obra: o encontro, no coração do trauma, de um real, que aparece como "o correlativo da representação ". Acrescentemos a essa fórmula uma nuance cuja importância será verificado em seguida: O correlativo dessexualizado de uma representação sexualizada. (p. 78)
Acima, acompanhamos o argumento de Freud no qual, à partir da primeira experiência de satisfação, inicia-se o processo de sexualização na medida em que o então "esboço" de sujeito procura ativamente o prazer fálico. Essa operação, que Lacan situa o início da castração, operada pelo significante, culmina no recalque, perpetuando a sexualidade humana através do signo fálico.
se a experiência primária traumatizante é a da passividade inerente a posição de objeto do gozo do Outro, qual é, a esse respeito, a função do recalque? Esta questão é objeto de dois artigos muito importantes que Freud redige nesse mesmo ano de 1896: as "Novas Observações Sobre as Neuropsicoses de Defesa" e "A Etiologia da histeria". Uma leitura atenta desses dois textos permite estabelecer uma primeira abordagem do mecanismo da neurose histérica. Nas novas observações, Freud confirmar a ideia da "ação póstuma", do trauma sexual pela via da lembrança recalcada. Mas ele levanta, em nota de pé de página, uma questão fundamental ao observar que só podem ser recalcadas as representações de conteúdo sexual, quer dizer, representações que possam despertar os processos da excitação sexual. Essa nota breve mas complexa exige ser analisada. Freud declara aí, inicialmente, o que se poderia reduzir a uma equação: recalcado = sexual (representações sexuais). Essa equação constitui a regra da sexualidade humana na medida em que esta última seja outra coisa que não puro fenômeno orgânico. As representações recalcadas tem, com efeito — essa é sua principal propriedade —, o poder de desencadear uma excitação, sobre a qual Freud nota que se trata de uma excitação somática que se transforma em excitação psíquica. Isso quer dizer que o recalque tem por efeito substituir uma sexualidade orgânica por uma sexualidade comandada pela representação, pelo significante. Além disso, acrescenta Freud, a excitação desencadeada por essas representações recalcadas é incomparavelmente mais forte do que aquela — somática — que foi produzida quando da experiência real que o recalque designa como traumática. (p. 104 e 105)

Entretanto, esse processo tem uma importante consequência, enunciada por Freud no começo de sua obra, mas eclipsada em seu desenvolvimento: ele faz surgir, como consequência, algo que não passa pelo simbólico, e que pertence ao registro do real. A sexualidade humana, obedecendo a referência fálica (essa que constitui o núcleo do recalque) atesta sua falibilidade, portanto, na medida que nem tudo passa pelo recalque, ou seja, nem tudo é fálico, todo sexual. Freud lança-se, por intermédio das construções psicanalíticas, à impossível tarefa de nomear o inomeável, movido pela própria histeria, para assim fazer existir uma relação sexual.
Esse movimento da obra freudiana, pelo qual o real vai sendo gradualmente recoberto pelo simbólico, até desaparecer completamente, constitui o fio condutor de nosso trabalho: vamos mostrar como ele é observado em torno da questão da feminilidade. Vamos comparar em seguida esse movimento de deslocamento proposto pelo ensino de Lacan, e que caminha no sentido exatamente inverso: o movimento de elaboração lacaniana é o de fazer emergir progressivamente à instância do real pelo sistema simbólico e dentro destes. Vemos em Freud uma elucidação que parte do Real para que chegar à castração e a fazer desta uma verdadeira tela para o Real — a ponto de, nos últimos textos, o próprio trauma ser atribuído ao medo da castração, mais que à emergência do real. Em Lacan, ao contrário, o deciframento parte da castração e atinge um ponto de real, de tal sorte que o sistema simbólico se revela não mais como um recobrimento, mas como aquilo que atravessa os furos por onde se manifesta a hiância do real. Esta inversão do sentido das trajetórias respectivas de Freud e de Lacan esclarece a diferença de resultados aos quais chegaram suas reflexões sobre a feminilidade. (p. 77 e 78)
Que conclusão, portanto, essa inversão da trajetória freudiana nos coloca? Coloca-nos diante do furo produzido pelo simbólico, esse que será não-todo, não fálico. É esse vazio, provocado pelo significante, que estará frente aos olhos da criança quando da visão do pênis, indicando que a falta está ali materializada.
o menino não vê a falta do membro na menina; ao contrário, afirma que o pênis está lá. Em 1922 e em 1923, Freud altera essa primeira representação: o menino vê a falta do pênis, mas concebe essa ausência como o resultado de uma castração. E, em 1924, ele traz uma contribuição capital que nos dá a chave desse processo de não reconhecimento ou de eufemismo (como designamos anteriormente): para que o menino veja o sexo feminino como um sexo castrado é preciso que ele tenha passado antes por uma ameaça da castração que atribui ao sexo feminino. É a isso que Freud chama o falo, isto é, o pênis enquanto podendo falta. Em outras palavras, o menino, diante do órgão genital feminino, vê alguma coisa, mas o que vê não é um sexo feminino, é a castração. `a partição masculino-feminino que a anatomia sexual parece colocar como evidência, o saber inconsciente prefere, de alguma forma, a oposição não castrado/castrado. Isso não deixa de ter consequências para o sujeito desse saber. (p. 24 e 25)
É seguindo essa lógica que Lacan vai formular que A mulher não existe. Ou seja, não há, devido ao falo, encarnação do órgão genital masculino à partir da escopia, um significante semelhante, próprio do sexo feminino. Resta saber como a feminilidade e a histeria entram em cena em relação a A mulher.

b) Não-toda
Já pudemos demonstrar, segundo o pensamento freudiano, como o gozo fálico, referente ao corpo sexualizado pelo recalque, responde ao que Freud chama de atividade: é o ter fálico. Vimos também que esse gozo tem início no momento em que a criança sai de uma situação em que é objeto do Outro, permanecendo em uma situação de completa passividade, engajada numa relação dual, fusional, com o Outro. Lacan irá chamar o gozo experimentado aí do gozo do Um. No entanto, o que visa o gozo fálico que não reviver essa passividade, esse gozo Absoluto que, à partir da incidência do significante, é eternamente barrado ao sujeito? Freud já nos explica que a atividade intrínseca ao gozo fálico tem alvo passivo. Esse é o seu raciocínio para conseguir tampar o buraco deixado pela mulher. Lacan, agora um passo à frente a Freud, responderá à questão sobre
O que quer uma mulher? (p.
Vejamos como Colette Soler expõe essa questão:
Lacan pretende responder à famosa pergunta de Freud: "Que quer uma mulher?". E ele responde, forçando um termo, que uma mulher, em última análise, isso quer gozar. (p. 243)
Portanto, Lacan formaliza um gozo propriamente feminino, um gozo complementar, um gozo não-todo. Uma mulher, admitindo a impossibilidade de ter passaria a ser o falo. Percebamos como isso é oposto ao que acontece com a histérica, que mantém o desejo de ter.
Essa resposta muito explícita distingue nitidamente a mulher da histérica visto que a histérica não quer gozar – aliás, ela tampouco quer o contrário. (p. 243)
O sujeito histérico, incapaz de aceitar que Il n'y a pas de rapport sexuelle, já que A mulher não existe, mantém recalcado o desejo de ter o falo, que em última instância responde à falta-em-ser: falta em ser o falo do Outro. Essa falta primordial é a falta criada pelo significante, que arranca o sujeito do gozo do Um, o gozo passivo. No entanto, é a ele que uma mulher deve se voltar para adotar uma posição verdadeiramente feminina. É pensando nisso que Freud nos fala sobre um Masoquismo primário e um Masoquismo Feminino. Com a exceção de que o gozo feminino nada tem de masoquista:
Sabemos que os psicanalistas, com dificuldade de apreender a essência da feminilidade, forjaram o que Lacan qualificou de concepção monstruosa, aquela do masoquismo feminino. Como se lhes parecesse inconcebível que um sujeito possa oferecer-se como objeto – é o caso da mulher em sua relação com o desejo do homem – sem ser masoquista! (p. 206 e 207)
Encerramos, finalmente, com uma citação de Freud, que sabiamente explica o papel da psicanálise frente a questão da feminilidade, atestando a falibili(ci)dade do saber humano, alimentando o desejo de desejo insatisfeito da histeria:
De acordo com a natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher –seria essa uma tarefa difícil de cumprir –, mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual. (p. 125)
Ou seja a psicanálise nasce e permanece atrelada a solicitação da histerica, que exige um saber sobre o sexo, um saber impossível, já que, o que ela encontra como resposta não pode satisfazer tal demanda, pois o inconsciente só conhece o gozo fálico, a-sexual. Talvez a posição feminina se diferencie da posição histérica na medida em que aquela pode suportar viver, sustentar, tal falta de saber, furo constituinte de todo humano; em torno da ausência abundam as palavras, sempre insuficientes, mas necessárias para, tantas vezes, driblar a insuportável falta de sentido que dá a tudo possibilidades significantes.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.