Os piores 10 anos de violência de nossa história
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Os piores 10 anos de violência de nossa história1 Alberto L. Kopittke Winogron Ao afirmarmos que estamos vivendo os 10 anos mais violentos da história do RS, não estamos ignorando a história de violência que marcaram a formação do nosso Estado. Foram séculos de guerra. Desde o extermínio dos 7 Povos, a Revolução Farroupilha, a Guerra da Degola, a violência sempre se fez presente nessa região. No entanto, estamos aqui tratando de um outro tipo de violência. Nos referimos à violência fora de situações de guerra. Violência essa que se dá no cotidiano das relações sociais, entre familiares, amigos, vizinhos ou pessoas que disputam espaços por comércios ilegais. Quando vamos fazer uma avaliação, é fundamental que se defina com objetividade o que vamos avaliar e quais critérios vamos utilizar para fazer essa avaliação. Vamos fazer uma avaliação sintética sobre o que ocorreu nesses 10 anos na Segurança Pública em duas etapas: 1) avaliando a situação de violência e sensação de insegurança da sociedade e 2) fazendo uma avaliação sobre o que o Poder Público, especificamente o Governo Estadual fez, através do seu Sistema de Segurança, para tentar modificar essa realidade. Adiantamos o resultado de que nenhuma das conclusões é alentadora. 1 ) A situação da violência a. Indicadores de Criminalidade A grande maioria dos principais indicadores de criminalidade apresentaram grande piora nesses 10 anos. KOPITTKE, Alberto L. Os piores 10 anos de violência de nossa história. pp. 170180. In: Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Comissão de Segurança e Serviços Públicos. Retratro da segurança pública do RS; Dep. Nelsinho Metalúrgico: organizador. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2015. 224p. ISBN: 9788566054255. 1
O Retrato da Segurança no RS
Crime
2004
2014
Diferença
Homicídio Doloso
1317
2.342
78%
Furto
244714
169.523
40%
20271
18.962
6%
Roubos
62614
61.649
1%
Latrocínio
113
141
25%
10656
13.760
29%
Extorsão
474
424
11%
Extorsão Mediante Sequestro
18
37
106%
Estelion.
14921
17.664
18%
Delitos relac. à corrupção 159
300
89%
Delitos relac. à armas e munições 7677
7.785
1%
Entorp. Posse 6705
13.529
102%
Entorp. Tráfico
9.902
388%
Furto Veículo
Roubo Veículo
de
de
2031
Destaque para os homicídios, que subiram em 8 dos 10 anos da década:
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b) Vitimização Importante perceber que a queda de 40% no número de furtos deve ser olhada com atenção. A Pesquisa Nacional de Vitimização (importante instrumento de gestão, que foi realizada apenas uma vez na história do Brasil), feita pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, em 2013, demonstra que a taxa de subnotificação deste crime é extremamente alta: apenas 52% das pessoas que foram assaltadas fizeram o registro na polícia. Isso quer dizer que em 2014, o RS teve na verdade algo em torno de 326.005 furtos. Portanto, apesar de não haver uma série histórica desse tipo de pesquisa (o que seria fundamental!), a queda no indicador pode ter ocorrido por uma deterioração da taxa de registro, isto é, da confiança da população em fazer o registro. Pesquisa Nacional de Vitimização Rio Grande do Sul
Taxa Notificação
Furto de Veículos
52%
Roubo de Veículos
95%
Furto de Outros Objetos
26%
Roubo de Outros Objetos
57%
Agressões ou ameaças
26%
Discriminação
9%
de
2) avaliação das políticas públicas de segurança desenvolvidas pelo Poder Público O Poder Público gaúcho enfrenta o que chamaremos de duas crises estruturais na área da Segurança Pública: a) Crise Material e b) Crise de Concepção. a) Crise Material: vinculada à crise financeira do Estado, a crise material tem por consequência a crise do material humano, com a diminuição dos efetivos, salários baixos (nos policiais de “ponta”, da Os piores 10 anos de violência de nossa história
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Brigada e da Polícia Civil), poucos investimentos em treinamento e formação e uma crise do material de trabalho, como viaturas, condições da infraestrutura física e de tecnologia. Sistema Carcerário A principal estratégia adotada para a redução da violência no Estado tem sido ações de repressão ao crime, através de chamados de emergência, produzindo um elevado aumento no número de presos. Ocorre que esse aumento do número de presos não tem sido acompanhado de uma melhora das condições do sistema prisional. Enquanto o número de presos no Estado subiu 160% na última década, o número de agentes prisionais subiu apenas 30%, por exemplo, e o déficit de vagas teve expressivo aumento. Com isso, a capacidade do Poder Público em promover políticas de ressocialização é diminuta, além da própria capacidade em controlar o sistema prisional e efetivamente isolar os presos das organizações criminosas ser hoje muito reduzida. Prova disso são os dados sobre a utilização de celulares dentro dos presídios. Segundo Bassani (2013), somente no ano de 2012, foram apreendidos 8.427 telefones celulares e 3.806 chips nas casas prisionais do Estado. Considerando a população carcerária, temos uma média de um (01) telefone para cada (04) quatro presos do Estado.
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b) Crise de Concepção: apesar da gravidade da situação, ao longo desses 10 anos, o RS não teve nenhum Plano Estadual de Segurança Pública, no qual efetivamente fossem apresentadas metas e estratégias de curto, médio e longo prazos. Apesar de iniciativas relevantes, como a Patrulha Maria da Penha, os núcleos de Polícia Comunitária e as Delegacias de Homicídios, a lógica que norteia o trabalho da Segurança Pública no RS continua sendo reativo (agindo apenas depois da violência ocorrida), sem estratégias de prevenção, com poucos investimentos em inteligência, sem integração entre os órgãos estaduais e com os municípios, nenhuma relação com a área de pesquisa acadêmica ou grandes iniciativas de mobilização social. Em resumo, o que se faz em Segurança Pública no RS continua vinculado a concepções de Segurança Pública que se mostraram ineficazes e caras por pesquisas feitas em todo o mundo, e que comprovadamente provocam desestímulo nos policiais e insegurança na população. As concepções do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), programa do Governo Federal desenvolvido em nível nacional entre 20072011, apresentaram mudanças importantes Os piores 10 anos de violência de nossa história
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nessa concepção, mas que se mostraram localizadas, pontuais e momentâneas. A experiência de protagonismo dos municípios em ações de prevenção, planejamento e integração mostrou resultados relevantes nas cidades que efetivamente assumiram o Programa, com destaque para Canoas. Por parte do Governo do Estado, essa nova concepção foi recebida no Governo Yeda com ações pontuais feitas através do Programa de Prevenção à Violência, com a construção de algumas quadras esportivas e equipes de Primeira Infância Melhor em alguns territórios vulneráveis, mas sem modificações estruturais. O Governo Tarso Genro, já sem o apoio financeiro do Governo Federal, que acabou com o Pronasci no início do Governo Dilma, tentou implantar essa concepção por meio do Programa RS na Paz, com a criação de 08 Territórios da Paz, o Programa de Policiamento Comunitário (com 86 núcleos de polícia comunitária) e uma nova concepção de policiamento preventivo relacionada à violência contra a mulher, com 26 Patrulha Maria da Penha e a criação de 10 Delegacias de Homicídios. No entanto, por diversos fatores, nenhuma dessas ações conseguiu provocar mudanças estruturais na concepção do Sistema de Segurança Pública do Estado, além de enfrentar imensas dificuldades de manutenção dos programas nas trocas de governo. Seja por falta de recursos financeiros ou por uma forte resistência das instituições em modificarem suas práticas e se abrirem a novas concepções e a um trabalho mais integrado e multidisciplinar, essas políticas não logram continuidade. Pelo contrário, o aumento dos índices de violência tem provocado uma deterioração no debate público sobre Segurança. A sociedade com mais medo exige mais respostas da polícia, que passa a fortalecer seu caráter repressivo, se fecha e agrava a relação com as comunidades de periferias, especialmente com os seus jovens, justamente o público que deveria ser objeto de aproximação. Assim, reformas que têm sido implementadas com êxito desde os anos 70, em algumas das mais importantes polícias do mundo, como Os piores 10 anos de violência de nossa história
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estratégias de policiamento de proximidade, programas multidisciplinares de prevenção à violência juvenil e novos modelos de gestão, como o Policiamento voltado para a Resolução de Problemas ou o Policiamento Baseado em Evidências, não entram na agenda de debate nem das instituições, nem dos governos, nem da sociedade. Em razão dessa concepção de Segurança, nem mesmo as eventuais reposição de efetivos que ocorreram, os quais são utilizados nas ruas com os mesmos métodos que têm se mostrado ineficientes, não só não trazem nenhum tipo de melhoria, como podem até mesmo agravar a situação. Sem o devido planejamento das ações nos territórios e o mero aumento da população carcerária, com o atual estágio do sistema prisional, a força das organizações criminosas pode aumentar, numa espiral de violência. Conclusão A soma das duas crises, a crise material e a crise de concepção, fazem com que o Estado hoje viva uma crise de perspectivas sobre o tema. Os agentes da Segurança e a sociedade têm cada vez menos esperanças na mudança da situação. O problema é que ao invés de pensar em reformas, como seria de se esperar em razão dos péssimos resultados, o Estado parece cada vez mais fechado a debater inovações na área. Propostas estruturais de reforma raramente são apresentadas pelos atores políticos e quando o são as instituições se mostram refratárias a qualquer possibilidade de alteração das suas dinâmicas internas. Nem mesmo a sociedade civil parece conseguir se mobilizar para trazer novas ideias para a área, como ocorre em outros Estados com organizações e movimentos de credibilidade e com capacidade de propor alternativas. Seria fundamental a criação de um ambiente de união de esforços da sociedade, das forças políticas, da mídia, com apoio dos próprios representantes dos servidores da segurança pública e dos dirigentes dessas instituições com dois objetivos: recuperar a capacidade material
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da Segurança Pública no RS e, principalmente, realizar reformas em suas concepções de funcionamento e organização. Em razão da concepção vigente, o futuro não é nada alentador. A perspectiva é que a população carcerária continue crescendo e o RS passe a lidar com superorganizações criminosas, com milhares de membros, grande poder de fogo e capacidade financeira, inclusive para a corrupção dos servidores públicos. Salvo iniciativas muito pontuais, de pequena escala e de curta duração, o Estado não vê surgir experiências de políticas públicas de prevenção à violência, nem de policiamento de proximidade, que sejam efetivamente pesquisadas, com demonstração de evidências, e sistematizadas em conhecimento replicável sobre o que está dando certo ou o que não está funcionando. O debate e as iniciativas continuam sendo baseados em discursos ideológicos (de esquerda e de direita!), em preconceitos e estigmatizações, além de mitos e crenças que na maioria das vezes não se mostram reais quando objeto de pesquisas sérias. Dessa forma, chegamos a 2015 com a maior taxa de homicídios da história do RS, com a sociedade em níveis inéditos de medo, e policiais cada vez mais desestimulados e descrentes de mudança da realidade, situação seriamente agravada pela falta de pagamento dos servidores. Por tudo isso, embora tenhamos visto os 10 anos mais violentos da história do RS, infelizmente as perspectivas para a próxima década, nesse momento, não são otimistas. As possibilidades para modificar essa realidade existem. O fundamental é que se promovam mais debates sobre essas alternativas, que haja coragem para assumilas como políticas públicas e novas estratégias institucionais e, acima de tudo, que acreditemos que o RS pode vencer a violência, disputando cada um dos jovens gaúcho(a)s e jamais desistindo deles! Referências bibliográficas: Os piores 10 anos de violência de nossa história
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