OS PODERES DOS ESTADOS COSTEIROS NA SUA ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA A Regulamentação do Reabastecimento De Navios No Caso Virgínia G

July 8, 2017 | Autor: Giliardo Nascimento | Categoria: Law of the Sea, UNCLOS, Bunkering, Direito do Mar, Zona Econômica Exclusiva
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Giliardo Nascimento

OS PODERES DO ESTADOS COSTEIROS NA SUA ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA A Regulamentação do Reabastecimento De Navios No Caso Virgínia G

Resume Não obstante a origem histórica do conceito, bem como as delimitações convencionais da Zona Económica Exclusiva constantes da parte V da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, no estudo que ora se inicia centrar-nos-emos no regime jurídico da Zona Económica Exclusiva, mormente nos direitos sobreanos e de jurisdição dos Estado costeiros no sentido de aferirmos, através de uma analise teórico-jurídico, os poderes destes para a regulamentação do reabastecimento de navios na sua Zona económica exclusiva, essencialmente pela leitura jurídica da jurisprudência produzida pelo Tribunal Internacional de Direito do Mar, no desfecho do caso Virgínia G, que opôs o Panamá à Guiné-Bissau.

LISBOA, 2015

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1- A ZEE e o seu Regime Jurídico: Breve enquadramento Em sede da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (CNUDM), a disposição que concede aos Estados Costeiros direitos de Soberania e jurisdição1 sobre a ZEE é o primeiro parágrafo do artigo 56º, referindo-se a soberania do Estado costeiro, porém, não nos mesmos moldes aplicáveis ao território terrestre2, ou seja, não uma soberania sobre o espaço marítimo compreendido pelas águas e espaço aéreo3, mas uma soberania relativamente aos recursos naturais e ao aproveitamento económico das águas sobrejacentes ao leito do mar e do leito do mar e seu subsolo e no que diz respeito a outras atividades destinadas a exploração económica, tal como a produção de energia a partir das correntes de água e dos ventos (Dolliver, 2013), pelo que, realça-se que os direitos de soberania do Estado costeiro sobre a ZEE são essencialmente limitados para à exploração e aproveitamento económico e ainda à conservação e gestão dos recursos vivos ou não vivos (Attard, 1987) sendo assim considerado como uma limitação ratione materiae (Tanaka, 2012). Neste sentido, afigura-se uma competência de natureza funcional orientada para os recursos existentes na ZEE, logo, é de alguma importância salientar que o Estado costeiro possui e exerce direitos de soberania para fins económicos, e não “soberania”4 na ZEE, permitindo o argumento de que, uma vez reivindicado, os direitos soberanos do Estado costeiro sobre a ZEE são essencialmente exclusivos na medida em que nenhum outro Estado não pode empreender tais atividades para fins económicos ou fazer uma reclamação à e na ZEE, sem o consentimento expresso do Estado costeiro. Dado ao disposto no número 1 do artigo 58º que atribui aos terceiros Estados determinados direitos e liberdades5 na ZEE semelhantes aos do alto mar, considera-se 1

No entanto, ainda que a ZEE seja de jurisdição nacional do Estado costeiro, quando comparado com outros espaços marítimos, os terceiros Estados possuem relevantes direitos. Excetuando os direitos de exploração e aproveitamento económico e de jurisdição, o numero 1 do artigo 58 da Convenção prevê que as demais atividades realizadas nesta zona essencialmente o direito de sobrevoo e navegação regulada pelo princípio da Liberdade dos mares (idêntico ao regime aplicável no alto mar) e colocação de cabo e dutos submarinos, assim como outros usos internacionalmente lícitos. 2 Chama-se atenção, neste sentido, que de entre os espaços marítimos existentes e cujos regimes jurídicos estão regulamentados pela Convecção das Nações Unidas, as águas interiores é o único espaço marítimo onde o Estado costeiro exerce poderes equivalentes aos que exerce no território terrestre, isto é, exerce soberania nos mesmos moldes que exerce relativamente ao território terrestre. 3 O que leva Armando Marques GUEDES, “Direito do Mar”, pp. 157, a afirmar que “essas águas e esse espaço aéreo, são res communis omnium”. 4 Em sentido lato do termo teorizado pela Ciência Politica. 5 Liberdade de navegação e sobrevoo e de colocação de cabo e ductos submarinos e outros usos do mar passiveis de serem considerados internacionalmente lícitas relacionadas com as suprarreferidas liberdades tais como os ligados à operação de navios, cabos e dutos submarinos e aviões, porém devendo ser compatíveis com as outras disposições da presente Convenção (artigo 58º - 1), bem como em caso de conflito de interesses entre os Estados Conteiros e Estados terceiros relativos à atribuição de direitos e jurisdição devem ser resolvidas numa lógica de equidade e segundo todas as circunstâncias pertinentes (Artigo 59º) tendo em conta a respetiva importância dos interesses em causa para as partes, bem como para a comunidade internacional como um todo. Neste sentido ver BASTOS, “A internacionalização dos recursos…”, pp. 312-314. Ver também DOLLIVER, Neslson – “Exclusive economic zone” In WOLFRUM, Rudiger (ed.). The Max Planck Encyclopedia of Public International Law.

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existir um “pretenso equilíbrio entre os poderes dos Estados costeiros e os poderes dos terceiros Estados na zona económica exclusiva” no que toca a regulamentação deste espaço marítimo, no entanto, sublinha-se que “aquilo que conduz o regime jurídico especifico6 da zona económica exclusiva é à atribuição ao Estados costeiros do direito de captura do núcleo essencial dos recursos naturais vivos” (Bastos, 2005; 312 e 313). Nesse sentido, os direitos de soberania dos Estados costeiros são de natureza material, limitados à exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, ou seja, para fins económicos. Mais se acresce que o Estado costeiro pode exercer direitos de soberania sobre todas as pessoas independentemente da sua nacionalidade dentro da sua ZEE, pelo que estes direitos de soberania para fins económicos não são limitados ratione personae (Tanaka, 2012). Em relação a exploração e aproveitamento económico, a Convenção prevê que o Estado costeiro tem o dever de “promover a utilização ótima dos recursos vivos”7 da ZEE, pelo que deve, através do seu poder discricionário de fixar os limites de captura regulamentar a quantidade e a capacidade de captura8 e a forma como deverá ser efetuada a exploração, através da legislação necessária para exploração económica deste espaço. O artigo 61º prevê uma fixação, por parte do Estado Costeiro, de uma quantidade de captura permissível na ZEE (tendo em conta o principio do máximo rendimento constante), atendendo a uma sustentável conservação dos recursos naturais. A referida fixação dever ser feita nos trâmites dos números 2 e 3 do mesmo artigo, para que possam ser salvaguardadas a preservação do meio marinho, e a possibilidade de Estados terceiros usufruírem dos excedentes 9, cujas capacidades do Estado costeiro não permitiram a efetivação das capturas permissíveis, como contemplado no artigo 62º número 2. Neste particular, o número 3 do artigo 62º ressalva que é necessário equacionar “a importância dos recursos vivos da zona para a economia do Estado costeiro correspondente… (bem como) …a necessidade dos países em desenvolvimento da Sub-região ou região no que se refere à captura de parte dos excedentes”10. 6

O que leva DOLLIVER, “Exclusive economic zone” In “The Max Planck Encyclopedia of Public International Law” para. 14, a afirmar que “The UN Convention on the Law of the Sea in particular declares that the EEZ is subject to ‘a specific legal regime’ (Art. 55). In the light of Art. 55 it seems difficult to maintain the thesis that the EEZ is part of the high seas. It is sui generis, with the important consequence that it is neither the territorial sea nor the high seas but partakes of the characteristics of both regimes”. 7 CNUDM. Art., 62º. 8 CNUDM. Art., 61º. 9 Neste sentido ANDREONE, “the exclisive economi zone” in “The Oxford handbook of The Law Of The Sea”, pp. 167, afirma que “the vagueness of the above-mentioned duties of conservation and rational allocation of the surplus, in the light of all pertinent provisions of the LOSC and of the state practice, leads, however, to the conclusion that the power of management and conservation of ZEE living resources is highly discretionary. This seems to be confirmed by the provisions 297 (3) concerning the settlement of dispute, as coastal state are not obliged to submit to settlement a dispute relating to their sovereign rights with respect to the living resources in the ZEE”. 10 O que conduz BASTOS, “A internacionalização dos recursos…”, pp. 313 a afirmar que “Aos terceiros estados não é, contudo, atribuído qualquer direito efetivo de participação nesta matéria”.

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Neste sentido, cumpre-nos ainda observas, que a CNUDM não confina os poderes e deveres do Estados costeiros unicamente à captura de recursos vivos e não vivos, mas também, a qualquer outra forma de exploração e aproveitamento económico, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos11, aferindo assim, que qualquer tipo de aproveitamento ou exploração de cariz económica na ZEE constitui um direito soberano reconhecido aos Estados costeiros, e só é possível esta exploração e aproveitamento por parte de Estados terceiros, no caso de o Estado costeiro conceder autorização ou aceitar acordos12 prévios13 (Rothwell e Stephens, 2010). O número 1 do artigo 73º prevê que, no exercício dos direitos supramencionados, o Estado costeiro pode “tomar as medidas que sejam necessárias, incluindo visita, inspeção, apresamento e medidas judiciais para garantir o cumprimento das leis e regulamentos por ele adotados de conformidade com a convenção”. Esta disposição, ao prever como competência aos Estado costeiro, a referência a "as leis e regulamentação por ele adotados em conformidade com a convenção" sugere-nos, ainda que implicitamente, a existência de uma competência legislativa e executiva do Estado costeiro contra a embarcação infratora. Contudo este artigo não faz nenhuma referência direta ao poder de confisco das embarcações, bem como é fato, que o número 4 do artigo 62º estatui os conteúdos relativamente aos quais as leis e regulamentos do Estado costeiro devem incidir em matéria de pesca dos nacionais de outros Estados na sua ZEE. Porém, ainda neste particular, cumpre-nos observar que o Tribunal Internacional do Direito do Mar, precisamente no Caso M/V Virgínia G considerou que esta disposição, de forma implícita pode abranger confisco de navios na ZEE, devendo porém respeitar dois essenciais critérios: por um lado a devida conformidade com a Convenção e por outro a carater necessário da medida em relação à garantia de obediência da legislação interna. Realçando que “The Tribunal further notes that the laws and regulations of Guinea-Bissau offer several possibilities for the applicant to mount a legal challenge to confiscation in such a case” pelo que a “confiscation is justified in a given case depends on the facts and circumstances.”14. No entanto a CNUDM estabelece uma série de garantias destinadas a preservar os direitos dos Estados de pavilhão (de bandeira dos navios). Garantias processuais essas que procuram coibir qualquer abuso no exercício do poder de fiscalização pelo Estado costeiro (Dolliver, 2013). Tais garantias 11

CNUDM. Art. 56, 1, a. ANDREONE, “the exclisive economi zone” in “The Oxford handbook of The Law Of The Sea”, pp. 167 afirma que “Até a presente data não foi assinado nenhum acordo que admitisse um Estado sem litoral e os Estados geograficamente desfavorecidos a pescar nas zonas marítimas da costa de qualquer Estado, exceto casos irrelevantes”. 13 No mesmo sentido, BASTOS, “A internacionalização dos recursos…”, pp. 314 afirma que “ a partir do momento que em que o Estado costeiro tenha reivindicado uma zona económica exclusiva, que não poderá exceder as 200 milhas marítimas nos termos do artigo 57º, os poderes que lhe são reconhecidos relativamente à exploração e ao aproveitamento dos recursos naturais vivos não são controláveis pelos terceiros estados ao abrigo do regime internacional convencional”. 14 Tribunal Internacional do Direito do Mar, Caso No. 19, M/V Virgínia G, 14 Abril de 2014, para. 257, disponível em www,itlos.org. 12

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salvaguardadas pela convenção dizem respeito, nomeadamente, a medidas destinadas a facilitar processos que envolvam testemunhas estrangeiras e admissão de provas apresentadas por outro Estado (Art. 223º) a investigação de navios estrangeiros (Art. 222º); não-discriminação em relação a embarcações estrangeiras (Art. 229º); e a suspensão e restrições à instauração do processo (art. 228º). Estas medidas aparecem como um forma de equilíbrio entre a necessidade de preservar o meio marinho da poluição navio-fonte e a necessidade de proteger a liberdade de navegação e comércio (Dolliver, 2013). Neste sentido, compete-nos ainda observar que, como preconiza os termos do número 3 do artigo 73º, as sanções aplicadas pelo Estado costeiro por violações das suas leis e regulamentos de pesca relativos a ZEE por parte de um estado terceiro, não podem incluir penas privativas de liberdade na ausência de acordos em contrário por parte do Estado em causa, ou qualquer outro tipo de castigo corporal, prevendo neste sentido no numero 4 do mesmo artigo, que em caso de “apresamento ou retenção” de navios estrangeiros dentro na ZEE, deverá através dos meios necessários “notificar sem demora o Estado de bandeira das medidas tomadas e das sanções ulteriormente impostas”. Relativamente aos direitos de jurisdição do Estado costeiro sobre a ZEE, no termos da alínea b do número 1 do artigo 56º, o Estado costeiro possui jurisdição sobre outras questões que não apenas de exploração e aproveitamento dos recursos naturais marinhos, como (1) colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas; (2) investigação cientifica marinha; e ainda (3) proteção e preservação do meio marinho. Possui neste sentido, jurisdição exclusiva sobre estas instalações nomeadamente em matéria de leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração, sanitários e de segurança15. Também levanta-se a questão de saber se o Estado costeiro tem ou não igualmente competência para autorizar e regulamentar a construção e instalações de estruturas para fins não económicos, como fins militares16 (Tanaka, 2012).

2- Da Regulamentação do Reabastecimento de Navios no Caso Virgínia G Feito o sumaríssimo enquadramento teórico, cumpre-nos agora perceber no âmbito da jurisprudência produzida pelo Tribunal Internacional de Direito do Mar relativa ao caso Virgínia G que opôs o Panamá à Guiné-Bissau: a saber, se a Guiné-Bissau, no exercício dos seus direitos de soberania relativamente à exploração, aproveitamento económico, conservação e gestão dos recursos naturais das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, tem competência para regular o abastecimento

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CNUDM. Art. 60. Ainda neste sentido, mais se acresce que os Estados costeiros exercem, portanto, os direitos estabelecidos no regime jurídico da Zona contigua sobre estas estruturas construídas na ZEE. Instalações estas que não são consideradas naturais para fins de regime jurídico aplicável. 16 Não constituindo relevante importância para o estudo, não faremos um levantamento exaustivo desta questão, porém, sobre esta questão TANAKA, “The Internacional Law of the sea” pp. 133.

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de navios estrangeiros que exercem atividades de pesca nesta zona17. Neste particular, o Tribunal considerou que parte V da Convenção, mormente o artigo 56º respeitante aos direitos e deveres dos Estado costeiro na ZEE, conjugado com as disposições sobre os recursos vivos nos termos dos artigos 61º à 68º, oferece orientação suficiente para a aferição da questão em causa. Contudo, o Tribunal analisa não apenas as disposições pertinentes da Convenção relativamente a esta matéria (embora a Convenção não contenha qualquer disposição explícita sobre este assunto), mas também com alguma atenção a prática dos Estados a esse respeito. Pelo que os tramites jurisprudências do Tribunal no caso Virgínia G traz importantes contributos para o esclarecimento dessa matéria. Na referida jurisprudência, e no tocante às disposições pertinentes da Convenção relativamente a esta matéria, observa-se que o artigo 56º prevê de forma clara todos os direitos de soberania, sendo que o termo "direitos de soberania" abrange todos os direitos exclusivos (porém limitado ratione materiae) para efeitos de exploração e aproveitamento económico, conservação e gestão dos recursos naturais, incluindo o direito de adotar medidas necessárias de aplicação. Ainda o uso do termo "gestão" paralelamente ao termo “conservação” sugere que os direitos dos Estados costeiros transcendem uma mera conservação no seu sentido estrito, suportado pelo artigo 61º da Convenção, que aborda a questão da conservação como o seu próprio título indica, ao passo que o artigo 62º da Convenção lida com a conservação e gestão para promoção de uma utilização ótima dos recursos vivos da ZEE. Neste sentido, no exercício dos direitos soberanos supramencionado o Estado costeiro tem o direito nos termos da Convenção, de adotar “leis e regulamentos” que estabelecem os termos e as condições de acesso dos navios de pesca estrangeiras à sua zona económica exclusiva, essencialmente no parágrafo 1 do artigo 56º, e ainda o parágrafo 4 do artigo 62º, que segundo o qual as leis e regulamentos adotados nestes termos devem estar em conformidade com a Convenção. Acresce, que o Tribunal, no parágrafo 213 e 214 do acórdão, com menção à decisão tomada pelo Tribunal Arbitral no Filleting no Golfo de St. Lawrence entre o Canadá e França, considera que embora a lista não é exaustiva, não se afigura que a entidade reguladora do Estado costeiro normalmente inclui a autoridade para regulamentar assuntos de natureza diferente do que os previstos, realçando que para este efeito a lista de matérias no parágrafo 4 do artigo 62º da Convenção abrange várias medidas, nomeadamente de gestão, que podem ser tomadas pelos Estados costeiros. Todas as atividades que podem ser reguladas por um Estado costeiro na sua ZEE devem ter uma conexão direta com a pesca, logo, tal conexão é também extensível para o abastecimento de navios estrangeiros que pescam na zona económica exclusiva, uma vez que esse abastecimento permita-lhes continuar as suas atividades sem interrupção 17

Tribunal Internacional do Direito do Mar, Caso No. 19, M/V Virgínia G, 14 Abril de 2014, para. 208.

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no mar. Pelo que, neste caso em particular existe uma equiparação clara de uma “atividade associado a pesca” à própria “pesca”, ou seja não é a atividade de reabastecimento que é ilícito por si só, mas o é se o abastecimento for feito no âmbito da ZEE de um Estado costeiro a um navio que desenvolve atividade pesqueira, que arvore bandeira de outro Estado, sem autorização previa ou acordo com o Estado costeiro. Sugere-nos portanto que, como uma atividade auxiliar à atividade pesqueira, logo, é equiparável a pesca18. A regulamentação do abastecimento de navios estrangeiros de pesca na zona económica exclusiva está, portanto, entre as medidas que o Estado costeiro pode adotar, na efetivação dos seus direitos soberanos de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos vivos nos termos do artigo 56º da Convenção conjugado com o parágrafo 4 do artigo 62º, bem como à luz da prática dos Estados que se desenvolveu após a adoção da Convenção, fundamentando que que a legislação nacional de vários Estados, regula a atividade de abastecimento de navios estrangeiros que pescam nas suas zonas económicas exclusivas à semelhança da Guiné – Bissau, pelo que não poderia ter nenhuma objeção manifesto a essa legislação e que é, em geral, cumprido, reconhecendo assim através da pratica esse poder aos Estados costeiros19, recordando mais uma vez vários acordos internacionais celebrados para controlar e gerir as atividades de pesca, que incluem fornecimento de pessoal, artes, combustível e outras provisões no mar conforme consta da definição de "atividades relacionadas com a pesca". Ainda no sentido de apurar esse poder por parte dos Estados costeiros, o Tribunal determina em que medida o abastecimento de combustíveis é coberto pela liberdade de navegação ou outros usos internacionalmente lícitos no mar previstos nos termos do artigo 58º da Convenção que consagra no seu paragrafo numero 1 que “Na zona 18

Neste sentido, o Tribunal recorreu ao conceito de "pesca" bem como de "atividades relacionadas com a pesca" em vários dos acordos, apurando-se uma estabelecer uma estreita ligação entre a pesca e as diversas atividades de apoio, incluindo o abastecimento de combustíveis como uma atividade auxiliar à atividade pesqueira. O Tribunal analisa para este efeito o acordo de 2009 sobre medidas dos Estados do porto destinadas a prevenir, impedir e eliminar a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, cujo artigo 1 (d) define: "Atividades relacionadas com a pesca: qualquer operação efetuada para apoiar ou preparar a pesca, incluindo o desembarque, o acondicionamento, a transformação, o transbordo ou o transporte de pescado que não tenha sido anteriormente desembarcado num porto, bem como a disponibilização de pessoal, combustível, artes e outras provisões no mar”. Numa logica harmónica o parágrafo 6 do artigo 2 da Convenção sobre a determinação das condições mínimas para o acesso e exploração dos recursos marinhos das zonas marítimas sob jurisdição dos Estados-membros da Comissão Sub-Regional das Pescas de 2012, define navios de pesca de pesca como “qualquer navio que é usado para a pesca ou para esse efeito, incluindo os navios de apoio, navios comerciais, e qualquer outro navio que participa diretamente em atividades de pesca". De Igual modo o tribunal considerou a Convenção de 1992 para a Conservação das Populações de peixes anádromos no Oceano Pacífico Norte, a Convenção de 2001 sobre a Conservação e Gestão dos Recursos Haliêuticos no Atlântico Sudeste, o Acordo de 2006 relativo a Pesca no Oceano Índico Sul, a Convenção de 2000 relativo a conservação e gestão das populações de peixes altamente migradores no Oceano Pacífico Ocidental e Central e da Convenção de 1993 para a Conservação do Atum do Sul. 19 Tribunal Internacional do Direito do Mar, Caso No. 19, M/V Virgínia G, 14 Abril de 2014, para. 217 e 218.

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económica exclusiva, todos os Estados, quer costeiros quer em litoral, gozam, nos termos das disposições da presente Convenção, das liberdades de navegação e sobrevoo e de colocação de cabos e ductos submarinos, a que se refere o artigo 87.º, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios, aeronaves, cabos e ductos submarinos e compatíveis com as demais disposições da presente Convenção”, logo, como ressalva o paragrafo 2 do mesmo artigo em analise, as disposições constantes dos “artigos 88-11520 e outras normas de direito internacional aplicam-se à zona económica exclusiva na medida em que não sejam incompatíveis com a presente parte”. Porém, a decisão do Tribunal sugere que o artigo 58º da Convenção deve ser lido e interpretado conjugado com o artigo 56º da Convenção, pelo que o artigo 58º não contem nenhum impedimento aos Estados costeiros de adotarem leis e regulamentos nos termos das disposições do artigo 56º, relativamente ao abastecimento de navios estrangeiros que pescam nas suas zonas económicas exclusivas, conforme indicado no parágrafo 21321 do referido acórdão, afirmando que tal competência discorre dos direitos de soberania dos Estados costeiros no que toca a exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais. Neste sentido, conclui o parágrafo 3 do artigo 58º que “no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres na zona económica exclusiva, nos termos da presente Convenção, os Estados terão em devida conta os direitos e deveres do Estado costeiro e cumprirão as leis e regulamentos por ele adotados de conformidade com as disposições da presente Convenção e demais normas de direito internacional, na medida em que não sejam incompatíveis com a presente parte”. Estabelecendo, portanto, que o abastecimento de navios estrangeiros que exercem pesca na ZEE do Estado costeiro, é efetivamente uma atividade que pode ser regulada pelo Estado costeiro em causa, contudo, não tem essa competência no que diz respeito a outras atividades de “bunkering” não relacionados com a pesca ou com atividades enquadradas na noção de “atividades relacionados com a pesca”22, lê-se, não relacionados com a exploração e aproveitamento económico dos recursos naturais vivos da ZEE do Estado costeiro, salvo disposição em contrário, em conformidade com a Convenção. 20

Da parte VII relativos ao regime jurídico do Alto Mar. “The Tribunal emphasizes that in the exercise of the sovereign rights of the coastal State to explore, exploit, conserve and manage the living resources of the exclusive economic zone the coastal State is entitled under the Convention, to adopt laws and regulations establishing the terms and conditions for access by foreign fishing vessels to its exclusive economic zone (articles 56, paragraph 1, and 62, paragraph 4, of the Convention)”. Tribunal Internacional do Direito do Mar, Caso No. 19, M/V Virgínia G, 14 Abril de 2014, para. 213. 22 Relativamente a esta matéria, o tribunal decidiu que, quanto aos argumentos das partes relativas ao direito de um Estado costeiro regular o abastecimento dos navios de pesca para fins de proteção do ambiente marinho, era desnecessário considerar tais argumentos bem como fatos relevantes neste sentido apresentado pelas partes. Pelo que o Tribunal considerou apenas que Guiné-Bissau incorporou seus regulamentos sobre “bunkering” na sua legislação respeitante à pesca e não em legislação relativa à proteção do ambiente marinho. Ver, Tribunal Internacional do Direito do Mar, Caso No. 19, M/V Virgínia G, 14 Abril de 2014, para. 224. 21

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Apurada a competência dos Estados costeiros em legislar e regulamenta o abastecimento de navios estrangeiros que exercem pesca na sua ZEE, a questão que se levanta imediatamente no âmbito do caso Virgínia G é a de saber se a legislação da Guiné-Bissau relativo abastecimento de navios de pesca (os artigos 3 e 23 do DecretoLei n.º 6-A / 200023 bem como o artigo 39 do Decreto 4/9624),25 estão ou não em conformidade com os artigos 56º e 62º da Convenção. Considerando neste sentido que o Decreto-Lei n.º 6-A / 2000 estabelece em termos suficientemente claros de que a legislação da Guiné-Bissau abrange apenas atividades que apoiam diretamente as atividades pesqueiras na sua ZEE, considerando invalido o argumento do Panamá de que a legislação era amplamente vaga e não era precisa relativamente ao âmbito de aplicação26. CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão central a ser abordado pelo Tribunal, foi se Guiné-Bissau, no exercício dos seus direitos soberanos de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais na ZEE, teria ou não competência para regular abastecimento de navios estrangeiros que pescam nesta zona. A este respeito, conclui-se que o Tribunal considerou que o regulamento por um Estado costeiro do abastecimento de navios estrangeiros que pescam em sua ZEE está entre as medidas que o Estado costeiro pode tomar, vivos nos termos do artigo 56ª da Convenção conjugado com o parágrafo 4 do artigo 62º, bem como à luz da prática dos Estados que se desenvolveu após a adoção da Convenção, fundamentando que que a legislação nacional de vários Estados, regula a atividade de abastecimento de navios estrangeiros que pescam nas suas zonas económicas exclusivas à semelhança Guiné – Bissau, pelo que não há nenhuma objeção visto que em geral este preceito e tais regulamentos são cumpridos, reconhecendo assim através da pratica esse poder aos Estados costeiros.

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Disponível em http://www.spcsrp.org/medias/csrp/Leg/GBIS/nouveau/LEG_GB_2000_DCR-0006A.pdf Disponível em http://www.spcsrp.org/medias/csrp/Leg/GUI/nouveau/LEG_CV_1996_DCR-0004.pdf 25 Ao analisar a legislação interna da Guiné-Bissau relativamente a esta matéria, o Tribunal referiu o acórdão do Tribunal Internacional de Justiça, no processo relativo aos interesses alemães na Alta Silésia polonesa (Série A, N.º 7, p. 19), onde TIJ declarou que do seu ponto de vista e o do Direito Internacional, as leis municipais são apenas fatos que expressam a vontade e constituem atividades dos Estados, da mesma forma como produzem decisões judiciais ou medidas administrativas. É claro, contudo, que o TIJ não era certamente competente para interpretar a lei polaca como tal; porem nada o impedia de no acórdão abordar a questão de saber se, na aplicação dessa lei, a Polónia está a agir em conformidade com as suas obrigações para com a Alemanha ao abrigo da Convenção de Genebra. Recorreu ainda ao acórdão / V "SAIGA" M (No. 2) onde o Tribunal observa que, sob diversas disposições da Convenção, é chamada a determinar se, ao adotar ou implementar a sua lei, um Estado Parte agiu em conformidade com a Convenção. Neste sentido ver Tribunal Internacional do Direito do Mar, Caso No. 19, M/V Virgínia G, 14 Abril de 2014, para. 226 e 227 respetivamente. 26 Ver Tribunal Internacional do Direito do Mar, Caso No. 19, M/V Virgínia G, 14 Abril de 2014, para. 229. 24

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Nesta mesma lógica analítica, o Tribunal sugere que o artigo 58º da Convenção deve ser lido e interpretado conjugado com o artigo 56º da Convenção, pelo que o artigo 58º não contem nenhum impedimento aos Estados costeiros de adotarem leis e regulamentos nos termos das disposições do artigo 56º, relativamente ao abastecimento de navios estrangeiros que pescam nas suas zonas económicas exclusivas, salvo disposição em contrário em conformidade com a Convenção Neste sentido, nos termos do parágrafo 3 do artigo 58º o tribunal considerou que o abastecimento de navios estrangeiros que exercem pesca na ZEE do Estado costeiro, é efetivamente uma atividade que pode ser regulada pelo Estado costeiro em causa, sendo que deriva dos direitos soberanos de que o estado de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, contudo, não tem essa competência no que diz respeito a outras atividades de “bunkering” não relacionados com a pesca ou com atividades enquadradas na noção de “atividades relacionados com a pesca”.

BIBLIOGRAFIA

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Jurisprudência

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