OS POTENCIAIS RISCOS DO BITCOIN E AS CRISES DO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-COMPARATIVA

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO

OS POTENCIAIS RISCOS DO BITCOIN E AS CRISES DO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-COMPARATIVA

João Lucas Costa de Miranda

Lisboa Ano Lectivo 2016/2017

ÍNDICE

RESUMO

3

1. O BITCOIN

4

2. CRISES NO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL

7

3. RISCOS DO BITCOIN

10

3. CONCLUSÃO

12

2

RESUMO O presente trabalho tem como cerne inicial a abordagem de dois temas: o bitcoin e as crises do sistema monetário internacional. Em seguida a essa exposição - que não pretende esgotar o conteúdo de nenhum deles -, pretende-se traçar limiar comparativo entre ambos. Com o resultado de tal comparação, quer-se discutir os potenciais riscos do bitcoin ao referido sistema. Palavras-chave: sistema monetário internacional; crises; Bitcoin; criptomoeda. ABSTRACT The present work firstly intends to show two concepts: the bitcoin and the crisis of the international monetary system. After it, which will not exhaust all the content of the terms, pretends to make a comparison between them. With the result of this research, it wants to discuss the potential risks of Bitcoin to that system. Keywords: international monetary system; crisis; Bitcoin; cryptocurrency.

3

1. O BITCOIN Com o advento da internet moderna, em meados da década de 1980, pode-se dizer que o processo de digitalização da “vida” teve início. Primeiramente, jornais e demais mídias migraram para os computadores. Em seguida, foi a vez dos livros, que adquiriram o formato de ebooks; e foram além: hoje em dia há bibliotecas inteiramente digitais, inclusive de teses e dissertações. Mesmo fato ocorreu com o comércio, que apresenta faturamento cada vez maior no formato e-commerce, enquanto nos shopping centres outrora sonho de qualquer lojista - resultados cada vez menores.1 Conquanto seja visível a ampliação dos campos de atuação da tecnologia, uma área havia sido pouco explorada: a das moedas digitais. Isto pois, apesar de representarem o fim de notas e moedas físicas, encaram uma série de entraves, que vão desde a questão do lastro até as barreiras causadas pelo monopólio estatal da moeda. No entanto, no ano de 2009, um enigmático programador conhecido por Satoshi Nakamoto apresentou o Bitcoin: uma moeda digital privada transacionada online por uma rede peer-to-peer.2 Esta moeda pode ser definida como: "Bitcoin is two things at once. First, it is a digital currency, meaning that the unit of account it employs has no physical counterpart with legal tender status. Second, Bitcoin is what Friedrich A. Hayek described as a “private currency”: a currency provided by private enterprise aimed at combatting government monopolies on the supply of money".3

Em razão desse aspecto descentralizado, o Bitcoin não é regulado pela lei como as moedas tradicionais; é controlado somente por seus usuários. Essa mesma questão que o 1

"Enquanto as vendas totais ainda encontram um ambiente instável, o e-commerce não só continua a ter destaque como também teve o mais expressivo crescimento desde fevereiro de 2014, expandindo 26,7% em comparação a fevereiro do ano passado, sendo este o oitavo mês consecutivo de ganhos no setor. Considerando os últimos três meses, as vendas do canal cresceram 19,3% comparadas ao ano passado, e acima dos indicadores do quarto trimestre de 2016”. Acessado em 02/05/2017. 2

“The system works similarly to peer-to-peer music-sharing networks in that files are shared among swarms of users, rather than downloaded from a central server”. SHERIDAN, Barrett. Bitcoins: Currency of the Geeks. Bloomberg Businessweek (16 de junho, 2011), Acessado em 03/05/2017. 3

PLASSARAS, Nicholas. Regulating Digital Currencies: Bringing Bitcoin within the Reach of the IMF. Chicago Journal of International Law, 14, (2013), p. 4. Acessado em 03/05/2017.

4

diferencia da moeda escritural (fiat money):4 embora ambas não possuam lastro - apenas a confiança das pessoas -, esta é regulada e garantida por uma autoridade central (o Estado), enquanto aquela não possui nenhuma entidade externa envolvida. Ou seja: "users perform all steps of the transactions themselves”,5 não necessitando de uma terceira parte - como os bancos - para transacionarem. Essa independência acima referida é garantida por meio do formato do Bitcoin: funciona como se fosse uma pasta de computador, de maneira que as transações são comparáveis ao envio de um email.6 Para garantir a probidade do sistema, o Bitcoin adota um modelo de segurança baseado na criptografia, garantindo que apenas as partes vendedora e compradora estejam presentes.7 Isto é, para ter acesso à transação, deve-se atravessar uma barreira criptografada - que é estatisticamente impossível de ser rompida8 cuja chave só é gerada para os contraentes. Levantados os aspectos principais acerca do Bitcoin, é hora de analisar quais são as vantagens das moedas digitais, para a seguir serem contrapostas com seus riscos. Plassaras identifica que o sistema monetário serve para três funções primárias: "First, it serves as a medium of exchange. Second, it acts as a unit of account and a measure of relative worth. Third, currency acts as a store of value of current earnings for future spending. Digital currencies like Bitcoin have the potential to perform each of these roles more efficiently than traditional fiat currencies".9

4

European Central Bank (ECB), Virtual Currency Schemes (Oct., 2012), *5. Acessado em 03/05/2017. 5

PLASSARAS, Nicholas. op. cit., p. 5.

6

"Bitcoins are computer files, similar to an mp3 or a text file. They can be destroyed or lost just like cash.

They are stored either on a personal computer or entrusted to an online service. Since the coins are simple files stored on a computer, spending them is as easy as sending an email over the Internet”. KAPLANOV, Nikolei M.. Nerdy Money: Bitcoin, the Private Digital Currency, and the Case Against Its Regulation. Temple University Legal Studies Research Paper, 2012. NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System (2009). Acessado em 03/05/2017. 7

8

cf. calculations expostas no *11, ibidem.

9

PLASSARAS, Nicholas. op. cit., p. 9.

5

Na primeira delas, a argumentação se baseia no fato da moeda digital ter caráter universal, não necessitando de arcar com as altas taxas bancárias e nem com o custo da conversibilidade de moedas.10 Na segunda, o ponto crucial é a independência governamental, de forma que não se sujeita às flutuações causadas pela política, mantendo seu valor sempre de forma independente. Na última função, deve-se, antes de comentá-la, informar o que se segue: o Bitcoin tem quantidade de produção limitada - em 2025 ele parará de ser “fabricado”, na marca dos 21 milhões. Isso significa que guiar-se-á somente pela lei da oferta e da demanda, não se sujeitando às arbitrariedades dos bancos nacionais (impressores de moeda) que vez ou outra interferem no mercado monetário. Todavia, da mesma forma que traz consigo aparentes vantagens, também apresenta potenciais perigos. O primeiro a ser mencionado reside nas possíveis falhas tecnológicas.11 Ainda que o avanço nesta área seja notório ao longo das últimas décadas, não se pode acreditar piamente que não haverá problemas: desde hackers até um defeito no sistema, o mundo digital é permeado por essa insegurança. Muito além disso, por ser um sistema sem regulação alguma,12 as chances de fraudes - e consequente impunidade - também são relevantes. Essa desregulação também leva a um outro cenário: não há fundos garantidores de crédito como ocorre nos títulos financeiros tradicionais.13 Ainda que apresente tantos riscos quanto benefícios, a valorização do Bitcoin parece apontar para a preponderância destes. Em outubro de 2011, uma unidade estava avaliada em apenas US$ 02,00, sendo que o total em circulação pairava os US$ 20.000.000,00. Em 2013, a unidade já estava acima dos US$ 140,00, com um total por 10

MOTA, Pedro Infante. A Fragmentação Internacional da Produção. New Paradigms of the Relation Between Law and Economics, Globalization, Economic Integration and Development. Working Papers, nº 1/2016. 11

O autor cita “Anonymity Failure, Theft and Denial of Service”. Indica, neste último, a hipótese de não haver a quem recorrer em caso de quaisquer problemas, uma vez que o sistema é totalmente descentralizado. GRINBERG, Reuben. Bitcoin: An Innovative Alternative Digital Currency. Hastings Science & Technology Law Journal, Vol. 4, 2011, p.178-180. Acessado em 04/05/2017. 12

European Central Bank (ECB), Virtual Currency Schemes (Oct., 2012), *17. Acessado em 04/05/2017. 13

No Brasil, "o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que administra um mecanismo de proteção aos correntistas, poupadores e investidores, que permite recuperar os depósitos ou créditos mantidos em instituição financeira, até determinado valor, em caso de intervenção, de liquidação ou de falência”. Banco Central do Brasil Acessado em 05/05/2017.

6

volta dos US$ 1,6 bilhão. Hoje em dia (2017), com o preço unitário em quase US$ 1.500,00, a quantia em circulação já se aproxima dos US$ 24 bilhões.14 2. CRISES NO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL Por conta da retro mencionada importância que o Bitcoin vem ganhando ao longo dos anos, é interessante avaliar seus potenciais riscos ao sistema monetário internacional. Para tal avaliação, o presente trabalho pretende analisar as crises já vividas por esse sistema. E, a partir dos pontos em comum detectados, ver em que medida essa moeda digital pode ser relacionada como precursora de uma nova crise. Inicialmente, é mister que se elucide o seu conceito: entende-se por sistema monetário internacional o conjunto de regras e de procedimentos que exercem influência sobre as políticas econômicas dos diferentes países. Em outras palavras: fixa as regras do jogo entre os países participantes.15 O primeiro sistema que se tem registro ocorreu no paradigma do Estado Liberal, nos idos do século XIX, que veio a ser conhecido como o padrão-ouro; isto é, taxas de câmbio lastreadas neste metal. Esse lastro, salienta-se, é que foi a grande inovação para a formulação de um sistema propriamente dito, já que passou a permitir a conversibilidade das moedas nacionais em ouro e vice-versa - além disso, instaurou que as reservas de ouro determinavam o valor da moeda.16 Vale dizer que esse padrão foi internacionalmente reconhecido pois teve seu berço na Inglaterra,17 que à época era uma das maiores - senão a maior - potência mundial. Dessa forma, do ponto de vista geopolítico, o padrão-ouro estava intimamente associado à hegemonia inglesa.18

14

Gráfico acessado online em Acessado em 04/05/2017.

15

ATANÁSIO, João. Direito Internacional Econômico: uma introdução. AAFDL, Portugal, Lisboa, 2007, p. 67. 16

QUINTAS, Fábio L.. Cidadania, Estado e Sistema Monetário Internacional. Revista Direito GV, São Paulo, jul-dez 2014, p. 417-440. 17

Coinage Act.

18

EICHENGREEN, Barry. A globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional. Trad. Sérgio Blum. São Paulo: Ed. 34, 2002, p. 71-72.

7

Esse padrão, no entanto, apresentou eficiência somente até 1913.19 Com o início da I Guerra Mundial (1914-1918), “embora legalmente livre, a exportação de ouro, em parte por dificuldades de transporte em tempo de guerra e em parte por pressão oficial, encontrava-se totalmente obstruída”.20 Além disso, ainda que empenhos tenham sido empregados para a sua restauração no pós-guerra, a crise de 1929 veio por fragilizar a libra esterlina - símbolo dessa era - e por reativar o ímpeto protecionista das nações, tornando insustentável a manutenção de tal padrão.21 Em suma, e alertando para o caráter simplista dessa análise, a crise foi suscitada tanto pela Guerra Mundial quanto pela Grande Depressão e suas consequências. Passado o período entre-guerras e a II Guerra Mundial, momentos em que ainda pairava a incerteza acerca do retorno ou não do ouro, os Estados Unidos e Grã-Bretanha - a nova e a antiga potências mundiais - iniciaram discussões sobre o futuro do sistema monetário internacional. O resultado de tais tratativas foi a conferência de Bretton Woods, em 1944, que veio por trazer o padrão ouro-dólar: conversibilidade fixa desta moeda naquele metal22 e fixação da taxa de câmbio de cada país em relação ao dólar norteamericano.23 Dessa forma, a obrigação dos EUA era, basicamente, converter dólar em ouro na taxa estabelecida na conferência mencionada alhures.24 Enquanto manteve-se o dollar gap (escassez de dólares), também permaneceu a confiança neste sistema: “as good as gold”. No entanto, não tardou para que o dollar glut começasse a acontecer; isto é, mais dólares no exterior do que reservas em ouro.25 Dessa forma:

19

Ibidem.

20 ATANÁSIO,

João. op. cit., p.74.

21

QUINTAS, Fábio L.. op. cit., p. 423.

22

Taxa fixa de 35 dólares a onça de ouro.

23

Em razão dessa fixação da taxa de câmbio de cada país em relação ao dólar, “as taxas de câmbio das moedas periféricas não podiam oscilar mais de 1% para cada lado em relação à paridade estabelecida em relação ao dólar (e ao ouro)”. ATANÁSIO, João. op. cit., p. 93. 24

SANT’ANA, José Antônio. Economia monetária: a moeda em uma economia globalizada. Brasília: Ed. UnB, 1997, p. 174-175. 25

QUINTAS, Fábio L.. op. cit., p. 430.

8

“A causa imediata do colapso do sistema de Bretton Woods foram os

crescentes déficits do balanço de pagamentos norte-americano, o que levou, inicialmente, à suspensão da conversibilidade e à desvalorização do dólar pelo então presidente Nixon (1971) e, depois, ao fim da conversibilidade do dólar em ouro (1973), com o que as taxas de câmbio começam a flutuar livremente no mercado”. 26

Dessa forma, “a enorme dificuldade de operar um sistema de câmbio fixo em face de capitais de extrema mobilidade é a primeira lição de Bretton Woods”,27 aliada à incapacidade de os Estados sincronizarem suas políticas internas com as políticas econômicas, 28 foram os causadores do fim desse sistema. Com o fim do padrão dólar-ouro, chega-se ao momento que corresponde à atualidade: o sistema pós-Bretton Woods. Este, inaugura-se com a segunda emenda aos Estatutos do Fundo Monetário Internacional, "na qual os países passaram a poder, de jure, escolher o regime cambial que melhor lhes aprouvesse”.29 Resultou, portanto, em um pluralismo de câmbios, tanto a nível internacional quanto regional. Ao citar PadoaSchioppa e Saccomanni, Fábio Quintas indica que: "Esses autores propõem que a compreensão das relações econômicas internacionais, hoje, seja feita a partir da distinção entre dois arranjos institucionais: o primeiro, característico de Bretton Woods, seria o “sistema monetário internacional conduzido por Governos” (Government-led international monetary system – G-IMS); o outro, típico da atualidade, o “sistema monetário internacional conduzido pelo mercado” (market-led international monetary system – M-IMS)”. 30

Vê-se, pois, que há uma interdependência tanto entre as nações quanto entres os mercados. O que resulta, entre outras coisas, na capacidade de maior influência de uma moeda sobre a outra, bem como de uma moeda sobre o sistema monetário internacional.

26

SANT’ANA, José Antônio. op. cit., p. 175.

27

EICHENGREEN, Barry. op. cit., p. 181.

28

QUINTAS, Fábio L.. op. cit., p. 430.

29 ATANÁSIO, 30

João. op. cit., p.113.

QUINTAS, Fábio L.. op. cit., p. 434.

9

3. RISCOS DO BITCOIN É nesse novo panorama, conhecido também por globalização financeira,31 que os riscos do Bitcoin se evidenciam. Para que se compreenda essa problemática, deve-se ter em conta que "the value of Bitcoins currently in circulation exceed the value of the entire currency stock of over 30 countries, including Niger, Belize, and Rwanda”,32 de forma que possui força de uma nação. Para além dessa perspectiva de crescimento, também há o risco fiscal. Isto é, “Cryptocurrencies possess the traditional characteristics of tax havens:

earnings are not subject to taxation and taxpayers’ anonymity is maintained. Cryptocurrencies, however, also possess one added value: their operation is not dependent on the existence of financial institutions. Thus, cryptocurrencies could potentially defeat governments’ recent successes in addressing offshore tax evasion”. 33

Este anonimato - como visto alhures (tópico 1) - é garantido por meio da criptografia, de forma que torna difícil - senão inviável - o trabalho das autoridades fiscais. Nesse ínterim, o Bitcoin não só é uma moeda em exponencial crescimento, como também imune à regulação estatal. Atento a essa questão, Plassaras adverte que tal moeda “[…] have the potential to create severe and possibly irreversible fluctuations in the foreign currency exchange”, a partir de um "speculative attack on another currency”.34 Assim, "Herein lies the threat posed by Bitcoin. In the event that a wealthy

Bitcoin investor - or a number of Bitcoin investors - launch a speculative attack on a currency, what can be done to counter it? In theory, individual countries could diversify their reserve portfolio by purchasing Bitcoins from an online exchange. But if a central bank’s reserve is unable to absorb the maturity mismatches suffered by its central banks, who can it 31

ARNER, Douglas W; BARBERIS, Janos Nathan; BUCKLEY, Ross P.. The Evolution of Fintech: A New Post-Crisis Paradigm? University of Hong Kong Faculty of Law Research Paper No. 2015/047; UNSW Law Research Paper No. 2016-62. Acessado em 09/05/2017. 32

Central Intelligence Agency World Factbook, Country Comparison: Stock of Broad Money. Acessado em 09/05/2017. 33

MARIAN, Omri Y., Are Cryptocurrencies 'Super' Tax Havens?. 112 Michigan Law Review First Impressions 38 (2013). Acessado em 09/05/2017. 34

PLASSARAS, Nicholas. op. cit., p. 17.

10

turn to? The IMF has no supply of Bitcoins; indeed it has almost no way to obtain them directly. The IMF obtains currency via the quota system and the IMF can only collect quotas from its members. Bitcoin is neither a member of the IMF, nor could it become one if it wanted to - IMF membership is only open to nation-states". 35

Na esteira deste pensamento, pode-se remontar à crise do padrão dólar-ouro, cuja causa precípua esteve - como já mencionado - "na dificuldade de operar um sistema de câmbio fixo em face de capitais de extrema mobilidade”.36 A questão atual, no entanto, não diz respeito à fixação apenas de uma moeda. Mas, por outro lado, ao estabelecimento de um paradigma monetário: o monopólio estatal da moeda. A disruptiva inovação trazida pelo Bitcoin põe em xeque, pois, a própria funcionalidade desse monopólio. Afinal, na hipótese de ocorrência da situação descrita por Plassaras, as instituições tradicionais teriam que se adaptar ao novo padrão digital - da mesma forma que já tiveram que se readaptar nas outras crises retro transcritas. Além dessa primeira hipótese e, agora relacionando com a crise do padrão ouro, pode-se imaginar a prevalência do Bitcoin durante crises mundiais. Diga-se, em razão de seu caráter “independente” do mercado financeiro, enquanto moedas estatais forem atacadas pelas contingências políticas, essa outra moeda - na posição de uma private currency37 - manter-se-ia estável. Isto pois, ainda que o mercado lato sensu encontre-se mais contraído, a via digital continuará a se regular estritamente pela oferta e procura; sem intervencionismos e tampouco flutuações de causa política. Concorda-se, por fim, com o magistério de Plassaras38 e de Kaplanov39 ao afirmarem a necessidade de regulação do mercado de Bitcoin. Seja na hipótese levantada pelo primeiro, do Fundo Monetário Internacional constituir reserva daquela moeda; seja na visão do segundo, de legislar em nível internacional o mercado das criptomoedas. Ou, até mesmo, permitir a adoção do Bitcoin como moeda oficial de algum país, de forma a compor as moedas oficiais listadas pelo FMI. 35

ibidem, p. 18.

36

EICHENGREEN, Barry. op. cit., p. 181.

HAYEK, Friedrich A.. Denationalisation of Money. (IEA 1976) Acessado em 08/05/2017. 37

38

PLASSARAS, Nicholas. op. cit..

39

KAPLANOV, Nikolei M., op. cit..

11

3. CONCLUSÃO É notório o crescimento do Bitcoin ao longo dos últimos anos. Junto com tal avanço, no entanto, surgem também as perspectivas dos riscos, tanto de cunho fiscal40 , quanto monetário.41 Nesse ínterim e, recordando-se das crises que já assolaram o sistema monetário internacional, irrompe a dúvida da regulação: deve ou não ser feita; e mais, de que forma seria implementada. Sem querer esgotar o tema, o presente trabalho entende que, por ser função do FMI42 promover a estabilidade monetária, este organismo deveria, além de constituir reserva de Bitcoins, permitir a sua adoção como moeda oficial pelos países que assim desejarem. Ainda que com isso a autonomia dessa digital currency seja mantida, os seus potenciais riscos ao sistema monetário internacional ficam mitigados.



40

MARIAN, Omri Y., op. cit..

41

PLASSARAS, Nicholas. op. cit..

42

Articles of Agreement of the International Monetary Fund (1945), 2 UN Treaty Ser 134 (1947) (hereinafter IMF), Art 1: “The purposes of the International Monetary Fund are: . . . (iii) To promote exchange stability, to maintain orderly exchange arrangements among members, and to avoid competitive exchange depreciation.”

12

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PLASSARAS, Nicholas. Regulating Digital Currencies: Bringing Bitcoin within the Reach of the IMF. Chicago Journal of International Law, 14, (2013). SHERIDAN, Barrett. Bitcoins: Currency of the Geeks. Bloomberg Businessweek (16 de junho, 2011). EUROPEN CENTRAL BANK (ECB), Virtual Currency Schemes. KAPLANOV, Nikolei M.. Nerdy Money: Bitcoin, the Private Digital Currency, and the Case Against Its Regulation. Temple University Legal Studies Research Paper, 2012. AKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System (2009). MOTA, Pedro Infante. A Fragmentação Internacional da Produção. New Paradigms of the Relation Between Law and Economics, Globalization, Economic Integration and Development. Working Papers, nº 1/2016. GRINBERG, Reuben. Bitcoin: An Innovative Alternative Digital Currency. Hastings Science & Technology Law Journal, Vol. 4, 2011. ATANÁSIO, João. Direito Internacional Econômico: uma introdução. AAFDL, Portugal, Lisboa, 2007. QUINTAS, Fábio L.. Cidadania, Estado e Sistema Monetário Internacional. Revista Direito GV, São Paulo, jul-dez 2014. EICHENGREEN, Barry. A globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional. Trad. Sérgio Blum. São Paulo: Ed. 34, 2002. SANT’ANA, José Antônio. Economia monetária: a moeda em uma economia globalizada. Brasília: Ed. UnB, 1997. RNER, Douglas W; BARBERIS, Janos Nathan; BUCKLEY, Ross P.. The Evolution of Fintech: A New Post-Crisis Paradigm? University of Hong Kong Faculty of Law Research Paper No. 2015/047; UNSW Law Research Paper No. 2016-62. MARIAN, Omri Y., Are Cryptocurrencies 'Super' Tax Havens?. 112 Michigan Law Review First Impressions 38 (2013). HAYEK, Friedrich A.. Denationalisation of Money. (IEA 1976).

13

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.