OS PRECEDENTES JUDICIAIS, O ART. 926 DO CPC E SUAS PROPOSTAS DE FUNDAMENTAÇÃO: UM DIÁLOGO COM CONCEPÇÕES CONTRASTANTES

May 24, 2017 | Autor: F. Pedron | Categoria: Ronald Dworkin, Processo Civil, Precedente judicial, Hermenêutica Do Direito, Novo CPC
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Os precedentes judiciais, o art. 926 do CPC e suas propostas de fundamentação: um diálogo com concepções contrastantes

OS PRECEDENTES JUDICIAIS, O ART. 926 DO CPC E SUAS PROPOSTAS DE FUNDAMENTAÇÃO: UM DIÁLOGO COM CONCEPÇÕES CONTRASTANTES Judicial precedents, the Civil Process Code section 926 and its proposal of substantiation: a dialogue with contrasting conceptions Revista de Processo | vol. 263/2017 | p. 335 - 396 | Jan / 2017 DTR\2016\24937 Dierle Nunes Doutor em direito processual (PUC-MG/Università degli Studi di Roma “La Sapienza”). Mestre em direito processual (PUC-MG). Professor permanente do PPGD da PUC-MG. Professor-adjunto na PUC-MG e na UFMG. Secretário-adjunto do Instituo Brasileiro de Direito Processual. Membro fundador do ABDPC. Membro da International Association of Procedural Law, Instituto Panamericano de Derecho Procesal e Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO). Diretor executivo do Instituto de Direito Processual –IDPro. Diretor do departamento de direito processual do IAMG. Membro da Comissão de Juristas que assessorou no Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados. Advogado. [email protected] Flávio Quinaud Pedron Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Professor do PPGD da Faculdade de Direito de Guanambi/BA. Professor-adjunto da PUC-MG e do IBMEC/MG. Membro da ABDPC. Advogado. [email protected] André Frederico de Sena Horta Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Advogado. [email protected] Área do Direito: Constitucional; Processual Resumo: A institucionalização efetiva de um processo constitucionalizado se tornou essencial com a recente entrada em vigor do CPC/2015 e exige um diálogo com uma série de concepções teóricas que se apresenta em nosso país para explicar os fundamentos dos precedentes. Nesse sentido, promoveremos uma interlocução com uma linha teórica que defende que a última voz do Direito caberia aos Tribunais Superiores, sob uma suposta indeterminação que legitimaria seu papel de definição do “verdadeiro” sentido, buscando demonstrar suas inconsistências e os riscos de acolhimento de tal premissa teórica. Como contraponto, apresentaremos a proposta Dworkiniana e seu viés democrático, na busca por um sistema jurídico constitucionalizado que se afaste de discursos salvacionistas centrados nos Tribunais Superiores, e assumindo um papel libertário para o Direito embasado em uma leitura adequada dos direitos fundamentais e da teoria da integridade. Palavras-chave: Processo Civil - Constituição - Democracia - Precedente Judicial Integridade. Abstract: The effective institutionalization of a constitutionalized process became essential with the recent entry in effect of the new Civil Process Code (2015) and demands a dialogue with several theoretical conceptions which are present in our country so that the foundations of precedents can be explained. In this sense, we will promote an interlocution with theories which endorse that the final word in Law should rest on the Superior Courts, under the supposed indetermination which would legitimate its role in defining the “true” meaning, aiming to demonstrate its inconsistencies and the risks of the reception of such theories. As a counterpoint, we will present Dworkinian propositions and its democratic bias, in the search of a constitutionalized system that departs from salvationists doctrines centered in the Superior Courts, and assuming a libertarian role for the Law based on an adequate reading of the fundamental rights and the integrity theory. Página 1

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Keywords: Civil Process - Constitution - Democracy - Judicial Precedent - Integrity. Sumário: 1Considerações iniciais - 2Antes de analisar os precedentes – Em busca dos pressupostos Dworkinianos - 3A crítica à questão da discricionariedade e a proposta de uma comunidade de princípios - 4A integridade na aplicação judicial do direito - 5Do necessário diálogo com alguns dos críticos da teoria da integridade Dworkiniana - 6Do equívoco da “tese” das cortes supremas – Primeiros apontamentos - 7Uma advertência final 1 Considerações iniciais A ciência processual brasileira se encontra com uma oportunidade das mais relevantes com o advento do Novo Código de Processo Civil, desde que não se deixe profanar pela reprodução simplificada da produção de pensadores influentes e consiga se desgarrar do pensamento incrustado em nível pré-reflexivo, trazido por uma tradição de matriz estatalista e reafirmada diuturnamente no Brasil por correntes de pensamento por vezes apresentadas sob um suposto viés de sofisticação. Sabemos que, desde 1988, há uma afirmação recorrente de que introduzimos, em termos normativos, um modelo constitucional de processo, que deveria moldar toda a atividade processual dos envolvidos no sistema processual. No entanto, até hoje, estes ideais não conseguiram ser plenamente institucionalizados e internalizados pelos participantes do debate processual, que continuam a atuar em caráter de legitimação e mantença das antigas práticas estruturadas desde o advento do processualismo científico de viés socializador, valendo-se dos institutos processuais (jurisdição e processo, verbi gratia) como se sua funcionalidade e conteúdos tivessem passado incólumes pelo século XX e início do XXI, quando, em verdade, precisamos buscar a adequação normativa inerente às mudanças sociais e às próprias litigiosidades ao largo desde período. O direito em geral (e o processual, em especial) acabou se comportando até recentemente como ciência da ordem, ou seja, acabou reafirmando e legitimando as 1 estruturas de poder imperantes de modo a manter o mundo como ele é, quando sabemos que um dos grandes desafios ofertados pelo segundo pós-Guerra foi exatamente o de possibilitar um potencial libertário para o direito, que, mediante uma reflexão crítica profunda, permitiria um funcionamento contrafático (corretivo) das realidades absurdas naturalizadas pela reprodução de comportamentos viciados. Como há muito se vem denunciando: não se pode realizar este projeto democrático pelo 2 Direito mediante discursos de protagonismo (do judiciário, por exemplo), mesmo que das Cortes de Vértice. Dentro da função democrática que o Direito Processual precisa assumir, é necessário institucionalizar verdadeiramente – para além de um discurso retórico, no agir de todos os sujeitos processuais – um modelo constitucional que implemente uma especial visão 3 garantística do processo na efetivação dos direitos, especialmente os fundamentais. Viabilizar-se-ia, assim, uma limitação de atuação daqueles que participam do processo de forma equivocada e se inauguraria uma hermenêutica processual condicionada à Constituição e à ideia de Estado Democrático de Direito, à luz da comparticipação e do 4 policentrismo. Não se acredita mais na clarividência de juízes, ou em que uma boa decisão decorreria, necessariamente, de um magistrado que tenha múltiplas formações 5 extrajurídicas, ou, ainda, em seus aspectos ideológicos, especialmente quando se 6 percebem seus enviesamentos cognitivos. Devemos parar de romantizar a atuação de qualquer órgão decisor e estudar com profundidade os dilemas da sociedade, das litigiosidades e do sistema processual brasileiro. Página 2

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O CPC/2015 (LGL\2015\1656) pretende alinhar-se ao modelo constitucional de processo, pois se evidencia no texto legislativo o reforço de seu aspecto principiológico logo em seu capítulo introdutório, que menciona, expressamente, o princípio da boa-fé objetiva (art. 5.º), a regra da cooperação entre os sujeitos processuais (art. 6.º – teoria normativa da comparticipação), e o contraditório como paridade de “armas” (art. 7.º), bilateralidade de audiência (art. 9.º) e, mais importante, como garantia de influência e não surpresa (art. 10). Além disso, o art. 11 garante a publicidade dos julgamentos (exceto os proferidos nos processos que tramitam em restrição de publicidade, comumente chamado como “segredo de justiça”) e a necessidade de observância ao dever de fundamentação decisória. Em se tratando deste último, o § 1.º, do art. 489, do CPC/2015 (LGL\2015\1656), é da maior importância. Embora não estabeleça quais são os requisitos a ser atendidos para que uma decisão seja considerada fundamentada, diz quando uma decisão não o é nas 7 hipóteses descritas em seus seis incisos. A contrario senso, o mínimo que uma decisão deve estabelecer é a relação dos atos normativos suscitados com a causa ou a questão decidida; a explicação concreta da incidência de conceitos jurídicos indeterminados utilizados na resolução da demanda; sua especificidade em relação ao caso concreto; o enfrentamento de todos os argumentos jurídicos relevantes, contra e a favor do entendimento nela consubstanciado; os padrões de identificação e de distinção entre os precedentes e enunciados de súmula e o caso presente; e os argumentos de superação de um precedente, uma jurisprudência ou um enunciado de súmula suscitado pela parte. Ainda que, por um lado, possa-se afirmar que seria desnecessária a repetição, em um diploma legal, de deveres e garantias processuais já previstos na Constituição da República (ou nela implícitos) – uma vez que a subordinação é da Lei à Constituição, e não o contrário –, de outro, o aspecto principiológico do CPC/2015 (LGL\2015\1656) revela uma preocupação em se implementar a observância àqueles deveres e garantias, pois, no Brasil, ainda predomina uma mentalidade (equivocada) segundo a qual os princípios (como normas constitucionais) seriam meramente programáticos, carecendo de aplicação imediata e estando condicionadas à regulamentação legislativa e, com isso, esvaziar-se-ia a força normativa da Constituição. Tendo em vista que o CPC/1973 (LGL\1973\5) não possuía esse aspecto principiológico (e havia uma resistência em se ler o antigo Código à luz da Constituição), o legislador houve por bem desenhar o modelo constitucional de processo no CPC/2015 (LGL\2015\1656). 8

Em outra sede, já se havia chamado atenção para o risco que se corre se a comunidade jurídica ler o novo Código sob o olhar do antigo, mantendo “o ‘velho’ modo de julgamento empreendido pelos magistrados, que, de modo unipessoal (solipsista), aplicam teses e padrões sem a promoção de juízos de adequação e aplicabilidade ao caso concreto. Citam-se ementas e súmulas de forma descontextualizada, e não se evidencia uma preocupação em instaurar um efetivo diálogo processual com os advogados e as partes, especialmente se a doutrina não reassumir a função e a postura crítica que dela se espera, ao contrário de se conformar em repetir o ementário e os enunciados sumulares de uma prática jurisprudencial que se vale, em um círculo vicioso, dos mesmos enunciados e ementas. É no contexto de quebrar com essa prática judiciária viciada que o CPC/2015 (LGL\2015\1656) estrutura um novo modelo dogmático (constitucionalizado) para o direito jurisprudencial no Brasil, promovendo o uso adequado dos precedentes judiciais – e fazendo um “convite” normativo a tanto. E o faz, em especial, a partir do disposto em 9 seu art. 926, que estabelece deveres cooperativos normativos a ser observados pelo Poder Judiciário e constitui o que se pode chamar de chave de leitura daquele novo Página 3

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modelo dogmático. No entanto, uma advertência deve ser feita ao leitor e ao intérprete do sistema antes de continuarmos: a estruturação normativa de um sistema de precedentes não pode (nem deve) representar a defesa de um modelo jurisprudencialista de aplicação (nem mesmo de ensino jurídico) como se o direito fosse apenas visto sob a perspectiva dos juízes, eis 10 que jamais se deve reduzir o sistema jurídico a uma construção jurisprudencial. Daí termos de sondar com profundidade concepções críticas que serviram de pressuposto para a construção do CPC/2015 (LGL\2015\1656), a fim de que possamos lidar com o direito jurisprudencial sem que ele se torne uma suposta chave mágica de melhoria do sistema, criando-se um novo mito perigoso, pois, caso não seja devidamente interpretado e aplicado, constituiria uma ferramenta para a consolidação de um projeto de poder do Direito visto somente pelos tribunais. A abertura e a institucionalização efetiva de um processo constitucionalizado se tornam essenciais neste momento e, para tanto, necessitamos continuar de modo a perceber alguns dos pressupostos de nossa nova lei processual. Para tanto, manteremos um diálogo com uma série de concepções teóricas que se apresentam, na atualidade, em nosso país para explicar os fundamentos dos precedentes. Manteremos uma interlocução com uma linha teórica que defende que a última voz do Direito caberia aos Tribunais Superiores (“Cortes Supremas”) sob uma suposta indeterminação que legitimaria seu papel de definição do “verdadeiro” sentido, buscando demonstrar suas inconsistências, e mostrando os riscos da assunção desta premissa teórica que manteria os riscos da ausência de previsibilidade para o ordenamento jurídico, sem olvidar dos riscos de legitimar a atuação destes tribunais, que poderiam manter seu modus operandi e crença de que poderiam criar teses usando casos como pretextos, em conformidade com escolhas de “poder”, aproximando o discurso judicial de aplicação do discurso legislativo de justificação, sem a existência dos mesmos controles processuais. Como contraponto, mostraremos a proposta Dworkiniana e seu viés democrático. Comecemos por esta parte. 2 Antes de analisar os precedentes – Em busca dos pressupostos Dworkinianos Ordinariamente, os intérpretes de um sistema de precedentes se postam ora em uma 11 proposta convencionalista, com a busca das convenções do passado, ora em uma 12 proposta pragmatista, perseguindo um compromisso com o futuro que acaba se desgarrando da normatividade (busca da legitimação de juízos decisórios prospectivos). 13

No entanto, nosso sistema abertamente se vinculou à concepção do direito como integridade (art. 926), de modo que o foco do presente trabalho é verificar em que consiste esse respeito à virtude da integridade (e também de coerência – entendendo que não são termos sinônimos), resgatando o seu significado com amparo na filosofia de Ronald Dworkin, um teórico norte-americano e dos mais importantes e lidos autores 14 contemporâneos no Direito, na política, na filosofia e na economia. O tema de trabalho central de Dworkin sempre foi a questão da legitimidade do Direito 15 Contemporâneo e, com isso, a justificação do uso coercitivo do poder estatal. Pensar nisso somente faz sentido sob as balizas de uma teoria democrática, haja vista que a contemporaneidade já não reduz legitimidade à mera legalidade. Dessa forma, natural a preocupação de Dworkin em combater o positivismo jurídico e a concepção de que o poder institucional está autorizado (ainda que em caráter excepcional) a agir com discricionariedade – principalmente a judicial – e em oferecer, em contrapartida, uma teoria capaz de nortear as práticas jurídico-políticas de uma sociedade à luz de um compromisso de conferir a essas práticas a melhor orientação e leitura possíveis (tese da right answer) marca profundamente a obra do filósofo, sob o pano de fundo da virtude Página 4

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da integridade. Perceba-se que Dworkin persegue os mais nobres papéis da ciência jurídica, quais sejam, o de servir suposto contrafático (corretivo) das vicissitudes dos diversos sistemas jurídicos ao tentar analisar os contextos de aplicação do Direito numa perspectiva que se preocupa tanto com o passado quanto com o futuro, o de denunciar suas inconsistências e o de apresentar uma proposta que ultrapasse o senso comum teórico que acaba legitimando os equívocos perpetuados de modo irrefletido pelos sujeitos processuais. Cabe aos processualistas, de igual modo, postarem-se contra as ilusões e cegueiras que o olhar recorrente que uma ciência processual ainda ligada às velhas premissas da socialização processual e a correntes estatalistas insistem em apresentar como pressupostos normativos válidos. A projeção no campo processual da busca de uma correção normativa (exigida pela virtude da integridade) se torna essencial na atividade do jurista, mesmo quando se percebe que o ambiente do processo judicial é conduzido 16 por interações estratégicas de índole não cooperativa. Dworkin desenvolveu o argumento segundo o qual os vários conceitos e departamentos 17 do valor são interligados e apoiam-se uns aos outros, e uma de suas propostas é a demonstração da interação entre a ética, a moral, a política e o direito – esta tese é chamada de tese da unidade do valor. O objetivo central aqui é assumir uma teoria mais 18 ampla, que negue qualquer tipo de arquimedianismo, característica típica da afirmação de “pureza” dos juristas positivistas. Dworkin chama de arquimedianismo (archimedeanism) as leituras que buscam separar de maneira rígida o Direito da política, da ética e/ou da moral, criando barreiras sistêmicas, que isolam cada categoria/departamento, analisando-as sempre separadamente e nunca em interação ou em complementariedade. O arquimediano coloca-se como um observador externo à prática (Direito, Moral, Política etc.) e a analisa de modo meramente descritivo sob tal condição, esquecendo-se – ou pretendendo ignorar, mais possivelmente – que tais práticas sociais somente podem ser realmente apreendidas por meio do olhar do participante. Como consequência, o arquimediano afirma a possibilidade de desenvolver uma leitura das práticas sociais livre de valores pessoais ou culturais do observador. 19

Guest chama atenção para o fato de Dworkin seguir a linha de raciocínio traçada por 20 Williams, realizando uma distinção entre ética (como cada um deve viver – vida-boa, ou melhor, como cada um de nós tem o dever de fazer de nossas próprias vidas a mais valiosa, a partir do nosso padrão de felicidade) e moralidade (como cada um deve agir em relação aos demais, buscando tratar a todos de modo igualmente valioso). Na filosofia dworkiniana, essa distinção conduz à busca por padrões éticos com aptidão para guiar a interpretação de conceitos morais, os quais devem ser compreendidos de forma a se encontrar quais objetivos pessoais se adequariam, de um lado, e se justificariam obrigações imputáveis a cada um de nós, de outro. 21

Dworkin defende a ideia de que cada um tem, na dignidade humana, a responsabilidade ética de transformar a própria vida em algo de valor. Uma pessoa vive bem quando procura uma boa vida para si, com respeito pela vida das demais pessoas e por sua própria vida – há, portanto, dois ideais aqui implicados: o de viver bem e o de ter uma vida boa, sendo que o primeiro nos manda assumir a responsabilidade pessoal 22 pelas escolhas que fazemos e, por vida boa, entende-se a escolha de projetos de vida capazes de conduzir a felicidade individual do agente. Entretanto, Dworkin não atrela essa escolha de projetos e objetivos pessoais à adesão do agente a escolhas feitas por outros membros da comunidade; isto é, ele não defende a existência de projetos substantivos de vida boa. A tese da unidade do valor guarda, portanto, uma consequência teórica fundamental: a integração entre a moralidade e a ética. Se cada um de nós tem alguma razão para pensar que sua própria vida é importante, isso seria motivo o bastante para que cada Página 5

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um também se importasse com a vida alheia? De acordo com o princípio kantiano (aceito por Dworkin), segundo o qual é impossível a cada um respeitar a própria humanidade sem, ao mesmo tempo, respeitar a humanidade nos outros, então a 23 resposta à pergunta deve ser, necessariamente, positiva. Segundo Dworkin, essa integração apenas é possível caso se encontre algum aspecto ou dimensão do viver bem que, ao menos em princípio, não seja dependente dos deveres de cada um para com os outros decorrentes da moral, mas que afete esses deveres e seja por eles afetado – isto é, não se trata de uma forçada integração em que a moral é simplesmente incorporada à ética, mas, sim, de uma integração em que uma apoia a outra, no sentido de que o refletir criticamente sobre o bem viver ajuda na compreensão de quais são as responsabilidades morais de cada um de nós. Para tanto, devem-se considerar dois princípios: o do respeito por si mesmo, no sentido de que cada um deve levar a sério a sua própria vida e de esforçar-se por fazer dela um empreendimento bem-sucedido, e não uma oportunidade perdida; e o da autenticidade, pelo qual cada um tem a responsabilidade especial e pessoal de identificar os elementos que tornarão a sua própria vida bem-sucedida. Ambos os princípios devem ser tratados como equações simultâneas a ser resolvidas de forma conjunta, na perspectiva de que ambos se apoiam mutuamente. Por isso, a moral nos manda tratar as outras pessoas considerando que a vida dessas pessoas tem importância objetiva igual à nossa, e atos que atentem contra esse dever de igual consideração e respeito não apenas são contrários à moralidade, mas também afetam negativamente a ética por meio da qual nos esforçamos para tornar nossas próprias vidas como algo de valor e importante em si (consubstanciado, por exemplo, numa leitura normativa da boa-fé objetiva). Este empreendimento conjunto no campo processual é essencial na medida em que os resultados do sistema dependem da assunção de responsabilidade por cada sujeito processual, mediante a percepção de que cada um assume um papel específico dentro dos debates processuais. O sistema processual jamais será eficiente (e legítimo) se aceitarmos os desvios de comportamento de todos os sujeitos processuais a partir de supostas práticas incrustadas e repetidas, contrárias à normatividade e à própria Constituição, ou de uma presumida incapacidade de mudar vícios percebidos pelo senso comum e naturalizados de acordo com pretensas heranças e peculiaridades especialíssimas do Brasil. Caso tais responsabilidades não sejam percebidas: (a) cada juiz continuará julgando 24 como se estivesse em um grau zero de interpretação, em que seus posicionamentos pessoais que desconsideram a lei (e os precedentes) contaminam a eficiência qualitativa do sistema ao se manter uma anarquia interpretativa que acaba fomentando o demandismo desprovido de fundamentos; e (b) cada advogado continuará postulando e militando num sistema desprovido de qualquer previsibilidade. A ausência de preocupação com tais responsabilidades não leva em consideração o uso estratégico da jurisdição por grandes litigantes (repeat players), que acabam impondo 25 suas pautas e interesses, com maior proficiência, no âmbito jurídico. A integração entre a ética e a moral nos permite concluir, então, que deixar de tratar os demais de acordo com as nossas próprias responsabilidades morais é incompatível com o bem viver e com a normatividade que uma concepção comparticipativa assume. A partir dessa integração, é possível afirmar que as responsabilidades que cada um tem perante os demais, a proibição normativa à causação de dano, as obrigações decorrentes das promessas, dentre muitos outros desdobramentos da responsabilidade 26 moral, são dimensões do respeito que devemos nutrir por nós mesmos. No que tange à atividade estatal, apenas se satisfizer os desdobramentos da moralidade política o Estado terá legitimidade, que constitui a origem mais abstrata dos direitos políticos. Na filosofia dworkiniana, esses direitos políticos constituem trunfos dos Página 6

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cidadãos perante as políticas coletivas do governo. Desrespeitados esses trunfos, a atuação estatal não será legítima. Segundo Dworkin, o governo só tem autoridade moral para exercer coerção sobre alguém, ainda que para aumentar o bem-estar ou o caráter bom da comunidade como um todo, se observar e implementar os princípios de igual consideração e respeito. Ambos esses princípios – não custa repetir – originam-se da moralidade pessoal, que, por sua vez, encontra raízes na ética. Mas não basta apenas uma teoria da igualdade. É preciso, também, uma teoria da liberdade (que também está inserida em uma moralidade política), a qual, para não conflitar com a primeira, exige a distinção entre autonomia (freedom) e liberdade ( liberty). A autonomia consiste na faculdade de cada um de fazer o que bem entender sem ser constrangido pelo Estado, e a liberdade constitui a parte da autonomia em que seria errado o Estado constranger o indivíduo. Dworkin não sustenta um direito geral à autonomia, mas, sim, diversos direitos à liberdade que repousam sobre diferentes fundamentos, os quais, por sua vez, são lastreados pela noção de independência ética – a qual decorre do princípio da responsabilidade pessoal e do respeito que o Estado deve nutrir por essa responsabilidade. Há um segundo conflito aparente: de um lado, liberdade e igualdade; de outro, o direito de cada pessoa participar como igual no governo de sua vida. Para resolver esse suposto conflito, Dworkin distingue uma democracia majoritarista (ou estatística) de uma concepção democrática comparticipativa, a qual endossa e assim caracteriza: “numa comunidade verdadeiramente democrática, cada cidadão é um parceiro em igualdade de condições, o que vai muito além do simples fato de seu voto valer o mesmo que o dos 27 outros” – “significa que ele tem a mesma voz e igual interesse nos resultados”. Assim, a igualdade política requer que o poder político seja distribuído de maneira a confirmar a preocupação e respeito iguais da comunidade política por todos os seus membros. Por isso, uma teoria da democracia necessita de uma boa teoria política que fomente os princípios do igual respeito e consideração que, por sua vez, decorrem de uma moral pessoal cujo fundamento repousa na dignidade, na importância que cada um deve atribuir à sua própria vida e à dos demais, e no esforço que se deve dedicar ao empreendimento do bem viver. No entanto, a ética da qual, por meio da moral, defluem a moralidade política e as noções de igualdade, liberdade e democracia depende de uma boa teoria do direito. Isso porque os princípios da dignidade, pelos quais a comunidade política não tem poder moral para criar e impor obrigações contra seus membros, senão quando os trata com igual consideração e respeito ou quando os destinos e responsabilidades pessoais de cada um sejam, nos programas governamentais, igualmente importantes, declaram 28 direitos políticos (trunfos) muito abstratos. Que o Estado deve tratar todos com igual consideração e respeito é algo de que em uma democracia moderna ninguém duvida e dificilmente haverá dissensos quanto a isso no grau de abstração em que proposto. O problema é que a divergência entre os membros de uma comunidade cresce na mesma medida em que se começa a tentar delinear quais são os direitos mais concretos que decorrem daqueles direitos mais abstratos, especialmente em ambientes não cooperativos, como os processuais. Precisamos, portanto, de uma teoria que dê conta das divergências e controvérsias sinceras de uma comunidade acerca de quais são os direitos que seus membros efetivamente possuem. Antes de prosseguir, é preciso estabelecer uma importante distinção: a diferença entre direitos jurídicos e direitos políticos na filosofia dworkiniana. Direito jurídico consiste em “um direito proclamado pelo órgão legislativo de um governo legítimo” [ou seja, que respeite os princípios da dignidade], ainda que tenha de ser declarado ou reconhecido por um órgão jurisdicional, de modo que um “direito jurídico pode ter a finalidade de dar Página 7

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efeito a um direito político preexistente”.

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Sob esse aspecto, é importante perceber que nem sempre os direitos políticos são transformados em direitos constitucionais ou mesmo em direitos jurídicos, assim como nem todo direito jurídico corresponde, necessariamente, a um direito político preexistente, embora o direito jurídico, em si, possa ser considerado um direito político dotado de poder de trunfo. 3 A crítica à questão da discricionariedade e a proposta de uma comunidade de princípios Com base nessas considerações, é possível sustentar que o precedente judicial possui um fundamento ético e, por isso mesmo, contribui para o dimensionamento e desenvolvimento de uma teoria do Direito que promova os valores políticos, à luz da integridade (e da coerência) hauridas na filosofia dworkiniana. Para verificar o acerto dessa hipótese, precisamos retornar a outros textos do autor. A primeira questão a ser abordada é a discricionariedade judicial, que constitui um dos preceitos-chave do positivismo jurídico (corrente filosófica duramente criticada por Dworkin ao longo de sua carreira). O esqueleto do positivismo é constituído pela noção de que a comunidade é apenas uma comunidade de regras, que podem ser identificadas com o auxílio de testes que não analisam o seu conteúdo, mas, sim, o seu pedigree, e que essas regras conferem direitos e obrigações jurídicos sem as quais não se pode afirmar a existência de qualquer direito ou obrigação; quando, então, o juiz, exercendo o seu discernimento pessoal (discricionariedade), irá “além do direito” na busca por algum outro tipo de padrão que o oriente na confecção de nova regra jurídica ou na 30 complementação de uma regra já existente em virtude de uma suposta indeterminação prévia de conteúdo. Para expor as críticas do filósofo ao poder discricionário, é preciso distingui-lo segundo a sua força: em um sentido fraco, a discricionariedade quer dizer que há um espaço vazio ao redor do qual existe uma série de restrições que constitui padrões a ser aplicados, embora não tão claros e, por isso, não possam ser aplicados mecanicamente, exigindo certa capacidade de julgar. Há um segundo sentido em que o poder discricionário tem força fraca: quando determinada pessoa tem autoridade para decidir algo em última instância, de modo que essa decisão não poderá ser revista ou anulada por qualquer 31 outra pessoa ou autoridade. Por sua vez, discricionariedade em sentido forte ultrapassa o discernimento que determinada pessoa deve ter na aplicação de certos padrões que lhe foram estabelecidos ou de que a decisão tomada por essa pessoa não poderá ser revista ou anulada, e é desse sentido forte de que a doutrina positivista trata. Um positivista hartiano, por exemplo, argumenta que os princípios não podem ter força jurídica, uma vez que sua autoridade e seu peso são intrinsecamente controversos, de modo que não podem prescrever qualquer resultado em particular e que, em razão disso, a pessoa incumbida 32 de decidir determinada controvérsia não está limitada por quaisquer padrões, permitindo-se escolhas em razão da indeterminação do sistema jurídico. Suponhamos a seguinte situação: um sargento dá ordens ao seu subordinado para que ele escolha cinco soldados que o acompanharão em uma missão. Se considerarmos que o subordinado pode escolher quaisquer cinco soldados, dizemos que ele tem poder discricionário em sentido forte, pois não há nada que o limite em sua escolha. Nada o impediria, portanto, de escolher os cinco soldados mais amigos, ou mais astutos, ou mais feios, ou mais altos, ou mais bravos, ou mais chatos. Não importa qual característica seja adotada como parâmetro para a escolha, a ordem dada pelo sargento restará cumprida, e a missão poderá ter início, caso a discricionariedade seja tolerada 33 em seu sentido forte. Mas, se considerarmos que, dentre os soldados à disposição, deva-se escolher aqueles cinco que têm mais experiência e habilidade, então não se poderá dizer mais em discricionariedade em sentido forte, mas, sim, naquele primeiro Página 8

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sentido de discricionariedade em sentido fraco, ainda que não seja fácil discernir quais são os cinco soldados mais aptos para a missão. Nesse contexto da discricionariedade em sentido fraco, com base em quais critérios, então, o subordinado deverá escolher os cinco soldados, isto é, o que caracteriza a experiência ou a habilidade que se espera existir nos soldados a ser escolhidos? Será que, em uma missão marítima, os soldados a ser escolhidos devem ser os melhores soldados com experiência terrestre? Em uma missão de infiltração furtiva, serão necessários os soldados mais experientes com explosivos? Ou, em uma missão a ser cumprida no meio de uma densa floresta tropical, seriam necessários atiradores à distância de elite? Veja-se que em qualquer dessas situações, assim como em muitos outros possíveis exemplos, é impossível negar a experiência de qualquer um dos soldados em suas respectivas expertises. Mas será que o que vale é apenas a expertise de cada um dos soldados considerada isoladamente, ou haveria outros critérios a ser satisfeitos? Ora, para que a escolha dos soldados atenda à experiência e à habilidade esperadas, é preciso, antes de tudo, que se conheça a missão, para apenas então se escolher os cinco soldados considerando o tipo de habilidade de cada um de forma adequada. E, por qual razão o responsável pela escolha deve se preocupar em conhecer e analisar todas essas particularidades? Considerando que ele é o líder da missão e que, por isso, irá acompanhar os soldados, então é melhor que ele faça a sua escolha de forma criteriosa e responsável à luz do que a missão requer, caso contrário, colocará a própria vida em risco e a missão poderá ser um completo fracasso. O exemplo dado cumpre uma função metafórica: os conceitos jurídicos são, assim como a ordem do sargento, contestáveis e controversos, mas nem por isso o magistrado está isento de formular, a partir do debate do processual e em ambiente comparticipado, a melhor concepção desses conceitos a partir da melhor compreensão das regras e dos princípios extraídos da moralidade política de determinada comunidade. Não há que se falar em discricionariedade forte nos casos em que os direitos forem controversos, senão em um sentido duplamente fraco, exigindo-se que o magistrado estruture principiologicamente a sua decisão à luz daquilo que melhor se ajusta à comunidade em que inserido e respeitante à autoridade que ele tem de proferir a última palavra em um caso particular levando a sério o que o âmbito processual forneceu de subsídios. Isso nos leva a outra importante parte da teoria do direito formulada por Dworkin: a argumentação por princípios e a teoria da integridade. Logo na página de abertura da obra O Império do Direito, Dworkin coloca à mesa algumas respostas que já vinham sendo elaboradas em seus estudos anteriores: a de que o raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva, a de que nosso direito constitui a melhor justificativa de nossas práticas jurídicas e a de que ele é a narrativa que faz dessas 34 práticas as melhores possíveis. A condição interpretativa do Direito permite distinguir dois tipos de divergência: a empírica, que nada tem de misteriosa e ocorre quando, por exemplo, as pessoas divergem sobre as exatas palavras contidas em determinada lei, ou sobre qualquer outra questão de fato; e a teórica, que aqui nos interessa e se instaura quando as pessoas 35 divergem sobre os fundamentos do Direito. Dworkin sustenta que a prática do Direito é uma prática argumentativa, de modo que as proposições jurídicas apenas adquirem sentido quando discutidas na comunidade em que inseridos os participantes (perspectiva interna). Essa prática argumentativa exige que se adote uma atitude interpretativa, pois “a interpretação repercute na prática, alterando 36 sua forma, e a nova forma incentiva uma nova reinterpretação”. Para ilustrar a interação entre a prática e a interpretação, recorre-se ao exemplo das regras da cortesia: suponha-se que em uma determinada comunidade exista uma regra Página 9

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segundo a qual “a cortesia exige que os camponeses tirem o chapéu diante dos nobres”, sendo igualmente aceitas proposições afins. Durante certo período, essa regra do chapéu é tida como um tabu, de modo que ela simplesmente existe e ninguém a questiona ou tenta mudá-la. Ela é interiorizada e nada discutida, pois representa um pano de fundo que se reproduz socialmente sem mais discussões. No entanto, pouco a pouco, essa realidade muda quando as pessoas desenvolvem uma atitude interpretativa com relação às regras de cortesia. Essa atitude possui dois componentes: primeiro, pressupõe-se que a prática da cortesia não apenas existe, mas, antes de tudo, carrega um valor, serve a algum propósito ou interesse, ou reforça algum princípio; segundo, conclui-se que, a partir da constatação do primeiro pressuposto, as exigências da cortesia não constituem, necessária ou exclusivamente, aquilo que sempre se imaginou que fossem, pois estão condicionadas a uma finalidade ou valor. Daí, as regras da cortesia devem ser compreendidas, aplicadas, ampliadas, modificadas, atenuadas ou limitadas segundo essa finalidade ou valor, uma vez que, ao adotarem uma atitude interpretativa, as pessoas atribuem significado e 37 conteúdo às suas próprias práticas, sem as reproduzir por constarem num senso comum irrefletido. A análise desse exemplo das regras da cortesia possibilita uma distinção analítica e mais 38 ampla de três etapas da interpretação: a primeira é a etapa “pré-interpretativa”, em que são identificados as regras e os padrões que se consideram fornecer o conteúdo empírico das práticas a ser interpretadas; a segunda é a fase interpretativa, na qual se busca uma justificativa geral para os principais elementos da prática identificadas; por fim, tem-se a etapa pós-interpretativa, em que se ajusta a prática ao que ela realmente 39 requer para melhor servir à justificativa encontrada. Essa atitude interpretativa, na filosofia dworkiniana, está umbilicalmente relacionada à teoria da integridade, segundo a qual legisladores e magistrados devem tornar as leis, as decisões e outros atos jurídicos um conjunto moralmente coerente, protegendo contra a parcialidade, as fraudes, as propostas conciliatórias e o favoritismo. Isso significaria que caberia ao direito e a seus intérpretes a consolidação (inclusive) de propostas dogmáticas que previnam atitudes não cooperativas tão comuns nos contextos sociais. Segundo Dworkin, “uma sociedade política que aceita a integridade como virtude política se transforma (...) em uma forma especial de comunidade”, em um “sentido que promove sua autoridade moral para assumir e mobilizar monopólio de força coercitiva”. 40

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Para o modelo de uma comunidade de princípios, os direitos e deveres não se esgotam nas decisões particulares, mas, antes de tudo, dependem de um sistema de princípios que essas decisões pressupõem e corroboram, o que é traduzido na noção de 42 integridade. Segundo Dworkin, o Direito constitui-se dos direitos e dos deveres que decorrem de decisões coletivas (judiciais ou não) que contêm não apenas o conteúdo explícito e limitado dessas decisões, como também o sistema de princípios que justifica essas 43 decisões – nisso consiste a integridade. 44

Uma comunidade cujos membros aceitam a integridade e, por isso, estejam vinculados por laços especiais dos quais decorram responsabilidades pessoais provenientes de uma responsabilidade mais geral refletidas em um conjunto de práticas que revelam igual interesse e consideração de cada qual para os demais, pode expandir-se e contrair-se organicamente, na medida em que essas pessoas se tornam mais sofisticadas em explorar os princípios subjacentes àquelas práticas, tornando desnecessário um detalhamento da legislação ou da jurisprudência em cada um dos possíveis pontos de 45 conflito. 4 A integridade na aplicação judicial do direito Página 10

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No que diz respeito à integridade nas deliberações judiciais, exige-se dos juízes que tratem o sistema normativo como se este expressasse e respeitasse um conjunto coerente de princípios, interpretando as normas que constituem esse sistema de modo a 46 encontrar normas implícitas entre e sob as normas explícitas. Essa atitude que os magistrados devem tomar ao interpretar e ao aplicar o Direito, ao mesmo tempo que satisfazem a integridade, é metaforicamente transcrita no que Dworkin chama de romance em cadeia: os juízes, assim como escritores de um romance desenvolvido em capítulos em que cada escritor é responsável por uma parte da narrativa, são autores institucionais da tradição jurídica em que inseridos – portanto, superada a questão sobre se os juízes somente aplicam ou se criam o Direito; em Dworkin as duas coisas ocorrem ao mesmo tempo em alguma medida –, devendo satisfazer às dimensões de adequação e de ajuste ao interpretarem o substrato normativo e decidirem os casos que lhes são postos com base em princípios explicitados por meio de argumentos que digam por que as partes realmente têm os direitos e os 47 deveres reconhecidos quando do pronunciamento jurisdicional. Dworkin sustenta que a prática jurídica é um exercício de interpretação – as proposições jurídicas são interpretativas da história jurídica, combinando elementos descritivos e valorativos. O jusfilósofo propõe que, no intuito de se compreender melhor a interpretação jurídica, desenvolva-se uma concepção mais abrangente acerca da interpretação, de modo que os juristas não tratem a interpretação jurídica como algo sui generis, mas, sim, como algo integrante de uma atividade mais geral, como um modo de conhecimento. Nesse propósito, a interpretação literária (ou outra forma de interpretação artística) é bastante relevante e merece atenção. O argumento de Dworkin parte de uma perspectiva sobre a interpretação literária segundo a qual devem ser formuladas afirmações a respeito do enredo, dos personagens, do contexto e de outros elementos do romance: trata-se do que se pode denominar de hipótese estética. Por exemplo, no romance A Christmas Carol, de Charles Dickens, a personagem principal é o avarento Scrooge. Seria ele, Scrooge, uma pessoa inerentemente má? Ou inerentemente boa? Sabemos que, após ser visitado pelos três espíritos natalinos, Scrooge muda completamente a sua postura, revelando que sempre possuiu um caráter bom, embora tenha sido corrompido pelos valores de um capitalismo selvagem. Assim, a afirmação segundo a qual Scrooge seria uma pessoa inerentemente má ofereceria uma interpretação muito pobre do romance e seria uma hipótese estética ruim, pois seria incapaz de conectar os seus principais elementos de forma coerente e ajustada. A hipótese estética, portanto, consiste em uma afirmação direta sobre o objeto, o tema, o significado, o sentido, ou o tom de uma peça, de um romance, de um filme, de um poema ou, de modo mais geral, de uma obra de arte. Nas palavras de Dworkin, “a interpretação de uma obra literária tenta mostrar que maneira de ler (ou de falar, dirigir 48 ou representar) o texto revela-o como a melhor obra de arte” – isto é, a obra interpretada à sua melhor luz. É importante frisar que Dworkin não ignora a impossibilidade de se demonstrar como verdadeira ou como falsa determinada proposição ou afirmação (ele não é um cético), e que não se pode oferecer nenhum argumento a favor de alguma interpretação que seja, seguramente, do agrado de todos. Nesse – e apenas nesse – sentido, os juízos estéticos são subjetivos, mas isso não quer dizer que não seja possível afirmar que uma interpretação é melhor ou pior que outra. Afinal, a interpretação, afirma Dworkin, é um empreendimento, uma instituição pública que se desenvolve argumentativamente e, por isso, pressupõe a possibilidade do uso de razões que podem ser contestadas e contrapostas. Retornando à interpretação literária, há uma importante distinção entre o artista e o crítico: o primeiro interpreta enquanto cria, pois deve possuir um mínimo aparato de teoria tácita sobre o que é a arte e de por que aquilo que produz é algo melhor graças a este, e não a outro qualquer, golpe de pincel; o segundo, por sua vez, cria enquanto Página 11

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interpreta, porque, apesar de estar limitado pelo fato da obra, seu senso artístico está comprometido com a responsabilidade de decidir qual maneira de ver, ler ou compreender determinada obra a torna uma obra melhor. Importando essa distinção para a metáfora do romance em cadeia, à exceção do primeiro autor, que escreverá o primeiro capítulo, todos os demais são, concomitantemente, artistas e críticos, possuindo a dupla responsabilidade de interpretar o material que já foi escrito e escrever o próximo capítulo de forma a ajustá-lo aos capítulos anteriores – caso não exista esse senso de responsabilidades interpretativa e criativa, é mais provável que, ao final do livro, tenham-se antes vários contos sobre as mesmas personagens do que um romance propriamente dito, como se estivéssemos diante de um folhetim (novela) global no qual o enredo se modifica ao sabor dos índices de ibope e os personagens mudam suas condutas e suas estruturas de personalidade em completa esquizofrenia. Não podemos esquecer neste momento, em breve parêntesis, que a aplicação do direito no Brasil em razão da falta de uma teoria minimamente desenvolvida dos precedentes (e do direito jurisprudencial em geral) muito mais se aproxima à esquizofrenia das novelas globais do que de um sistema íntegro (e estável e coerente, como agora prescreve normativamente o art. 926 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) pela falsa sensação e adoção de um dogma equivocado de que cada julgador pode julgar com absoluta independência interna, que fomenta o demandismo irresponsável pela absoluta ausência de previsibilidade da resposta do sistema judiciário. Contrario sensu, como Dworkin demonstra, não se pode encarar os precedentes como fechamento argumentativo que permitirá uma reprodução mecânica de decisões do passado. Nesse processo, duas dimensões devem ser avaliadas: a formal, que indaga até que ponto a interpretação se ajusta e se integra no texto até então escrito; e a substantiva, que considera a consistência da visão sobre o que faz com que um romance seja bom. Se, por exemplo, A Christmas Carol fosse um romance em cadeia (e não um romance escrito por apenas um autor), o final poderia ser substancialmente diferente, a depender de como cada romancista escrevesse o próprio capítulo. Supondo, ainda nesse exemplo, que o início do romance fosse igual ao original, os primeiros autores teriam maior liberdade para caracterizar Scrooge como uma pessoa inerentemente má, enquanto que os últimos autores teriam menos liberdade para tanto, uma vez que a trama estaria mais adiantada, e os principais elementos que interfeririam sobre a verdadeira índole da personagem já estariam postos. Quando muito, apenas um esforço interpretativo diferenciado seria capaz de projetar uma reviravolta na história (uma superação – overruling), justificando-a perante os capítulos já escritos, caso se quisesse dar um mínimo de coerência à obra sem olvidar dos diversos elementos mais importantes que já teriam sido escritos. Espera-se, portanto, que os romancistas (juristas) assumam suas responsabilidades seriamente e reconheçam o dever de criar um romance único e integrado. Decidir casos controversos, no Direito, consiste em uma tarefa bastante assemelhada, especialmente quando se aplicam precedentes judiciais (muito embora na aplicação das normas constitucionais e legais também existam semelhanças, mas o apelo artístico é mais forte quando se interpretam decisões judiciais passadas), esperando-se o mesmo tipo de senso de responsabilidade dos juízes, que decidem os diversos casos que lhe são submetidos ao mesmo tempo que devem interpretar o Direito que se manifesta na Constituição, nas leis e, também, nas decisões judiciais do passado. Na proposta metafórica de Dworkin, cada juiz é como um romancista na corrente de decisões, devendo interpretar o que os juízes passados escreveram e decidiram para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, para, então, acrescentar o seu próprio “capítulo” à história institucional do Direito. Ao decidir o novo caso, o juiz deve se colocar como um parceiro no empreendimento político de vislumbrar quais os direitos e deveres as partes efetivamente têm, em diálogo genuíno com as Página 12

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mesmas, à luz do que decidiram os juízes passados, em um complexo de decisões, 49 estruturas, convenções e práticas que formam aquela história. O desafio posto para o magistrado é reconhecer o direito como algo criado por meio de leis, mas, igualmente, seguir as decisões que o próprio Judiciário tomou no passado. Isso o levará a construir um sistema baseado em princípios jurídicos capaz de fornecer a melhor justificativa para os precedentes judiciais, e também para as leis e para a 50 Constituição. Para tanto, deverá observar duas formas de coerência na organização de seu raciocínio: a decisão deverá ser coerente verticalmente – isto é, por princípios que fornecem a justificação das instâncias mais elevadas; e horizontalmente – por princípios que forneçam a justificação a decisões do mesmo nível. Um exemplo de ordenação vertical nos Estados Unidos poderia ser: primeiro, a Constituição; segundo, a Suprema Corte; terceiro, as leis promulgadas pelos órgãos legislativos; e quarto, as decisões dos 51 demais tribunais. Tal ordenação vertical demarcará a atuação das esferas inferiores. Contudo, o juiz pode discordar sobre determinada norma e acreditar em outra justificação. Essa opinião do magistrado terá um impacto na estrutura de justificativas dos demais tribunais. É claro que, no modelo de Dworkin, o magistrado não deve reproduzir todas as decisões, 52 mas, sim, filtrar, no curso da história institucional, os erros e acertos, desenvolvendo, 53 assim, uma teoria dos erros institucionais – o que, mais uma vez, destaca sua opção 54 por uma teoria hermenêutica crítica. Essa teoria dos erros institucionais é dividida em duas partes: uma que mostra quais as consequências de se considerar um evento institucional como um erro e outra que limita o número de erros que podem ser excluídos. Essa primeira parte tem por base duas distinções: (1) de um lado, tem-se a autoridade de qualquer evento institucional – capacidade de produzir as consequências que se propõe – e, do outro, a força gravitacional do evento. A classificação de um evento como um erro se dá apenas questionando sua força gravitacional e inutilizando-a – sem, com isso, comprometer sua autoridade específica; e (2) a outra distinção é entre erros enraizados – os quais não perdem sua autoridade específica, não obstante não detenham mais sua força gravitacional – e erros passíveis de correção – cuja autoridade específica é acessória à força gravitacional. Assim, sua classificação garantirá autoridade 55 às leis, mas não a sua força gravitacional. A segunda parte da teoria de erros compõe-se de uma justificação mais detalhada, na forma de um esquema de princípios, para o conjunto das leis e das decisões, já que sua 56 teoria dos precedentes é construída a partir da imparcialidade (fairness). Duas máximas podem ser extraídas dessa segunda parte: (1) caso o magistrado possa demonstrar que um princípio que, no passado, serviu de justificação para decisões do legislativo e do judiciário hoje não dará origem a novas decisões por ele regidas, então, o argumento de imparcialidade se mostra enfraquecido; e (2) se ele mostrar, através de um argumento de moralidade política, que o princípio é injusto, o argumento de imparcialidade que o sustenta é inválido. Dessa forma, na filosofia dworkiniana, o juiz “ deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não 57 partir em alguma nova direção”. Por certo, muitas vezes serão encontrados contraexemplos nos quais sugiram diferentes opções e caminhos, exigindo o desenvolvimento de uma teoria do erro, mas nem por isso os juízes podem simplesmente ignorar o material que se lhes apresenta para ser interpretado. Sempre se estranhou no Brasil o hábito recorrente de juízes e advogados em desprezar decisões dos Tribunais (especialmente superiores), como se elas não existissem quando não corroboram uma linha de defesa ou decisória que não lhes seja interessante. Seria como se o direito pudesse ser interpretado em conformidade com um viés de confirmação (confirmation bias) do aplicador. Por isso vêm em boa hora disposições do CPC (LGL\2015\1656) que impõem a juízes e advogados o dever de levar a sério o Página 13

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“material” existente, a exemplo, de um lado, o disposto no art. 1.022, parágrafo único, I, que presume omisso o pronunciamento que despreza precedentes, além do disposto no art. 489, § 1.º, IV, V e VI, e, de outro, o estabelecido nos arts. 332, 489 e 932, IV e V, que impõem às partes pesados ônus argumentativos de dialogar com os precedentes, sob pena de julgamentos contrários, tudo para que a integridade Dworkiniana (art. 926) seja normativamente levada a sério. Nas palavras do próprio Dworkin – que sintetizam as noções de integridade e de coerência –, “o direito como integridade, então, exige que um juiz ponha à prova sua interpretação de qualquer parte da vasta rede de estruturas e decisões políticas de sua comunidade, perguntando-se se ela poderia fazer parte de uma teoria coerente que 58 justificasse essa rede como um todo”. No caso McLoughlin vs. O’Brian (1983), por exemplo, o marido e os quatro filhos da senhora McLoughlin foram vítimas de um acidente automobilístico, no meio da tarde de uma sexta-feira, dia 19 de outubro de 1973. Ela estava em casa quando, duas horas após o acidente, recebeu de um vizinho a dolorosa notícia do acidente, e imediatamente dirigiu-se ao hospital, onde foi informada que sua filha havia falecido e que o marido e os demais filhos estavam gravemente feridos. Ato contínuo, a senhora McLoughlin teve um colapso nervoso e, após se recompor, processou o motorista que havia causado o acidente por negligência e algumas outras pessoas que nele tomaram parte, exigindo o pagamento de uma reparação pelos danos morais que sofrera. A senhora McLoughlin chamou atenção para uma série de decisões pretéritas em que foi reconhecido o direito à indenização moral a pessoas que haviam presenciado a morte de um parente próximo, ou um visto um parente gravemente ferido por ocasião de um acidente automobilístico causado por condutores negligentes. Mas em todos os precedentes citados por ela o requerente havia efetivamente presenciado o acidente do qual resultara a morte de seu parente ou os graves danos físicos sofridos por ele, o que não era o seu caso. Inicialmente, o pedido da Sra. McLoughlin foi negado, ao fundamento de que o fato de presenciar, ou não, a cena do acidente seria de grande relevância, a ponto de distinguir o caso que lhe havia sido submetido de toda a cadeia de precedentes invocada, uma vez que os danos morais sofridos pela autora não seriam previsíveis no mesmo sentido daqueles danos sofridos pelos autores dos casos precedentes. Mas a House of Lords entendeu que essa distinção não era consistente, em razão da existência de princípios morais admitidos nos casos anteriores que também podiam ser encontrados no caso em julgamento. Assim, admitida a razoabilidade da previsão dos danos morais sofridos pela autora (e talvez não haja dor pior do que a de uma mãe que perde o filho, correndo o risco de perder o marido e os outros filhos), não haveria qualquer diferença a ser apontada entre os precedentes por ela invocados e o seu próprio caso, especialmente quando se considera razoável que as pessoas em geral tenham familiares em suas respectivas casas esperando por sua chegada. Como se percebe, no caso da Sra. McLoughlin, a controvérsia podia ser reconduzida à verificação de quais precedentes expressavam a melhor leitura dos princípios jurídicos aos quais se deveria dar continuidade, isto é, de qual decisão se ajustaria melhor à cadeia de precedentes que vinha sendo estabelecida na temática sobre acidentes automobilísticos causados por condutores negligentes. 5 Do necessário diálogo com alguns dos críticos da teoria da integridade Dworkiniana Sempre compreendemos que o diálogo com outro pensador representa seguramente uma homenagem a seu posicionamento. E é exatamente nesse sentido que iremos conversar com a perspectiva de processualistas que se dispuseram a co-construir uma leitura do atual sistema de precedentes do Novo Código. Esta advertência se coaduna, inclusive, com a verificação de que o debate acerca da Página 14

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perseguição de uma teoria explicativa do perfil obrigatório dos precedentes, como se mostrou acima e se trata de uma constatação óbvia, não é uma preocupação exclusiva nossa (da doutrina brasileira). Como pontuou Duxbury, na abertura de sua obra de referência, por mais que insistamos, “nenhuma teoria pode oferecer uma abrangente, 59 plausível ou explicação sistemática do porquê precedentes são obrigatórios”. Sempre haverá pontos cegos em qualquer perspectiva teórica, mas negar isso seria uma pretensão acadêmica insustentável, especialmente, para nós, adeptos da teoria do discurso. Em assim sendo, a partir de agora iniciaremos um debate com algumas compreensões do sistema de precedentes pátrio inaugurado pela novel legislação. Como já explicitado acima, a teoria da integridade constitui premissa essencial para se analisar o art. 926 e o sistema de precedentes pretendido pelo CPC/2015 (LGL\2015\1656). No entanto, existem algumas oposições à interpretação do dispositivo à luz da teoria da integridade de Ronald Dworkin. 60

Fredie Didier Jr. rejeita que o dever de integridade seja interpretado exclusivamente à luz da filosofia Dworkiniana ao argumento de que sua premissa seria a de que existe apenas uma resposta correta para determinado problema jurídico, incorrendo no mesmo 61 erro apontado por Taruffo. Caso se rejeite esse argumento e se queira manter alguma coerência teórica, deve-se rejeitar, igualmente, a teoria da integridade dworkiniana, uma vez que esse é um dos principais argumentos desenvolvidos por Dworkin em suas obras e do qual ele se ocupou por muitos anos. Não é possível, como faz o respeitável processualista baiano, rejeitar esse argumento e aceitar apenas parcialmente a teoria da integridade. A rejeição de Didier Jr., contudo, está fundada em uma compreensão equivocada (e respeitosamente rasa) acerca da tese da única resposta correta. Segundo Didier, a teoria da “única resposta correta” desenvolvida por Dworkin não seria capaz de responder ao problema da interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, pois seriam textos jurídicos genuinamente ambíguos (indeterminados), como se o direito americano fosse algo muito simplório e, logo, Dworkin tivesse construído sua teoria apenas para 62 ordenamentos simplistas que só contêm regras. Ora, estamos diante de um jusfilósofo que fala muito por metáforas – e ele mesmo reconhece que trilhou um caminho arriscado, já que metáforas podem ser mal 63 64 compreendidas –, e uma das mais famosas é a do juiz Hércules, um juiz imaginário criado para ilustrar a postura que uma democracia espera de seus participantes. Em seu “magistrado”, Hércules deve decidir à luz de todos os argumentos trazidos pelas partes, das provas produzidas nos autos e da história institucional, ou seja, do devido processo constitucional, comparando suas possíveis decisões com as decisões proferidas pelos demais juízes, a fim de verificar qual decisão melhor se ajusta a essa história, 65 considerando os fatos ocorridos no processo em julgamento. Em outra sede, dois dos autores do presente trabalho, em coautoria com Alexandre Bahia, já haviam sustentado que o juiz “Hércules institucionaliza um pressuposto interpretativo contrafático que pode ser evidenciado mediante a necessidade de um processo democrático e comparticipativo de formação decisória amplamente embasado pelo contraditório e fundamentação dinâmicos, contrariamente a um suposto de 66 isolamento decisório”. A decisão que Hércules vier a tomar não é dele apenas, mas, sim, de todos os sujeitos 67 implicados no processo e da história institucional da sociedade em que estão inseridos, e é isso que Dworkin quer por única resposta correta ou na melhor decisão judicial: é uma exigência contrafática que, dadas as particularidades do caso, apenas uma decisão pode satisfazer; da mesma forma que juízes devem ler o ordenamento “como se ele compusesse um conjunto harmonioso” e decidir os casos com a responsabilidade de descobrir qual a decisão que irá resolvê-lo em sua inteireza/distinção – a Página 15

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discricionariedade cede em favor de um espaço hermenêutico e argumentativo.

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Além da interpretação de Didier consubstanciar uma interpretação superficial da teoria dworkiniana, seria muita ingenuidade crer que a tese da única resposta correta implicaria em que todos os juízes chegassem à mesma conclusão – as controvérsias existem e devem ser enfrentadas argumentativamente. Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira esclarece que a tese da única resposta correta é uma questão de postura ou atitude interpretativa, autorreflexiva, crítica, construtiva e fraterna, à luz “do Direito como integridade, dos direitos individuais compreendidos como trunfos na discussão política e do exercício da jurisdição por esse exigida; uma questão que, para Dworkin, 69 não é metafísica, mas moral e jurídica”. No mesmo contexto, Menelick de Carvalho Netto e Guilherme Scotti, com razão, sustentam que o argumento de Dworkin no sentido de que haveria apenas uma resposta correta para cada caso consiste em antes uma postura hermenêutica a ser adotada pelo aplicador diante da situação concreta a partir de argumentos de princípios do que um método ou procedimento mecanicista proveniente de um mandamento inscrito a priori nas normas gerais e abstratas, o que significa que discordâncias razoáveis sobre qual a 70 resposta correta podem ocorrer entre os juízes, advogados, cidadãos etc. Os precedentes que representam a parcela da jurisprudência a ser mantida coerente e íntegra constituem uma história que não pode ser ignorada. Aliás, esta postura viabiliza a possibilidade de um melhor delineamento das cláusulas ambíguas e dos conceitos indeterminados cuja existência Didier Jr. utiliza para refutar a tese de Dworkin. Isso porque a necessidade de que o direito jurisprudencial seja tratado de forma coerente e íntegro exerce uma pressão para que os magistrados não preencham o conteúdo jurídico desses conceitos e cláusulas ambíguas de forma solipsista (solitária), mas, sim, de forma comparticipada e aberta hermeneuticamente à história institucional do Direito. A leitura do Direito à luz da filosofia dworkiniana implica em aceitar uma estrutura principiológica ignorada pelo positivismo jurídico (este sim incapaz de responder ao “problema” das cláusulas e conceitos jurídicos indeterminados), estrutura esta que, embora indeterminada em abstrato, é absolutamente determinável em concreto, desde que aceito o pressuposto hermenêutico de que as normas positivadas encontram-se abertas à (re)construção intersubjetiva (metáfora de Hércules), sempre “com base na análise e no cotejo das reconstruções fáticas e das pretensões a direito levantadas pelas partes na reconstrução das especificidades próprias daquele determinado caso concreto”. 71

Se, de um lado, os direitos que as pessoas efetivamente têm podem ser controversos, de outro, não se pode ignorar que a definição de quais são esses direitos não pode passar ao largo das noções de liberdade, igualdade e democracia, as quais compõem a moralidade política da qual o direito é um de seus ramos – assim como os direitos políticos podem ser traduzidos em direitos jurídicos, ou os direitos jurídicos constituírem direitos políticos não preexistentes. Os precedentes judiciais e o direito jurisprudencial como um todo se incorporam a essa moralidade política na medida em que são manifestações do que os magistrados decidem à luz do que foi estabelecido na Constituição, do que dispõem as leis e de outros precedentes judiciais e sendo que a leitura que se faz destes últimos – que, diga-se, por necessário, refletem decisões que devem se ajustar ao histórico institucional do Direito – deve ser, também, uma leitura que os torne mais ajustados a esse mesmo histórico, considerando as regras e princípios jurídicos no seio de determinada comunidade política. Em razão de sua incorporação na moralidade política, os precedentes judiciais não podem deixar de atender aos princípios estruturantes da moralidade pessoal e da ética, no sentido de que cada um de nós deve levar a sério a sua própria vida e comprometer-se com o seu sucesso, considerando nossa responsabilidade pessoal de Página 16

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identificar os elementos necessários a viver bem. Assim como a ordem do sargento deve ser lida de modo a tornar a missão um sucesso a partir da escolha dos melhores e mais experientes soldados à luz do que a missão realmente requer, os precedentes judiciais devem, tanto na sua elaboração como em seu desenvolvimento e aplicação, considerar o direito como integridade de forma coerente e ajustada ao seu histórico institucional, sem o que esse histórico não passará de um desconjuntado amontoado de leis e decisões esparsas nos mais diversos sentidos, comprometendo a justiça, a imparcialidade e o devido processo sem os quais o empreendimento a que se propôs determinada comunidade democrática restará seriamente prejudicado. 6 Do equívoco da “tese” das cortes supremas – Primeiros apontamentos Outra concepção teórica que nos cumpre rechaçar é a que tem sido trabalhada por autores como Marinoni e Mitidiero, cujo argumento central, em síntese, é o de concentração, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, da função e do poder de formação de precedentes. Para desconstruirmos esse argumento e suas implicações, apresentaremos as principais ideias propostas pelos autores. 72

Pontue-se que a concepção de Corte Suprema com função criativa dirigida ao futuro foi 73 constituída (como contraponto às Cortes de Terceira Instância) por Michele Taruffo de modo a permitir a estes Tribunais escolhas essencialmente valorativas da melhor interpretação das normas ou, como pontua o mestre italiano, da escolha da 74 interpretação justa. Destacando a virada segundo a qual o Direito deixa de ser apenas um objeto total e previamente dado que o jurista tem apenas de conhecer para se tornar uma composição entre atividades semânticas e argumentativas focada na jurisdição, Daniel Mitidiero sustenta que o processo civil passou a responder não apenas pela necessidade de resolução de casos concretos mediante uma decisão justa para as partes como também pela promoção da unidade do Direito por meio da formação de precedentes. A decisão justa serviria ao caso concreto, e o precedente, à unidade do Direito e à sociedade em geral, com a necessidade de um duplo discurso: um ligado às partes e outro, à 75 sociedade. As implicações práticas (defendidas por Mitidiero) dessa concepção seriam, segundo o autor, profundas: por questões de economia processual, no sentido de que os Tribunais trabalhem menos (para produzir melhor), e de tempestividade da tutela, a melhor solução “é a que partilha a tutela dos direitos em dois níveis judiciários distintos, 76 correspondentes às duas dimensões da tutela dos direitos”, motivo pelo qual “o ideal é que apenas determinadas cortes sejam vocacionadas à prolação de uma decisão justa e 77 que outras cuidem tão somente da formação de precedentes”, cindindo-se os tribunais entre Cortes de Justiça e Cortes de Precedentes. Mitidiero admite que, em ambos os níveis, o material com que trabalham as cortes é muito semelhante, pois sempre se depende de um caso sobre o qual discordam as partes e o Judiciário é chamado a solucionar. As distinções surgem e ganham relevo no influxo de atividade das cortes: para as Cortes de Justiça, a interpretação normativa é meio para obtenção da decisão justa; por sua vez, para as Cortes de Precedentes, é o 78 caso concreto o meio, ou o pretexto, para a formulação da adequada interpretação e consequente promoção da unidade do Direito, permitindo-se um julgamento em tese, que parece não encontrar respaldo no texto constitucional e que nos limites de pesquisa do sistema americano e inglês nunca se fez presente. Outra distinção feita pelo autor em comento é de Cortes Superiores e Cortes Supremas, que constituem diferentes perfis a ser assumidos pelas Cortes de Precedentes. As primeiras estão vinculadas a uma concepção cognitivista do Direito, no sentido de que o processo civil busca a simples declaração de uma norma preexistente mediante uma Página 17

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jurisprudência uniforme que desempenharia uma função de controle; para as segundas (de precedentes), sua vinculação se dá com uma compreensão não cognitivista e lógico-argumentativa do Direito, sendo a jurisdição concebida como uma reconstrução e outorga de sentido a textos e a elementos não textuais da ordem jurídica, cujo escopo é dar unidade ao Direito mediante a formação de precedentes, com evidente assunção de um perfil altamente ativista da Jurisdição, num modelo de fundo ultraestatalista e avesso a uma postura comparticipativa e dialógica do direito, e sobrelegislativa, uma vez que se situa não só acima dos demais juízes, mas também acima do próprio legislador. Os riscos de assunção de tal concepção criariam a mantença de um projeto de poder ligado às virtudes não evidenciadas nos tribunais superiores de qualquer lugar do planeta. Perceba-se que a discussão dos riscos do papel ampliado dos Tribunais Superiores não se limita ao direito brasileiro. Em recente livro, Millhiser demonstra que a Suprema Corte americana tem, de modo pouco incomum, usado sua autoridade para impedir o progresso e perpetuar a desigualdade, de modo que suas decisões mais corajosas (como Brown vs Board of education of Topeka, de 1954, que proibia a segregação racial) foram amplamente ignoradas (e só implementadas com uma sofisticação do uso de medidas 79 estruturantes de litigância de interesse público), e suas piores decisões devastaram a vida dos menos afortunados. A ausência de controle sobre o poder do tribunal colocou (e 80 coloca) em risco a democracia e a igualdade. Ademais, segundo o autor americano, a disposição dos Ministros para apoiar os direitos das minorias como o casamento homoafetivo (como foi Obergefell vs Hodges na Suprema Corte e a ADPF132 ou a autorização do aborto de fetos anencefálicos pela ADPF n. 54, entre nós) significa que muitos de nós olhamos para o Tribunal Supremo com carinho. Mas essa vitória mais que ocasional para as minorias já não pode justificar 81 a enorme quantidade de decisões perturbadoras destinadas a ajudar os poderosos. 82

Já segundo Mitidiero, embasado em Taruffo, a função desempenhada por uma Corte Superior é marcada por um controle reativo de legalidade (declaração do sentido exato 83 da lei) preocupado com o passado, sendo o recurso um direito subjetivo da parte, e a decisão a ser proferida se limita apenas ao caso concreto, não constituindo fonte primária do Direito, embora integre a jurisprudência a ser mantida estável. A seu turno, 84 as Cortes Supremas teriam um perfil proativo (diríamos consequencialista ou prospectiva), pois seu objetivo é orientar a interpretação e aplicação do Direito, visando ao futuro como se fosse possível antever hipóteses posteriores de aplicação e os tribunais pudessem fechar o discurso jurídico. As partes podem interpor recursos às Cortes Supremas, mas o seu conhecimento é subordinado à aferição da necessidade de a Corte se pronunciar sobre a matéria nele debatida, e as suas decisões judiciais, na qualidade de precedentes obrigatórios, vinculam toda a sociedade civil e todos os órgãos do Poder Judiciário. A proposta de Mitidiero é a de que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça assumam esse caráter de Corte Suprema, abandonando a tendência de atuar 85 como Cortes Superiores. Na atribuição de sentido realizada por esses Tribunais à Constituição e à legislação infraconstitucional, o processo interpretativo é marcado pela individualização, valoração e escolha de significados possíveis das palavras constantes dos enunciados. A interpretação, portanto, acarreta sempre “uma escolha do intérprete 86 dentre significados alternativos concomitantes e possíveis”, uma escolha que é racionalmente controlada pela lógica e pela argumentação jurídica a ser operacionalizadas pelas Cortes Supremas. Como advertem Mattei e Nader ao criticar concepções de realismo jurídico (na hipótese, americana, mas que igualmente se aplicam ao realismo genovês defendido por Mitidiero): “O realismo jurídico norte-americano pode ser descrito como uma abordagem que Página 18

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reconhece, sem rodeios, que o Direito é, sobretudo, o produto de decisões políticas tomadas pelo estrategista político, originando-se em geral de sua concepção política de sociedade. Essa abordagem contrastava de modo profundo com concepções formalistas anteriores do Estado de Direito, que o viam como uma ordem jurídica preexistente na qual o intérprete descobre o que é o Direito por meio da aplicação quase mecânica da lei e dos precedentes às situações concretas da vida cotidiana. Para a concepção realista, o jurista deveria atuar como um engenheiro social, equilibrando conflitos de interesse e ‘criando’, desse modo, a estrutura jurídica para a interação social futura – um dramático distanciamento da tradição ‘textual’ do Direito que ainda predomina fora dos Estados Unidos, mas ainda assim um claro reconhecimento da natureza normativa do raciocínio jurídico. Um dos mais importantes realistas jurídicos, Herman Oliphant, criou um famoso lema para essa abordagem jurídica antiformalista de origem norte-americana, ao sugerir que os juristas ‘cair fora das bibliotecas’. Segundo esta concepção, os operadores do Direito deveriam mergulhar no estudo da interação social em busca das melhores soluções institucionais possíveis. Foi preciso abandonar a crença (...) de que as normas podem ser ‘descobertas’ em leis e precedentes anteriores.(...) Na verdade, os advogados não se limitaram a usar a orientação desses pensadores para fazer uma viagem intelectual para além dos limites do raciocínio textual. Poucos dentre eles estavam em busca de abordagens progressistas que pudessem desafiar o status quo do direito. Poucos buscavam, como ferramentas do Direito, encontrar abordagens melhores, que lhes permitissem examinar os ‘pontos obscuros’. (...) Considerar o Direito como preferência política do último tomador de decisões, como fazem os realistas, expões os profissionais desta ciência a um desafio fundamental: se o Direito é tão tendenciosos quanto as preferências políticas do tomador de decisões, por que motivo o juiz deveria 87 ser operador do direito, e não um político, um médico ou um vendedor de carros?” A preocupação com a obtenção de um fundamento último (e de uma decisão que encerre o debate), a ser obtido pelo tribunal supremo, parece desprezar que na Democracia o aludido fundamento (último e soberano) não faz falta pelo caráter de dialogicidade de construção de sentidos no qual se lança “aqui e agora, a um por-vir, a um futuro-em-aberto, como projeto falível, mas no sentido de que o presente pode ser o futuro de um passado que agora é redimido pelo agir político-jurídico, constitucional, que 88 o constitui”. No entanto, não podemos nos olvidar como se dá a atuação de nossos Tribunais pátrios, quer seja nesta vertente realista, quer seja em uma vertente Alexyana que entrega a interpretação aos Tribunais em viés prospectivo. Em pesquisa de fôlego acerca do uso da proporcionalidade em decisões proferidas pelo STF no período compreendido entre 2002 e 2013, Fausto Morais demonstrou que “não foi possível identificar nas decisões do STF o apelo às decisões precedentes como uma ordem hierárquica flexível de ‘valores-princípio’, cujo novo sopesamento deveria levar em consideração, seja como algo que faça parte do quadro a sopesar ou como ônus argumentativo que deve ser 89 batido”. Na mesma linha de raciocínio, Marinoni defende que os precedentes obrigatórios devem ser fixados pelas Cortes Supremas, às quais incumbe “atribuir sentido ao Direito e contribuir para a sua evolução mediante decisões que não podem deixar de ter força obrigatória, na medida em que são autônomas em relação aos textos legal e 90 constitucional, agregando algo de novo à ordem jurídica”. Marinoni destaca que a evolução na teoria da interpretação revela que o intérprete valora e decide entre um dos resultados interpretativos possíveis (como defendeu 91 Taruffo em seu trabalho de 1991), de modo que a norma, segundo ele, não está implícita no texto legal. Em suas palavras, “o juiz valora, seja ao eleger determinada diretiva interpretativa, seja ao optar por um dos resultados da atividade-interpretação”. 92

Com apoio em Guastini, o autor sustenta que “uma única disposição exprime mais normas dissociadamente: uma ou outra norma, de acordo com as diversas Página 19

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interpretações possíveis”. Assim, a reformulação da teoria da interpretação “coloca nas mãos das Supremas Cortes a função de atribuir sentido ao direito (ou definir a interpretação adequada do texto legal), evidenciando a necessidade de a decisão da 94 Corte ser legitimada por uma argumentação racional”. Marinoni, ainda, comete um equívoco recorrente da própria sociologia brasileira, legatária de autores como Sergio Buarque de Holanda e de uma análise equivocada de Weber, e afirma que, apesar de toda a mudança institucional do Estado brasileiro, nosso Poder Judiciário se vincularia ao “patrimonialismo” por manter um “caráter pessoal das decisões, estimulado num sistema em que não há respeito a precedentes a Corte 95 Suprema”. Isso nos diferenciaria dos países do common law, que por força da adoção de um protestantismo ascético, os tornaria imunes a personalismos e juízos emotivos – ao contrário de nossa realidade particular e única –, e que naquelas tradições haveria maior 96 racionalidade e eficiência que favoreceriam o respeito aos precedentes. 97

De início, esta tese do “patrimonialismo”, sedutora e recorrente no senso comum teórico brasileiro, já macula sua proposta, pois se o Judiciário Brasileiro fosse patrimonialista o seria em sua inteireza, em todos os seus graus e juízes, acometendo inclusive os ministros dos tribunais superiores, de modo a inviabilizar o defendido papel altamente diferenciado destes tribunais que os habilitaria, sem personificação, a decidir com racionalidade normativa. Como demonstra com proficiência, há muito,

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Jessé Souza:

“No Brasil, a influência do pensamento weberiano também é dominada pela mesma leitura liberal apologética que deu origem à teoria da modernização de inspiração parsoniana. É de Weber que se retira a autoridade científica e a ‘palavra’, no sentido de ‘nome’ e não de ‘conceito científico’, para a legitimação científica da noção central da sociologia e da ciência política brasileira: a noção de ‘patrimonialismo’, para indicar uma suposta ação parasitária do Estado e de sua ‘elite’ sobre a sociedade. Entre nós, no entanto, esse conceito perde qualquer contextualização histórica, que é fundamental no seu uso por Max Weber, e passa a designar uma espécie de ‘mal de origem’ da atuação do Estado enquanto tal em qualquer período histórico. (...) À personalização, subjetivação e simplificação do Estado na noção de ‘estamento estatal’ todo-poderoso é acrescentada uma teatralização da política como ópera-bufa: deixamos de ter ‘interesses e ideias em conflito’ e passamos a ter um mundo político dividido entre ‘honestos’ e ‘corruptos’. O tema do patrimonialismo não só oferece a semântica através da qual toda a sociedade compreende a si mesma, mas também coloniza a forma peculiar como o próprio debate político se articula no Brasil e na América Latina. O tema do patrimonialismo, precisamente por sua aparência de ‘crítica radical’, dramatiza um conflito aparente e falso, entre o mercado idealizado e Estado ‘corrupto’, sob o preço de deixar à sombra todas as contradições sociais de uma sociedade – e nela incluindo tanto o mercado quanto seu Estado –, que naturaliza desigualdades sociais abissais e um cotidiano de carência e exclusão. Essa é a efetiva função social da tese do 99 patrimonialismo no Brasil” (destacamos). Ademais, esta visão patrimonialista não atende ao nível de sofisticação e eficiência que as instituições estatais brasileiras atingiram e que em nada reproduz um passado ligado 100 a “ranços” e vícios lusitanos, nem em nada diferencia o Brasil de supostos “homens cordiais” com países estrangeiros repleto de protestantes ascéticos. Esta dicotomia do Brasil (repleto de corruptos, homens cordiais e passionais) e de outros países (com pessoas eficientes, racionais e avessas à corrupção), faz crer que somos 101 completamente diferentes de outros países em todos os aspectos, como se fossemos alienígenas verdinhos, e vem auxiliando há muito tempo na mantença de um racismo cultural que em nada espelha nossa realidade. Página 20

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Ademais, faz crer que a força hegemônica das elites jurídicas conservadoras como uma característica brasileira e despreza que esta é uma preocupação acadêmica em todos os sistemas jurídicos, em especial o americano, como advertem Mattei e Nader: “Claro está que podemos questionar o ganho, em termos da legitimidade da profissão jurídica, do reconhecimento cínico de que o Estado de direito está à venda e de que todo aquele que puder investir mais em educação jurídica e legislação (inclusive contratando advogados e lobistas mais experientes) irá beneficiar-se ‘naturalmente’ dos retornos de tais investimentos seja ganhando uma causa ou a luta por um ambiente jurídico afinado 102 com as práticas comerciais. (...) Observe-se que a teoria segundo a qual o Direito é um ‘retorno’ natural de investimentos não se restringe à legislação e regulamentação diretas. No modelo norte-americano, ela chega à atividade judicial. Em um sistema privatizado e de confrontação das partes, os que investem mais no processo (advogados mais caros, peritos judiciais com melhores currículos, processo mais sofisticado de escolha de jurados, detetives, psicólogos etc.) podem ter a expectativa de melhores resultados, aumentado a probabilidade de ganho de causa. Ainda que, no passado, essa prática tenha sido vista como um problema de desigualdade de oportunidades, uma vez que a parte mais forte tem mais capacidade de ‘investimento’ do que a mais fraca, alguns teóricos do Direito e da economia já começaram a considerá-la eficiente na década de 1970. Hoje, essa concepção cínica é apresentada, nos discursos acadêmicos dominantes, como a única realista e, portanto, 103 não ingênuas”. Igualmente temos de negar a tese do patrimonialismo do judiciário brasileiro. Isso, por óbvio, não significa encobrir a infinidade de vícios que ele padece. Mas não podemos aceitar e não conseguimos vislumbrar no trabalho dos juízes ausência de profissionalismo, julgamentos motivados única e exclusivamente por preferências pessoais (sem qualquer racionalidade), ou mesmo um sistema jurídico altamente 104 105 formalizado e vivenciado diuturnamente por todos nós. Como lembra Souza, a tese patrimonialista, naturalizada acriticamente entre nós, nega a realidade brasileira do século XX, uma vez que: “(...) entre 1930 e 1980 o Brasil foi um dos países de maior crescimento econômico do mundo, logrando construir um parque industrial significativo e sem paralelo na América Latina. Como é possível exibir tamanho dinamismo econômico em um contexto, como o do patrimonialismo, que pressuporia ‘indeferenciação da esfera econômica’, e, portanto, ausência de pressupostos indispensáveis e de estímulos duradouros de toda espécie à atividade econômica de toda espécie à atividade econômica? Essa pergunta já seria um desafio intransponível para os defensores do ‘patrimonialismo brasileiro’, mas ela nunca é feita. Daí essa noção funcionar como pressuposto central nunca explicitado. Para seus defensores de hoje, ela é tão óbvia que dispensa explicitação. Na sociologia brasileira, portanto, o conceito de patrimonialismo perde qualquer contextualização histórica, fundamental no seu uso por Max Weber, e passa a designar uma espécie de ‘mal de origem’ da atuação situação do Estado enquanto tal em qualquer período histórico” 106 (destacamos).. Se o equívoco dessa tese em uma análise sociológica em geral já é percebida, sua transposição para o sistema processual e para o modo como o Poder judiciário e seus 107 agentes (homens cordiais) atuam parece desprezar todo o aumento da complexidade e melhorias institucionais e de preparo destes, sob uma suposta mantença (fictícia) de profissionais que agem somente em conformidade com suas preferências e relações de 108 afeto. O próprio processo de recrutamento de magistrados no Brasil, em sua maioria, afastaria Página 21

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sua suposta conduta determinada por presumidas raízes lusitanas pessoalizadas desprovidas de racionalidade e correção. Vícios isolados não podem representar uma análise densa de toda a instituição. Ainda com Jessé Souza podemos perceber (quando critica a tônica do “jeitinho” dammatiano): “Seria como se as relações pessoais desempenhassem o papel do Judiciário nos países individualistas e igualitários. Como cabe ao Poder Judiciário precisamente dirimir conflitos a partir de casos concretos, teríamos, no nosso caso específico, uma resolução informal, sem burocracia e rápida: através da ‘carteirada’, do jeitinho, da ameaça velada e do ‘você sabe...’. No caso concreto não aplicamos a lei geral ao caso específico, mas a força relativa de nossas relações pessoais. Em outras palavras, ou melhor, nas palavras do próprio autor: ‘o você sabe....’ permite estabelecer a pessoa onde antes só havia o indivíduo. (...) Como não se percebe a eficácia das instituições, não se percebe também o que temos de similar com outras sociedades modernas, o que só facilita o ‘conto de fadas’ do Brasil como uma sociedade pré-moderna, do favor pessoal, da corrupção e do personalismo das relações pessoais. Como povo colonizado – e com uma ‘ciência’ servil que reproduz essa colonização – e que, portanto, idealiza sociedades estrangeiras, imaginamos também que existiam, de fato, sociedades onde relações pessoais não envolvam privilégios para quem as possui. A evidência e eficácia deste discurso são, portanto, enormes. Esse ponto é fundamental: o verdadeiro pressuposto do culturalismo dual damattiano é uma oposição entre a imagem folclórica do Brasil e de suas relações sociais e uma imagem colonizada, basbaque, servil e acrítica dos Estados Unidos” 110 (destacamos). Contrario sensu, seguindo a mesma premissa do personalismo, afirmar que todos os juízes deveriam respeitar e aplicar os entendimentos de “Cortes Supremas” (nosso STF e STJ) pareceria interessar aos grupos hegemônicos que acabam tendo acesso privilegiado, inclusive com melhores advogados, às cortes de vértice, para auferir os supostos “favores” provenientes de empreendimentos relacionais. Ademais, mesmo que fôssemos um país patrimonialista (o que se nega), em nada contribuiria para a ciência jurídica tal radiografia, que legitimaria tais práticas viciadas e retiraria do Direito sua função contrafática de correção e de fiscalização institucional ( accountability) que está cada vez mais presente no contexto jurídico pós-Constituição e que se reforça com o CPC/2015 (LGL\2015\1656) no campo processual. A aposta em supostas virtudes das Cortes (supremas), que revela uma vertente pragmática para resolver possíveis problemas funcionais que a profusão de feitos induz, parece negligenciar que ela oferta ares de legitimidade a um projeto antidemocrático e de reforço das elites. Com Cattoni de Oliveira percebemos que: “(...) cabe salientar a existência de uma tradição que se faz representar pelo chamado discurso do mesmo, em termos de diagnóstico e de solução possível para o Brasil. Primeiro, o diagnóstico: ‘nunca ou poucas vezes teriam acontecido rupturas genuínas na história política do País’. Em segundo lugar, a seguinte e inevitável consequência a que esse diagnóstico convergente poderia levar a uma solução negociada e de ‘centro’, entre as elites, e todavia reificante, enquanto ‘esquecimento e negação, não reconhecimento’(Honneth, 2007a, p. 51-62) da cidadania: na falta de rupturas revolucionárias, a denunciar a própria falta de povo ou nação que pudesse ser o sujeito, titular, de um genuíno poder constituinte, a única via que permaneceria aberta seria a da ‘modernização autoritária’ ou do ‘autoritarismo instrumental’ (cf. SANTOS, 1978), no contexto de uma democracia possível (pelo e para o ‘povo’, mas não do ‘povo’), a ser conduzida pela ‘máscara totêmica’ (KELSEN, 2000, p. 303-343) de um ‘suposto substituto funcional’ (NEUMANN, 1957, p. 22-68; 1996, p. 101-141) do velho Poder Moderador imperial, na figura secularizada (SCHMITT, 1988, p. 46), seja de um presidente forte, a das forças armadas, ou até mesmo, mais recentemente, a de uma corte constitucional. Este ‘substituto mascarado’ – que paradoxalmente pudesse ser Página 22

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escolhido/erigido pela elite política esclarecida, consciente e responsável, e que, assim, a representasse – seria ao mesmo tempo capaz de salvaguardar e de ocupar o lugar vazio 111 da cidadania e da nacionalidade existentes, a fim de forjá-las e governá-las (...)”. Nesse sentido, a crença nas defendidas cortes supremas como a do grande garante de um suposto receptáculo da resposta vinculante a ser seguida e de seu inerente acerto (que a proposta induz e absorve como premissa) nos cria um modelo ultraestatalista que se autolegitima e esvazia o papel da cidadania, o que não se pode aceitar num Estado democrático de Direito. As justificativas apresentadas ao desrespeito e à ausência de naturalização institucional de um sistema racional e normativo de trato dos precedentes no Brasil, fruto de uma suposta diferença proveniente de nossas raízes patrimonialistas (de matrizes lusitanas), olvida-se que em outros países, com outro histórico (como a Itália), também existe um trato equivocado do direito jurisprudencial, não havendo cumprimento de supostas 112 virtudes associativas. Ademais, não existe sistema no qual o uso de precedentes se dê de modo linear e coerente todo o tempo, por mais sofisticação que tenham empreendido em sua prática e 113 construção teórica. Não é por menos que Dworkin já afirmava a necessidade de desenvolvimento de uma teoria dos erros institucionais, como já explicado. A ausência de racionalidade no trato dos precedentes entre nós se dá devido à baixa institucionalização de seu trato e de ausência, até recentemente, da busca de uma teoria normativa para sua formação e aplicação, algo fortalecido pelo novo CPC (LGL\2015\1656) e seu art. 926. Somente quando internalizarmos e institucionalizarmos, inclusive afetivamente, as benesses do uso discursivo e adequado dos precedentes, mediante analogias e contra-analogias sérias, poderemos encampar a 114 prática de seu uso. Tal desiderato certamente não será atingido sobre um novo mito de virtudes quase inatas de cortes supremas, com papel (para)legislativo de mostrar a interpretação justa escolhida que iria “iluminar a vida social e servir de bússola para os demais juízes e 115 tribunais”, ou seja, a ser reproduzida por nossos juízes afetos a um suposto modelo associativo percebido por nossos Tribunais Superiores. Perseguir a estabilidade não deve significar petrificar os entendimentos. Como dois dos autores já haviam afirmado em outra sede: “O dever de estabilidade se acomoda àquilo que foi perseguido desde o período embrionário de adoção do stare decisis (no sistema inglês do common law) e da doutrina de precedentes vinculantes, como no emblemático caso Rex v. Inhabitants of Underbarrow and BradleyField, em 1766, no qual segundo Lord Mansfield, não seria oportuno o afastamento dos casos precedentemente decididos e sobretudo a modificação de pronunciamentos consolidados em face dos riscos de graves consequências. A indicação de tal case não é acidental em face da percepção de que nos encontramos exatamente em período embrionário de consecução de uma nova racionalidade no uso do direito jurisprudencial de modo a romper com as facilidades de mudança interpretativa que os tribunais brasileiros impõem em seus julgados. Apontando-se que tal estabilidade não significa petrificação ou fechamento argumentativo, ou que o Tribunal tenha a última palavra acerca da interpretação, como se algum tribunal pudesse fechar a interpretação do direito em uma decisão, mas sim a persecução da necessária estabilidade enquanto não se apresentarem novos fundamentos hábeis à mudança decisória. Precisamos perceber que há de respeitar os entendimentos estabilizados e que os acórdãos devem possuir uma linearidade argumentativa para que realmente possam ser percebidos como verdadeiros precedentes capazes de gerar este dever cooperativo normativo. De outro lado, a estabilidade jamais pode permitir um engessamento do direito mediante a supressão de técnicas de superação (overruling) ou distinção ( distinguishing). Como há uma aposta na nova legislação no poder e no uso de Página 23

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precedentes e súmulas, então os deveres de coerência e integridade são fundamentais, inclusive quando uma corte proceder à distinção e/ou quando for o caso de superação de precedentes. Como dito, não há que se falar em petrificação, contudo, quando a Corte que fixou um precedente entende que é o caso de “superá-lo”, precisa fazê-lo de forma explícita, é dizer, reconhecer que há um precedente e que o mesmo está incorreto face à compreensão que do Direito se tem naquele momento. O que não pode ocorrer é um Tribunal decidir desconsiderando toda sua história institucional. Precisamos combater todos os tipos de vieses cognitivos (cognitive biases) e o processo constitucionalizado deve ser visto como uma importante garantia de ruptura com os mesmos (debiasing) de modo a impor uma racionalidade crítica com o passado e uma necessidade de se buscar um compromisso com o presente e o futuro (Integridade). Neste ponto, há de se romper com o viés do ‘status quo’ que como lembra Juarez Freitas viabiliza “a predisposição de manter as escolhas feitas, ainda que disfuncionais, anacrônicas e obsoletas. Ocorre, por exemplo, quando o intérprete, tendo adotado uma linha de orientação jurisprudencial, resigna-se a mantê-la, mesmo que o precedente não reencontre os pressupostos de sua 116 consolidação. É típico dos partidários do movimento originalista radical”. Ademais, outra objeção ao pensamento de Marinoni e Mitidiero radica-se naquilo que Frederick Schauer denomina de efeito seletivo: considerando que uma variedade de casos raramente é disputada no Judiciário, seja por se tratar de casos fáceis, seja por não haver interesse de alguma das partes em dar início a um processo judicial, aqueles que são submetidos à apreciação jurisdicional representam uma amostragem distorcida dos eventos jurídicos como um todo. Schauer argumenta que esse efeito é mais intenso na medida em que se ascende na estrutura do Judiciário, perpassando pelas Cortes de Apelação até se chegar às Cortes Superiores. Em 2007, por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos, que detém quase o poder absoluto de definir quais casos irá decidir (de forma semelhante, mas menos radical ao que Mitidiero e Marinoni propõem), decidiu apenas 71 casos escolhidos dentre mais de 9.000 casos processados nas Cortes de Apelação Federais e das Cortes Superiores dos Estados. Considerando que em quase todos esses 71 casos decididos pela Suprema Corte dos EUA não havia uma resposta jurídica clara a ser dada, tomar as decisões da Corte nesses casos como representativas do modo pelo qual o Direito 117 funciona seria um erro grosseiro. Isso quer dizer que a proposta de que o STF e o STJ assumam o perfil de Cortes Supremas, retirando das partes o direito de recorrer a esses tribunais, na pretensão de que apenas as decisões proferidas por esses Tribunais se tornem, prospectivamente, precedentes judiciais que desempenharão a importante função de uniformização do Direito mediante a atribuição de sentido à Constituição e às Leis por intérpretes privilegiados ignora, por completo, que o Direito não é realizado apenas nas Supremas Cortes: o Direito está presente no cotidiano das pessoas, que constroem os seus planos de vida e se relacionam com o próximo sob múltiplos aspectos, conferindo, elas próprias, sentido às Leis e à Constituição – noção de comunidade política. Não se ignora que a oportunidade de estabelecer um precedente pode justificar a seleção de casos a ser analisados no mérito (arts. 1.036 e 1.037, CPC/2015 (LGL\2015\1656)), assim como o fato de que a decisão proferida em um caso 118 selecionado em razão de sua importância provavelmente estabelecerá um precedente. Por outro lado, tomar apenas as decisões proferidas pelo STF e pelo STJ como representativas do Direito nacional pode gerar um problema de diminuição da importância institucional dos demais Tribunais pátrios no desenvolvimento do Direito – ou até a perda da autonomia do Direito, que passaria a estar sequestrado por alguns. Concomitantemente, engendrar-se-ia uma dependência sistêmica dos Tribunais de vértice, no sentido de que apenas se poderia confiar nas decisões por eles proferidas, além de limitar o Direito uniformizado ao restrito quadro de casos que seriam julgados por esses Tribunais. A uniformidade do Direito e a estruturação de um sistema racional de precedentes, Página 24

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embora desejáveis, devem refletir um compromisso compartilhado e integrado entre os Juízos de Primeira Instância e os Tribunais Estaduais e Federais, não podendo ser alocado tão somente no STF e no STJ. É preciso compreender os demais Juízos como participantes ativos no desenvolvimento do Direito mediante um sistema de precedentes, sob pena de oferecer à sociedade civil um quadro distorcido e parcial do que são os direitos e os deveres de cada um. Isso nos leva a outras objeções teóricas as concepções do papel do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça como Cortes de Precedentes. A primeira consiste no argumento da integridade desenvolvido por Ronald Dworkin, que insiste em que a atividade interpretativa não é uma mera escolha de sentidos pelo intérprete; a segunda, de que os Tribunais devem estar preocupados em decidir os casos que lhes são submetidos; e a terceira, de que não é dado ao magistrado (ou ao Tribunal) decidir de forma solitária (solipsista). Aprendemos com Dworkin que os juízes têm o compromisso de investigar na história institucional do Direito o conjunto de decisões que melhor exprimam os princípios jurídicos que devem reger o caso concreto, decidindo-o de forma a promover a integridade e a coerência. A garantia do respeito à integridade e à coerência do Direito, aliada à preservação da autonomia do Direito, ao estabelecimento de que a fundamentação das decisões é um dever básico dos juízes e tribunais (arts. 93, IX, CF/1988 (LGL\1988\3), e 489, CPC/2015 (LGL\2015\1656)) e à garantia de que cada cidadão possa aferir se a resposta dada ao seu caso está constitucionalmente adequada, implica no reconhecimento de que decisão e escolha são coisas completamente diferentes. Lenio Streck, com razão, sustenta que a decisão “não pode ser entendida como um ato em que o juiz, diante de várias possibilidades possíveis para a solução de um caso concreto, escolhe aquela que lhe parece mais adequada” – “decidir não é sinônimo de 119 escolher”. A escolha é sempre parcial, é um ato de opção de algo sem um compromisso maior do que o simples ato corporificado nessa escolha. O autor afirma, ainda, que há um compromisso da comunidade política (de princípios) que passa pela reconstrução da história institucional do Direito e pela colocação dos casos julgados na cadeia das decisões passadas que integram aquela história. Não há uma decisão que 120 parta de um “grau zero” de sentido. Nesse contexto, há duas coisas que o juiz contemporâneo não pode fazer: a primeira, desconhecer o todo das práticas e decisões, escrevendo (para utilizar a linguagem metafórica do romance em cadeia) o seu “capítulo” como se tivesse total discricionariedade; a segunda, copiar o capítulo antecedente, o que representaria uma quebra de continuidade – a integridade, portanto, representa um ônus argumentativo 121 adicional no exercício da atividade jurisdicional. Na leitura que Ramires faz de Dworkin, há certas condições constituintes desse ônus para que a integridade e a continuidade sejam preservadas: a pesquisa por precedentes não deve estar viciada (vedação ao confirmation bias); essa pesquisa deve levar em consideração o todo; é preciso questionar as especificidades do caso presente e do caso que deu origem ao precedente em análise; e a utilização de precedentes não deve substituir um estudo sincero e aprofundado da doutrina e da evolução das práticas 122 judiciais. A teoria da integridade de Dworkin, a partir de compartilhar de pressupostos hermenêuticos gadamerianos, superou a filosofia da consciência e fornece os aportes teóricos adequados para o controle do subjetivismo solipsista a partir do respeito à integridade e à coerência (art. 926 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). A decisão não está no ato de escolha do intérprete, como sustentam Mitidiero e Marinoni, mas, sim, na história institucional do Direito; isto é, no seu DNA, que se manifesta na Constituição, nas leis e, também, nas decisões judiciais, que, por sua vez, interpretam aquele material Página 25

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normativo e conferem concretude à indeterminação do Direito – não pela atividade de um Tribunal privilegiado, mas pela comunidade política que legitima e atribui sentido ao Direito. Esse compromisso de promoção da integridade e da coerência não é exclusivo do STF e do STJ: trata-se de um compromisso compartilhado entre todos os órgãos do Poder Judiciário. É inegável que as decisões proferidas pelo STF e pelo STJ trazem em si uma importância diferenciada, em razão da posição de vértice que ocupam na estrutura do Poder Judiciário e das missões que a Constituição da República lhes atribui. Mas isso não quer dizer que os demais tribunais e juízos não devam estar comprometidos com a integridade e a coerência e, consequentemente, com a unidade do Direito – como, de fato, percebe-se tal compromisso em qualquer sistema judicial que busque a integridade. Pelo contrário (e o art. 926 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) apenas reforça o argumento): a preocupação com a promoção daquelas virtudes (traduzidas no Código como deveres cooperativos normativos) deve estar no horizonte de todos os órgãos do Poder Judiciário, aos quais incumbe não apenas decidir os casos concretos como também velar para que essas decisões se ajustem à história institucional do Direito. Não há justiça na decisão de um Tribunal ordinário se não é possível justificar essa decisão perante o conjunto de decisões proferidas por esse Tribunal e o Direito como um todo. Nessa totalidade haverá que se observar não apenas a Constituição e as leis como também as decisões proferidas pelos demais tribunais, isto é, os precedentes judiciais. Nesse compromisso do Judiciário para com a integridade e a coerência mediante a aplicação de precedentes, há um perfil prospectivo peculiar, pois as decisões que resolvem os casos presentes são as decisões que, no futuro, poderão ser invocadas como precedentes, mas sem viabilizar que os casos permitam escolhas de uma suposta interpretação justa dependente de virtudes inatas do decisor. O stare decisis lembra às cortes de common law que as decisões por elas proferidas serão aplicadas, como precedentes, nos casos de amanhã, de modo que, antes de as proferir, devem refletir se o entendimento que pretendem adotar é realmente o desejável. No entanto, não devemos enfatizar excessivamente esse caráter prospectivo (proativo, 123 para usar a expressão de Mitidiero e Taruffo), a ponto de sustentar que o juiz de hoje decide não apenas o seu caso, mas também o caso futuro, ou que o caso presente é apenas o pretexto a partir do qual as Cortes Supremas interpretam o Direito. Os precedentes judiciais não são elaborados para solucionar casos futuros, assim como “uma resposta não pode ser dada para responder a outras perguntas que não a sua 124 própria”. É o caso presente, com as suas questões e peculiaridades, que limita a atuação da Corte, correndo-se o sério risco de o Judiciário extrapolar as suas funções institucionais, se olvidar de suas prioridades e buscar apenas estabelecer teses jurídicas no atacado, ou de forma demasiadamente abstrata, com olhos apenas para o futuro. Basta aos juízes e tribunais que, ao proferir suas decisões, preocupem-se em decidir segundo razões que as justifiquem diante do ordenamento jurídico e dos fatos que se lhes apresentaram. Com razão, Duxbury afirma que os juízes podem – mas não necessariamente devem – decidir com o futuro em mente, assim como preocupações sobre o futuro podem – mas não necessariamente devem – influenciar na decisão do 125 caso presente. Finalmente, é preciso perceber que o dever de fundamentação das decisões cumpre um papel ao mesmo tempo psicológico, pois possibilita que a parte sucumbente conheça as razões pelas quais não obteve sucesso, e normativa, pois é indispensável à claridade do Direito e a seu progresso. Sem a fundamentação racional das decisões não é possível conhecer as razões pelas quais se decidiu desta ou daquela forma e, portanto, a ratio Página 26

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decidendi dos precedentes não pode ser acessada. Tendo em vista que aos juízes e tribunais não é dado decidir sem ouvir previamente as partes (arts. 9.º e 10, CPC/2015 (LGL\2015\1656)), cujos argumentos devem ser levados em consideração pelo julgador, a quem incumbe explicitar as relações lógicas entre os atos normativos e os conceitos jurídicos indeterminados suscitados durante o processo e o caso concreto, bem como identificar os padrões de semelhança e de distinção entre esse caso e os precedentes e enunciados sumulares debatidos nos autos (art. 489, § 1º, CPC/2015 (LGL\2015\1656)), verifica-se que o novo Código busca promover uma cultura argumentativa no processo judicial, de modo a compartilhar, democraticamente, a tarefa de atribuição de sentido normativo entre os sujeitos processuais em viés comparticipado. Se “todo poder emana do Povo” (art. 1.º, parágrafo único, CF/1988 (LGL\1988\3)) e a decisão judicial é, indubitavelmente, uma manifestação de poder estatal, este poder apenas se legitima na medida em que as partes participam do processo, que deve se desenvolver em contraditório, entendido não apenas como paridade de armas e bilateralidade de audiências como também garantia de influência e não surpresa. Sem o debate argumentativo entre as partes, mediante seus respectivos advogados, e os magistrados, não há legitimação democrática da decisão judicial. Não existe legitimação democrática a priori dos atos do Poder Judiciário eis que esta somente se articula a posteriori com o respeito à fundamentação e ao devido processo constitucional. A tese de que os órgãos de vértice possuiriam de per si tal legitimação viabiliza riscos incontroláveis e chancela todo o tipo de decisionismo, eis que o próprio perfil da corte (ora conservador, ora progressista) variará de tempos em tempos (como é corrente a análise na Suprema Corte Americana). E, mesmo que ela fosse sempre de índole progressista, isto a não a blindaria do respeito ao devido processo e de que promovesse a legitimação de seus pronunciamentos com o respeito à história institucional. Com Dworkin, devemos nos afastar de propostas convencionalistas e pragmatistas, pois, como pontua Pedron: “Assim, enquanto o juiz convencionalista deve ter os olhos voltados para o passado, o olhar de um pragmático se remete ao futuro; podendo, para tanto, deixar de respeitar a coerência de princípio com aquilo que outras autoridades públicas fizeram ou farão. As decisões do passado são apenas expedientes de convencimento para uma decisão previamente tomada e pautada por uma escolha política ou por valores de preferência do julgador (SOUZA CRUZ, 2003:37). Por isso, no pragmatismo, parece desaparecer qualquer separação entre legislação e aplicação judicial do Direito: o juiz, ao se posicionar desvinculado de toda e qualquer decisão política do passado, pode decidir os casos concretos aplicando um direito novo que ele mesmo criou. Nega-se, portanto, a necessidade de ser observada uma coerência de princípio, já que não se reconhece a importância dessa, ainda mais quando é polêmico e incerto qual seja a exigência de coerência a ser atendida. (...) A integridade nega que as manifestações do Direito sejam meros relatos factuais voltados para o passado, como quer o convencionalismo; ou programas instrumentais voltados para o futuro, como pretende o pragmatismo. Para o Direito como integridade, as afirmações jurídicas são, ao mesmo tempo, posições interpretativas voltadas tanto para o passado quanto para o futuro” (DWORKIN, 1999, p. 126 272-273). Até por isso é que, em processos repetitivos ou que extrapolam o mero interesse das partes, tem-se privilegiado a participação de amici curiae e a realização de audiências públicas (art. 1.038), a fim de que a decisão a ser tomada seja informada por uma pluralidade de argumentos e perspectivas que inexistiriam se os magistrados votassem apenas a partir de suas convicções particulares (escolhas) sobre diversos temas, especialmente se considerarmos que, em casos como esses, quase sempre há questões Página 27

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que extrapolam o Direito e afetam a Ciência, a Economia, a Política e a sociedade civil como um todo. Para que as Cortes de sobreposição possam atuar como verdadeiras Cortes de Precedentes, é preciso analisar como os nossos Tribunais constroem, aplicam e interpretam adequadamente os precedentes, ou se apenas são formados padrões decisórios empobrecidos para se resolver um problema numérico. A verdadeira função das Cortes de sobreposição, dentro de um sistema de precedentes, é a de possibilitar a superação de entendimentos ultrapassados e resolver as (naturais) divergências havidas entre os Tribunais, sempre mediante prévio dissenso argumentativo e um contraditório dinâmico, com o consequente esgotamento momentâneo dos argumentos pertinentes ao tema. O modelo proposto por Mitidiero e Marinoni defende, sob viés socializador e estatalista, um protagonismo judicial concentrado nas Cortes Supremas incapaz, em nossa opinião, de oferecer espaço processual deliberativo (comparticipativo) para a formação e aplicação dos precedentes judiciais. Tampouco se justifica a cisão entre decisão justa e precedente judicial: a decisão judicial deve resolver o caso presente à luz da integridade do Direito, declarando os direitos que as partes efetivamente têm. Essa decisão exprime um princípio jurídico que pode (e deve) ser encontrado nos precedentes judiciais (e na Constituição e nas leis também), e constituirá um indício formal da viabilidade e da adequação constitucional de determinada orientação judicial na medida em que encerrar uma hipótese coerente daqueles princípios. A tarefa de reconstrução do passado para identificar esses princípios e aplicá-los aos casos concretos incumbe aos sujeitos processuais (policentrismo), e não apenas ao magistrado, que não está autorizado a escolher este ou aquele sentido normativo: a integridade e a coerência no Direto exercem uma importante e imprescindível função contrafática e de limitação da atividade judicial, legitimando-se mediante o desenvolvimento do processo, na perspectiva do contraditório dinâmico e da comparticipação. 7 Uma advertência final Ugo Mattei e Laura Nader, em obra de referência, advertem que a hegemonia jurídica norte-americana vem promovendo há um bom tempo um sofisticado modelo de 127 transferência de normas jurídicas e instituições formais que busca o convencimento ideológico de sua natureza superior de ordem e de civilização em comparação com os 128 demais sistemas jurídicos (subordinados). Mattei e Nader demonstram que tal desiderato, de exportação americana de institutos e de sua racionalidade (em grande medida ligada a uma concepção econômica de direito), é alcançado mediante sofisticada indução de seus pressupostos em setores das elites de 129 130 outros países de modo a fornecer institucionalidade ao seu poder hegemônico e a naturalizar no discurso dessas elites profissionais (geradoras de consenso) legitimidade ao poder empresarial que fazem o Direito renunciar “de modo natural” seu papel de 131 refrear o comportamento oportunista dos agentes de mercado. Nesses termos, o argumento de adoção irrefletida de parcela do ideário jurídico anglo-americano jamais deve encampar um suposto discurso de que seríamos vira-latas perto da comunidade jurídica estrangeira. Temos características muito próprias e uma litigiosidade com números mais que expressivos, mas isso não nos torna involuídos em relação a qualquer outra tradição por vícios de origem; só nos traz a necessidade de levar a sério nossa situação. Não podemos constituir (ou ser) uma doutrina que consolida e legitima projetos de poder já institucionalizados ou que buscam a promoção do imperialismo promovido por outras tradições ao longo das últimas décadas das quais, por variadas razões, estamos nos aproximando, lembrando que, como Mattei e Nader ponderam, esses intelectuais Página 28

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que capitulam a essa postura legitimadora (não libertária) do Direito “não precisam compartilhar nenhuma motivação especial, a não ser, talvez, algum ‘projeto profissional’ 132 ditado pela lealdade à disciplina que ensinam”. A nova geração de juristas, preocupada com os fundamentos de sua disciplina, precisa se autocriticar para evitar a cegueira diante destes sofisticados mecanismos persuasivos de engenharia de consentimento. Ao absorver um sistema de precedentes e compará-lo com seu uso no âmbito anglo-americano, precisamos absorver o que ele tem a nos oferecer no âmbito dogmático, mas sem deixar de levar a sério nossas contingências e exigências de legitimação pelo processo constitucionalizado como garantia e pela participação de todos os afetados, inclusive, preocupando-nos com a sub-representação que técnicas como a da causa-piloto (do IRDR e Recursos Repetitivos) trazem consigo. Desse modo, devemos nos afastar de discursos de protagonismo judicial das cúpulas como se os demais tribunais, juízes, advogados, e, especialmente, estudiosos tivessem pouco a contribuir pela assunção da última voz pelos tribunais superiores e como se houvesse possibilidade de se legitimar a prática cotidiana criarem, teses como se precedentes fossem. É o momento de nos abrirmos para todas as inovações trazidas (especialmente no discurso que gravita em torno do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), mas com o olhar crítico para tudo o que nos é apresentado. Buscamos mostrar como a proposta Dworkiniana pode auxiliar nessa tarefa. Cabe ao leitor submetê-la ao crivo do debate para enxergar suas virtudes (ou falhas) na busca de um sistema jurídico constitucionalizado que afaste qualquer discurso salvacionista (centrado agora nos Tribunais Superiores) e se assuma um papel libertário para o Direito embasado numa leitura adequada dos direitos fundamentais. Por fim, devemos perceber que a adequada percepção dos fundamentos do sistema jurídico induz, no plano prático, a utilização do Direito como possibilidade libertária (e inclusiva) ou como elemento legitimante das estruturas do poder conservador. Se o Direito não processualizar o poder (impondo seu exerícicio mediante o prévio diálogo genuíno e participação) ele continuará a ser usado solitariamente (pelos detentores de poderes decisórios), no modelo que imperou até o pós-Segunda Guerra, de modo que sempre dependeremos de uma escolha subjetiva de quem decide, 133 normalmente controlada por suas pré-compreensões (cognitive biases) que independem do que as normas determinam. É momento de entender, de uma vez por todas, que sem esta compreensão de fundo continuaremos a ser cooptados (enganados) por estruturas sofisticadas de engenharia do consentimento e acharemos que o ordenamento jurídico só serve para atingir fins práticos e ser eficiente.

1 SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: Leya, 2015. p. 168. 2 NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008. 3 Aqui, pontue-se, não nos referimos ao garantismo latino-americano, de vertente quase liberal, tampouco do garantismo neopositivista de Ferrajoli. 4 NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo: por um processualismo constitucional democrático. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Página 29

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Minas. Edição Especial, 2008. p. 14. 5 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2001. p. 68 e 188. 6 “Deturpações de julgamento a que qualquer decisor está submetido por inúmeros fatores, como a incerteza ínsita ao julgamento e a exiguidade de tempo.” THEODORO JR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016. 7 THEODORO JR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016. 8 NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015 (LGL\2015\1656). CUNHA, Leonardo Carneiro da; MACÊDO, Lucas Buril de; ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues de (org.). Precedentes judiciais no NCPC. Coleção Novo CPC e novos temas. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 301-334. 9 “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.” 10 Aliás, é de se perceber que mesmo em países de common law e nos quais o ensino é baseado em casos concretos para que depois sejam inferidas regras gerais, o papel do professor – e da doutrina – é se debruçar nos casos, em suas peculiaridades e discutir, à exaustão, quais foram os argumentos trazidos pelas partes e pelo julgador e então questionar seu acerto/desacerto e procurar contrapontos a cada tese que foi estabelecida. Em suma, mesmo lá o ensino nunca é por “ementas”, nem descolado das características do caso, nem só dos fundamentos (até porque estes só fazem sentido a partir daqueles), mas de tudo isso e de forma crítico-reflexiva. 11 “Nessa leitura, o Direito é dependente de convenções sociais que irão determinar quais instituições gozam do poder de elaborar as leis e como elas podem fazer isso. Tudo estaria resumido ao respeito às convenções do passado e a sua aplicação, considerando a conclusão a que chegaram e nada mais. Mesmo assim, tal concepção reconhece que não haverá um Direito completo, capaz de abarcar toda a complexidade da vida social, uma vez que reconhece a possibilidade de que novos problemas apareçam. A solução, portanto, passa pela afirmação da discricionariedade do magistrado no momento de aplicação jurídica: uma vez que se reconhece que nenhuma das partes titulariza direitos capazes de amparar suas pretensões – já que os únicos direitos que podem contar são aqueles previamente fixados pelas convenções – os juízes devem encontrar alguma outra forma de justificativa, para além do Direito, que apóie a decisão a ser tomada; todavia a questão continua por demais aberta, assim eles poderão pautar-se por questões abstratas de justiça, ou questões que se refiram ao interesse coletivo, ou mesmo uma justificativa que se volte para o futuro” (PEDRON, Flávio. Em busca da legitimidade do direito contemporâneo: uma análise reconstrutiva das teorias jurídicas de Ronald Dworkin, Jürgen Habermas e Klaus Günther. Belo Horizonte: Ed. Clube de Autores, 2011. p. 40). 12 “O pragmatismo é uma concepção cética do direito porque rejeita a existência de pretensões juridicamente tuteladas genuínas, não estratégicas. Não rejeita a moral, nem mesmo as pretensões morais e políticas. Afirma que, para decidir os casos, os juízes devem seguir qualquer método que produza aquilo que acreditam ser a melhor comunidade futura, e ainda que alguns juristas pragmáticos pudessem pensar que isso significa uma comunidade mais rica, mais feliz ou mais poderosa, outros escolheriam uma comunidade com menos injustiças, com uma melhor tradição cultural e com aquilo que chamamos de alta qualidade de vida. O pragmatismo não exclui nenhuma teoria sobre o que torna uma comunidade melhor. Mas também não leva a serio as pretensões juridicamente tuteladas. Rejeita aquilo que outras concepções do direito aceitam: que as Página 30

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pessoas podem claramente ter direitos, que prevalecem sobre aquilo que, de outra forma, asseguraria o melhor futuro da sociedade. Segundo o pragmatismo, aquilo que chamamos de direitos atribuídos a uma pessoa são apenas os auxiliares do melhor futuro: são instrumentos que construímos pra esse fim, e não possuem força ou fundamento independentes” (DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 195). 13 Isso fica bem claro na breve reconstrução levada a cabo por Antonio Maués no texto ao comparar as propostas teórica de Shauer, Sunstein e Dworkin, acerca de como lidar com precedentes (MAUÉS, Antônio Moreira. Jogando com precedentes: regras, analogias, princípios. Revista de Direito GV. n. 8(2). São Paulo. jul.-dez. 2012. p. 587-624). 14 Ao longo de sua carreira, escreveu diversos artigos, livros, palestras, ensaios, e pareceres, todos marcados por sua originalidade e imbuídos de sua visão moral sobre o mundo. Concorda-se com Meyer (MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008. Professor Gilmar Mendes. n. 9. p. 278) quando afirma que o fato de Dworkin ser muito lido, não significa que é bem compreendido. Oliveira (OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2008) também alerta que várias são as leituras que parecem confundir as conclusões a que o norte-americano chega, principalmente por compará-lo equivocadamente à linha de pensamento que é assumida por Robert Alexy e sua técnica de balanceamento de princípios. Igualmente problemático é o voto do Min. Carlos Aires de Britto, na STA n. 175, o qual confunde, grosseiramente, os posicionamentos de Alexy e de Dworkin, e, como lembra Streck (STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. Coleção O que é Isto? – v. I. p. 29-30), o julgamento pelo TJMG da Apelação 1.0596.03.0135872/001. Tornou-se praticamente lugar comum comparar as ideias de Dworkin sobre regras e princípios com o método do balanceamento de princípios de Alexy, a despeito de que tal confusão apenas se dá porque se toma a leitura que o segundo faz do primeiro de forma acrítica e incompleta. 15 PEDRON, Flávio. Em busca da legitimidade do direito contemporâneo: uma análise reconstrutiva das teorias jurídicas de Ronald Dworkin, Jürgen Habermas e Klaus Günther. Belo Horizonte: Ed. Clube de Autores, 2011 (especialmente o cap. 1). 16 Daí a adoção de um modelo normativo cooperativo/comparticipativo no CPC (LGL\2015\1656) 2015. Cf. THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2015. 17 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 18. 18 Dworkin, Ronald. A justiça de toga. Trad. Jefferon Luiz Camargo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. Direito e Justiça. p. 208. Mas sua luta contra o arquimedianismo não é por acaso. Suas últimas obras tinham por escopo fundar uma teoria mais geral e mais completa que interligasse todos os aspectos do comportamento humano. É através de proposta de criação desse sistema filosófico que Dworkin desejava entrar para o rol de “porcos-espinhos” da Filosofia, ou seja, aqueles teóricos responsáveis por desenvolver não apenas a crítica ao pensamento alheio (postura da chamada “raposa” filosófica) ou um conjunto de teorias desconectadas. O ideal da integridade é velado, então, das esferas do Direito e da Política para a Ética e para a Moral. 19 GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. 3. ed. Stanford University Press, 2013. p. 160. 20 WILLIAMS, Bernard. Ethics and the limits of philosophy. Cambridge: Harvard Página 31

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University Press, 1985. p. 174. 21 Importante destacar que Dworkin tem uma concepção bem distinta do que parece ser compartilhado pela dogmática brasileira sob o título de dignidade humana. Infelizmente, reconhece-se que tais membros da dogmática não partilham sequer da mesma origem quanto à fundamentação; isto é, ora misturam uma teoria de matriz liberal com outra de matriz comunitarista, ora uma teoria tributária do jusnaturalismo com pensamentos de base realistas, por exemplo. Tudo isso transforma o discurso jurídico em uma própria Babel contemporânea, dificultando – e por vezes, até impedindo o desenvolvimento de uma teorização mais consistente. 22 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 641. 23 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 310-311. 24 Como lembra Streck: “Conceitualmente: haverá coerência se os mesmos preceitos e princípios que foram aplicados nas decisões o forem para os casos idênticos; mais do que isso, estará assegurada a integridade do Direito a partir da força normativa da Constituição. A coerência assegura a igualdade, isto é, que os diversos casos terão a igual consideração por parte do Poder Judiciário. Isso somente pode ser alcançado por meio de um holismo interpretativo, constituído a partir de uma circularidade hermenêutica. Coerência significa igualdade de apreciação do caso e igualdade de tratamento. Coerência também quer dizer ‘jogo limpo’. Já a integridade é duplamente composta, conforme Dworkin: um princípio legislativo, que pede aos legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente, e um princípio jurisdicional, que demanda que a lei, tanto quanto possível, seja vista como coerente nesse sentido. A integridade exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do Direito, constituindo uma garantia contra arbitrariedades interpretativas; coloca efetivos freios, por meio dessas comunidades de princípios, às atitudes solipsistas-voluntaristas. A integridade é antitética ao voluntarismo, do ativismo e da discricionariedade. Ou seja: por mais que o julgador desgoste de determinada solução legislativa e da interpretação possível que dela se faça, não pode ele quebrar a integridade do Direito, estabelecendo um ‘grau zero de sentido’, como que, fosse o Direito uma novela, matar o personagem principal, como se isso — a morte do personagem — não fosse condição para a construção do capítulo seguinte. (...) Parece óbvio que o dever de coerência e integridade não é o mesmo que a velha segurança jurídica. Quem assim pensa se apega a categorias jurídicas pré-modernas e a todo o contexto teórico metafísico (clássico) em que submergem a discussão doutrinária. Já li e ouvi manifestações despistadoras, no sentido de que a coerência e integridade do CPC (LGL\2015\1656) não seria aquilo que é propalado por autores como Dworkin e MCormick. O que fazer? Apenas posso dizer e lembrar que segurança e certeza aparecem na praxe jurídica como ‘valores’ autorreferentes, desarticulados, descarnados, ontologicistas e algo teológicos. Portanto, isso deve ser considerado como ultrapassado. Afinal, se valores valem mais que o Direito, então não há mais Direito. A integridade é virtude política a ser adotada por uma autêntica comunidade de princípios (para além de uma associação de indivíduos meramente circunstancial, ou pautada num modelo de regras), e se expressa pela coerência principiológica na lei, na Constituição e na jurisprudência. Aqui já de pronto transparece uma questão nova: a coerência e integridade são antitéticas ao pamprincipiologismo, pela simples razão de que a ‘invenção’ de um ‘princípio’ sempre é feita para quebrar a integridade e a cadeia coerentista do discurso. Portanto, eis aí um bom remédio contra essa construção arbitrária de coisas que os juristas chamam de ‘princípios’ e que não passam de álibis retóricos para fazer o drible da vaca na lei e na própria Constituição. O STF e o STJ devem, armados com esses dois poderosos mecanismos, assumir o papel de snipers epistêmicos. Coerência não é simplesmente se ater ao fato de que cada nova decisão deve seguir o que foi decidido anteriormente. Claro que é mais profunda, porque exige Página 32

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consistência em cada decisão com a moralidade política (não a comum!) instituidora do próprio projeto civilizacional (nos seus referenciais jurídicos) em que o julgamento se dá. A ideia nuclear da coerência e da integridade é a concretização da igualdade, que, por sua vez, está justificada a partir de uma determinada concepção de dignidade humana. A integridade quer dizer: tratar a todos do mesmo modo e fazer da aplicação do Direito um ‘jogo limpo’ (fairness — que também quer dizer tratar todos os casos equanimemente). Exigir coerência e integridade quer dizer que o aplicador não pode dar o drible da vaca hermenêutico na causa ou no recurso, do tipo ‘seguindo minha consciência, decido de outro modo’. O julgador não pode tirar da manga do colete um argumento (lembremos do artigo 10 do CPC (LGL\2015\1656)) que seja incoerente com aquilo que antes se decidiu. Também o julgador não pode quebrar a cadeia discursiva ‘porque quer’ (ou porque sim)”. STRECK, Lenio. Jurisdição, fundamentação e dever de coerência e integridade no novo CPC (LGL\2015\1656). Revista CONJUR, Disponível em: [www.conjur.com.br/2016-abr-23/observatorio-constitucional-jurisdicao-fundamentacao-dever-coerenci 25 GALANTER, Marc. Why the "haves" come out ahead: speculations on the limits of legal change. Law and Society Review, 1974. TALESH. How the "haves" come out ahead in the twenty-first century. The Paul Law Review. V. 62, 2012. 26 Por isso é que Dworkin afirma que a moral pessoal constitui um ramo do bem viver (da ética). Mas a moral pessoal também tem um ramo próprio, que é a moral política. Se a moral pessoal consiste nos deveres de ajudar ao próximo e de não lhes causar dano, assim como nos deveres especiais decorrentes de atos performativos (as promessas, por exemplo), as obrigações políticas se situam dentro dessa moral pessoal, porque “nasce de um relacionamento que existe entre os concidadãos de uma comunidade política” (DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 499). Há, então, uma transição do pessoal para o político, por meio de uma entidade coletiva separada e artificial (a comunidade), e a moral política estuda o que todos nós, na qualidade de integrantes dessa comunidade, devemos uns aos outros quando agimos em nome dessa comunidade. Este é um dilema de todos os sistemas jurídicos, independentemente de suas raízes históricas ou mitos nacionais construídos (Sobre o mito da identidade nacional brasileiro e suas críticas, cf. SOUZA, Jessé (org.) A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.). A comunidade é dotada de uma moral política, a qual lhe confere força para criar e impor obrigações aos seus membros – apenas assim os estará tratando com igual preocupação e respeito, isto é, tratando as vidas de cada um deles como igualmente importantes e respeitando suas responsabilidades pessoais sobre suas próprias vidas. 27 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 9. 28 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 504. 29 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 505. 30 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 28. 31 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 51. 32 Para uma visão panorâmica do papel dos princípios ao longo da história, confira-se THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Novo Código de Processo Civil: fundamentos e sistematização. p. 35-47. Segundo os autores, foi no jusnaturalismo moderno do século XVI que se começou a afirmar que os princípios constituem expressão do direito natural, mas, com o advento do Estado Liberal (que Página 33

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necessitava de maior previsibilidade e segurança jurídica para florescer), o jusnaturalismo cedeu lugar ao positivismo. Nesse paradigma (com suas mais diversas vertentes), buscou-se separar o direito da moral, da ética, da religião, da política e da economia, e os princípios passaram a ser percebidos como meras figuras inspiradoras da construção de regras jurídicas (legítimas fontes do direito) em caso de lacunas. Mas note-se que esses princípios (também chamados de princípios gerais do direito) não passavam de abstrações de regras jurídicas já estabelecidas pela legislação. Ademais, como bem pontuado por Kelsen, norma jurídica e texto não se confundem: a norma é o produto da interpretação do texto, de modo que o sistema se expande para além da literalidade dos textos das leis. No entanto, ainda em Kelsen não se havia superado a ideia de que o sistema normativo seria um modelo meramente de regras, tanto é que o positivismo normativista (kelseniano) adota uma postura decisionista segundo a qual, na falta de regras ou diante de um conflito insuperável, o juiz estaria autorizado a julgar segundo a sua consciência (fora da moldura normativa) – isto é, o ato de julgar como um ato de vontade. Foi ao longo do século XX que alguns teóricos do direito começaram a sustentar que os princípios desempenhariam uma função diferenciada no ordenamento jurídico, a exemplo de Esser, Larenz, Canaris, Bobbio e Del Vecchio. Mas foi em Dworkin que se identificou que o sistema jurídico é muito mais amplo do que propugnavam os positivistas, pois os princípios não podem ser tratados como meras figuras integrativas ou inspiradoras, e, sim, como trunfos argumentativos que prescrevem um direito e contêm uma exigência da justiça, da imparcialidade (fairness) e do devido processo legal. 33 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. 34 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. XI. 35 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 8. 36 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 59. Isso mostra uma vinculação gadameriana no autor, já que em tal tradição não faz sentido a separação entre aplicação, compreensão e interpretação de um texto, visto que uma e outras ocorrem, sempre, simultaneamente. 37 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 57-58. 38 Segundo Dworkin, as aspas se justificam na medida em que mesmo nessa fase “pré-interpretativa” há algum tipo de interpretação, uma vez que as práticas sociais não vêm dotadas de rótulos que as identifiquem como de um tipo ou de outro. 39 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 81-82. 40 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 228. 41 Para o autor existem três modelos de comunidade: o primeiro modelo supõe uma comunidade cujos membros não estejam vinculados por nada mais do que a mera necessidade. Trata-se, na verdade, de um acidente de fato da história e da geografia, de uma comunidade que nada tem de genuína, uma vez que as responsabilidades de cada um não guardam nenhum caráter de pessoalidade, estando a sua existência condicionada às necessidades que justificam a aliança. O segundo modelo, chamado de modelo de regras, pressupõe que os membros de uma comunidade política reconhecem um compromisso geral de obedecer a regras preestabelecidas, as quais foram aceitas ou Página 34

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negociadas por uma questão de obrigação. No entanto, os membros dessa comunidade consideram injusto estabelecer obrigações que transcendem o que foi explicitamente acordado nessas regras. Por fim, o terceiro modelo de comunidade parte da noção de que os seus membros não apenas têm entre si vínculos especiais e pessoais como também de que há uma responsabilidade ampla da qual decorrem as demais responsabilidades, além de reconhecerem-se reciprocamente como iguais que se tratam com mútuo respeito e consideração. Esse terceiro modelo, chamado de modelo de princípios, insiste que uma comunidade política é genuína se, e apenas se, os seus membros aceitarem que são governados por princípios comuns, e não apenas por regras criadas por um acordo político. 42 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 252-255. 43 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 273. 44 Assim como os valores da imparcialidade (fairness), da justiça e do devido processo. 45 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 229. 46 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 261. 47 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 292. 48 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio – cap. 6: De que maneira o Direito se assemelha à literatura? 2. ed. São Paulo: Martins Fontes 2005. p. 222. 49 PEDRON, Flávio. Sobre a semelhança entre interpretação jurídica e interpretação literária em Ronald Dworkin. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v. 8 n. 15. Belo Horizonte, 1.° sem. 2005. p. 15-139. 50 “Exatamente por superar o esquema sujeito-objeto é que Dworkin não transforma o seu megistrado em um juiz solipsista e tampouco em alguém preocupado apenas em elaborar discursos prévios, despreocupados com a aplicação (decisão).” 51 CHUEIRI, Vera Karam de; SAMPAIO, Joanna Maria de Araújo. Como levar o Supremo Tribunal Federal a sério: sobre a suspensão de tutela antecipada n. 91. Revista Direito GV. n.5. v. 1. São Paulo, jan.-jun. 2009. p. 45-66. 52 “A história institucional da sociedade, nesta perspectiva, não age como um limite, ou um constrangimento à atividade jurisdicional. Ao contrário, ela atua como um ingrediente desta atividade (...). Os direitos dos indivíduos são, ao mesmo tempo, frutos da história e da moralidade de uma determinada comunidade. Estes direitos dependem das práticas sociais e da justiça das suas instituições” (KOZICKI, Kátia. Conflito e estabilização: comprometendo radicalmente a aplicação do Direito com a democracia nas sociedades contemporâneas. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2000. p. 184-185). 53 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Direito e Justiça). p. 186. 54 “O direito como integridade de Dworkin não exige uma estrita observação aos precedentes. Dworkin analisa qual a força gravitacional de um precedente. Ele chega à conclusão que esta força gravitacional – de fazer com que os outros casos semelhantes Página 35

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ao precedente sejam resolvidos da mesma maneira – só existirá se o argumento do precedente for um argumento de princípio, e não quando for um argumento de política. Assim, se [o magistrado] concluir que existe a força gravitacional do precedente, ele não deverá decidir de maneira diversa” (CHUEIRI, Vera Karam de; SAMPAIO, Joanna Maria de Araújo. Como levar o Supremo Tribunal Federal a sério: sobre a suspensão de tutela antecipada n. 91. Revista Direito GV. n. 5. v. 1. São Paulo, jan.-jun. 2009. p. 58). 55 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Direito e Justiça). p. 189-190. 56 “A segunda parte de sua teoria dos erros deve demonstrar que ela é, não obstante isso, uma justificação mais forte do que qualquer alternativa que não reconheça erros, ou que reconheça um conjunto diferente de erros. Essa demonstração não pode ser uma dedução a partir de regras simples de construção teórica, mas, se Hércules tiver em mente a ligação que anteriormente estabeleceu entre precedente e [imparcialidade] tal ligação indicará duas diretrizes para sua teoria. Em primeiro lugar, a [imparcialidade] vincula-se à história institucional não apenas [como] história, mas como um programa político ao qual o governo se propõe a dar continuidade no futuro; em outras palavras, ela vincula-se a implicações futuras do precedente, e não às passadas. Se Hércules descobrir que alguma decisão anterior, seja uma lei ou uma decisão judicial, é presentemente muito criticada no ramo pertinente da profissão, tal fato, por si só, revela a vulnerabilidade daquela decisão. Em segundo lugar, Hércules deve lembrar-se de que o argumento de [imparcialidade] que exige consistência não é o único argumento de [imparcialidade] ao qual devem responder o governo em geral, e os juízes em particular. Se Hércules acreditar, deixando de lado qualquer argumento de consistência, que uma lei ou uma decisão específica é errônea por não ser eqüitativa no âmbito do conceito de [imparcialidade] da própria comunidade, essa crença será suficiente para caracterizar tal decisão e torná-la vulnerável. Ele deve, por certo, aplicar as diretrizes sem perder de vista a estrutura vertical de sua justificação geral, de modo que as decisões tomadas em um nível inferior sejam mais vulneráveis do que as que pertencem a um nível superior” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Direito e Justiça). p. 191). 57 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio – cap. 6: De que maneira o Direito se assemelha à literatura? 2. ed., 2005. p. 238. 58 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 294. 59 DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. p. IX. 60 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. v. 2, 2015. p. 484. 61 “(...) não existindo a priori alguma right answer interpretativa acerca de alguma norma (sobre este ponto as argumentações sofisticadas de Dworkin não são mais convincentes dos velhos argumentos do formalismo interpretativo), não se pode configurar a função da Cassação como determinação e descoberta de um “significado exato” da norma, que em realidade não existe” (tradução livre). TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 161. 62 Nos dizeres de Dworkin: “Palavras como ‘razoável’, ‘negligente’, ‘injusto’ e ‘significativo’ desempenham freqüentemente essa função. Quando uma regra inclui um desses termos, isso faz com que sua aplicação depende, até certo ponto, de princípios e [diretrizes] políticas que extrapolam a [própria] regra. A utilização desses termos faz com que essa regra se assemelhe mais a um princípio. Mas não chega a transformar a regra em princípio, pois até mesmo o mesmo restritivo desses termos restringe o tipo de Página 36

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princípios e [diretrizes] políticas dos quais podem depender as regras” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 45). 63 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Trad. Jefferon Luiz Camargo. São Paulo: WMF Martins Fon-tes, 2010. (Direito e Justiça). 64 DWORKIN, Ronald. O império do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 287 e ss. 65 PEDRON, Flávio. Mutação constitucional e crise do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Arraes, 2012, em especial o último capítulo. 66 BAHIA, Alexandre; NUNES, Dierle, PEDRON, Flávio. Precedentes no Novo CPC: é possível uma decisão correta? Disponível em: [justificando.com/2015/07/08/precedentes-no-novo-cpc-e-possivel-uma-decisao-correta]. Acesso em: 20 jul. 2015. 67 GÜNTHER, Klaus. Legal adjudication and democracy: some remarks on Dworkin and Habermas. European Journal of Philosophy. Essex: Blackwell Publishers. v. 3. n. 1. abr. 1995. 68 PEDRON, Flávio. Sobre a semelhança entre interpretação jurídica e interpretação literária em Ronald Dworkin. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v. 8, n. 15. Belo Horizonte, 1.° sem. 2005. p. 15-139. 69 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Dworkin: de que maneira o direito se assemelha à literatura? Revista da Faculdade de Direito da UFMG. n. 54. Belo Horizonte, jan.-jun. 2009. p. 92. 70 CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 55-56. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 127-128. 71 CARVALHO NETTO, Menelick de; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do direito: a produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 59. 72 TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 163. 73 TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 161. 74 TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 161 e 167. 75 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 15-16, 26. 76 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 30. 77 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 30. 78 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e Cortes Supremas: do controle à Página 37

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interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 31. 79 Cf. FISS, Owen M. The Forms of Justice. Harvard Law Review. v. 93. n. 1. Cambridge: HUP, nov. 1979. p. 1-59. FISS, Owen M. The civil rights injuction. Indiana Law Journal (Addison Harris Lecture). n. 399. Bloomington: Indiana University Press, 1978. NUNES, Dierle; THEODORO JÚNIOR, Humberto; BAHIA, Alexandre Melo Franco. Breves considerações da politização do Judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de Processo. ano 35. n. 189. São Paulo: Ed. RT, nov. 2010. NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo. v. 199. set. 2011. 80 MILLHISER, Ian. Injustices: The Supreme Court's History of Comforting the Comfortable and Afflicting the Afflicted. New York, Nation Books, 2015. 81 MILLHISER, Ian. Injustices: The Supreme Court's History of Comforting the Comfortable and Afflicting the Afflicted. cit. Essa confiança nas virtudes da Corte Suprema nos lembra as críticas que Ingeborg Maus faz ao Tribunal Constitucional alemão, definido por ela como “superego” de uma sociedade órfã. Cf. MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’. Novos Estudos CEBRAP. n. 58. nov. 2000. p. 185. 82 TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 11 e 167. 83 Algo já proscrito ao menos desde Kelsen. 84 TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 163. 85 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 79. 86 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e Cortes Supremas: do controle à interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 58. Seguindo Taruffo: TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p.161. 87 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 157-159. 88 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Notas programáticas para uma nova história do processo de consttitucionalização brasileiro. In. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (org.). Constitucionalismo e hitória do direito. Belo Horizonte: Pergamun, 2011. p. 30 89 “Depois do estudo 189 decisões do Supremo Tribunal Federal – STF, em busca da identificação da proposta metodológico-teórica de Robert Alexy, é possível apresentar algumas conclusões sobre essa indagação, bem como o que se constatou com a aplicação do princípio da proporcionalidade. Primeiro: Numa generalização, não foi possível encontrar uniformidade nas decisões do STF quanto à identificação dos princípios jurídicos envolvidos nos conflitos em que o princípio da proporcionalidade foi chamado a resolver. Assim, em muitas decisões, bastou a indicação de um principio jurídico, tido como violado, para que a proporcionalidade entrasse em jogo para orientar a decisão. Segundo: Relacionada à questão anterior, também não se constatou precisão sobre o conceito dos princípios jurídicos sob os quais se resolveu o problema através do Página 38

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princípio da proporcionalidade. O sintoma disso foi visto mediante a aplicação indiscriminada da proporcionalidade para resolver ‘qualquer tipo de colisão’, seja ela entre princípios, princípios como valores, valores com valores, interesses com valores, direitos fundamentais com interesses, bens e outras possibilidades. Essa questão parece ser indicativa da falta de conceituação rígida sobre a característica dos Direitos Fundamentais, como normas de princípios jurídicos – mandamentos de otimização, um dos pressupostos à aplicação da proporcionalidade dentro do marco teórico estabelecido por Robert Alexy. Terceiro: Naquilo que diz respeito à aplicação dos elementos constitutivos da máxima da proporcionalidade, observou-se com mais objetividade nas decisões o posicionamento sobre a adequação e necessidade das medidas estatais aos fins indicados pela Constituição e os Direitos Fundamentais. Mesmo assim, não se pode afirmar que existe clareza ou apresentação expressa nos julgados de todos os juízos quanto à adequação e necessidade. No que diz respeito à proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento ou ponderação), a situação parece piorar. Grande parte das decisões que se valem do sopesamento não são precedidas pela análise das submáximas supracitadas, assim como, também, existem casos em que a medida falha nos testes da adequação e necessidade, mas o juízo ainda efetua sopesamentos entre princípios e outros entes – conforme já observado no segundo pondo discutido. Quarto: Embora algumas decisões sigam a ordem subsidiária dos testes componentes da máxima da proporcionalidade, a grande parte das decisões analisadas não segue à risca essa metodologia. Quinto: Não foi possível identificar nas decisões analisadas a construção da lei da colisão, como produto do sopesamento realizado no caso concreto. Assim, propõe Alexy, não há construção de um suporte ao silogismo da decisão com a indicação das possibilidades fáticas e jurídicas levadas em consideração. O que se pode entender, numa especulação, é que a fundamentação da lei da colisão do caso concreto, como visto nas decisões do STF, dificilmente serve para apresentar o que foi efetivamente considerado. Essa constatação acaba mostrando o problema da fundamentação das decisões judiciais, servindo, por isso, as críticas ao decisionismo do sopesamento quando desvinculado da responsabilidade argumentativa da apresentação de sua legitimidade (racional). Sexto: Parece ser nítido que a referência ao princípio da proporcionalidade é feita em conformidade com algum padrão jurídico indicativo do abuso do poder do Estado, por ação ou omissão, além dos limites toleráveis no exercício das funções legislativas, administrativas ou judicativas. Nesse sentido, é compreensível a equiparação identificada nos julgados entre a proporcionalidade e a razoabilidade, sem descurar que, tecnicamente, esses ‘princípios’ possuem diferenças inconfundíveis. Sétimo: Geralmente nas decisões que aplicam penalidades, no âmbito penal ou administrativo, mas não se restringindo a esses casos, o princípio da proporcionalidade exerce uma força performática, apontado para a correção do resultado obtido. É nesse contexto que surge a expressão ‘a pena é proporcional’ ou ‘a pena atende ao princípio da proporcionalidade’. Oitavo: Duas são as principais referências significativa de que o princípio da proporcionalidade é empregado pelo STF, ambas relacionadas ao controle do abuso de poder do Estado. A primeira, relacionada ao controle de intervenção nos Direitos Fundamentais, por ação e omissão, o que se remete, mesmo que em alguns casos veladamente, à proibição de excesso (Übermassverbot) ou à proibição de proteção eficiente (Untermassverbot). A segunda, como referência à (in)correção da atuação estatal nas decisões sobre a aplicação do Direito Positivo, principalmente, no exercício do Poder Punitivo do Estado nos termos legais. No que diz respeito, portanto, à coibição ao abuso do poder, num dos dois sentidos suprarreferidos, o STF equipara o princípio da proporcionalidade ao princípio da razoabilidade. O entendimento é que essas duas noções decorrem da positivação na Constituição Federal do artigo 5.º, LIV, cuja interpretação aviria do devido processo legal substancial. Ou seja, quando a Constituição positiva o devido processo legal, estaria fazendo-o tanto na concepção formal quanto substancial, o que, nesse último caso, colocaria a exigência da proporcionalidade ou razoabilidade. Todavia, a interpretação dada pelo STF sobre essas concepções indica que a influência decorre de origens diferentes, sendo a proporcionalidade decorrente dos influxos decisórios do Tribunal Federal Constitucional alemão, enquanto a razoabilidade das decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos. Nono: Foi constatando também que o emprego do princípio da proporcionalidade vem acompanhado de adjetivações como: Página 39

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inquirição dos limites dos limites, núcleo essencial, âmbito de proteção dos Direitos Fundamentais ou aferição da legitimidade da legislação qualificada pela análise da reserva legal proporcional. Décimo: Diferentemente da proposta de Alexy, não foi possível identificar decisões do STF o apelo às decisões precedentes como uma ordem hierárquica flexível de ‘valores-princípio’, cujo novo sopesamento deveria levar em consideração, seja como algo que faça parte do quadro a sopesar ou como ônus argumentativo que deve ser batido” (destacamos). MORAIS, Fausto Santos de. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade do Supremo Tribunal Federal. Unisinos. (Tese de doutoramento) 2013. p. 217-219. 90 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 12. 91 TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo: saggi sulla cassazione civile. Bologna: Il Mulino, 1991. p. 162. 92 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 64. 93 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 64. 94 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 64. 95 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. São Paulo: RT, 2014. p. 80. 96 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes. São Paulo: RT, 2014. p. 28 a 36. 97 Que já tive oportunidade de incorrer em textos do passado. 98 Como em A ralé brasileira: como é como vive. 99 SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. São Paulo: Leya, 2015. p. 34-35. 100 Como se estivéssemos atavicamente presos a perfis e aspectos que motivaram os povos portugueses que nos invadiram. MARINONI. A ética dos precedentes. p. 81-82. Para uma crítica a tal concepção. Cf. SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. p. 41. 101 Parece que somos uma massa de cidadãos fadados ao insucesso e repletos de vícios de nascimento, sem racionalidade e sem uma infinidade de tensões sociais e de interesses, e de diversidades infindáveis, que claramente ocorrem igualmente em outros países. Como demonstra Jessé Souza: “O fundamento implícito de todo o raciocínio de Buarque no seu principal livro é a oposição de duas abstrações: o ‘homem cordial’, como tipo genérico brasileiro; e o ‘protestante ascético’, como seu contraponto norte-americano. O homem cordial é simplesmente o corolário do mito nacional (...):um indivíduo emotive que guia as escolhas por preferências afetivas e pessoais. O protestante ascetico é percebido como seu contrário espcular: um indivíduo ‘racional’ guiado por considerações impessoais e comunitárias. (...) O homem cordial não tem classe social, mesmo em um país como o Brasil sempre foi. Ou seja, desde o início essa noção esconde conflitos sociais de toda a espécie e cria um ser “genérico” que existe unicamente para ser contraposto ao ‘protestante ascético’ como símbolo da cultura norte-americana. Essa contraposição indica um caminho ao Brasil: o do afeto e da emotividade pré-moderna em direção ao mundo da racionalidade distanciada da impessoalidade protestante. A política preside aqui e determina o uso de todas as categorias pseudocientíficas. É interessante notar que isso leva a uma leitura enviesada e superficial do próprio Max Weber, que, como vimos, é de quem se retira a validade e o prestígio dessa leitura apologética. (...) Buarque está, portanto, confrontando duas abstrações com pouco ou nenhum ancoramento na realidade concreta: ‘homem cordial’ Página 40

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e ‘protestante ascético’ são maneiras simplistas e simplistas de não fazer o trabalho do sociólogo, que é reconstruir as pré-condições militares, políticas, econômicas, tecnológicas e também culturais (sem idealizações que não se aplicam à realidade) das relações desiguais e entre sociedades)” SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. p. 45-46. 102 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p.171. 103 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 264-265. 104 O direito é formalizado entre nós desde a época da escravidão. 105 Para uma análise do patrimonialismo, sob sua vertente weberiana, dos equívocos do pensamento de Faoro e do equívoco da associação à sociedade brasileira. cf. SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. p. 62; 61-67, passim. 106 SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. p. 65-66. 107 MARINONI. A ética dos precedentes. p. 82 e 83. 108 Partindo dos equívocos de Buarque de Holanda, afirma-se: “Ao tratar do ‘homem cordial’, Sérgio Buarque de Holanda serve-se dos elementos antes referidos para identificar a personalidade do brasileiro, delineando um padrão ideal que ajuda a compreender o modo como se inseriu na vida social, bem como as causas das históricas mazelas da administração pública – inclusive da administração da justiça. Acostumado ao modo de viver do círculo familiar – na tipologia weberiana patriarcalismo primário, convertido em patrimonialismo após a implantação de um quadro administrativo -, em que vigoram as relações de afeto e de mera preferência, o brasileiro, ao se deparar com o mundo exterior, não consegue vê-lo de forma impessoal e racionalizada, procurando moldar todas as relações e locais, especialmente a administração pública, com base em critérios afetivos e pessoalidade. Projeta-se, assim, como um ‘homem cordial’, ou seja, como alguém que não suporta a impessoalidade tenta reduzi-la a custa de um comportamento de mera aparência afetiva, não sincera, mas sempre busca simpatia, benefícios pessoais e facilidades”. MARINONI. A ética dos precedentes. p. 83-84. 109 “Isso tudo certamente penetrou na administração da justiça, levando, por exemplo, à formação dos famosos ‘grupos’ nos tribunais, quando passa a prevalecer a ética do tudo em favor do colega alinhado e, pior do que isso, a manipulação das decisões em favor daqueles – inclusive dos governos e das pessoas das corporações ligadas ao poder politico – que detêm relações com os que ocupam os ‘cargos’. Sem dúvida, não há motivo para supor que a administração da justice não seria contaminada pela lógica e pelos impulsos que o espaço público deve ser usufruído não só a favor do funcionário, mas também dos que merecem a sua confiança, ou melhor, a sua estima e simpatia. Também aí teve e ainda tem lugar o “homem cordial, o juiz e promotor que atuam com base nos velhos motivos que presidiam a família patriarchal, quando tudo girava em torno da pessoalidade. O advogado igualmente é investido dessa figura, tornando-se o ‘bajulador’ que deixa de ser defensor dos direitos para se tornar em lobista de interesses privados, para o que são mais efetivas as relações peculiares ao chamado ‘jeitinho’ou jeito’ do que o convencimento técnico-jurídico ou capacidade de convencimento do juiz.” MARINONI. A ética dos precedentes. p. 85-86. 110 SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira. p. 76-77. Adiante, o autor pontua: “A ‘cereja do bolo’ desse quadro pseudocrítico da sociedade brasileira é a ideia de que existem sociedades sem ‘jeitinho’, ou seja, sem influência das relações pessoais poderosas decidindo o destino de pessoas concretas, muito especialmente nessa sociedade de conto de fadas para adultos que são os Estados Unidos aos olhos de nossos Página 41

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liberais conservadores. Os Estados Unidos seriam a sociedade da accountability, da confiança interpessoal, do respeito à lei impessoal, e da igualdade como valor máximo. Tudo como se o policial norte-americano não batesse com mais força no latino e nos negros pobres, como se o governo, ‘na mutreta’ e sem assumer, não espionasse aliados e inimigos, como se o eufemismo da ‘desregulação do mercado financeiro’- o que é afinal ‘desregular’ senão abdicar de qualquer controle intencionalmente? – não fosse a senha para corrupção aberta por meio de mecanismos financeiros com um só ganhador: os bancos norte-americanos que se apropriam por meios frequentemente duvidosos do excedente econômico do planeta inteiro. O interesse aqui não é obviamente praticar anti-americanismo, sentimento do qual estou a anos luz de distância, é apenas irritação contra este tipo de admiração basbaque e infantil de tão cândida com relação a sociedades tão imperfeitas e dignas de crítica quanto qualquer outra sociedade humana existente”. Destacamos. MARINONI. A ética dos precedentes. p. 88. 111 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Notas programáticas para uma nova história do processo de consttitucionalização brasileiro. In. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (org.). Constitucionalismo e hitória do direito. Belo Horizonte: Pergamun, 2011. p. 22-23. 112 MARINONI. A ética dos precedentes. p. 93.

113 Somente como exemplo conferir todas as polêmicas ocorridas após Brown v Board of education of Topeka (USSC, 1954) e atualmente pós Obergefell v. Hodges (USSC, 2015). Disponível em: [www.theguardian.com/us-news/2016/jan/06/alabama-chief-justice-roy-moore-keep-denying-gay-marr 114 “Nestes termos, o CPC (LGL\2015\1656)-2015 em sua redação original busca levar a sério a necessidade de que os tribunais (especialmente superiores), em sua função precípua de formar decisões que sirvam de precedentes qualitativamente fundamentados, julguem melhor os primeiros casos que chegarem à sua análise para não ter de julgar tantas vezes, mal e de modo superficial, processos idênticos. Julgar melhor para julgar menos à medida que um precedente que aborde todos os fundamentos, favoráveis ou contrários (dever de consideração: art. 489, § 1.º, IV), em contraditório amplo, com participação de amici curiae, oitiva de argumentos em audiências públicas e respeito a um dever de congruência entre o que se fixou (preparou) para julgamento e o que se efetivamente julgou, poderá induzir uma efetiva redução do retrabalho e, inclusive, diminuição da litigiosidade pela existência de uma verdadeira opinião da corte sobre o caso, de modo a se assegurar uma jurisprudência coerente, íntegra e estável (art. 926). Este precedente serviria como fundamento de julgamento (art. 489, § 1.º, V e VI) em a) julgamentos liminares de improcedência (art. 332); b) tutelas antecipadas da evidência (art. 311, II); c) decisões monocráticas (art. 932, IV e V); d) resolução de conflitos de competência (art. 955, parágrafo único, I e II); e) obtenção de executividade imediata de sentenças (art. 1.012, V); f) impedimento de reexame necessário (art. 496, § 4.º, II). Não se olvidando de potenciais funções rescindentes (art. 525, §15 e 535, §§5º e 8º). Porém, não se pretende com a análise do sistema de precedentes que se busca delinear normativamente construir um mito das virtudes dos tribunais superiores e do uso destas fontes, como se, de modo mágico, se houvesse criado uma solução metodológica definitiva para parcela das litigiosidades. Esta defesa seria romântica e nada científica. O que se pretende é demonstrar as potencialidades que o uso racional do direito jurisprudencial, mediante inclusive a mudança consistente do modo como ocorrem as deliberações nos tribunais e se promove a catalogação dos julgados, pode aprimorar o sistema jurídico pátrio, inclusive, como já percebido por Blackstone (ainda quando se procurava adotar uma teoria declaratória do precedente), impedindo-se o arbítrio judicial. Eis assim um dos principais objetivos de nosso novo CPC (LGL\2015\1656): ofertar racionalidade normativa para a construção de um modelo de precedentes embasado em nossa pluralidade de litigiosidades e em conformidade com o processo democrático. E por falar delas precisamos entendê-las minimamente para continuar. Este é o objetivo da próxima sessão deste capítulo” Página 42

Os precedentes judiciais, o art. 926 do CPC e suas propostas de fundamentação: um diálogo com concepções contrastantes

THEODORO JR., NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016. 115 MARINONI. A ética dos precedentes. p. 99. 116 THEODORO JR., NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016. 117 SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Harvard University Press, 2009. p. 21-22. 118 TARUFFO, Michele. Institutional factors influencing precedents. In Interpreting precedents: a comparative study. Edited by D. Neil MacCormick and Robert S. Summers, Aldershot: Ashgate, 1997. p. 446. 119 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme a minha consciência? 4. ed., rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 106-107. 120 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme a minha consciência? 4. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 108. 121 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 104. 122 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 124-125. 123 Cf. LUPO, Ernesto. Il ruolo delle corti supreme nell’ordine politico e instituzionale: una prospettiva comparatistica. In. BARSOTI, Vittoria; VARANO, Vincenzo. Il nuovo ruolo delle corti supreme nell’ordine politico e instituzionale. Napoli: ESI, 2012. p. 92. 124 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 70. 125 DUXBURY, Neil. The Nature and Authority of Precedent. Cambrigde University Press, 2008. p. 5. 126 PEDRON, Flávio. Em busca da legitimidade do direito contemporâneo: uma análise reconstrutiva das teorias jurídicas de Ronald Dworkin, Jürgen Habermas e Klaus Günther Belo Horizonte, 2011. Ed. Clube de Autores – Flávio Quinaud Pedron. p. 47-48; 51. 127 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 141. 128 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 142. 129 “(...) Outras vezes é mais descentralizada, como no caso do pensador muito admirado que, sozinho, realiza todo um circuito de conferências a convite dos departamentos das universidades locais. A pessoa acríticas destas pessoas em relação a seu próprio sistema próprio sistema jurídico e politico pode funcionar, por si só, como uma poderosa justificativa ideológica do estado de subordinação, uma vez que fornece, em última instância, os modelos conservadores das elites locais. MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 143. 130 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 142. Página 43

Os precedentes judiciais, o art. 926 do CPC e suas propostas de fundamentação: um diálogo com concepções contrastantes

131 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 256. 132 MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 144. 133 THEODORO JR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: GEN Forense, 2016.

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