Os primórdios da Arqueologia Histórica - Leituras da História

July 31, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Historical Archaeology, Arqueología, Arqueología histórica, Arqueologia
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Os primórdios da arqueologia histórica O arqueólogo brasileiro e professor da Unicamp conversou com Leituras da História sobre esta modalidade eurocêntrica e fala sobre as origens e o campo de atuação no Brasil.

Por Sérgio Pereira Couto

Divulgação Por definição, a chamada arqueologia histórica é uma modalidade que estuda sociedades por meio de registros escritos. É, assim, disciplina bastante abrangente e considerada uma das mais eurocêntricas, ou seja, que coloca a Europa como centro da constituição da sociedade moderna. O objetivo de seus estudos é justapô-los com os outros que investigam e grupos mais antigos e até mesmo pré-históricos. Por vezes se concentra nas atividades de classes operárias, mulheres e até mesmo de crianças.

Como uma modalidade tão específica pode encontrar um campo de trabalho em nosso país? Para tanto, fomos em busca de um nome nacional que discute as aplicações da arqueologia histórica há algum tempo. Pedro Paulo Funari é, além de professor, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam/Unicamp). Participa do conselho editorial de pelo menos trinta revistas científicas nacionais e 14 estrangeiras. Dentre estas últimas destacam-se publicações como o “Public Archaeology”, o “Journal of Social Archaeology” e o “International Journal of Historical Archaeology”. É autor de mais de 330 artigos publicados em revistas de todo o mundo e escreveu ou coescreveu mais de 80 livros na área de História e Arqueologia.

O professor, que hoje é também assessor do reitor da Unicamp, apresentou alguns resultados obtidos com o Grupo de Pesquisas que coordena junto com o professor André Chevitarese. Dentre os artigos científicos já publicados estão aqueles que saíram em revistas de renome, como “World Archaeology”, “Journal of Roman Archaeology”, “Journal of Social Archaeology” e “Current Anthropology”. Vários dos estudantes que já passaram pelo crivo de Funari tornaram-se professores de universidades como a UFMG, UFPR, Unifesp e UFRJ, entre outras.

Na entrevista a seguir, Funari fala sobre as definições de arqueologia histórica e suas aplicações práticas.

LEITURAS DA HISTÓRIA – O que vem a ser arqueo logia histórica e qual a diferença desta modalidade para a arqueologia convencional?

ADRIAN PINGSTONE Arqueólogos participam de escavações no Fórum Romano em 2007 PEDRO PAULO FUNARI – A arqueologia histórica pode ser definida de duas maneiras. Para alguns especialistas, ela estuda a cultura material das sociedades modernas, resultantes da expansão do capitalismo, a partir do século XV. Desta perspectiva, a arqueologia histórica estaria centrada na globalização e na modernidade. Para outros, dentre os quais me incluo, a disciplina está centrada no estudo da cultura material das sociedades que utilizam a escrita, desde o Egito Antigo, até os dias atuais.

Portanto, esta definição não é cronológica, mas epistemológica, ao enfatizar a convivência de discursos escritos sobre a sociedade e a cultura material dessas sociedades. Em ambas definições, contudo, a arqueologia histórica é uma disciplina especializada da Arqueologia que se diferencia, em primeiro lugar, da arqueologia pré-histórica, que estuda a cultura material de sociedades que não se utilizaram da escrita.

LDH – Como e quando surgiu cronologicamente a arqueologia histórica? PPF – A arqueologia histórica, com esse nome, surgiu nos Estados Unidos, na década de 1960, voltada para o estudo da cultura material associada aos fundadores da nação, os protestantes anglo-saxões brancos, cujo acrônimo é WASP (White Anglo-Saxon Protestant). Nas duas décadas seguintes, com o crescimento dos movimentos sociais, a disciplina passou a incluir outros grupos constitutivos americanos, como os católicos, os afroamericanos, os irlandeses e as mulheres. De toda forma, a disciplina surgiu voltada para a modernidade.

O livro clássico que apresenta esta abordagem foi escrito por Charles E. Orser, “A Historical Archaeology of the Modern World” (1996). A partir da década de 1990, estudiosos de outras partes do mundo, em particular da América Latina, África, Europa e Ásia, propuseram uma definição mais ampla da disciplina, voltada para o estudo da cultura material de todas as sociedades, no passado e no presente, que conhecem a escrita, tal como apresentado no volume “Historical Archaeology, Back From the Edge”, organizado por mim, Martin Hall e Sian Jones em 1999.

LDH – Qual é a contribuição de um arqueólogo histórico para a melhor compreensão das civilizações do passado? PPF – As sociedades com escrita produziram informações de diferentes tipos: documentos escritos transmitidos pela tradição literária e uma imensa e crescente quantidade de objetos, alguns com escrita e imagens, provenientes da pesquisa arqueológica. Graças à Arqueologia, conhecemos uma grande quantidade de textos do Egito Antigo, assim como temos imagens, estátuas e edifícios inteiros escavados. Tudo isso nos fornece informações únicas sobre a vida dos faraós, mas também das pessoas comuns. Sabemos mais sobre as sociedades da antiga Mesopotâmia por vestígios arqueológicos, do que sobre períodos recentes, mas menos estudados, o que pode parecer um paradoxo, mas demonstra a importância de estudarmos a materialidade.

“Tradicionalmente, a formação dá-se numa graduação de História ou outra ciência (Ciências Sociais, Geografia, Biologia), seguida de mestrado e doutoramento focado no tema arqueológico”

LDH – Há algum exemplo da atuação da arqueologia histórica para uma melhor compreensão das eras mais modernas? PPF – Dentre os exemplos mais recentes e relevantes está o estudo arqueológico dos períodos ditatoriais. Por meio da arqueologia histórica, tem sido possível identificar pessoas que foram

assassinadas e enterradas sem identificação. Na Europa, hoje, há escavações em curso na Espanha, referentes ao período da Guerra Civil (1936-1939). Na América Latina, em particular, essa recuperação da memória tem sido muito importante em diversos países, inclusive no Brasil. Não se trata, apenas, da possibilidade de identificação de corpos de desaparecidos, mas também do estudo das prisões clandestinas e de outros temas, como atesta o livro recémlançado “Memories from Darkness, Archaeology of Repression and Resistance in Latin America” (Nova Iorque, Springer, 2009), organizado por mim, Andrés Zarankin e Melisa Salerno e que havia sido publicado, em versão anterior, no Brasil (“A Arqueologia da Repressão e da Resistência na América Latina”, São Paulo, Annablume, 2008).

LDH – Como é a formação do arqueólogo histórico? Quais os cursos para se obter esta especialização? PPF – Há diversas possibilidades. Tradicionalmente, a formação dá-se numa graduação de História ou outra ciência (Ciências Sociais, Geografia, Biologia), seguida de mestrado e doutoramento focado no tema arqueológico. Nos últimos anos, surgiram cursos de graduação em Arqueologia e isso abre novas oportunidades na formação acadêmica de alto nível. O estudo da arqueologia histórica, em particular, tem crescido muito nos últimos anos no Brasil, pois cada vez mais se valoriza o patrimônio histórico.

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Os primórdios da arqueologia histórica O arqueólogo brasileiro e professor da Unicamp conversou com Leituras da História sobre esta modalidade eurocêntrica e fala sobre as origens e o campo de atuação no Brasil.

Por Sérgio Pereira Couto

LDH – Qual o campo de atuação no Brasil de um arqueólogo histórico?

PPF – Há dois grandes campos de atuação: acadêmico e de mercado. No primeiro caso, existem cursos que congregam arqueólogos históricos no corpo docente e, neste caso, o arqueólogo histórico pode atuar e ser remunerado pela pesquisa. Este é o caso de arqueólogos históricos renomados, professores de instituições de prestígio, como Andrés Zarankin (UFMG), Gilson Rambelli (UFS) ou Fábio Vergara Cerqueira (UFPel). Também museus e outras instituições patrimoniais podem abrigar arqueólogos históricos. Em seguida, existe o crescente mercado de trabalho em empresas privadas. Devido à legislação de proteção ambiental e patrimonial, multiplicaram-se as firmas voltadas para o segmento e há, portanto, empregos para arqueólogos em diversas funções.

LDH – Fala-se muito sobre arqueologia de cunho filológico. Pode explicar melhor este termo? PPF – A arqueologia histórica, entendida como aquela que estuda os egípcios, mesopotâmicos, gregos, romanos, medievais e modernos, surgiu a partir do estudo das línguas e da escrita. Para estudar a cultura material desses povos, é necessário conhecer também as línguas e as escritas usadas por aqueles que construíram as pirâmides, os zigurates ou o Parthenon. Já por este aspecto, a arqueologia histórica liga-se ao estudo das línguas. Mais do que isso, o próprio sistema de classificação dos objetos, por meio de tipologias, inspirouse na Filologia. Assim como se classificam as línguas, as palavras e os modos de falar, também se pode classificar os artefatos.

U.S. AIR FORCE Antropólogo forense ajuda arqueólogos em escavações na Ilha Wake, no norte do Oceano Pacífico LDH – Nesse meio fala-se muito sobre o Congresso Mundial de Arqueologia. Pode explicar melhor o que vem a ser? PPF – Esse órgão congrega arqueólogos do mundo todo. Ele foi fundado em 1986, com o objetivo de permitir que estivessem representados todos os continentes e mesmo os grupos estudados pelos arqueólogos, como os indígenas. Foi uma iniciativa muito importante para mudar os rumos da disciplina. A Arqueologia surgiu como uma atividade militar ligada ao imperialismo das grandes potências ocidentais. A introdução de arqueólogos da América Latina, África e Ásia no Congresso Mundial de Arqueologia permitiu, pela primeira vez, que todos tivessem voz. O mesmo vale para a inclusão dos representantes indígenas, pois os arqueólogos ligados ao imperialismo contribuíram para a exploração dos povos colonizados, do Egito ao continente americano. Não se pode, portanto, subestimar a relevância política e epistemológica do Congresso Mundial de Arqueologia, para democratizar a disciplina.

LDH – Qual período histórico possui mais arqueólogos históricos em atividade?

PPF – Nos Estados Unidos, predominam os arqueólogos históricos voltados para o estudo do mundo moderno, a partir do século XV. Na Europa, são mais numerosos os estudiosos do mundo greco-romano. No Brasil, o período histórico mais estudado refere-se à época colonial, em parte pela valorização, por parte dos órgãos patrimoniais, dessa época, mas cresce muito o interesse por períodos mais recentes e pelas civilizações como a romana, a grega e a egípcia, também com pesquisas arqueológicas originais de brasileiros.

LDH – Qual a diferença entre um arqueólogo histórico e um historiador? PPF – O historiador, em geral, estuda documentos escritos, enquanto o arqueólogo voltase para o estudo de artefatos, edifícios, estátuas, inscrições, ossos, tudo o que é material e foi usado pelo ser humano. Essa diferença de objeto de pesquisa, contudo, não impede o diálogo, ao contrário. Todo arqueólogo histórico deve conhecer a documentação escrita e a historiografia sobre determinado tema, e isto facilita bastante o diálogo e a cooperação. Os historiadores interessam-se, cada vez mais, por aspectos da cultural material, mas falta uma maior ênfase na formação do historiador, no conhecimento de aspectos materiais da cultura. Contudo, nos últimos anos muitos departamentos de História passaram a incluir disciplinas de Arqueologia em seu currículo, com a respectiva contratação docente. O mesmo deverá ocorrer com os cursos de Arqueologia implantados no momento, o que facilitará a cooperação.

“Nos últimos anos muitos departamentos de História passaram a incluir disciplinas de Arqueologia em seu currículo, com a respectiva contratação docente”

LDH – O que é o Grupo de Pesquisa Arqueologia Histórica? PPF – O Grupo de Pesquisa Arqueologia Histórica, sediado na Unicamp e liderado por mim e pelo professor André Leonardo Chevitarese (UFRJ e Unicamp), procura coordenar as atividades de pesquisa de diversos doutores, espalhados pelo Brasil, estudiosos da cultura material em sociedades com escrita. Destacamse os estudos sobre o mundo romano, mas também sobre a modernidade e os usos do passado.

LDH – Quais as universidades nacionais que mais ajudam na formação e pesquisa das atividades ligadas à arqueologia histórica? PPF – Há pesquisas de arqueologia histórica e formação de quadros em diversas instituições, com destaque para a USP, UNICAMP, UFMG, PUCRS, UFPel, UFS, UFRJ, sendo as duas primeiras aquelas que mais formaram estudiosos da cultura material das sociedades com escrita. Nos últimos anos, houve uma diversificação e interiorização dessa formação e, hoje, há oportunidades em muitas universidades, como UFMA, UFPR, entre outras.

LDH – No que a arqueologia pré-histórica difere, em termos de metodologia, da arqueologia histórica? PPF – A arqueologia pré-histórica estuda sociedades sem escrita e, por isso mesmo, está muito atenta às discussões da Antropologia, da Etnologia e dos modelos antropológicos. Para estudar objetos sem ter informações escritas, o pré-historiador recorre aos modelos interpretativos e à analogia com povos contemporâneos, como os indígenas brasileiros. Já a arqueologia histórica não pode prescindir do conhecimento da informação das fontes escritas e da historiografia. Mas ambas têm em comum o estudo detalhado e atento da cultura material, dos objetos em sua concretude.

LDH – Qual a diferença entre a arqueologia histórica e a de conservação? PPF – A conservação é uma atividade específica, ligada ao estudo da cultura material histórica, mas específica. A conservação e a restauração de edifícios são ações para as quais o arqueólogo histórico contribui, ao colaborar com os especialistas conservadores e restauradores. De todo modo, a experiência internacional e brasileira mostra que essa cooperação é importante, para que não se percam informações relevantes ao restaurar um edifício sem um estudo arqueológico prévio.

LDH – Qual é o futuro da arqueologia histórica no Brasil? PPF – As perspectivas para a arqueologia histórica no Brasil são muito promissoras. Em poucos anos, a disciplina floresceu, formou quadros qualificados, publicou livros e artigos no Brasil e no estrangeiro. A inserção internacional dessas pesquisas também já ocorre. Tudo isso indica a vitalidade atual da disciplina e as possibilidades adiante. O mercado de trabalho tende a crescer, tanto na iniciativa privada como na área acadêmica. As oportunidades de pesquisa conjunta com instituições e pesquisadores estrangeiros, já existentes, tendem a aumentar e se diversificar.

Literatura Arqueológica

O professor Funari é autor e coautor de mais de oitenta livros nas áreas de História e Arqueologia. Muitos deles tratam de várias facetas do setor, como patrimônio histórico e o turismo

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