Os princípios basilares da bioética e as novas tendências

June 5, 2017 | Autor: Lucas Tavares Mourão | Categoria: Bioética
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Artigo para a edição de abril do jornal "Voz Acadêmica" da FDUFMG
Tema: Bioética
Aluno: Lucas Tavares Mourão – 8º período/diurno

Os princípios basilares da Bioética e as novas tendências

A Bioética, embora surgida no meio médico, não é a ele limitada. As primeiras ideias em torno deste tema já primavam por uma abordagem ética às situações da vida, como único caminho para a sobrevivência da espécie humana.
A origem deste conceito é deveras recente. Foi na década de 1970 que o oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter apresentou a ideia, preocupando-se em buscar uma saída para o progressivo desequilíbrio criado pelo homem na natureza. A intenção de Potter era desenvolver uma ética das relações vitais, dos seres humanos entre si e dos seres humanos com o ecossistema.
Com o desenvolvimento da área, novas ideias foram apresentadas ao mundo. Um dos eventos mais importantes que se pode destacar foi o Relatório Belmont, de 1978, que deu publicidade aos princípios defesos por Childress e Beauchamp, na obra Princípios para a atuação médica. Embora já em muito superados, os valores levantados pelos autores são a base que norteia a atuação médica: autonomia, beneficência, não maleficência, justiça.
A Autonomia, em linhas gerais, trata da garantia de respeito à pessoa e ao seu consentimento. Em meados do século passado, era comum haver experiências com "grupos minoritários", sem o devido consentimento ou a adequada compreensão do que se passava. Crianças, idosos, deficientes e presidiários eram vítimas de atrocidades as mais diversas, tudo em nome do avanço científico.
Com o incremento do princípio da autonomia e a valorização crescente do indivíduo, a vontade tem cada vez mais força perante o profissional da saúde. Se antes o progresso da Medicina ou a cura a qualquer custo eram os objetivos principais, agora o que se afigura é o desejo do paciente, se quer a cura sem importar as consequências, ou se aceita a situação em que se encontra.
Em decorrência desse avanço, afiguram-se hoje polêmicas e acirradas discussões que em tempos pretéritos não renderiam mais que poucas notas. Por exemplo, embora não se admita, ainda, a eutanásia, o Conselho Federal de Medicina, ao lançar o mais recente Código de Ética Médico, admitiu a prática da ortotanásia. Isto quer dizer que, em uma situação na qual, antigamente, a pessoa moribunda ficasse sob intenso e sofrido tratamento que adiasse brevemente sua morte, pode agora optar pela chamada "morte boa", ou seja, pode escolher aproveitar, com remédios que apenas minorem sua dor, os momentos que lhe faltam.
Da mesma forma, cumpre lembrar o sempre pertinente exemplo das Testemunhas de Jeová, constantemente abordados pelos estudiosos do Direito Penal. A não aceitação de transfusão de sangue nada mais é que a explícita manifestação de vontade do paciente. Embora haja julgados e entendimentos em todos os sentidos, a autonomia da pessoa é sempre o divisor de águas para a medida a ser tomada.
Embora o princípio da autonomia venha para combater o "paternalismo médico", melhor dizendo, a posição do profissional de tomar todas as decisões para o paciente, é mister evitar a ideia de autossuficiência do paciente. Afigura-se, hoje, o fenômeno do "Dr. Google". Uma pesquisa de minutos e o doente tem a certeza de que sabe o mal que lhe acomete e o tratamento mais adequado. Certamente que esta tendência configura enorme risco à saúde, pois só a pessoa com formação adequada, e após criteriosa análise de cada caso, é que pode diagnosticar e oferecer as opções mais convenientes ao acometido.
Embora seja a autonomia princípio de essencial importância, deve ser sopesada em cada caso. Há limites para a autonomia, pois, em muitas vezes, é ela óbice à medida mais adequada a ser tomada. Assim como a autossuficiência pode trazer problemas, o médico deve estar atento para que não incorra em violações das normas da prática profissional, ou mesmo das normas morais. Também não pode causar prejuízo ao bem estar dos demais. Por último, em casos de urgência o médico pode ignorar o referido princípio, se pela consecução de um bem maior.
Os avanços e os limites da autonomia são essenciais para que não haja um conflito com o Princípio da Beneficência. Este nada mais é do que a busca de ações que visem ao melhor interesse do outro. Toda a atuação médica deve ser pautada na busca do que venha a trazer maiores benefícios, tanto ao paciente, quanto ao meio social.
Juntamente com a beneficência, vem o Princípio da Não Maleficência que, baseado no princípio hipocrático de "primo non nocere" (primeiro não se deve causar dano), norteia a atuação dos médicos e pesquisadores para que não causem mal a seus pacientes e busquem sempre minimizar os prejuízos.
O último princípio apontado no Relatório Belmont, o da Justiça, é o mais genérico dentre eles, devendo ser adotado como guia para toda a atuação médica. É, contudo, o mais polêmico.
Com a chegada dos ideais da Bioética aos diferentes cantos do globo, constatou-se que a análise inicialmente desenvolvida era limitada ao mundo ocidental, em especial à Europa e aos EUA. Não se considerou que em diferentes lugares as demandas seriam completamente diversas.
A ideia de Justiça, primordialmente atrelada ao ideal de "igualdade" não era mais suficiente, pois tratamento igual não respeita a desigualdade entre os povos. Começou, portanto, a ser explorada a versão da Justiça com base na "equidade", em que a abordagem equitativa respeitava as diferenças socioeconômicas.
O expoente brasileiro em Bioética, Volnei Garrafa, levantou em seus estudos os problemas constatados no quotidiano dos países periféricos, como a inacessibilidade dos grupos economicamente vulneráveis às conquistas do desenvolvimentocientífico e tecnológico e a desigualdade de acesso das pessoas carentes aos bens de consumo básicos indispensáveis à sobrevivência humana com dignidade, decorrentes da exclusão social e da concentração de renda.
O pesquisador tupiniquim levantou a bandeira da "Bioética de intervenção", que defende uma ação social concreta e prática junto às comunidades mais carentes, diminuindo o desequilíbrio social.
Apesar dos princípios basilares que sustentam os estudos da Bioética, este campo não é exaustivo. Discute-se hoje a existência de novos princípios, tais como a Solidariedade, a Alteridade e a Dignidade, sempre voltados ao tratamento mais adequado e menos prejudicial ao paciente e à sociedade como um todo. Os debatesestão longe de terminar e os avanços serão ainda muito frequentes, contanto que se busque respeitar a condição humana acima de tudo.

FONTES:
NEVES, Nedy Cerqueira: Ética para os futuros médicos. É possível ensinar? Conselho Federal de Medicina, 2006.
SOARES, André Marcelo M.: Bioética: o início da história. Texto retirado do site www.amaivos.uol.com.br; acesso em 05/04/13.
ALDCROFT, Adrian: Measuring the four principles of Beauchamp and Childress. Texto retirado do site http://blogs.biomedcentral.com; acesso em 05/04/13.
Anotações das aulas de "Ética e Direito Médico", ministradas na Faculdade de Medicina da UFMG no primeiro semestre de 2011, pelos professores do curso de Medicina, Eliane Gontijo, Geraldo Guedes, Antônio Leite e Itamar Sardinha, e pelos professores do curso de Direito, Edgard Marx e Carla Vasconcelos.





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