Os processos de desdobramento da verdade: A potência crítica daquilo que só se revela enquanto nudez

June 4, 2017 | Autor: Rodrigo Pinto | Categoria: Theodor Adorno, Arnold Schoenberg, Vladimir Safatle
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OS PROCESSOS DE DESDOBRAMENTO DA VERDADE: A POTÊNCIA CRÍTICA DAQUILO QUE SÓ SE REVELA ENQUANTO NUDEZ Rodrigo Pinto Universidade de São Paulo Nov.2015

RESUMO Evidenciar o sentido político proferido a partir dos processos de desdobramento da verdade postos em prática pelas obras de arte ditas modernistas tornou-se uma tarefa primordial. Ao buscar desembaraçar possíveis equívocos subsistentes na história da arte quanto às noções de autonomia da arte e nudez das formas, explicitaremos a experiência estética derivada dessas noções e a sua potencialidade crítica. Uma compreensão correta do crítica modernista transforma os paradigmáticas críticos do nosso tempo. As obras musicais e os debates estéticos da Nova Música, por sua vez, doarão os elementos e o eixo central para a perseveração nos conflitos e modelos estéticos em questão.

Palavras-chave Modernismo; Experiência Estética; Autonomia; Forma Crítica; Música absoluta; Rancière; Schoenberg; Adorno. É indubitável que a polissemia que habita a noção de modernidade artística proliferou uma infinidade de formulações equivocadas que sequer tangenciam aquilo que tornou-a uma experiência estética fundamental para a constituição de uma nova sensibilidade. Retornar a estas questões, sublinhando a dinâmica afetiva impulsionada por elas, é um modo de buscar, dentro daquilo mesmo que conhecemos por arte, a potência que nos permitirá confrontar-se com o destino da arte. Trata-se de reconstituir a história da arte para confrontar-se com uma contemporaneidade artística que nos aterroriza, na qual a arte tornou-se “um espaço privilegiado de rentabilização financeira e em dinâmica social de produção de glamour para setores hiperfetichizados da cultura (como a publicidade, moda, design, entre tantos outros)” em seus “fluxos hegemônicos de circulação, com seus museus, revistas e prêmios”1. O que postula a crença na potência do empreendimento é a certeza naquilo que a própria história da arte há de sugerir como modo efetivo de lidar com o presente.

Os regimes de identificação das artes

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SAFATLE, Vladimir. Da Arte de Nosso Desejo de Política. Disponível em: . Acesso em: 01/12/2015.

2 No momento em que a arte permeia quase todos os campos da vida social, funcionando amiúde enquanto slogan para a valorização de mercadorias, devemos retornar, primeiramente, ao momento paradoxal em que arte tornou-se uma esfera autônoma da vida social, buscando livrar-se de possíveis equívocos e evidenciar a potência da arte emergida a partir de então. O paradoxo devese a afirmação da absoluta singularidade da instituição arte ao mesmo tempo em que destruía todo critério pragmático dessa singularidade ao vaporizar a barreira mimética que distinguia os objetos artísticos dos demais demais objetos da vida social, isto é, todos os objetos e formas da vida prosaica seriam compatíveis com a experiência estética. Jacques Rancière soube perceber isso muito bem, afirmando resolutamente que, naquele momento, “fundou-se, a uma só vez, a autonomia da arte e a identidade de suas formas com as formas pelas quais a vida se forma a si mesma”2 . O filósofo francês denominava esse processo como a ascensão do regime estético das artes, o qual diferia dos outros dois regimes anteriores, a saber, regime ético e o regime representativo. Peter Bürger, em seu Teoria da Vanguarda, oferece noções semelhantes quanto à essa divisão dos regimes estéticos, emprestando-os, no entanto, nomes diferentes (arte sacra, arte de corte e arte burguesa). A separação em regimes é proveniente da ideia de que existem estruturas no seio das quais as formas de artes são percepcionadas e pensadas: “A Arte é definida por objetos, modos de experiência e formas de pensamento que a constituem enquanto tal. A arte não é uma prática auto-evidente em nome da qual podemos denunciar a usurpação estética. A arte existe apenas na medida em que é enquadrada por regimes de identificação que nos permitem conferir especificidade às suas práticas e associá-las a diferentes modos de percepção e afeto e a diferentes padrões de inteligibilidade.”3

Seguindo as definições de Rancière, o regime ético seria aquele em que as obras de arte nutriam relações de dependência com questões ontológicas da imagens, envolvendo questões das imagens da divindade, do direito ou proibição de produzir tais imagens, do estatuto e significado das que são produzidas. Tais questões “impediam a arte de se individualizar enquanto tal”4. Já o regime representativo envolvia, não um procedimento artístico específico, mas um regime de visibilidade das artes, constituindo toda uma normatividade que submetia as obras à regras de correspondência entre temas, formas de representação e modos de expressão. As obras eram caracterizadas quanto ao seu modo de apreciação (boas ou ruins, adequadas ou inadequadas), a distinção do gênero em função do que é representado (edificando princípios de adaptação das formas de expressão aos gêneros além de hierarquias segundo a dignidade dos temas), a distribuição das semelhanças segundo princípios da verossimilhança. A organização hierárquica do regime representativo era análoga a ordem político-social com seus primados da representação da ação sobre os caracteres, da narração sobre a descrição, da arte da palavra/ação viva sobre a imagem 2

RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. Brasil: Editora 34, 2005, pág. 34. RANCIÈRE, Jacques. O que significa estética, pág. 03. Disponível em: < http:// cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>. Acesso em: 02/12/2015. 4 RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. Brasil: Editora 34, 2005, pág. 29. 3

3 pintada, dos temas nobres sobre os ignóbeis (tragédia para os nobres, comédia para a plebe). Tal modelo representativo era marcado por uma relação estável entre as criações artísticas e a sensibilidade do público, definindo uma adequação entre forma e matéria (impulso ativo) e o sensível (impulso passivo), desarticulando o potencial disruptivo das obras no momento em que as obras eram conformadas a categorias que pré-estabeleciam o modo de relação do espectador com a obra. O regime estético das artes, segundo Rancière, surge quando as obras de arte são identificadas por pertencerem a um regime específico do sensível, assumindo um modo de ser sensível próprio àquilo que é denominado enquanto arte. Diferentemente dos dois regimes anteriores, a arte não está mais vinculada a fins que lhe são exteriores, estando desobrigada de obedecer a regras de específicas de hierarquia de temas e gêneros ou conformar-se a regimes de verdade. Paradoxalmente, no momento em que o modo de ser sensível próprios às artes se difunde por uma nova constelação de objetos, a instituição arte se individualiza enquanto tal. “Com o colapso dessas regras de correspondência entre temas, formas de representação e modos de expressão, a arte passa a existir como uma esfera da experiência separada das demais e propiciada por espaços específicos como os museus, isto é, um espaço neutro onde as obras surgem isoladas dos seus destinos e das hierarquias às quais estavam submetidas quando adornavam os palácios dos príncipes (regime representativo) ou ilustravam os dogmas da religião (regime ético). Paradoxalmente, a forma de percepção que surge vaporiza a fronteira entre os objetos que merecem ser considerados como artísticos e outros objetos.”5

Essa contradição de fundo que torna a Arte autônoma enquanto esfera da experiência (voltada para si mesma), ao mesmo tempo que a forma da experiência erradica as fronteiras que separava os objetos artísticos dos demais constitui o paradoxo original do regime estético que impulsionou a arte tanto para a desvelação de novos modos de ser arte, emergindo todo um conjunto de novas práticas artística, quanto para a irrupção de novas abordagens às artes tradicionais através da fundação de uma nova percepção, que transformaria a maneira de relacionar-se com as obras, e da radicalização dos métodos específicos de cada arte impulsionando-as a um processo de experimentação das suas significações possíveis.

A literatura e um novo modo de ser sensível Rancière identifica primeiramente na literatura o aparecimento de obras que já não seguem os ditames do regime representativo. O realismo romanesco de um Balzac ou Victor Hugo é, antes de tudo, a subversão das hierarquias da representação: está fadado ao fim o primado do narrativo sobre o descritivo e aparece a possibilidade de uma focalização fragmentada que “impõe a presença bruta em detrimento dos encadeamentos racionais da história.”6 5

RANCIÈRE, Jacques. O que significa estética, pág. 04. Disponível em: < http:// cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>. Acesso em: 02/12/2015. 6 RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. Brasil: Editora 34, 2005, pág. 45.

4 Manoel de Barros, na introdução do Livro sobre Nada, escreveu: “O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada. Foi o que escreveu Flaubert a uma amiga em 1852. Ali se vê que o nada de Flaubert não seria o nada existencial ou metafísico. Ele queria o livro que não tem quase tema e se sustente só pelo estilo”7. Flaubert, a partir dessa afirmação, tornaria-se o paladino da “l'art pour l’art”. Através desse gesto, ele rejeitava a interpelação de qualquer sistema hierárquico, impedindo a tipificação dos efeitos da obra. De imediato, nota-se como essa radicalidade, que ao seu modo significava a revogação do regime representativo e o surgimento do regime estético, fazia a obra ganhar corpo e surtir um novo efeito no real a partir do momento em que o autor relacionava-se diretamente com seu material e consequentemente com a realidade ao seu redor. O regime estético significa a emergência de um novo mapa do visível, isto é, uma nova maneira de compreender a sociedade. Flaubert, por sua vez, fora acusado pelo governo francês por ter escrito uma “obra execrável sob o ponto de vista moral”. Durante o seu julgamento, os juízes lhe perguntaram quem teria sido o modelo da sua personagem8 . Tal pergunta revela os vínculos que a arte autônoma desenvolve com o real. Cada obra, à sua maneira, tem o potencial de surtir um efeito sobre o real. A partir de então, “uma época e uma sociedade podem ser lidas nos traços, vestimentos ou gestos de um indivíduo qualquer (Balzac), o esgoto pode ser revelador de uma civilização (Hugo), a filha do fazendeiro e a mulher do banqueiro podem ser capturadas pela mesma potência do estilo como “maneira absoluta de ver as coisas” (Flaubert)”9. Uma característica fundamental do regime estético está no fato do criador não mais impor, a partir de sua vontade, uma determinada forma à matéria da qual se originaria um efeito específico sobre a sensibilidade do espectador. Tudo se passa como se arte se tornasse uma “experiência de uma forma de suspensão ou neutralização, experiência do “livre jogo” diante da “livre aparência” que contraria as formas comuns da experiência sensível que são formas de subordinação”10.

Julgamento estético como julgamento sem conceito Tal maneira do objeto que desperta uma experiência relacionar-se com o espectador é extremamente vinculada ao modo da experiência estética descrita por Kant. A autonomia da forma da experiência estética, que funda o regime estética, aparece primeiramente na Crítica da Faculdade de Faculdade do Juízo através de ideias como a da universalidade sem conceito do juízo estético, ou seja, um modo de experiência sensível em que não há a submissão do dado intuitivo à 7

BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. São Paulo: Editora Record, 1998, pág. 7. BROWN, Frederick. Flaubert: A Biography. Boston: Harvard University Pres, 2007. 9 RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. Brasil: Editora 34, 2005, pág. 48. 10 RANCIÈRE, Jacques. O que significa estética, pág. 06. Disponível em: < http:// cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>. Acesso em: 02/12/2015. 8

5 determinação conceitual. As definições kantianas serão alvos de debate nos debates estéticos da filosofia francesa no que diz respeito ao conceito que melhor define a forma da experiência estética. Lyotard identifica essa ruptura entre a poiesis - produtora das obras - e a aisthesis - o meio sensível no qual as obras são recebidas e onde produziriam efeitos específicos - como análogo a ruptura do sublime à harmonia do Belo, presente na obra kantiana. “O belo contribuía para as Luzes, que são uma saída da infância, como dizia Kant. Mas o sublime é um súbito abrasamento (…) O que o sublime denega é, quanto a imaginação, o poder das formas e, quanto à natureza, o poder de afetar imediatamente o pensamento graças às formas”11. Em suma, “a analítica do Sublime abre brecha, para não dizer arrombamento, no exame da faculdade estética de julgar”12, característica que fundamentalmente definiria a forma de percepção dos objetos estéticos. Rancière, por sua vez, critica a tese de Lyotard, afirmando que “a ruptura da harmonia representativa está já presente na analítica do Belo”13. Ele parte da afirmação kantiana de que o Belo é apreciado para além de qualquer conceito14, o que equivale a dizer que “não existe correspondência entre a implementação das regras e ideias artísticas e a apreciação de uma forma, nem harmonia entre a produção artística e a recepção estética”, o que constitui uma forma muito particular, e mesmo paradoxal, de liberdade.

A forma da experiência estética e a emergência de um novo mundo sensível Independente da posição que se tome quanto a origem conceitual, a centralidade da ideia da universalidade sem conceito é posta em razão da possibilidade do irrompimento de uma nova forma de comunidade ou um novo senso comum. Conforme Schiller: “Se, portanto, a disposição estética da mente em um aspecto tem que ser considerada como zero, quando se atenta a efeitos individuais e determinados, ela deve ser tomada, em outro aspecto, como um estado da mais elevada realidade, na medida em que se considera nesse caso a ausência de toda limitação e a soma das forças que nela estão ativas conjuntamente.” 15

Ou seja, a autonomia da experiência estética, ao constituir um modo de experimentar um mundo sensível que já não está limitado ao necessário e ao útil, nem é estruturado pelas hierarquias do bom e do aprazível, emerge com um potencial emancipatório que determinará a sua função

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LYOTARD, Jean-François. Analitica do sublime. São Paulo: Editora Papirus, 2007, pág. 56 Ibid, pág. 54. 13 RANCIÈRE, Jacques. O que significa estética, pág. 05. Disponível em: < http:// cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>. Acesso em: 02/12/2015. 14 KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. 15 SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002, pág. 135 12

6 política: “trata-se, então, de um elo paradoxal entre a indiferença estética e o potencial político”16. A experiência estética teria o potencial de permitir o desenvolvimento e lançar os fundamentos para uma forma de comunidade sensível que transcende a comunidade determinada pela lei e pelo poder estatal. A nova ideia de revolução política lançada pela revolução da experiência estética foi o projeto do idealismo alemão cujas principais ideias estão na Educação Estética do Homem de Schiller17. “A ideia de Schiller, portanto, é que a arte, pela sua renúncia à intervenção imediata na realidade (ideia advinda de Kant), é apropriada para restaurar a totalidade humana. Schiller, que não via no seu tempo a possibilidade de construir uma sociedade que permitisse o desenvolvimento de todas as disposição particulares, pensará contudo que esse objetivo não tem preço. A instituição de uma sociedade racional depende da realização prévia da humanidade por meio da arte.”18

Diante dos fracassos dos ideais emancipatórios da Revolução Francesa, constatou-se que era necessário uma transformação no homem que tornasse possível a transformação da sociedade: “ela fracassara ao pretender erradicar por via da lei e do poder do Estado formas de desigualdade e de sujeição que eram inerentes ao fundo da experiência sensível”19. Para Schiller, “o homem está eternamente acorrentado a uma única partícula do todo (…) o homem jamais desenvolve a harmonia do seu ser e, em vez de estampar na sua natureza o selo da humanidade, transforma-se numa copia da sua ocupação, da sua ciência”20 . O modo específico da experiência estética criaria um modo específico de habitação do mundo sensível no qual os homens seriam capazes de viver numa comunidade livre. Schiller postular a ideia de que a dominação é decorrente da passividade da matéria sensível frente ao pensamento (hierarquia tradicional da forma e da matéria) e afirmar que a experiência estética seria capaz de constituir uma nova região do ser em que atividade de pensamento e receptividade sensível se tornariam uma só. “A passagem do estado passivo da sensação ao do ativo do pensamento e do querer não acontece, portanto, de outro modo que não o de um estado intermediário de liberdade estética, e, embora nesse estado em si mesma não decida nada sobre nossas ideias nem para nossas disposições morais - consequentemente deixando nosso valor intelectual e moral total e absolutamente problemático - ele é, entretanto, a condição necessária, unicamente sob a qual podemos chegar a uma ideia e a uma disposição moral. Em uma palavra: não há outro caminho para tornar o homem sensível em racional do que torná-lo primeiramente estético.”21

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RANCIÈRE, Jacques. O que significa estética, pág. 08. Disponível em: < http:// cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>. Acesso em: 02/12/2015. 17 Além dele, destacam-se Filosofia da Arte de Schelling e Lições de Estética de Hegel. 18 BURGER, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2012, pág. 68. 19 RANCIÈRE, Jacques. O que significa estética, pág. 08. Disponível em: < http:// cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>. Acesso em: 02/12/2015. 20 SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Editora Iluminuras, 2002, pág. 38. 21 Ibid, pág. 113.

7 A arte, por essa ótica, sucederia uma situação, ou seja, um momento da vida concreta e deliberadamente construído pela organização coletiva de um ambiente unitário e de um jogo de acontecimentos. A experiência estética tornaria-se uma série de métodos que visariam aprimorar o meio sensível mediante a constituição de uma nova sensibilidade que não alcança a forma da representação. Os atos estéticos prefigurariam a revolução total que resultaria na proliferação das situações livremente experimentadas.

A política do embaralhamento de arte e vida Essa perspectiva schilleriana insinua este que foi um dos principais temas da modernidade: o embaralhamento entre arte e vida. “A Arte Moderna, e é essa sua principal virtude, nega-se a considerar o produto acabado e a vida a ser vivida como sendo separadas, tal como acontece na alienação do trabalho das sociedades capitalistas. Na Arte Moderna, criar é criar a si mesmo.”22 Integrar arte e vida significava fazer dos procedimentos estéticos constituintes da práxis vital das pessoas, o que seria a realização, enfim, de um nova sensibilidade na qual os sujeitos não estariam mais sujeitados às determinações sociais e individuais reificantes. “A arte como transformação do pensamento em experiência sensível da comunidade. É esse programa inicial que funda o pensamento e a prática das vanguardas dos anos 1920: suprimir a arte enquanto atividade separada, devolvê-la ao trabalho, isto é, à vida que elabora seu próprio sentido”23 O regime estético, do qual fala Rancière, tem, portanto, suas questões ligadas à configuração de um mundo comum, da maneira de pensar as formas de distribuição do sensível a partir das quais as formas possíveis das percepções emergem, bem como os modos de produção de conhecimento e os modos de configuração de um mundo comum. Os procedimentos estéticos teriam como missão primordial funcionar como configurações da experiência que ensejam novos modos do sentir e induzem novas formas de subjetividade política. “Base comum da experiência estética e da ação política que é a distribuição do sensível, ou seja, distribuição do visível, do dizível e do pensável por meio dos quais os seres humanos se interligam numa comunidade (a distribuição do possível é também uma distribuição da capacidade que uns e outros têm de participar nessa mesma distribuição do possível); a configuração da paisagem sensível que estrutura uma comunidade, a configuração daquilo que pode ser visto e sentido e dos modos possíveis de falar e pensar sobre isso”24.

Se toda política começa com a estética, não é de modo algum em virtude de uma estetização da política ou de uma politização da estética, mas porque tudo começa com ver e falar. A experiência estética é aquilo que nos nos leva de volta para as condições da experiência, sob a dupla garra do visível e do enunciável. Remontar da experiência às suas condições não é uma questão de 22

BOURRIAUD, Nicolas. Formas de Vida. São Paulo: Martins Fontes, 2011, pág. 14. RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. Brasil: Editora 34, 2005, pág. 68. 24 RANCIÈRE, Jacques. O que significa estética, pág. 09. Disponível em: < http:// cargocollective.com/ymago/Ranciere-Txt-2>. Acesso em: 02/12/2015. 23

8 reflexão, mas sim de experimentação e de visão. Essa seria a principais função política dos objetos artísticos já que “as artes nunca emprestam às manobras de dominação ou emancipação mais do que lhes podem emprestar, ou seja, muito simplesmente, o que têm em comum com elas: posições e movimentos dos corpos, funções da palavra, repartições do visível e do invisível”25

A forma crítica como valor estético Todo um conjunto de obras que levavam ao extremo a ideia de autonomia da arte, ao radicalizar os métodos específicos de sua esfera, foi alvo de inúmeras formulações equivocadas. Essa obras se direcionavam ao mais elementar do seu medium específico, aplicando uma subtração profunda, permanecendo apenas aquilo referente à zona de produção da forma. Erroneamente, foram interpretadas, em vários momentos, como uma espécie de escapismo pelo qual a arte se afirmaria enquanto um campo autônomo em relação as formas que organizam a experiência da vida coletiva, sem a instauração de vínculos entre arte e vida. A arte tornaria-se algo como uma evasão ou purificação com relação à vida, exercendo, no limite, a função compensatória com relação as brutalidades da vida social. Segundo essa interpretação, tais obras estariam situadas no lado oposto daquelas outras do modernismo que buscavam intensificar as relações entre arte e vida, imiscuindo a experiência estética na práxis vital da sociedade. No entanto, não devemos deixar de notar como tal visão é extremamente equivocada. A adoção de uma completa autonomia dos processos construtivos é, na verdade, uma estratégia de crítica. Tratava-se, portanto, de seguir aquilo que havia afirmado Walter Benjamin: “Insensatos os que lamentam o declínio da crítica. Pois sua hora há muito tempo já passou. Crítica é uma questão de correto distanciamento. Ela está em casa em um mundo em que perspectivas e prospectos vem ao caso e ainda é possível adotar um ponto de vista. As coisas neste meio tempo caíram de maneira demasiado abrasante no corpo da sociedade humana”26. O distanciamento, do qual fala Benjamin, é um distanciamento em relação aos conteúdos miméticos, de sorte que ”a crítica a mímesis aparece, assim, como peça maior da definição da racionalidade das obras”, como bem definiu Vladimir Safatle. A negação da afinidade mimética era um modo de insistir que “os modos de organização funcional naturalizados são locais onde a ideologia afirma-se em toda sua violência, isto se compreendermos a ideologia fundamentalmente enquanto reificação de modos de disposição dos entes”27. A racionalidade estética era guiada por uma crítica social da ideologia, ou seja, crítica da naturalização da aparência na realidade social através da autonomia dos processos construtivos. A crítica a naturalização da aparência é realizada através da exposição dos processos construtivos da aparência estética, onde o essencial seria o desvelamento da processualidade interna da obra. Não mais a naturalização da aparência como totalidade funcional, mas o escancaramento 25

RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. Brasil: Editora 34, 2005, pág. 25. BENJAMIN, Walter. Rua de mão única. São Paulo: Editora Brasiliense, 2009, pág. 54. 27 SAFATLE, Vladimir. Cinismo e falência da crítica. São Paulo: Boitempo Editoral, 2008 pág. 180. 26

9 da produtividade interna da forma concernente que permanece oculta quando a produção simplesmente naturaliza sua aparência. A obra, desse modo, caminharia em direção àquilo que não se vê, propondo assim uma nova partilha do visível. A relação da forma crítica da arte autônoma, caracterizada pela operação de distanciamento, com a crítica fetichista marxista é evidente. Não devemos esquecer que “um dos processos fundamentais presentes no fetichismo da mercadoria diz respeito à impossibilidade do sujeito apreender a estrutura social de determinação do valor dos objetos devido a um regime de fascinação pela “objetividade fantasmática” daquilo que aparece. Fascinação vinculada à naturalização de significações socialmente determinadas”28. Curiosamente, devemos lembrar que Rancière apontara anteriormente uma influência literária, no ato de revelar a multivocidade daquilo entedemos por verdade, para a formulação da crítica marxista ao fetichismo: “A dimensão fantasmagórica do verdadeiro, que pertence ao regime estético das artes, teve um papel essencial na constituição do paradigma crítica das ciências humanas e sociais. A teoria marxista do fetichismo é seu testemunho mais fulgurante: é preciso extirpar a mercadoria de sua aparência trivial, transformá-la em objeto fantasmagórico, para que nela seja lida a expressão das contradições de uma sociedade.”29

Dialeticamente, agora seria a crítica marxista ao fetichismo que ofereceria um modelo de crítica às obras de arte. Em ambos os casos, percebe-se que aquilo que é substancial para uma crítica social às formas de vida adquire um valor estético em razão do seu potêncial disruptivo de confrontação com o presente. Esta articulação eleva-se contra aqueles que imputavam às obras uma operação de fuga do real. Na verdade, estas obras consistiam numa tentativa astuta de compreensão do presente. Partindo da compreensão de que através de uma análise crítica do momento histórico específico ao qual a obra pertenceria seria possível reconhecer um padrão de racionalidade da forma crítica capaz de operar uma crítica cuja eficácia estaria diretamente relacionada a capacidade da obra apropriar-se do seu presente histórico. A constituição da forma estética se tornaria, sobretudo, um modo de apropriação do tempo. A partir daquele momento, tornara-se imprescindível reconhecer que o que é da ordem daquilo que a forma estética produz não é completamente estranho ao que é da ordem da vida social, embora nessa permaneça invisível em razão do fetichismo. A obra de arte, ao exprimir aquilo que não excede à representação, permite-ver no interior da vida social aquilo que de outra forma nunca teria visibilidade, confidenciando que o campo das experiências é maior que o campo das determinações possíveis do atual. A forma crítica como valor estético teria como objetivo a criação de “processos de interpretação capazes de instaurar um regime de relações não-reificadas que garantam a transparência da totalidade dos mecanismos de produção do sentido”30.

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Ibid, pág. 181. RANCIÈRE, Jacques. Partilha do sensível. Brasil: Editora 34, 2005, pág. 48. 30 SAFATLE, Vladimir. Cinismo e falência da crítica. São Paulo: Boitempo Editoral, 2008 pág. 182. 29

10 “Os antagonismos não resolvidos da realidade retornam às obras de arte como os problemas imanentes da sua forma. É isto, e não a trama dos momentos objectivos, que define a relação da arte à sociedade. As relações de tensão nas obras de arte cristalizam-se unicamente nestas e através da sua emancipação a respeito da fachada factícia do exterior atingem a essência real.”31

A forma crítica pode ser identificada no ponto de Kandinsky, na linha de Pound, no plano de Le Corbusier, nas cores de Rothko, a página de Mallarmé, no volume de Malevich. Cada arte específica exploraria a si mesma de uma determinada maneira: por exemplo, a modernidade poética ou literária seria a exploração dos poderes desviadas de uma linguagem desviado do seu uso comunical, a modernidade pictural seria o retorno da pintura ao que lhe é próprio: o pigmento colorido e a superfície bidimensional. O teatro brechtiano - no qual o ator encara o seu papel com distanciamento, como se estivesse narrando de fora, na terceira pessoa - é portador de um didatismo32 que facilita a compreensão acerca do significado da forma crítica. O próprio Bertolt Brecht, na introdução a uma de suas peças, evidencia o sentido a ser apreendido em seu teatro: “Logo mais contaremos A história de uma viagem empreendida Por um explorador e dois explorados Vocês olhem bem para o comportamento deles: Notem que, apesar de familiar, ele é estranho Inexplicável, apesar de comum Incompreensível, embora sendo regra. Mesmo as ações mínimas, simples em aparência
 Observem-nas com desconfiança! Questionem a necessidade Sobretudo do que é habitual! Pedimos que por favor não achem Natural o que muito se repete!
 Porque em tempos como este, de sangrenta desorientação De arbítrio planejado, de desordem induzida De humanidade desumanizada, nada seja dito natural
 Para que nada seja dito imutável” 33

No momento mesmo em que Brecht reordena de outra maneira aquilo que vem da empiria, justamente por ordenar de outra maneira, ele é mais fiel a essência da empiria. A explicitação do artifício artístico do teatro brechtiano insinua como as experiências da vida social também estão repletas de situações em que a aparência obscurece as reais motivações dos comportamento. Roberto Schawz, analisando o teatro brechtiano em sua luta contra o obscurantismo, afirmou:

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ADORNO, Theodor W. Teoria Estética. São Paulo: Edições 70, 2011, pág. 16. 32 Vale lembrar que o didatismo de Brecht foi criticado por Adorno que apontou-o como intolerante, uma vez que traz ambigüidade, pois se por um lado propõe a reflexão, por outro, nas palavras de Adorno, é autoritário. Especialmente por causa de Brecht, a autoconsciência da obra de arte enquanto consciência de um aspecto da práxis política coube à obra de arte enquanto a sua cegueira oposta. Schiller, anteriormente, já comentara a esse respeito: “Não menos contraditório é o conceito de uma bela-arte que ensina (didática) ou que melhora (moral), pois nada se opõe mais ao conceito de beleza do que dar à mente uma determinada tendência.” 33 BRECHT, Bertolt. A Excessão e a Regra. In; Teatro Completo Vol. 04 - Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1994.

11 “Como as próprias palavras sugerem, a dominação que deve a solidez ao costume, à repetição constante e às aparências de naturalidade é do tipo pré-moderno. (…) É como se algo da naturalidade e do prestígio feudais se houvesse transmitido ao capital, e algo do fatalismo conformado dos servos subsistisse na classe operário, fazendo que o combate ao imobilismo dos poderes de ontem permanecesse na ordem do dia.”34

A primitividade da música absoluta na autonomização dos seus meios Pensar a aprofundização da arte em seus próprios processos constitutivos é especialmente paradigmático no caso da música. Já no Romantismo, anteriormente às experiências de vanguarda na qual se abundaram as formas críticas, a música absoluta, isto é, a música puramente instrumental, desvinculada de referências a textos, programas, funções e, principalmente, afastada de toda afinidade mimética com a fala e a linguagem, ocupava um lugar central nos debates estéticos. “Em razão de sua natureza ‘absoluta’, da distância que a separa da imitação, de sua

absorção quase completa na própria qualidade física de seu meio, bem como em razão de seus recursos de sugestão, a música passou a substituir a poesia como a arte-modelo (...) Norteando-se, quer conscientemente quer inconscientemente, por uma noção de pureza derivada do exemplo da música, as artes de vanguarda nos últimos cinquenta anos alcançaram uma pureza e uma delimitação radical de seus campos de atividade sem exemplo anterior na história da cultura”35.

A não aderência dos elementos musicais às aparências empíricas do mundo promulgava a compreensão da música enquanto dispositivo de formalização que não se reduz à lógica de determinações de significado própria à linguagem prosaica. Seguindo aquilo que afirmou Vladimir Safatle, “a música produz questões cuja articulação correta se dá fora do campo estritamente musical, ou seja, no campo propriamente filosófico”, alcançamos a reflexão romântica a partir da qual a ideia da música assumiu o privilégio de ser a exposição estética da metafísica do sublime, ou seja, “uma ideia da razão que não é adequada à particularidade de nenhuma apresentação sensível, mas que pode ser reavivada pelo espírito devido exatamente a esta inadequação”36. A música tornaria-se o objeto de reflexão de inúmeros pensadores - Schopenhauer, Hender, os irmãos Schlegel, Tieck, Schelling, E.T.A. Hoffman, Nietzsche - justamente em função dos seus protocolos de organização da forma nutrirem vínculos diretos com os processos de racionalização, já que o modelo de construção das formas musicais levam em conta problemas estruturais sobre estratégias de críticas a padrões de racionalização.

Schoenberg e a virulência da crítica ao tonalismo

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SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras. São Paulo: Editora Schwarz, 1999, pág. 116.

35

FERREIRA, GLÓRIA (org). Clement Greenberg e o Debate Crítico. São Paulo: Editora Zahar, 19997, pág. 45.

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SAFATLE, Vladimir. Nietzsche e a ironia em música em: Cadernos Nietzsche Nº21. São Paulo: Grupo de Estudos Nietzsche, 2006, pág. 08.

12 Foi naquilo que convenhou-se chamar de Nova Música que a questão de encontrar e estabelecer leis para novas concepções formais, desvinculadas de qualquer conteúdo mimético, e que desvelassem seus processos constitutivos tornou-se o problema central. À sua maneira, Arnold Schoenberg foi quem levou às últimas consequências a noção de que não existem leis externas às obras: tudo é permitido, desde que não seja recusado pelas exigências internas da obra. Através da tentativa incansável de constituir suas obras com o máximo de rigor, o que significava paradoxalmente o máximo de liberdade, a obra de Schoenberg constituiu um esforço inexorável de extrair uma verdade, no sentido forte do termo, das formas musicais. De antemão, deve-se apontar a vivacidade do ambiente cultural vienense do período pois essa característica é indissociável das experiências de Schoenberg. A crítica que o grupo cultural que se formara ao redor de Adolf Loos e Karl Kraus direcionava ao establishment cultura vienense, afirmando que “para eles, a falta de conteúdo mascarava-se com a imitação estilística superficial e com a ornamentação inútil”37, nutria relações diretas com a forma música almejada pelo compositor. Ademais, o aspecto funcional, avesso a ornamentações e adornos inúteis, da arquitetura de Loos e a transformação estrutural do significado usual da gramática da poesia de Kraus seriam fundamentais para as suas formulações. Será contra o tonalismo e o ideal de beleza que o acompanha, advindo de uma teoria fisicalista dos sons, que Schoenberg irá voltar-se criticamente. A ordem tonal, conservada até então, “não é exigida pelo objeto e sim pelo sujeito (…) e o que temos por leis são talvez apenas leis que nos permitam compreender, mas não leis que fundamentem a obra de arte.”38 O sistema tonal agiria coercitivamente ao postular, enquanto um cânone de beleza, o seu modelo de organização do material “como se o idioma tonal dos últimos trezentos e cinquenta anos fosse “natureza”39 . Posto isso, era necessário que a coerência do discurso musical se deslocasse de uma sistematização a priori, postulada pelo sistema tonal, para uma lógica intrínseca dos elementos de uma obra, visto que “uma teoria verdadeira somente deveria partir do sujeito (…) o realmente importante é basearse em pressupostos que, sem pretenderem ser leis naturais, satisfaçam nossa necessidade formal de sentido e de coerência.”40 Embora muitos fundem a atonalidade como fruto de um desenvolvimento natural da história da música, algo de uma radicalidade parece não subsistir sem a figura de Schoenberg: "Claramente, por volta de 1900, muitos compositores sentiram que a tonalidade, como era entendida, estava em um ponto de exaustão e mudanças substanciais na linguagem musical estavam preparadas. Por outro lado isso não significa que, sem Arnold Schoenberg, nós teríamos visto o surgimento da música que definiríamos como atonal. Ou antes, provavelmente teríamos visto (e de fato, vimos) novas escalas ou modos, novas definições ou

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VIDAL, Itamar. A atonalidade de Schoenberg, pág. 2. Disponível em: < http://hugoribeiro.com.br/ biblioteca-digital/Vidal-atonalidade_schoenberg.pdf>. Acessado em: 09/12/2015. 38 SCHOENBERG, Arnold. Tratado de armonía. Madrid: Real musical, 1974, pág. 29. 39 ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, pág. 19 40

SCHOENBERG, Arnold. Tratado de armonía. Madrid: Real musical, 1974, pág. 56.

13 métodos de tratamento de dissonância, novos procedimentos para condução de vozes, novas espécies de progressões harmônicas, etc. Entretanto, se marcantemente a música pré I Guerra Mundial de Stravinsky, Bartók, Debussy, Scriabin, e outros divergem da tonalidade, como era entendida antes da virada do século, suas músicas retêm muitos aspectos significativos da organização tonal. É razoável perguntar-se se sem Schoenberg nós teríamos visto alguma coisa como o Klavierstücke, op. 11.”41

A emancipação da dissonância constitui o elemento fundamental que marca a substituição do nexo harmônico tonal pelo motívico da atonalidade. Para Schoenberg, as dissonâncias seriam apenas consonâncias mais distantes, distinguindo-se em grau, mas não em qualidade. Na tradição tonal, as dissonâncias eram entendidas como sons dependentes das consonâncias ou como meros sons de adorno. Seguindo a aversão de Loos pelas ornamentações e adornos inúteis, Schoenberg não poderia aceitar um sistema que pressupusesse que algumas sonoridades rotineiramente presentes no discurso musical fossem consideradas supérfluas à harmonia, visto que "não há, pois, sons estranhos à harmonia e sim, simplesmente, sons estranhos a um sistema harmônico”, logo "(...) os sons estranhos à harmonia ou não existem ou, se existem, não são estranhos à harmonia.”42. A emancipação da dissonância era a possibilidade de construir ideias musicais capazes de desvelar uma expressão recalcada pela gramática do sistema tonal. Sistema este já extenuado cuja gramática de expressões já havia se naturalizado pelo “uso reiterado de cadências e elementos que desempenham sempre a função de um “sistema de representações””43. A expressão nada mais seria que uma “expressão estilizada, mediada, ou seja, como aparência de paixões”44. A recusa ao sistema tonal significava uma busca por um “alogicismo próprio a nossas sensações, alogicismo inerente às assossiações de ideias”, como comentou Schoenberg a respeito de Erwartung. Desejando uma música que “age imediatamente sobre o sistema nervoso, que é a carne”45, Schoenberg buscava uma gramática musical na qual a estruturação do diverso não fosse reprimida pela forma de um sistema e cujos desvelamentos não estivessem subsumidos por determinações a priori. Apenas desse modo, seria ainda possível torna a audição numa experiência disruptiva para um ouvinfrisarte no qual o sistema tonal, naquele tempo, já havia se naturalizado e, consequentemente, eufemizado. É importante, no entanto, frisar algo a respeito da terminologia segundo a qual a atonalidade seria a principal característica da Segunda Escola de Viena, fundada por Schoenberg. Conforme lembrou o compositor brasileiro Flo Menezes, seria incorreto denominar a produção de Schoenberg como estritamente atonal, “pois o que está em questão não é propriamente a ausência de tonalidade 41

HAIMO, E. Schoenberg and the origins of atonality. In: BOTSTEIN, L. et al. Constructive dissonance: Arnold Schoenberg and the transformations of twenieth-century culture. Ed. BRAND, J., HAILEY, C. Los Angeles: University of California Press, 1997. pág..71. 42 SCHOENBERG, Arnold. Tratado de armonía. Madrid: Real musical, 1974, pág. 29. 43 SAFATLE, Vladimir. Cinismo e falência da crítica. São Paulo: Boitempo Editoral, 2008 pág. 186. 44 ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, pág.50. 45 Deleuze, Gilles. Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2007 pág. 54.

14 tout court, mas de uma única direcionalidade tonal. De modo que, a rigor, seria mais correto denominar esse tipo de crianção de “pantonalidade”, já que não há privilégio de apenas uma direcionalidade tonal (…) pois, em princípio, qualquer direcionalidade tonal é cabível no contexto conhecido como atonal.”46

O Dodecafonismo: o ápice do combate à aparência e do desvelamento da estrutura A passagem da fase expressionista à fase dodecafônica significava a radicalização do método schoenbergiano através da transformação da negação da aparência em sistema. O dodecafonismo baseava-se na total racionalização das incidências do material musical através da serialização. O primado da série funcionava como um padrão transcendental de justificação para o qual cada evento era reportado automaticamente. A obra nada mais seria do que o espaço de constituição de princípios de organização e construção instaurados por ela mesma. A forma crítica aparecia em toda sua extensão no dodecafonismo pela recusa profunda de uma organização funcional que naturaliza a aparência de organicidade sintética da obra. A forma crítica do dodecafonismo se basearia na não naturalização de totalidades funcionais e na exposição de seu processo de construção através da posição do plano e do esquema. A potência da série estaria em funcionar somente como o estopim para que uma multiplicidade se difundisse e permeasse a música, sem a constituição de uma identidade lhe fosse própria da qual decorreria uma estrutura que indexaria previamente as particularidades da música. A série como uma ideia unificadora que, além de rejeitar o tema ou o motivo como princípios construtivos, produz tanto relações harmônicas quanto o desenvolvimento melódico, quebra a polaridade ao ordenar os doze sons em série e evitar intervalos estruturadores de polaridade, sugerindo a utilização das doze notas da escala cromática de uma maneira ordenada e não hierárquica. Pierre Boulez, posteriormente, levaria ao extremo o pensamento serial dodecafônico, fazendo emergir o serialismo integral. A necessidade de instituir a integralidade do processo advinha da noção de que “a exploração do domínio serial foi feito de maneira unilateral; falta o plano rítmico, e mesmo o plano sonoro propriamente dito, as intensidades e os ataques”47. Havia faltado a Schoenberg submeter todos os parâmetros sonoros (intensidade, duração, altura e timbre) ao pensamento serial. Em composições como Structure Ia, verifica-se a totalização do procedimento serial, ou seja, aquilo que teria faltado a linguagem ainda reificada do dodecafonismo em função da conservação da aderência natural aos materiais.

Adorno e a forma crítica em um mundo em ruínas

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MENEZES, Flo. A apoteose de Schoenberg. São Paulo: Editora Ateliê, 2002, pág. 15 BOULEZ, Pierre. Apontamentos de aprendiz. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995, pág. 244.

15 Adorno foi um filósofo que manteve uma relação estreita com a música e especialmente com a obra de Schoenberg. Ele tinha a astúcia de perceber que os problemas concernentes às formas musicais ultrapassam os limites puramente estéticos e articulam-se em territórios nos quais seus processos construtivos podem revelar aquilo que insiste em fugir à representação, entendendo que vivemos em “um mundo em que até os problemas do contraponto são testemunhos de conflitos irreconciliáveis”48. A sua relação íntima com a obra de Schoenberg - ao ponto de ser acusado de “gostar de uns e não gostar de outros”49 - era em razão de ver nela “a única a responder às possibilidades atuais do material musical e a única que sem nenhuma concessão enfrenta as dificuldades desse material.”50 A sua leitura do conjunto da obra de Schoenberg é paradigmática para a crítica a forma crítica. O motivo que leva Adorno a preferir os períodos não estritamente dodecafônicos, em especial o último Schoenberg51, e rejeitar terminantemente o serialismo integral de Boulez oferece uma leitura muito apurada da potencialidade da forma crítica a partir da constatação de que é justamente o resquício da expressão que subsiste na música “que parece nos levar à dimensão de uma potência originária que só pode aparecer como ruptura e choque”52 , em contraste com a coerência da lógica serial que “petrifica o fenômeno musical cada vez mais e o converte de entidade densa de significado em algo que simplesmente existe e é impenetrável para si mesmo”53. Tudo se passa como se a ausência de pensamento e sentimento da música fosse intensificada até o ponto de esvaziar a própria música em virtude do desmoronamento objetivo da ideia de expressão. Por esse motivo, a incrustação de algo da totalidade funcional prometida pelo sistema tonal dotava a obra de Schoenberg de uma potência, constatando que “o sujeito deve executar aquilo que padece”54 visto que “a arte só consegue opor-se ao se identificar com aquilo contra o qual ela insurge.”55 Em outras palavras: a maneira que a música de Schoenberg continuava a vincular-se à tradição permitia que existisse em sua música uma divergência entre a estrutura, que ele já havia liberado, e a sua realidade manifesta que ainda conservava algo em ruínas, murmurando, no limite,

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ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, pág. 11. WITKIN, Robert. Adorno on Music. London: Routledge, 1998 , pág. 83. 50 ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, pág. 11. 51 “Precisamente em relação à especificidade daquilo que o último Schoenberg é capaz de realizar, há algo a ser ganho para o conhecimento filosófico.” em Über das gegenwärtige Verhältnis von Philosophie und Musik, In: Gesammelte Schriften XVIII, Digitale Bibliothek Band 97, pág. 150. 49

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SAFATLE, Vladimir. Adorno e a crítica da cultura como estratégia da crítica da razão em: Artefilosofia, Ouro Preto, n.7, 2009, pág. 28. 53 ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, pág. 25. 54 ADORNO, Theodor W. Prismas: crítica cultural e da sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2008, pág. 218. 55 ADORNO, Theodor W. Teoria Estética. São Paulo: Edições 70, 2011, pág. 201.

16 a sua própria ultrapassagem. Vladimir Safatle, ao analisar a leitura adorniana da obra de Schoenberg, concluiu precisamente que “(…) o traços deste idioma musical da tradução, ou o idioma reduzido a trapos, pode enfim realizar o que ele não conseguia realizar quando aparecia como sistema, a saber, fornecer as indicações para uma operação de síntese, mas que, nem por isto, se impõe violentamente ao sintetizado, se impõe como totalidade. Como se esta redução a traços, em seu ponto de desagregação, pode expor um processo que se manifesta desestruturando todo forma limitada”56.

Trata-se, portanto, da tradição exprimindo negativamente a ideia de harmonia. A guisa da obra de Schoenberg não se realizar por completo, o seu jeito de ciciar, quase que mudamente, aquilo mesmo que desconhece a própria imagem, é justamente o que constitui a pujância de sua forma crítica. Esta é justamente a especificidade maior no recurso adorniano à mimesis no interior da Teoria Estética, afinal “a mimesi não está diretamente ligada ao imperativo de reconciliação com a imagem positiva da natureza, mas com o que há de mais morto e arruinado na realidade social”57. Por este motivo, Adorno é levado a afirmar que “o que opõe ao declínio do Ocidente não é a cultura ressurrecta, mas a utopia contida, em um questionamento sem palavras, na imagem da que sucumbe.”58

Em que a forma crítica tornou-se obsoleta Hal Foster denominaria de “esgotamento da forma crítica como valor estético”59 o movimento pelo qual as obras de arte modernistas abandonaram o programa de subtração da fascinação fetichista em razão da perda de sua eficácia. Adorno, em seu Filosofia da Nova Música, bastante influenciado pela crítica à racionalidade instrumental de sua obra anterior60, Dialética do Esclarecimento, faria uma crítica à obra de Schoenberg, indicando que o formalismo serial estava prestes a tornar-se em “hipóstase de totalidades funcionais que não são mais capazes de levar em conta a resistência dos materiais às operações de sentido”61, ou seja, sua hipóstase como pura forma de reflexão estava ao ponto de tornar-se fetichista. Daí se seguem afirmações que indicam um retorno à mímesis - logo, a não utilização da obra enquanto um sistema estrutural fechado de produção de significações - como “A arte é obrigada (a confrontar-se com o fetiche) devido à realidade social. Ao mesmo tempo em que ela se opõe à sociedade, ela não é no entanto capaz de 56

SAFATLE, Vladimir. Adorno e a crítica da cultura como estratégia da crítica da razão em: Artefilosofia, Ouro Preto, n.7, 2009, pág. 29. 57 SAFATLE, Vladimir. Paixão pelo negativo. 58 ADORNO, Theodor W. Prismas: crítica cultural e da sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2008, pág. 218. 59 FOSTER, Hal. O retorno do real. São Paulo: Cosac Naify, 2014. 60 “O livro (Filosofia da Nova Música) está concebido como uma digressão à Dialetik der Aufklaerung. Tudo o que nele atesta uma perseverança, uma fé na força dispositiva da negação resoluta, deve-se à solidariedade intelectual e humana de Horkheimer.” em: ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, pág. 11. 61 SAFATLE, Vladimir. Cinisco e falência da crítica. São Paulo: Boitempo Editoral, 2008 pag. 192.

17 adotar um ponto de vista que seja exterior à sociedade”62 ou, dialogando com a tentativa de Schoenberg de erradicar os traços da representação, “mas estes traços são ao mesmo caracteres do idioma no qual cada pensamento musical seu é pensado”63 . Seria questão de abandonar o método do desdobramento da verdade na objetividade estética pois “aquele que conserva arbitrariamente o que já está superado compromete o que quer conservar e se choca de má fé contra o novo”64 . A Nova Música caiu num isolamento social ao ponto de tornar-se como uma esfera autárquica da sociedade. No momento em que a música perdeu a sua ancoragem no social, inexistindo um público ouvinte, ela alçou-se a uma esfera à parte da sociedade, coadunando com uma sociedade organizada em camadas. É certo que, em sua origem, a Nova Música surgiu como revolta à degradante comercialização do idioma tradicional; porém, posteriormente, foi justamente a onipresença do rádio e dos fonógrafos automáticos que delegou à experiência da música uma inutilidade. O ataque a reverência apassivadora na atitude estética tornava-se infundado; a forma crítica, em suma, tornava-se um mero exercício de estilo. “A música compartilha o destino das seitas políticas que, por sua desproporção com os poderes constituídos, se veem impulsionadas em direção à falta de verdade, pondo-se a serviço do estabelecido, mesmo quando bem pudessem conter as configurações teóricas mais progressistas. O ser em si das obras, mesmo depois de haver-se desdobrado destas até alcançar uma autonomia real, não é, apesar de negar-se a servir de passatempo, indiferente à recepção do público. O isolamento social, que a arte por si mesma não pode superar, converte num perigo mortal para sua própria realização.”65

Não obstante, devemos relembrar como a forma crítica nutria relações direta com a crítica fetichista à ideologia realizada por Marx. Naquele momento, a afirmação de Marx segundo a qual o capital, que é uma relação de classe, é o segredo e a chave da sociedade burguesa possuía um potencial disruptivo e soava como um escândalo. Todavia, a sociedade, ao assumir uma forma cínica instalou-se em vias de esclarecer e transformar os próprios fundamentos. A forma mercadoria naturalizou-se e não há nenhuma indecência no fato de que “eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais suprimem toda a dúvida quanto à necessidade social de seus produtos.”66 A auto-ironia tornou-se política de Estado. O diagnóstico de que o determinismo econômico tornou-se a ideologia explícita das classes dominantes, que justifica a sua hegemonia e a própria desigualdade através dele, é compartilhada por vários autores, como Gilles Deleuze, “que nem sequer passam por uma ideologia enganadora e subjetiva e que nos fazem gritar até o fim: Viva o capital na sua realidade, na sua dissimulação 62

ADORNO, Theodor W. Teoria Estética. São Paulo: Edições 70, 2011, pág. 205. 63 ADORNO, Theodor W. Prismas: crítica cultural e da sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2008, pág. 160. 64 ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007, pág. 16. 65 Ibid, pág. 23. 66 ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1985, pág. 114.

18 objetiva!”67, e o próprio Adorno, “A ideologia em sentido estrito se dá lá onde o que rege são relações de poder não transparentes em si mesmas, mediadas e, neste sentido, inclusive atenuadas. Mas a sociedade atual, erroneamente acusada de excessiva complexidade, transformou-se em algo demasiadamente transparente”68 . Devemos apontar, portanto, que a perda da efetividade da forma crítica realizou-se em vistas da abundância da mercadoria ter se tornado a ideologia e a justificação suficiente da sociedade capitalista. Não há mais ideologia ou segredo de classe: a precedência do motivo econômico já não busca se ocultar. Desse modo, conforme aquilo que Roberto Schwarz indagou-se, “a desmistificação, ligada ao lugar oculto da economia no rol das coisas, não se tornou um gesto vazio?”69.

Qual sentido de atualizar o que não tem mais atualidade? Por fim, em um tempo onde qualquer noticiário de TV não hesita filmar todo o estúdio, outras câmeras, os apresentadores, o logotipo gigante, ou seja, “todo o aparato industrial-mercantil por trás das mentiras e das informações ineptas que ouviremos em seguida”70 , qual a atualidade em potência no ato de retroceder e reconstruir a história do modernismo, focando no modelo crítica que obedece à lei integral da estrutura e ao acordo íntimo para criar a forma? A força do gesto está em reconhecer que o esgotamento daquela racionalidade estética ese deu em consonância a emergência de uma nova compreensão do presente. O imperativo de apropriação do tempo, como definidor do valor estético da crítica, tornara obsoleto a estratégia de crítica a mimesis. Ao efetuar o retorno à dimensão mimética, Schoenberg não fizera nada mais que cumprir as exigências do seu tempo. Nas década seguintes, perceberíamos como a relação intrincada entre valor estético e crítica social continuaria a produzir os momentos mais pujantes da contemporaneidade artística. Junto a crítica à ideia do Eu e suas ilusões de autonomia e auto-identidade, observada em autores como Lacan (sujeito descentrado), Adorno (sujeito não-idêntico) e Deleuze (sujeito esquizo), irromperam obras que apostavam nos momentos do desaparecimento e da auto-dissolução da pessoa (Artaud, Beckett, Kafka, David Cronenberg). Em paralelo à crítica da racionalidade cínica, operada por Sloterdijk, Zizek e Safatle, a invenção de uma gramática em ruínas sob a forma-paródica (Stravinsky, John Adams e John Adams). Neste sentido, praticar um certo anacronismo e resgatar algo da potência advinda da radicalidade das obras modernistas que extenderam até os últimos limites a ideia de autonomia da 67

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O anti-édipo. São Paulo: Editora 34, 2010, pág. 495. ADORNO, Theodor; Beitrag zu Ideologienlehre in Gesammelte Schriften VIII, Digitale Bibliothek Band 97, pág. 467. 69 SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras. São Paulo: Editora Schwarz, 1999, pág. 136. 70 Ibid, pág. 145. 68

19 arte, tanto relativamente a experiência estética quanto ao objeto, significa trazer para o debate algo minimamente capaz de confrontar-se e contrapor-se, no sentido musical do termo, com uma contemporaneidade que, por um lado, “louva a simplicidade formal, a estereotipia dos afetos, a segurança do já visto”71 , outorgando a literalização de nosso horizontes; e, por outro, funciona a partir de um esquema de “repetição de conteúdos hiper-fetichizados a esquema geral da produção artística”72, derrocando a arte para uma relação de “cumplicidade desafiadora” com os domínios hiper-fetichizados da cultura. Conservar uma crença na arte mesmo quando os artistas estão fortemente a serviço das soberanias estabelecidas é a tarefa primeira de todos aqueles engajadas radicalmente numa certa ideia de liberdade. Crença esta, derivada da peculiaridade da experiência estética pela qual uma obra é, apesar das forças contrárias, capaz de criar cadeias descodificadas e desterritorializadas, fundando percepções e novas significações possíveis, almejando provocar um curto-circuito com as estratégias de internalização e neutralização da crítica de uma sociedade que opera a partir de uma distância reflexiva em relação àquilo que ela mesma enuncia.

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SAFATLE, Vladimir. O fim da música. Disponível em . Acessado em: 15/12/2015. 72 SAFATLE, Vladimir. Cinisco e falência da crítica. São Paulo: Boitempo Editoral, 2008 pag. 179.

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