Os quotidianos e as vivências dos combatentes portugueses na Grande Guerra (S. Domingos de Rana, Conferência, Outubro 2015)

June 28, 2017 | Autor: Margarida Portela | Categoria: Grande Guerra, Quotidiano, Frente Ocidental, Frente Africana, Saúde Militar
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Os quotidianos e as vivências dos combatentes portugueses na Grande Guerra (1914 – 1918)

Boa tarde a todos Antes de mais gostaria de agradecer à Câmara Municipal de Cascais e à Biblioteca Municipal pelo convite. Muito obrigada. Quero igualmente agradecer a audiência que se encontra presente. Espero que apreciem esta minha conferência

dedicada

aos

quotidianos

e

vivências

dos

combatentes

portugueses na Grande Guerra. PREÂMBULO Comecemos no início de tudo. Na manhã de 28 de Junho de 1914, pelas 11 horas, o Arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do Império AustroHúngaro, e a sua esposa, a duquesa Sofia, ambos em visita oficial a Sarajevo, foram baleados mortalmente por Gavrilo Princip, estudante sérvio da Bósnia e autodeclarado anarquista radical. Este acto depressa mergulharia a Europa numa guerra sem precedentes, sendo que ainda hoje se discutem os motivos e as consequências desta grande conflagração. Passados 100 anos, Portugal, tal como o resto do mundo, observa agora a Grande Guerra, as suas problemáticas, memórias e ecos. No decorrer de 2014 deram-se início às evocações mundiais do Centenário da Grande Guerra, e Portugal não ficou alheio a este ciclo historiográfico, iniciando igualmente as evocações de um conflito continua a ser consideravelmente desconhecido. *** A Grande Guerra foi, sem sombra de dúvida, um conflito sem precedentes, apesar da notória escalada de violência observável na segunda metade do século XIX, consideravelmente associada a uma modernidade emergente, em que podemos destacar conflitos como a Guerra da Crimeia, entre 1853 a 1856, ou a Guerra da Secessão [também conhecida como Guerra Civil Americana], que ocorreu de 1861 a 1865). No entanto, nada se tinha ainda

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havia globalizado como a que viria a ser conhecida como Primeira Guerra Mundial. Esta tornar-se-ia na guerra mais cruel até então presenciada, provocando mutilações faciais e de membros, queimaduras severas, cegueira temporária ou definitiva, «pé de trincheira» ou «Shell Shock», entre uma panóplia de horríficas doenças que aqui poderíamos citar. Assim nascia uma nova dialéctica do sofrimento, experienciada e perpetuada na vida dos soldados que participaram no conflito, que afectariam igualmente os civis, dentro e fora das zonas de combate. Portugal necessita hoje resgatar a memória dos expedicionários enviados para os dois teatros de operações em que se envolveu, na Frente Africana e na Frente Europeia. Distintos, provocaram problemas logísticos e de saúde também eles bastante desiguais. Desta forma, começarei por vos mostrar a forma como os militares portugueses viveram na quente frente africana, onde Portugal se vê envolvido logo em 1914.

A FRENTE AFRICANA Efectivamente, a Grande Guerra foi muito mais do que um conflito europeu. Quando em 1914 se inicia a guerra, os governantes da jovem República Portuguesa compreenderam que o seu início obrigava Portugal ao envio de reforços militares para as colónias africanas, onde deviam garantir a manutenção da soberania nacional face às ambições coloniais alemãs. É de reter que, entre 1914 e 1916, Portugal viverá um dúbio estado de nãobeligerância beligerante, determinado pelo facto de não sermos um país neutro mas também não termos entrado oficialmente no conflito. Assim mesmo, outro aspecto interessante foi o que que os territórios coloniais, por serem portugueses, deterem um maior consenso no que dizia respeito ao envio de tropas expedicionárias, em especial se comparado com o possível envio de militares para França, uma questão sempre muito mais problemática! Cedo se determinaria que África receberia mais militares, e no total foram enviadas 4

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expedições, que serviriam para fortalecer as tropas de Angola e Moçambique. Os primeiros embarques ocorreram no final de 1914. Para a grande maioria dos expedicionários, os problemas iniciavam-se imediatamente após o embarque. Graves problemas de saúde podiam ter início durante a viagem, que era longa, perigosa, entediante, e tantas vezes desprovida de reais condições. Nas docas, os combatentes eram enfiados em navios demasiado pequenos, que chegavam a transportar 2000 homens. Ali eram maioritariamente alojados em porões, onde viveriam em meio à sujidade e ao cheiro a suor, ao vomitado e ao odor a urina. A viagem, que durava um mês ou pouco mais, era uma viagem insalubre. Desta forma, muitos chegavam doentes ao seu destino. Durante a jornada, a água era sempre escassa, especialmente para as lavagens. Quanto à alimentação, era muito deficitária, podendo existir «levantamentos de rancho», revoltas a bordo efectuadas em prol de melhores condições alimentares. Depois existiam ainda os perigos dos 3 S´s: “ o Sereno, o Sol e as Saias”, ou seja, frio da noite, sol forte durante o dia e mulheres. Este último predominava quando os homens faziam escalas e saíam em licença, a qual frequentemente passavam em casas de prostituição, onde a bebida e a sífilis, bem como outras doenças sexualmente transmissíveis, lhes deixariam marcas indeléveis mas futuramente notórias. Contudo, também existiam destes perigos em terra, quando alguns militares teimavam em conviver com mulheres locais, contaminando-as ou sendo contaminados com doenças venéreas diversas. Quando finalmente chegavam a terra, doentes ou não, os perigos continuavam. Para além dos riscos subjacentes às campanhas militares, existiam por exemplo os perigos da flora e da fauna destes locais. Plantas não comestíveis podiam matar um homem que as ingerisse sem conhecimento. Quanto aos animais, os homens encontravam-se à merce dos ataques de grandes predadores como leões e leopardos, e de animais mais pequenos, como as formigas, moscas e mosquitos – transmissores de doenças como a Malária! - lacraus ou escorpiões, cobras venenosas diversas, como a mamba ou a surucucu, e ainda a matacanha ou pulga penetrante, que deixava os seus 3

ovos debaixo da pele, em especial junto das unhas dos pés, provocando grandes infecções.

Para a calamitosa situação sanitária destes homens contribuirá ainda a falta de preparação logística dos locais, sem que os dirigentes tivessem tudo preparado para recebe-los. Denote-se que os médicos, quando chegavam, referiam sempre deparar-se com situações insustentáveis. Quando o médico Joaquim Alves Correia de Araújo chega em 1917 a Mocímboa da Praia em Moçambique, relata nas suas memórias que se deparou ali com inúmeros doentes, todos em estado miserável, e que em nenhum lado observou que existissem barracões para alojar os soldados, estivessem os mesmos doentes ou não. Desta forma, a primeira acção de qualquer soldado que chegasse a terras africanas seria a de preparar o local para dormir, bem como espaços para latrinas, resguardo e abate de animais e aprovisionamentos. Era necessário construir de raiz todo o local de bivaque das tropas. No entanto, ter os locais preparados não significava utilizá-los. Por exemplo, era frequente que os médicos se queixassem que os soldados não faziam uso das latrinas, o que tornava os acantonamentos em zonas privadas de higiene, limpeza e arrumação. Uma das grandes realidades diárias seria a da fome, bem como a sede, existindo muitas queixas entre os combatentes. Os alimentos enviados de Portugal em nada favoreceriam a manutenção da saúde dos expedicionários. A alimentação estava repleta de produtos que em nada favoreciam a conservação da sua saúde, como grão e feijão bichados, ervilha seca, arroz, macarrão, bacalhau seco apodrecido, sardinhas em lata e outros tipos de conservas, nem sempre transportados nas melhores condições. Quanto ao pão, foi progressivamente diminuindo, tanto de quantidade quanto de qualidade, e substituído por bolacha, nem sempre boa ou até mesmo comestível. O vinho, quando existia, era de má qualidade, azedo ou desdobrado com água. Se houvesse água, pois esta era escassa, tanto para beber como 4

para o processamento, lavagem e cozedura dos alimentos. Como podem imaginar, isso prejudicava a deglutição e absorção das refeições, provocando o aumento dos casos de disenteria entre os expedicionários. Para obter água potável, era preciso ferve-la e desinfectá-la, mas os homens diziam que a mesma sabia muito mal. Muitos a beberam insalubre e sofreram assim as consequências do seu acto. Outros beberam água de poços envenenados, o que nem sempre sucedia por razões naturais, especialmente em Moçambique, onde as tropas alemãs praticaram uma guerra de guerrilha, envenenando os locais de recolha de água. Quando andavam quilómetros nas colunas, também existiam expedientes para colmatar a sede que imperava. Para não morrer, militares houve que beberam da própria urina, ingeriram o líquido de refrigeração das metralhadoras ou deitaram mão do leite esterilizado, destinado aos doentes. Para ultrapassar a fome, também se caçava, procurando-se animais como as gazelas, os porcos do mato e até mesmo os hipopótamos. Outros recorriam a um mercado paralelo, que proliferou e fomentou a compra e venda de géneros como carne, peixe, frutas e ovos a preços extorsivos. Para todo este caos contribuía a quase inexistente refrigeração dos alimentos, quer nos navios quer em terra, apesar de algumas embarcações possuírem já frigoríficos, que funcionavam a anidrido carbónico. Álvaro Rosas, médico que viajou num navio assim equipado, relatou como os serviços de abastecimento em Portugal se esqueceram de enviar anídrico carbónico para o seu navio. A meio da viagem, e depois de casos de intoxicação diversos, por ingestão de alimentos como carne esverdeada, centenas de toneladas de produtos foram lançadas borda fora, por se encontrarem impróprias para consumo. Em terra, aconteceriam casos similares todos os meses. A fome e a sede eram assim as grandes companheiras dos expedicionários em África. Contudo, nem todos viviam mal por terras coloniais. Também existem relatos de privilégios e privilegiados, o que servia para minar a moral das tropas e diminuir o espirito de corpo essencial à guerra. No litoral, em locais como Lourenço Marques, os alimentos e as bebidas existiam. O problema maior era o seu transporte para terras no interior. Por isso, existem

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relatos de oficiais que bebiam e lavavam os dentes com água mineral engarrafada, que tinham leite evaporado ou leite em pó, bebiam Ovomaltine, champanhe, vinhos e licores, e comiam em restaurantes ou iam mesmo ao cinema, comprando produtos e usufruindo de serviços com base na sua localização e nas suas remunerações muito mais elevadas. Quanto aos médicos, que me atrevo a dizer possuem dos testemunhos mais interessantes e talvez mais desconhecidos, na sua grande maioria não tinham qualquer tipo de preparação em higiene e medicina tropical. Curiosamente, sabemos como alguns colmataram essa falha. O médico Álvaro Rosas escreveria anos depois que, antes de embarcar em Lisboa, foi comprar uns livros sobre o assunto, para ir lendo na viagem! O que é bem demonstrativo da falta de preparação existente mas também do espírito e da forma como estes homens se iam desenvencilhando dos seus problemas à medida que os mesmos apareciam e à medida que o tempo em África passava. Além disso, o número de médicos enviados para as colónias foi sempre muito reduzido. E se no litoral, em algumas unidades hospitalares ali existentes, ainda teríamos algo de parecido com um serviço de saúde, o interior não tinha muito mais que uns postos de socorros nos postos enfiados no mato e algumas poucas ambulâncias, que deveriam ser hospitais de campanha móveis, mas que, na realidade, não passavam de um médico e um ou dois enfermeiros, que acompanhavam a movimentação das tropas. Salvando muitos soldados, num sistema cooperante do serviço de saúde militar nas colónias, encontramos a Cruz Vermelha Portuguesa, essa sim, detentora de verdadeiras ambulâncias de campanha e de unidades hospitalares que tentavam minorar as falhas existentes a nível médico-sanitário existentes tanto em Angola quanto em Moçambique. Desta forma, através dos médicos e das suas reivindicações sabemos hoje de muitos problemas ali existentes. Estes homens pediam aos superiores uma boa captação de água potável, a entrega de redes mosquiteiras, a entrega de medicamentos em boas condições e de qualidade, e a distribuição de alimentos em bom estado de conservação. Faziam-no porque era frequente que nada do que requisitavam existisse. Por exemplo, os medicamentos eram 6

frequentemente adulterados ou chegavam estragados. Quanto aos alimentos, basta mencionar a entrega de leite condensado podre, mencionada pelo médico Américo Pires de Lima, para entenderem. Latas de leite que foram descobertas apenas quando os enfermeiros começaram a abrir as mesmas dentro de uma enfermaria, para dar aos doentes, enchendo a área de recobro de um cheiro nauseabundo. Uma péssima experiência, que continuaria a repetir-se por muito mais tempo. Assim, conclua-se que, mesmo que a Metrópole tenha entendido que a grande maioria dos soldados portugueses adoecia em África, e que tal sucedia a velocidades vertiginosas, ou seja, em poucos meses, levando a que se morresse em África mais de doença do que da própria guerra; e mesmo que se tenha tentado incrementar o número de médicos, melhorando as condições médico-sanitárias em Angola e Moçambique, a verdade dos factos terá sido que em 1917 e 1918, os doentes a evacuar eram às centenas, e muitas eram as colunas moçambicanas que partiam rumo ao interior apenas com o acompanhamento de um cabo enfermeiro. Por essa altura já estes homens, médicos, soldados, oficiais, se encontravam extenuados, e até os médicos se tornavam pacientes neste caótico sistema que teria imensas dificuldades para trata-los e evacuá-los. Pois, na realidade, a quente frente africana nunca deixou de ser inclemente, de 1914 a 1918, e ninguém estava a salvo quando era enviado para combater naqueles territórios portugueses.

A FRENTE FRANCESA Também ninguém estava livre de perigo ao ser enviado para a denominada Frente Francesa, onde imperou o elemento mais icónico da Primeira Guerra Mundial, a trincheira, essencial na guerra de imobilidade – mas também de modernidade! – que ali se desenvolveria. Contudo, nesta guerra que terminaria todas as guerras, como era suposto ter sucedido, a realidade cruel em terreno seria a de quilómetros e quilómetros de trincheiras, que deixariam o coração da Europa esventrado ao longo de uma vasta linha, visível da Mancha até à Alsácia.

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Assim, em Dezembro de 1914, aquando do primeiro Natal em guerra, já aquela linha mortal se encontrava substancialmente estabilizada, como uma cicatriz no amago da velha Europa. A Grande Conflagração foi uma guerra que se solidificou depressa no coração e na mente dos líderes das grandes nações, arrastando milhões para aquelas valas. Foi uma guerra iniciada com pressupostos antigos e inicialmente feita por velhos generais, os quais deitariam mão a novas tecnologias, moldando novas formas de pensar e agir, num conflito que parecia não ter lugar para a rendição. A velha guerra tornarse-á obsoleta, surgindo progressivamente o conceito de nova guerra, a Modern Warfare, que ferirá e brutalizará de forma impiedosa os corpos e as mentes dos soldados de todas as nações. E no cerce de tudo encontramos as trincheiras. Escreveria o político, médico e futuro historiador, Jaime Cortesão nas suas memórias: «(...) [as trincheiras] são uma grande cova, onde se aprende o ofício de morto. Sim, uma cova muito longa, tão longa que nem se mede com a fita. A unidade métrica nas trincheiras são os sete palmos de terra. A primeira linha, com muitos soldados, é uma espécie de vala comum.» Estes foram os redutos que ficariam marcados no nosso imaginário. Ali combateram centenas de milhares de soldados, aos quais se juntaram os portugueses do Corpo Expedicionário Português durante o ano de 1917. *** Fevereiro e Março de 1916 foram meses complicados no que a Portugal diz respeito. A pedido dos ingleses, Portugal, que no início da conflagração retivera nos seus portos todos os navios alemães ali fundeados, decide fazer o arresto definitivo das embarcações, içando nos mesmos a bandeira nacional. Como resultado, a Alemanha declara a guerra a Portugal e Portugal responde na mesma moeda, saindo assim de um estado de não-beligerância beligerante e caminhando para onde muitos políticos portugueses almejavam… Portugal partia assim rumo à guerra europeia! Desta forma, o país vê-se envolvido na guerra, de forma oficial. Por forma a honrar os seus compromissos, firmados com a sua eterna aliada, a 8

Inglaterra, o governo português decide enviar tropas para França, recrutando e mobilizando entre 55 mil e 75 mil homens. Um esforço inegável que passaria assim por treinos diversos no denominado polígono de Tancos, onde as tropas mobilizadas se reuniram naquela que ficaria conhecida como «cidade de paulona» ou «pau e lona», assim denominada por causa das inúmeras tendas ali montadas, visíveis até perder de vista. Em Tancos e zonas adjacentes, efectuaram-se todo o tipo de exercícios. Todos eles dentro de uma dinâmica tradicional de guerra, sendo depois necessário um novo esforço reeducativo, desta vez já em França, nas escolas de treino inglesas, que nos concederiam outros rudimentos, necessários a uma guerra que se modernizava com bastante frequência. Assim mesmo, Tancos representaria uma mobilização massiva, tantas vezes considerada impossível, o que levou a que todas estas movimentações tivessem ficado conhecidas como o «Milagre de Tancos». Assim nascia o CEP, acrónimo para Corpo Expedicionário Português, tantas vezes conotado com outras expressões jocosas como Carneiros de Exportação Portuguesa. O CEP começaria a ser embarcado e enviado para França em finais de Janeiro de 1917. A viagem era mais curta do que a efectuada para África, mas não era nem desprovida de perigos. E uma vez chegadas a Brest, as tropas eram colocadas em comboios e levadas para a zona portuguesa, na região do Lys, tão marcada pela famosa batalha ocorrida a 9 de Abril de 1918. Ali se estabeleceu o sector português, subalternizado e muito dependente da orgânica inglesa, situando entre Armentiére e La Bassée, e entre Merville e Bethune, numa extensão de frente que chegou a ter 11 km. E como viviam os soldados portugueses em meio a todo este inferno que era a guerra de trincheiras? O primeiro aspecto que devemos reter é o de que a trincheira e a sua construção são sempre ditadas pelo terreno. No caso português, não era possível escavar as mesmas no solo, demasiado húmido e cheio de água. O sector português necessitava de estruturas em altura, pois quando um soldado português cavava o solo, facilmente ficava enterrado em água até ao joelho e, se não tivesse cuidado, ficaria atolado quase até à cintura. Razão pela qual, e de forma muito engenhosa, os portugueses utilizavam uns estados ou passadeiras de madeira, para que os soldados

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pudessem andar de um lado para o outro sem se afundarem tanto –- o que só funcionava quando aprendiam a equilibrar-se sem escorregar. Para erguer a trincheira era necessário montar um intrincado sistema, em que se equilibravam sacos de terra ou areia debaixo da protecção de uma estrutura de madeira. Todos os dias era necessário reparar os estragos das horas nocturnas anteriores. E durante um bombardeamento, estas paredes podiam facilmente cair e soterrar um homem, o que sucedia igualmente em trincheiras escavadas em profundidade. Qualquer dos sistemas era um perigo para os que nelas habitavam. Pese embora muitos considerem que os alemães possam ter sido os grandes construtores deste tipo de redutos, o Exército Português, que em França colocou os seus homens lado a lado com as forças expedicionárias britânicas, utilizava o sistema de trincheiras deste seu antigo aliado, um sistema triplo, que compreendia uma linha da frente, uma de apoio e uma de reserva, denominadas respectivamente por linhas A, B e C. Atrás das mesmas ficaria a Linha das Aldeias, último reduto de defesa, com o seu casario velho, destruído e maioritariamente abandonado. Quanto às linhas triplas, possuíam múltiplas ligações entre elas, as denominadas trincheiras de comunicação, construídas em ziguezague, para aumentar a protecção contra disparos de artilharia e ataques de atiradores furtivos – os chamados snipers. A linha A terminava no denominado parapeito, o fim da primeira linha de trincheiras, e local de observação e vigilância por excelência. Na sua frente, a poucos metros de distância, poderíamos ver uma zona coberta com redes de arame farpado, concebida para maior protecção, e que ali se encontrava para complicar a vida daqueles que pretendessem entrar nas trincheiras inimigas. Cada lado tinha a sua linha de arames e obstáculos. Depois, entre eles, encontrava-se a conhecida e ignóbil Terra-de-Ninguém, zona que não pertencia verdadeiramente a nenhuma das forças intervenientes, e que podia oscilar entre os 50 e os 500 metros. Após um bombardeamento, esta língua de terra enchia-se de crateras, buracos, corpos, lama e detritos. E nela jaziam os feridos, lado a lado com os mortos, à espera de uma qualquer equipa de maqueiros que os resgatasse ou de um pedaço de terra que os enterrasse. 10

*** As condições de vida na trincheira eram penosas para todos, razão pela qual muitos tentaram fugir e não ir à trincha, efectuando um qualquer serviço burocrático na base! A trincheira era a zona do Zé Soldado, do Soldadinho, do Zé Ninguém. Ali, e salvo raras excepções, o praça tendia a conviver com muitos tenentes e alferes e uns quantos capitães. Já na base, relatavam os combatentes da trincha, existiam os palmípedes, homens que andavam de carro e comiam bem, ostentando as suas palas e aparentando grande ocupação, e que viviam acompanhados do cachapim, o cachapinato burocrático, aqueles que escreviam à máquina as ordens ditadas pelos oficiais e inundavam os homens da trincheira de burocracia e papel. Mas nunca os visitavam, nem mesmo quando a malta da trincha saía da mesma, após 6 ou 7 dias de árduo labor, e ia aos balneários se lavar e comer e dormir melhor nos bivaques e acampamentos, bebendo uma cerveja morna em algum «estaminet», casas meio destruídas em que a troco de umas moedas, se podia obter um pouco de distracção e divertimento. Desta forma, palmípedes e cachapins não compreendiam o que era o dia-a-dia da «trincha» ou «a rotina da trincha». Ali, os dias corriam pesados e longos, com poucas horas de repouso e muitas actividades de manutenção, limpeza e reconstrução, para além da eterna prontidão, no que se chamava o «a postos» ao parapeito. As sentinelas, que ficavam ao parapeito, mantinham os olhos no lado inimigo, à espera de novidades ou movimento. As patrulhas percorriam os espaços, vigiando os caminhos entre as linhas avançadas e as linhas à retaguarda, à procura de ociosos e de soldados que dormissem no posto. De manhã e à noite havia sempre uma formatura geral, para verificar equipamentos, fardamentos, armamento e munições. Os infractores eram punidos com rondas extra, limpezas nas latrinas ou até mesmo detenção. A manutenção da ordem era essencial. Não existiam pausas ou qualquer tipo de momentos lúdicos. O jogo havia sido interditado, especialmente se era a dinheiro. E o silêncio era um bem essencial. Não se podia vozear nem se podia foguear. A calma, a ordem, o alerta total, eram elementos essenciais, especialmente na primeira linha. 11

Existiam tempos para tudo, como os tempos de comer. Neles se deitava mão à ração fria, com o afamado e odiado corned beef, a bolacha, o chá, ou a compota de laranja, também odiada pelo soldadinho português. Por vezes existiam algumas doses de rancho quente, trazidas das cozinhas, ocultas na área de campanha. A comida era trazida a custo em grandes tachos, e sempre a entornar pelo caminho. Só fora da trincheira, já nos bivaques, um homem podia comer, dormir e lavar-se em melhores condições, mesmo que não tivesse acesso a lautos jantares, com champanhe e caviar. Isso ficava reservado para os oficiais! Na trincheira não havia nada disso. Ali um soldado viveria uma semana sem condições. Só os ratos não eram esquisitos, andando bem gordos, de todos os restos de comida roubados dos bolsos dos mais incautos, ou de se alimentarem dos corpos dos que por ali teriam ficado sepultados. Com eles conviviam amigavelmente as pulgas e os piolhos, que também sabiam fazer lautas refeições, infestando as roupas e os corpos dos soldados de todas as nações. E depois dos dias vinham as noites, longas e vividas em espera, vigilância e sobressalto. Dias e noites passavam-se à mercê do clima e das intempéries. No Verão a trincheira era invadida pelo pó e pelo calor, e no Inverno pelo frio atroz. Porque na zona do Lys os Outonos eram agrestes, os Invernos gelados e as Primaveras chuvosas, e tudo isto extenuava os corpos e as almas que ali combatiam. O calor excessivo, e especialmente o frio e a chuva provocavam baixas por doença, ditadas pela dura rotina da trincha. As condições de vida nas trincheiras eram tudo menos propícias a bons cuidados de higiene. Grassavam as más condições e as doenças como o pé de trincheira. Corriam-se ainda o perigo de doenças como a gripe e o tifo, pois a permanência nas mesmas, com a falta suprema de condições, debilitava o sistema imunológico dos combatentes. E depois existiam os actos de guerra, ou seja, os ataques e bombardeamentos inimigos, onde choviam metal, fogo e gás, que asfixiavam, cortavam a carne, rasgavam o rosto, queimavam a pele. Quanto às próprias estruturas, podiam, como vimos, engolir um homem vivo, enterrando-o em segundos, quebrando ou asfixiando num enterramento do qual poucos regressaram. E os que voltavam, voltavam loucos, perturbados, para sempre perdidos, ausentes e sem capacidade de lutar. 12

Claro que a vida na trincha nem sempre era efectuada dentro da própria trincheira. Por vezes, na calada da noite, alguns homens «iam aos arames», ou seja, saiam pelo parapeito rumo à Terra de Ninguém, onde efectuavam reparações no arame farpado danificado e recolhiam feridos, bem como corpos de alguns dos seus camaradas. Desta actividade perigosa ficou a frase popular «ir aos arames» que, ainda hoje, não simboliza nada de muito agradável. Mas também se faziam os raids, patrulhas de reconhecimento, em que era desejável uma aproximação relâmpago à linha do inimigo, para ali se capturarem prisioneiros e recolher documentos e outros materiais que permitissem a vital compreensão do que se passava no lado do inimigo. Estas actividades eram feitas de noite, no silêncio e ao abrigo da escuridão que, de vez em quando, era cortada pela luz dos very-lights, foguetes fosforescentes de cores diversas que eram lançados sobre a No Mans Land, para fins de comunicação e iluminação. Se um dos grupos era descoberto, tinha de fugir depressa, pois o inimigo começaria logo um bombardeamento e choveriam balas sobre as suas cabeças. Dentro da trincheira, ou mesmo fora dela, quando as balas voavam, ou quando os obuses cheios de pedaços de metal caiam, abrindo-se ainda no ar [o chamado shrapnel], fazendo assim chover a morte, só restava ao combatente português a nobre actividade do «cavar», ou seja, atirar o corpo para um buraco ou declive, enfiar a cabeça bem junto ao chão, tapar com as mãos o rosto, e esperar que o inferno passasse ou que fosse ditado um qualquer contra-ataque. Aliás, assim cavavam todos os soldados, de todas as nacionalidades. Assim mesmo, a trincheira concedia ao combatente a sua relativa segurança e algumas estruturas de apoio, como os abrigos de artilharia, cozinhas de campanha, latrinas e até pequenos locais de descanso, caso dos «elefantes», guaridas cobertas com placas de zinco, onde os homens podiam dormitar sentados. Também na trincheira existiam os postos de socorros avançados, que faziam parte de uma intrincada rede de cuidados médicos que se estendia desde a linha das trincheiras até à mais longínqua retaguarda, proporcionando ao doente e ao ferido, ainda que em teoria, todos os cuidados necessários ao seu tratamento e recuperação.

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Em teoria porque todos os sistemas possuem um ponto de não recuperação ou ruptura. Imaginem o que terá sido para o Serviço de Saúde do British Expeditionary Force tratar centenas de milhares de baixas da batalha do Somme, recebendo homens feridos, trazidos directamente da Terra de Ninguém ou das primeiras linhas, encharcados em sangue e em lama, com todo o tipo de ferimentos horrendos, para além de gaseados e enlouquecidos. Com certeza terá sido igualmente caótico para o Serviço de Saúde do CEP cuidar das baixas vindas da batalha do Lys. Contudo, não devemos esquecer que, ao olhar para trás, para batalhas sangrentas como as de Waterloo ou de Gettysburg, constatamos como o apoio médico aos soldados da Grande Guerra tinha dado um enorme salto qualitativo. Assim sucedia com um soldado português, que adoecia ou era ferido na frente portuguesa. Evacuado por maqueiros ou caminhando pelo seu pé, estes homens dirigiam-se ao posto de socorros avançados, situado na linha C, onde eram triados e, se necessário, pensados, pois recebiam um penso de campanha, um singelo triângulo em tecido, que lhes imobilizaria algum membro ou taparia alguma ferida. Dali era enviado ao Posto de Socorros, situado na linha das aldeias, de onde se processava a sua evacuação. Quanto mais grave o caso, mais para trás das linhas se movia. Podia ir parar a uma Ambulância, um hospital de campanha com capacidade móvel, que ficaria perto da área dos combates combate. Portugal teve em França 9 Ambulâncias, duas delas tão grandes que se tornaram depois Hospitais de Sangue. Estes foram criados para receber casos que precisassem de maiores cuidados, como cirurgias mais complexas. E o que não pudessem resolver, ou caso o recobro fosse longo e a doença de cuidados, o soldado partia para os Hospitais de Base 1 ou Base 2, que só começariam a funcionar tardiamente. Alguns portugueses foram tratados por equipas portuguesas em hospitais ingleses. E também havia os encaminhados ao Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa em Ambleteuse, onde trabalharam as Damas-enfermeiras portuguesas, as únicas mulheres que partiram para a Frente Ocidental. Todos estes homens e mulheres viram em primeira mão os horrores da guerra, e estiveram em perigo. Por exemplo, o médico Jorge Monjardino operou toda a noite nos Hospitais de Sangue durante a batalha do Lys. O médico do Regimento de Infantaria 23, Jaime Cortesão, foi gaseado no seu 14

posto de Socorros Avançados a 21 de Março de 1918 e ficou temporariamente cego, passando assim de médico a paciente do CEP. Já o médico Guimarães Júnior, cuidou dos seus homens durante a batalha de La Lys e com eles partiu prisioneiro para a Alemanha. Este médico acaba por nos dar o mote para que falemos desses grandes esquecidos, os prisioneiros de guerra. Em França, o nosso maior número de prisioneiros provêm do dia 9 de Abril, onde foram capturados cerca de 7000 homens, apanhados que foram num pavoroso fogo de barragem que tudo destruiu, deixando as trincheiras da primeira linha totalmente rasas. Juntaram-se estes a alguns homens que já estavam do lado alemão, capturados em raids e manobras inimigas. E não devemos igualmente esquecer que tivemos prisioneiros de guerra em África, onde as suas condições de vida eram igualmente degradantes, sob o calor africano, e com a mesma falta de alimentos, sede e descuidado que acompanhou os expedicionários no local. Quanto aos prisioneiros capturados em França, foram transportados para trás das linhas alemãs, para campos de prisioneiros em França, na Bélgica e na própria Alemanha. Estes soldados portugueses, aprisionados na frente ocidental, contaram depois histórias de horror, de abuso e de fome. A maioria dos depoimentos de então, registados em livros de memórias, proveio dos oficiais. Mas devemos recordar que estes, separados das mais baixas patentes, possuíam condições de vida ligeiramente melhores do que as dadas ao zé soldadinho, frequentemente obrigado a trabalhar. E todos os relatos e memórias tendem a ser assoberbantes. Sabemos hoje que muitas praças trabalharam doentes, estando os homens mal alimentados, mal vestidos, e sem poderem ter nada de seu, pois uma mera colher, um cachimbo ou um relógio lhes era arrancado. A posse de objectos, tal como da sua dignidade, era impossível naqueles campos. Os oficiais portugueses referem igualmente que a sua correspondência, bem como os pacotes de encomendas que esporadicamente chegavam, enviados a custo pelas suas famílias, vinham violados na sua integridade. Era comum o recheio de uma caixa ser substituído pelo vazio, ou mesmo por um rato ou outro animal morto, dependendo de quem queria amedrontar e do seu nível de maldade.

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Quanto à higiene, nos campos de oficiais - e pressupõe-se aqui que entre patentes mais baixas deveria ser pior! - não se tomavam banhos frequentes. Banho, só de 20 em 20 dias, e com desinfectante azul. E também não se podia lavar a roupa. O médico Guimarães Júnior contava que higienizava a sua farda, já gasta e rota, nas poças de água da chuva. E depois havia a fome. As queixas de fome e sede foram muitas e generalizadas. E, para que tenhamos ideia, um oficial podia perder 20 a 30 quilos, tal como sucedeu ao médico Guimarães Júnior. Carlos Olavo também refere que alguns dos internados no seu campo eram verdadeiros cadáveres ambulantes, o que também era visível nos soldados que lhes enviavam dos campos de praças. E se a fome emagrecia desta forma os oficiais, imaginemos pois o que não sucedia aos soldados, obrigados tantas vezes a trabalhar nestas condições...

O REGRESSO A PORTUGAL Muitos destes homens transportavam consigo traumas de guerra que nunca foram reconhecidos pelas autoridades militares e que, só por 1916, começaram verdadeiramente a ser estudados e analisados pelas comunidades médicas dos países envolvidos. Durante esse movimento de procura de conhecimento, Portugal procurará igualmente informar-se de como deveria proceder, em especial a partir do momento em que entra oficialmente no conflito europeu. Começava-se então a falar nas neuroses de guerra, tema que fora sempre polémico entre as nações combatentes, e que levaria inclusivamente a que muitos soldados ingleses, franceses e alemães tivessem sido fuzilados por cobardia ou ameaçados com tal procedimento, quando na realidade apresentavam quadros de trauma de guerra ou Stress Póstraumático, conceito que só vingaria muitos anos depois, já depois da 2ª Guerra Mundial, e como consequência da terrível guerra do Vietnam. E falavase ainda de ferimentos de rosto e reconstrução facial, de gaseamentos, de raiox, de mutilações, e de outros problemas graves, que ditaram inúmeros avanços médico-científicos. Durante o ano de 1917, Paris e Londres fervilharão com Conferências Interaliadas, nas quais especialistas de áreas e países diversos discutiram assuntos como a reinserção social dos mutilados de guerra, a reconstrução 16

facial, ou a cirurgia militar versus a cirurgia civil. Como cirurgião do CEP, Reinaldo dos Santos, figura proeminente da Medicina Portuguesa do pósguerra, terá participado das conferências dedicadas à Cirurgia, partindo várias vezes do Front a Paris para integrar as mesas de conversação. De Portugal, o Ministério da Guerra enviará a França, em 1917, Tovar de Lemos, Aurélio da Costa Ferreira, José Pontes e Formigal Luzes. À excepção do último, que se tinha recentemente formado, mas que se tornaria um pioneiro em fisioterapia, abrindo em Santa Maria, já no pós-2ª Guerra Mundial, a primeira grande unidade hospitalar dedicada à recuperação fisioterápica dos doentes, à época percursora de Alcoitão, todos os outros enviados eram personagens proeminentes da vida portuguesa. Tovar de Lemos era médico-militar e deputado em Lisboa, Aurélio da Costa Ferreira dedicava-se às questões da inserção social, dos cuidados fisioterápicos e da pedagogia há largos anos, e José Pontes era conhecido pedagogo e escritor, contando com inúmeros artigos dedicados à causa dos mutilados em jornais vários, publicados durante a guerra. Juntos, Tovar de Lemos, José Pontes e Formigal Luzes seriam responsáveis pelo surgimento, sancionado pelo Ministério da Guerra e pela Cruzada das Mulheres Portuguesas, do Instituto Militar de Arroios para a reeducação dos mutilados de guerra. Aurélio da Costa Ferreira, responsável pelo Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa, seria depois responsável pelo Instituto de Santa Isabel, organismo que também se dedica à recuperação e reeducação dos mutilados de guerra, e que trabalhará numa relação próxima com o Instituto de Arroios, em formas que ainda hoje são um pouco desconhecidas para nós. Estas instituições apresentavam como plano base cuidar do mutilado, ensinar-lhe novas profissões, de acordo com o seu grau de mutilação, e tornalos membros eficientes de uma nova sociedade do pós-guerra. E pretendia faze-lo utilizando fisioterapia e trabalho pedagógico, tal como era feito em países como França, Itália e Grã-Bretanha. Trabalhavam em proximidade com os Hospitais Militares da Estrela e Belém, ou com o Hospital Provisório da Junqueira, um dos vários organismos que cuidava dos nossos soldados, incluindo os da frente africana, que me escutam referir menos porque, em África, ou se sobrevivia ou se morria. E como o transporte para Portugal era 17

moroso, bem como a viagem grande, muitos já chegavam desmobilizados ou potencialmente curados à Metrópole. Quanto aos mutilados, a dura realidade é que, depois de finda a guerra, estas instituições, Arroios e Santa Isabel, encerrarão em 1921/22 sem grande sucesso. E quanto aos homens que aqui foram atendidos, desapareceram no anonimato, como todos os outros, saudáveis ou doentes, gaseados, estropiados, mutilados, e mal reinseridos numa sociedade que os olhava como a face de uma guerra que desejavam esquecer.

CONCLUSÃO: Como consequência desta guerra, muitos foram os elementos das forças expedicionárias portuguesas em África que sucumbiram ao conflito, não se devendo este elevado número de baixas às actividades bélicas, antes sim a enfermidades como o paludismo, a sífilis ou a disenteria. A doença, como pudemos observar, ter-se-á transformado no supremo inimigo destes homens. Quanto a França, atrever-me-ia a dizer que a grande maioria dos combatentes retornou gaseado, traumatizado, e profundamente marcado para a vida. E todos estes homens foram tendencialmente esquecidos, pese embora, em 1921

e

em

1924,

se

tenham

efectuado

cerimónias

aos

Soldados

Desconhecidos portugueses, os quais que se encontram hoje na Batalha; um vindo de África e um de França, enquanto representantes conjuntos dos caídos em combate, como os que ainda hoje dormem o sono dos justos no cemitério militar de Richebourg l'Avoué, em França. Os doentes, os mutilados, os traumatizados, os que vieram de África e França e não faleceram em campanha, sucumbiriam igualmente, mas desta vez ao esquecimento, suportados e auxiliados por muito poucas instituições, onde devemos realçar o importante papel da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, hoje apenas Liga dos Combatentes, mas ainda representante de todos os que pegaram armas em prol da pátria chamada Portugal. Sinceramente vos confesso que não sei se sabemos hoje muito mais sobre estes combatentes portugueses, ou sobre quem os esperou, aqui, em terras pátrias, e se dominamos melhor o conhecimento agora do que antes do 18

início destas mesmas evocações. Pese embora se tente publicar mais, o grande público começa apenas agora a ter a noção do que sucedeu aos expedicionários portugueses e quais foram as suas reais condições de vida. Contribuem para o actual conhecimento e para a procura do mesmo os trabalhos continuados da Liga dos Combatentes, mas também acções culturais como esta, de cariz local, bem como outras, efectuadas pelos militares, como as que se enquadram no seu quadro evocativo, sob tutela da Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da I Guerra Mundial em Portugal. E a comunidade académica tenta ainda unir-se em prol do conhecimento de uma área historiográfica pouco apetecível para a grande maioria dos licenciados e futuros historiadores, que talvez não entendam ainda que é necessário compreender todo o fenómeno da Grande Guerra para entender os subsequentes anos 20, 30 e 40 em Portugal, em áreas tão diversas como a política, a vida social e cultural ou a própria medicina do pós-guerra. Para este movimento contribuem espaços como o Portugal 1914 – 1918, site do Instituto de História Contemporânea, projecto ao qual muito me honra pertencer. Resta-me finalizar passando a mensagem de que considero que, pese embora os nossos esforços actuais, a vida destes homens, repleta de momentos horríficos e traumatizantes, os tornou a face esquecida do conflito num país que, ainda hoje, não soube resgatar convenientemente o seu lugar na Memória e na História de Portugal. Muito Obrigada! Margarida Portela São Domingos de Rana, 3 de Outubro de 2015

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