OS RECURSOS DE SIMULAÇÃO POLIFÔNICA NAS OBRAS DE LUCIANO

June 7, 2017 | Autor: V. Oliveira | Categoria: J S Bach, Luciano Berio, Polifonia Latente
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTIFICA

OS RECURSOS DE SIMULAÇÃO POLIFÔNICA NAS OBRAS DE LUCIANO BERIO E J.S. BACH

VINICIUS CESAR DE OLIVEIRA

Campinas – SP 2015

RESUMO

Estudar os elementos composicionais que Bach utilizou para compor suas “melodias polifônicas” presentes em suas Partitas para violino solo e traçar relação com a polifonia latente das Sequenze de Luciano Berio; bem como verificar quais foram as influências composicionais que a escrita polifônica de Bach exerceu sobre o ideal polifônico de Berio. Para isso serão desenvolvidas três etapas: Analise melódica da Chaconne da partita BWV 1004 para violino solo de Bach; Analise melódica da Sequenza I para Flauta de Berio; Investigação e estudo comparativo entre a escrita dos dois compositores.

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1. INTRODUÇÃO

Um dos aspectos evolutivos mais claros da história da música é sua direcionalidade ao uma crescente complexidade de eventos que ocorrem ao mesmo tempo. Valendo-se dos aspectos sonoros que o advento de sua escritura lhe proporcionou desde os primórdios da escritura musical, a música trilhou o caminho das simultaneidades. Quando ouvimos um canto gregoriano do século IX, aparentemente ausente de qualquer simultaneidade, já podemos perceber dois planos onde a altura dos intervalos habita as palavras alongadas pelas vogais e melismas. Na idade média o conceito de heterofonia surge; onde um mesmo material musical é usado livremente em proporções de tempos distintos com constantes defasagens em vozes simultâneas (O compositor Pierre Boulez retoma esse conceito no século XX). A partir desse embrião a música evoluiu constantemente no que diz respeito à polifonia e simultaneidades, sofrendo inúmeras transformações, desde a propensão a um tecido harmônico até a complexa concorrência entre distintas vozes. O fato é que mesmo diante de monodias, a escuta é convidada a ouvir planos simultâneos, atraída por articulações que entrelaçam elementos na fosforescência da memória e revertendo o tempo diacrônico. Surge daí o valor e a importância das Sequenze de Luciano Berio (1925-2003) para a música do século XX. A respeito da simultaneidade das Senquenze de Berio, Flo Menezes diz:

“Se alguma resposta substancial – e, claro, positiva – foi dada à questão sobre a pertinência da elaboração de monofonias em plena era moderna, em que se atingiu a apoteose, de índole mahleriana, das formulações musicais concomitantes e em que as simultaneidades afloram como valor estético incontestável, esta se encontra nessa série de obras concebidas, em geral para instrumentos monódicos, nas quais a escuta se vale do que Berio designara como polifonia latente. Apesar da emissão inevitavelmente monódica das ideias musicais, a engenhosa articulação beriana leva

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ao apogeu a escuta polifônico da linha melódica e escancara intrincadas construções polifônicas, sem deixar de remeter a feitos semelhantes no passado remoto, notadamente de Bach”. (MENEZES, 2013, p.25-26)

É impossível falar de simultaneidade sem citar Berio, em especial suas Sequenze; da mesma forma que é impossível citar as Sequenze sem falar em Johann Sebastian Bach e suas “melodias polifônicas1”. A polifonia de Bach constituiu um dos modelos que determinam a teoria do contraponto, mostrando as possibilidades de exploração da técnica nos vários gêneros musicais que compôs, servindo como ferramenta pedagógica. Dentre as obras de Bach, as Partitas para violino solo e as Suites para violoncello são as que melhor ilustram a ideia de “melodias polifônicas”. Nessas obras o compositor explora maneiras de criar texturas polifônicas se utilizando apenas de instrumentos monódicos. As melodias são de fácil identificação e apresentam funcionalmente as mesmas características da polifonia realizada em obras para conjuntos instrumentais. As vozes são distribuídas em regiões específicas da tessitura e dividem-se em sujeitos, respostas, contrapontos etc. Dessa forma Bach consegue desenvolver polifonicamente dentro dos padrões melódicos e harmônicos do Barroco, procedimentos monódicos sem fugir de uma linguagem que diz respeito à sua época. Foi nessas “melodias polifônicas” para instrumento solo de Bach que Luciano Berio encontrou um caminho para compor suas Sequenze. As Sequenze tem por característica a presença de uma linha melódica que propõe uma escuta polifônica latente e implícita. Esse conceito de polifonia latente está presente na

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Trata-se de uma escrita que cria uma textura polifônica utilizando-se apenas de uma única linha melódica.

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poética de Berio e é possível encontra-la em várias outras obras como Chemins, 6 Encore para piano e Thema (Omaggio a Joyce). A polifonia latente consiste na criação de uma linha melódica e monofônica onde a condensação de articulação variada dos elementos no tempo estabelece relações com outros elementos gerando uma linha que se desdobra, tendo como resultado uma escuta polifônica e uma complexidade dentro de uma única linha melódica. “[...] Todas as Sequenze para instrumentos solo têm em comum a intenção de precisar e desenvolver melodicamente um discurso essencialmente harmônico e sugerir, especialmente quando se trata de instrumentos monódicos, uma audição de tipo polifônico”. [...] (BERIO, 1988, p.83-84). A alternância em proximidade entre eventos espalhados pelo registro e com diferenças de intensidade e timbre que se associam a acontecimentos que não estão próximos permite estabelecer uma relação entre diferentes planos presentes numa única linha melódica. Sobre seu conceito técnico acerca da simulação polifônica na Sequenza I, Berio diz:

“Na Sequenza para flauta vigora o princípio, por assim dizer, do mais ou menos: não para produzir estruturas musicais ambíguas, “abertas” e permutáveis, mas para poder controlar a densidade do percurso melódico. Refiro-me a um controle qualitativo da densidade e não apenas - não necessariamente – a um controle de quantidade de eventos a cada instante. A dimensão temporal, dinâmica, das alturas e a dimensão morfológica são caracterizadas por um grau máximo, médio e mínimo de tensão. [...] A extrema densidade do percurso melódico é garantida pelo fato de que, a cada instante pelo menos duas das quatro dimensões que acabei de descrever encontramse no grau máximo de tensão. De fato, como em Sequenza III para voz, aqui também, se forem cuidadosamente respeitadas as relações de tempo tem-se a impressão, se não propriamente de polifonia, pelo menos de simultaneidade de eventos.” (BERIO, 1981, p .84-86)

Esse tratamento na escrita melódica faz com que gere uma textura polifônica simulada. Segundo o próprio compositor seu ideal era a utilização que Bach fez em suas melodias nas 5

obras para instrumentos solo. “[...] Ou seja, eu queria alcançar uma forma de audição tão fortemente condicionante que pudesse constantemente sugerir uma polifonia latente e implícita. O ideal, portanto, eram as melodias “polifônicas” de Bach [...]” (BERIO, 1988, p.83-84).

2. JUSTIFICATIVA

O estudo da relação entre as simultaneidades de Berio e Bach, oriunda da escrita melódica, contribuem fortemente para o desenvolvimento musical e composicional, bem como o entendimento de poéticas presentes na música do século XX, dessa forma também servindo como apoio para que instrumentistas possam compreender melhor e assim dispor de ferramentas teóricas para interpretar as obras analisadas. A ausência de trabalhos que foquem na simultaneidade de Berio e que busquem entender na raiz o “ideal” polifônico das Sequenze motivou esta pesquisa. Entretanto, existe outro fator que o estudo da relação entre a polifonia de Bach e Berio pode contribuir:

Escrita composicional

Com a compreensão da estruturação melódica das Partitas para violino solo de Bach e o entendimento da maneira que sua escrita polifônica, a rigor monódica fizeram com que Berio levasse às ultimas consequências o conceito de polifonia latente nas Sequenze, contribuem para entender como a simultaneidade e a direcionalidade estão presentes tanto na

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obra do passado como na música do século XX, tendo em vista que esses são fenômenos de grande importância para a escritura musical. Dessa forma, o estudo melódico dessas duas peças pode vir a contribuir para o ensino da composição. A análise se tornou uma grande ferramenta de ensino de composição a partir do século XIX, quando os compositores passaram a lecionar em classes ao invés de aulas particulares. “As afirmações são claras: o analista trabalha com o produto final (composição) e centra atenção na exploração da técnica composicional. A análise parte da obra e tenta compreender os artifícios do compositor que permitiram terminar com êxito sua empreitada. Pode-se dizer, então, que a análise caminha do particular para o geral. Da micro estrutura da obra são deduzidos os procedimentos técnico-composicionais utilizados pelo autor. É possível também afirmar que a coerência interna da composição é desvelada pela análise”. (CORRÊA, 2006, p 21)

Sendo assim, através da análise é possível o ensino da composição. O aluno analisa uma obra e tenta reproduzir os procedimentos feitos pelos grandes compositores. Este sentido dado à análise como ferramenta servindo a composição é mantido até hoje, muitos cursos de composição tem por base a prática de análise.

3. OBJETIVO

Objetivo Geral

Estudar os elementos composicionais que Bach utilizou para compor suas “melodias polifônicas” presentes na Chaconne da Partita BWV 1004, para violino solo e traçar relação com a polifonia latente da Sequenza I de Luciano Berio. 7

Objetivos específicos •

Analisar a escrita melódica da Chaconne da Partita BWV 1004 de Bach.



Analisar e Investigar as estratégias que Bach usou para criar uma textura polifônica na Chaconne.



Analisar a escrita melódica da Sequenza I para Flauta.



Analisar e investigar as estratégias que Beiro usou para simular uma textura polifônica.



Estudar e buscar na Sequenza I de Berio a presença de recursos melódicos que Bach utilizou na Chaconne com o intuito de criar uma polifonia.

4. METOLOGIA 4.1.

Análise melódica e harmônica da Chaconne da Partita BWV 1004 para violino solo.

A análise da Chaconne para violino será baseada nas premissas do contraponto e da condução de vozes: •

Duas ou mais vozes ocorrendo simultaneamente;



Independência entre as vozes;



Imitação entre vozes;



Relação entre motivos melódicos;

Para esta análise serão realizados os seguintes procedimentos:

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a) Análise harmônica da peça usando nomeclatura funcional afim de traçar um mapa harmônico. b) Investigar a existência de motivos melódicos recorrentes ao longo da peça. c) Decompor a melodia em várias vozes de acordo com o registro e timbres. d) Buscar relações verticais entre as vozes decompostas levando em consideração os motivos melódicos, harmônia, timbre e independência entre as vozes.

4.2.

Análise da escrita melódica da Sequenza I de Luciano Berio.

Para a análise melódica da Sequenza I será levado em consideração o conceito de Dimensão Temporal, Dimensão Dinâmica, Dimensão de Alturas e Dimensão Morfológica2 que Berio utilizou para compor, sendo considerada cada uma dessas dimensões em seus diferentes graus de tensão. (máximo, médio e mínimo). Para essa análise serão realizados os seguintes procedimentos:

a) Investigar a existência de motivos melódicos recorrentes ao longo da peça. b) Localizar a aparição de todas as dimensões em seus três graus de tensão. c) Decompor a melodia em várias vozes de acordo com suas dimensões, registro e timbre. d) Buscar relações verticais entre as várias vozes decompostas levando em consideração as dimensões, seus graus de tensão os motivos melódicos, timbres e a independência entre elas.

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A dimensão temporal refere-se a velocidade de articulação e duração do som assim como a dimensão dinâmica ao plano das intensidades, a dimenção das alturas ao registro e a dimensão morfológica ao distanciamento do timbre tradicional do instrumento, podendo cada um desses planos aparecer em sua tensão máxima, média e mínima. Berio define cada uma dessas dimensões como direcionalidades que combinadas contribuem para a densidade de percurso melódico e assim gerando uma escuta polifônica a partir de uma única linha melódica.

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4.3.

Análise comparativa entre a Chaconne de Bach e a Sequenza I de Berio.

Para realização da análise comparativa entre a obra para violino de Bach e a Sequenza de Berio serão realizados os seguintes procedimentos:

a) Comparar entre as duas peças as relações verticais entre as vozes decompostas na analise anterior levando em consideração a forma com que as duas melodias foram decompostas, a independência entre as vozes e a textura polifônica que surge a partir da decomposição da melodia. b) Elaborar uma tabela representativa com a comparação das duas análises da seguinte forma:

I. Procedimentos encontrados em Bach e Berio – Procedimentos em comum nas duas obras. II. Simulação polifônica – Forma com que os procedimentos melódicos simulam uma textura polifônica. III. Inovações na escrita de Berio – Em que sentido a escrita de Berio vai além da escrita de Bach.

c) Concluir a pesquisa a partir da análise das obras e observação dos resultados contidos na tabela.

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5. MATERIAIS Os materiais a serem usados para o desenvolvimento deste projeto serão a Sequenzea I de Berio, e a Chaconne da Partita BWV 1004 para violino de Bach.

Nome

Instrumento Compositor Formato

Partita BWV 1004 - Chaconne Violino

J.S. Bach

Partitura

Sequenza I

Luciano Berio

Partitura

Flauta

6. CRONOGRAMA DE ATIVIDADES

I. Análise harmônica e melódica da Chaconne da Partita BWV 1004; II. Análise da escrita melódica da Sequenza I para flauta; III. Desenvolvimento do primeiro relatório; IV. Análise comparativa entre a Chaconne de Bach e a Sequenza I de Berio; V. Elaboração de uma tabela representativa com a comparação das duas análises; VI. Desenvolvimento do relatório final.

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Atividades

Meses 1º











1. 2. 3. 4. 5. 6.

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10º

11º

12º

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, A. Por uma visão de música como performance. Opus, Porto Alegre: 2011. AUDRÁ, G. Os recursos sonoros da música contemporânea como ferramenta criativa no ensino musical. São Paulo. 2014. BARROS, G; GERLING, C. Análise Schenkeriana e performance. Opus, Goiânia. 2007. BERIO, L. Entrevista sobre a música contemporânea (realizada por Rossana Dalmonte). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. BENJAMIN, T. Conterpoint in the Style of J.S. Bach.Schirmer Books. 1986. BITONDI, M. A estruturação melódica em quatro peças contemporâneas. 2006. BORGES, A. O compositor na sala de aula: Sonoridades contemporâneas para educação musical.Universidade Estadual Paulista. 2014 CADWALLADER, A. Analysis of tonal music: A Schenkerian Approach. New York: Oxford University Press. 2007 CASTELLANI, F. Uma abordagem de gesto musical nas poéticas de Luciano Berio e Brian Ferneyhough. 2010. CASSARO, D. Uma revisão sobre a literatura das Sequenze de Berio para instrumentos de sopro e sua importância na música do século XX. Campo Grande: 2014. CERQUEIRA, D. Estudo das ressonâncias na Sequenza IV de Luciano Berio. Belo Horizonte: 2009. COELHO, R. Teorias analíticas da música atonal. ANPPOM. 2009. 13

CORRÊA, A. O Sentido da análise musical. Opus. 2006. CURY,V. Contraponto: O ensino e o aprendizado no curso superior de música. São Paulo: Editora UNESP. 2007. ENTREVISTA com Flo Menezes sobre Luciano Berio e suas Sequenze. Produção de Raimo Benedetti. São Paulo: 2010. 1 vídeo de (39min). FERRAZ, S. Diferença e repetição: A polifonia simulada na Sequenza VII para oboé, de Luciano Berio. 1989.~ __________. Três estruturas de tempo em O King de Luciano Berio. Campinas: 2012. __________. Ciclicidade e Kinesis em Circles de Luciano Berio. Opus, Porto Alegre. 2011. KUEHN, F. Interpretação – reprodução musical – teoria da performance: reunindo-se os elementos para uma reformulação conceitual das práticas interpretativas. Per Musi, Belo Horizonte: 2012. LOBO, L. Processos de tomada de decisões na performance musical: Influências da heurísticas e vieses na elaboração da performance. São Paulo. 2012. MENEGAZ, E. 6 Enconres para piano de Luciano Berio: Um delineamento interpretativo com base em uma relação ideológica-composicional. Florianópolis: 2013. MENEZES, F. Apoteose de Schoenberg. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial. 2002. ______________. Matemática dos afetos: Tratado de (Re)composição musical. São Paulo: Edusp. 2013. ______________. Música maximalista: Ensaios sobre a música radical e especulativa. São Paulo: UNESP, 2006. 14

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