Os Retábulos de Santa Clara-a-Nova

August 6, 2017 | Autor: Bruno Lisita | Categoria: Heritage Conservation, Monastery, Arte sacra, Interest on Conventod Santa Clara
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UNIVERSIDADE DE COIMBRA BRUNO LISITA

REFLEXÕES SOBRE OS RETÁBULOS DO CONVENTO DE SANTACLARA-A-NOVA

COIMBRA 01/06/2014

SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................................03 Capitulo I 1.1 Breve História do Convento.....................................................................................04 1.2 A arquitetura do Convento.......................................................................................06

Capitulo 2 2.1 O Barroco Português e a Talha Dourada...................................................................08 2.2 A Contrarreforma e o Barroco.................................................................................10 2.3 Os Retábulos............................................................................................................11 2.3.1 O Retábulo e São Francisco de Assis.....................................................................13 2.3.2 A Contrarreforma e as imagens..............................................................................16 Conclusão.......................................................................................................................20 Bibliografia......................................................................................................................21 Anexos.....................................................................................................................23

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INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo promover algumas reflexões sobre os retábulos existentes no Convento de Santa-Clara-a-Nova, construído na cidade de Coimbra a partir de um projeto que previa a substituição do antigo Mosteiro de SantaClara-a-Nova por um novo prédio. Edificado em ritmo moroso, o convento iniciado em 1649, só foi inteiramente finalizado no ano de 1696. As obras retabulares são aqui abordadas através de duas linhas de investigação - a histórica e a artística-, contando também com imagens que favoreçam a compreensão do leitor acerca do tema. A análise histórica é imprescindível para balizar cronologicamente o período retratado e assim organizar uma narrativa coerente que elenque os principais fatos associados aos retábulos e à sua talha dourada. Já a pesquisa artística perscruta as influências internas e externas que receberam principalmente os mestres responsáveis pelo processo de douramento dos retábulos e as características da composição plástica destes, que acompanham a consolidação da arte de talha neste período do barroco português. Desta forma, o trabalho segue dividido em quatro partes sendo que a primeira e a segunda focalizam o Convento de Santa-Clara-a-Nova, sua história e os aspectos gerais da sua arquitetura. Posteriormente serão abordadas considerações sobre o Barroco português e sua influência na consolidação do retábulo de estilo Nacional, de forma que a última parte será sobre o retábulo elegido para o presente estudo. O interior do convento de Santa-Clara-a-Nova abriga 14 retábulos. Destes, será analisado de forma mais precisa o de São Francisco de Assis. No interior da igreja temos dois retábulos referentes a São Francisco de Assis, sendo que o escolhido para este estudo será o que retrata Santo Francisco de Assis em aparição ao Papa Gregório IX. Para além de um olhar meramente descritivo, pretendemos associar os retábulos aos aspectos religiosos nacionais e contribuir com produção de conhecimento acerca deste patrimônio cultural português que tanto o distingue frente a outros países europeus.

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Capitulo I 1.1 Breve História do Convento Localizado no plano alto da cidade de Coimbra, no Monte Esperança, o convento de Santa Clara-a-Nova, construído no século XVII (1649-1696), recebeu esse nome devido à renovação do projeto original que o designava a abrigar a ordem de Santa Clara1. Foi o segundo convento do seu tipo já que, anteriormente, havia sido construído às margens do Rio Mondego, durante o século XIII, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Entretanto, em consequência de constantes inundações provenientes das cheias do rio que abalaram a estrutura física do mosteiro, ele teve que ser interditado. Segundo consta no Inventário da cidade de Coimbra, “Desde o fim do séc. XVI a situação das religiosas no convento velho tornou-se intolerável, no princípio do séc. XVII, como foi dito já dividiu-se a igreja com um segundo pavimento, ficando inundada a parte inferior, e cisternas seriam os claustros na maior parte do ano.” 2 Ainda segundo o inventário, no Reino de D. João IV foi ordenada a mudança para o Monte da Esperança, sendo lançada a primeira pedra a 3 de julho de 1649 e só em 1677 “pôs se em condição para mudarem as religiosas.”3 A fim de se evitar novos riscos em relação ao volume das águas do rio, o convento “ficou (...) não no ponto mais alto da colina, mas numa prega paralela, que breve sulco torrencial destaca, e que era conhecida por monte da esperança. Assentou o comprido dormitório na cumeada e a igreja com o amplo claustro no começo da depressão, aonde ainda esta mal se acentuava.4” Erguido próximo ao antigo referencial, porém, no alto. O projeto foi elaborado pelo engenheiro-mor do Reino, o frade beneditino João Turriano5 e possivelmente o primeiro mestre de obras foi Domingos Freitas. A obra foi 1 “Fundada por Clara de Assis o convento também conhecido como segunda ordem franciscana. A ordem de Santa Clara tem por característica ser uma ordem de clausura, é uma das maiores de todo o mundo.”

2 CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Inventário Artístico de Portugal. Cidade de Coimbra. 1947. Academia Nacional de Belas Artes. Pag. 75

3 CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Op.cit. Pag. 76 4 CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Op.cit. Pag. 76 5 João Turriano nasceu em Portugal, no ano de 1611 e faleceu em 1689. Era filho de D. Maria Manoel e Leonardo Turriano, cuja profissão era arquiteto. Trabalhou como engenheiro mor para o Reino de

Portugal durante o reinado de Felipe II de Castela. Foram confiadas a ele as seguintes obras: Capelas-Mores das Sés de Viseu e Leiria, Mosteiro de Alcobaça, Igreja nova de Santo Tirso e as hospedarias e dormitórios do mosteiro beneditino de Semide e das Iglesinhas de Lisboa de Odivelas, da

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bastante onerosa e devagar, sendo necessária a intervenção do Rei. D. Pedro em 1669 para que os serviços fossem adiantados devido às péssimas condições em que viviam as religiosas ainda no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Apesar da mudança das irmãs Clarissas6 no ano de 1677, o convento só estaria finalmente concluído em 1696. Ressaltamos a trasladação do corpo da rainha Santa Isabel do antigo túmulo de pedra alocado no Coro Baixo do Mosteiro para um túmulo de vidro instalado no Coro Alto de Santa Clara-a-Nova. Em uma cerimônia realizada no dia 3 de julho deste ano foram proferidas as seguintes palavras: “Sendo dedicada a rainha Santa Isabel de Portugal”. “Em virtude desta dedicação deveria chamar-se – mosteiro de Santa Isabel, contudo o costume impôs o título de Santa Clara” 7, afirma Coelho. Entretanto, apesar da mudança das irmãs para a nova sede, o inventário cita que em 1773 ainda era possível observar, na ótica de Correia e Gonçalves, “obras a fazer” 8, como, por exemplo, um canal para a condução de água, provavelmente direcionada quatro chafarizes. O Mosteiro só foi entregue com o falecimento da última freira Clarissa em 1886. Deste momento em diante ele abrigou um colégio missionário administrado pela Congregação de S. José de Cluny que foi extinto em 1910 enquanto “na parte conventual foi instalado um regimento do exército” 9.

Estrela e de Travanca. Por fim, se tornou professor da Universidade de Coimbra.

6 A fundadora da Ordem das Clarissas foi Santa Clara de Assis, juntamente com São Francisco de Assis. A Ordem das Irmãs Clarissas foi fundada no ano de 1211. Clara consagrou-se a Deus no dia 28 de março, noite do domingo de ramos para segunda-feira santa, na igrejinha de Santa Maria dos Anjos, na Porciúncula, perto de Assis. Viveu um pequeno período em dois mosteiros beneditinos, até que foi conduzida por Francisco ao Mosteiro de São Damião, que ele próprio reconstruíra, próximo à cidade de Assis. Ali, com sua irmã Inês e com algumas companheiras, deu início a uma vida de oração e silêncio, na clausura e no recolhimento. Foram chamadas inicialmente de “damianitas”, “Irmãs Pobres Enclausuradas” ou de “Pobres Damas” ou de “Senhoras Pobres Enclausuradas”; mais tarde receberam o nome jurídico de Ordem de Santa Clara e foram designadas como Clarissas. A fundadora, Santa Clara de Assis, morreu em 11 de agosto de 1253, tendo conseguido, dois dias antes, a aprovação da sua Forma de Vida, a primeira obra na Igreja a ser escrita por uma mulher, cujo carisma claustral contemplativo teve um forte impacto sobre a época e continua atraindo vocações oitocentos anos depois. A Ordem das Clarissas teve uma extraordinária expansão ainda no século XIII e depois, continuou crescendo nos séculos seguintes com muitas fundações. Os Mosteiros são independentes. Existem mais de novecentos mosteiros no mundo, os quais acolhem mais de vinte mil clarissas. A Ordem de Santa Clara é contemplativa, priorizando a experiência da oração e da contemplação, e vive a clausura como um voto. Não realizam trabalho pastoral. Clare of Assisi: Early Documents: The Lady, Organizado por Regis Armstrong, Nova Iorque: New City, 2006. 7 COELHO, Maria Helena da Cruz. Esboço sobre a vida e obra de rainha Santa Isabel. In. Revista Monumento. Pag. 25 8 CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Inventário Artístico de Portugal. Cidade de Coimbra. 1947. Academia Nacional de Belas Artes. Pág. 79.

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1.2 A arquitetura do Convento “A posição do mosteiro, seguindo uma linha de cume, deu-lhe clareza tal de planta que, visto da cidade, se dilucida a concatenação dos elementos: para a direita em direção norte, alonga-se a parte da igreja e dos coros, ficando para trás o claustro e na sua ala norte, perpendicular à linha da frontaria do edifício, o refeitório e a cozinha; para a esquerda, a parte civil, conhecida por hospedarias. Ficam estas entre a capela-mor e a Senhora da Esperança e fora da parte murada do pátio, à exceção da casa do capelão que se sobrepões à sacristia.” 10 Na arquitetura do convento de Santa Clara-a-Nova é possível observar várias obras aproveitadas do mosteiro velho, como o portão de entrada para o pátio exterior, em cuja “face de fora, da primeira metade do séc. XII, o vão rectangular é enquadrado de colunas coríntias, sem canuleiras e muito cariadas já; no remate dois anjos sustentam as armas do convento (Portugal e Aragão) dentro dum Rótulo”11 A porta da igreja também aparece com uma referência à arquitetura grega, sendo “enquadrada de pilastras dóricas [...] com remate vultoso de pilastras jônicas”

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e

sem fugir da temática religiosa nacional aparecem dois anjos sustentando o escudo nacional no topo da porta. A igreja segue o padrão arquitetônico dos séculos XVI e XVII. Seu exterior é sóbrio, estruturado a partir da simplicidade de cores e formas, refletindo o princípio de pobreza tão caro à ordem mendicante que abrigava. Contrastando às formas austeras exteriores, o interior é ricamente adornado respeitando os padrões Barrocos do período. Luxo, riqueza e poder são demonstrados por das formas retorcidas, pinturas grandiosas e abundância da cor dourada. O mosteiro é formado a partir da seguinte composição de cinco elementos base: “a) os dormitórios, a cozinha e o refeitório, formando um corpo longitudinal em L;

9 CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Inventário Artístico de Portugal. Cidade de Coimbra. 1947. Academia Nacional de Belas Artes. Pág. 76.

10CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Op. Cit. Pág. 74. 11CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Op. Cit. Pág. 76. 12CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Op.cit. Pág. 79. 6

b) a igreja, coro-alto e coro baixo que, com a hospedaria, formam um corpo longitudinal; c) o claustro quadrangular e a sala do capítulo; d) a plataforma de chegada e portaria, que estabelece as articulações das dependências pelo exterior; e) a cerca, bastante fortificada, eu delimita os terrenos pertencentes ao mosteiro.”13 Adjacentes ao mosteiro, encontramos a hospedaria, o Largo e Capela de Nossa Senhora da Esperança, a calçada de Santa Isabel, a Capela dos Passos e o aqueduto. O claustro, parte da igreja que só foi finalizada no século XVIII, assume um estilo maneirista, “como um verdadeiro claustro real.”

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A direção da construção do

claustro se configura em um assunto divergente entre estudiosos do tema. José Fernandes Pereira acredita que o traçado é de Carlos Mardel, entretanto, “outros autores defendem que apenas o piso superior do claustro é atribuível a Mardel, sendo que o piso inferior teria sido concebido por Manuel do Couto e Custódio Vieira (BONIFÁCIO: 1900, p.48)”. A igreja apresenta uma vasta quantidade de painéis na capela-mor além de pinturas murais, retábulos e túmulos. Segundo o inventário da cidade “o encanto da igreja reside na talha dourada dos retábulos.”

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A igreja contempla diferentes estilos

arquitetônicos possivelmente devido à longa duração da construção. A preferência por linhas retas inscreve o edifício ainda numa corrente maneirista, enquanto que o portal da igreja e a fachada da portaria demonstram a influência barroca. A nave retangular divide-se em cinco trampos separados por pilastras dóricas que enquadram os retábulos com motivos franciscanos ou relatos da história de Santa Isabel.

13 VASCO, Rodrigues. Página 12. 14 BORGES, Nelson Correia. A talha. In. Revista Monumento. Pág. 66. 15 CORREIA, Viegilio. GOLÇALVES, Nogueira. Inventário Artístico de Portugal. Cidade de Coimbra. 1947. Academia Nacional de Belas Artes. Pag. 78.

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Capitulo 2 2.1 O Barroco Português e a Talha Dourada O Barroco foi uma manifestação artística que floresceu na península Itálica entre os séculos XVI e XVII e caracteriza-se como um movimento de resistência organizado pela Igreja para conter o avanço do protestantismo pela Europa, de forma que a talha é uma das formas artísticas mais beneficiadas pela questão da Reforma católica. Durante o século XVII foi uma forma de grande produção e um grande favorecimento com relação às potencialidades simbólicas do dourado, uma cor que reveste a madeira depois de aparelhada. Segundo Pereira, O ouro como o mais precioso dos metais o torna especialmente dotado para resistir a ação do tempo, visto que é incombustível, não cria ferrugem, não possui cheiro nem sabor. Desta forma, portanto, o dourado é como uma recriação do próprio céu que oferece ao crente a visão da eternidade.16

Logo, o estilo Barroco iria se estabelecer com força em Portugal ainda que adaptado ao contexto e à realidade local. Nesse sentido, a autora Natália Marinho Ferreira Alvez em seu trabalho A Apoteose do Barroco nas igrejas dos conventos femininos portugueses 17 demonstra as características próprias do barroco português às obras arquitetônicas religiosas ao longo da idade moderna em Portugal. A autora defende que a qualidade destas obras está corrompida, devido “a cobiça, o vandalismo e a ignorância que golpearam as instituições religiosas do século XIX.”

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Estas obras arquitetônicas não demonstram mais o fausto da época, sendo

apenas uma sombra do que podemos entender, eram “locais de grande prestígio, os conventos acolhiam senhoras da melhor nobreza, inclusive de sangue real, encontrando-

16PEREIRA, José Fernandes. História da Arte Portuguesa, Volume 7. O Barroco, 2007, Editora Círculo de Leitores. Rio de Mouro.

17FERREIRA-ALVEZ, Natália Marinho. A evolução da talha dourada no interior das igrejas portuenses. Separada da revista Museu – IV série – nº 4, 1995. Texto de comunicação apresentada ao Congresso de Monacato Feminino, realizado na Universidade de Léon, em abril de 1992.

18FERREIRA-ALVEZ, Natália Marinho. Op. Cit. 8

se entre seus fundadores os próprios monarcas e, como protectoras por excelência, rainhas e infantas.” 19 “Ao analisarmos os edifícios conventuais femininos somos confrontados com uma peculiaridade curiosa: à sobriedade da arquitetura do convento não corresponde, necessariamente, uma pobreza do interior das suas igrejas que, pelo contrário, apresentam uma grande exuberância decorativa.”

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Esse parágrafo nos demonstra um

paradoxo quanto à construção do Convento de Santa Clara-a-Nova, pois foi concebido como um convento de irmãs clarissas, uma versão feminina dos conventos franciscanos, pregando a pobreza e a clausura, porém a imponência da arquitetura, o altar e o retábulos revestidos em ouro criam uma contraditória noção. A partir do final do século XVII e início do século XVIII, o interior das igrejas recebeu os maiores investimentos, tornando-se e extremamente adornados, investindo em uma profusão de elementos dentre os quais de destaca o ouro da talha, a policromia das imagens as pinturas e os azulejos. Percebemos que toda essa pompa barroca é remetida somente para a nave da igreja, enquanto o claustro e as demais regiões do edifício correspondiam ao ideal de pobreza da irmandade. Em relação às talhas da nave da igreja ainda observamos que: “Se na maior parte dos casos a talha tem uma expressão tridimensional que a aproxima da escultura, também é verdade que foram múltiplas as suas aproximações com o discurso bidimensional da pintura (...)”21 A talha assume então, como a pintura, uma expressa vocação figurativa dando a ver cenas e episódios sagrados destinados à informação e ilustração piedosa dos crentes. Os relevos percorrem praticamente todos os períodos da talha portuguesa mantendo características idênticas entre si. Encontramo-los em Coimbra na Sé Nova (1650-1670) e em Santa-Clara-a-Nova (catorze retábulos). 19FERREIRA-ALVEZ, Natália Marinho. A evolução da talha dourada no interior das igrejas portuenses. Separada da revista Museu – IV série – nº 4, 1995. Texto de comunicação apresentada ao Congresso de Monacato Feminino, realizado na Universidade de Léon, em abril de 1992.

20FERREIRA-ALVEZ, Natália Marinho. Op.cit.1995. 21PEREIRA, José Fernandes, História da Arte Portuguesa, Volume 7 - O Barroco, 2007, Editora Círculo de Leitores. Rio de Mouro, Pág. 109.

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2.2 A Contrarreforma e o Barroco Foi a partir da Contrarreforma sistematizada pela Igreja após o Concílio de Trento (1545-1563) que este estilo artístico se propagou como veículo difusor dos ideais cristãos e da supremacia da Igreja frente ao Protestantismo. Vários artistas contribuíram para dar forma a este movimento como Pietro de Cortona, Gianlorenzo Bernini e Juan de Mesa. A contrarreforma teve uma ligação intrínseca com o barroco, e neste período, principalmente após o Concílio de Trento, a igreja se utilizara das imagens, com maior fulcro na pintura, com o intuito de se catequizar sistematicamente através deste veículo da arte.22 “Entre 1650 et 1670 l'esprit maniériste ou proto-baroque a eu raison de la structure classique créée par la Contre-Réforme”23 Paulo Pereira considera que “as imagens vieram a se tornar um serviço de propaganda estritamente codificado. De forma que os padres eram instruídos a fazerem vistorias nas obras realizadas, e as que não estivessem de acordo com as novas convenções, seriam refeitas ou ate mesmo destruídas” 24. Este instrumento de catequização influencia todos os artistas da época, de modo que passam a realizar suas obras seguindo instruções acerca da simbologia que deveria estar presente na obra. Tendo em vista que a grande parte da população da época, era iletrada, havia uma necessidade de arrebanhar novos fieis com base nas imagens, e estas deveriam representar o novo espirito da igreja. Ressaltamos a abrangência destas medidas na vida portuguesa através da participação de nobres e reis das reuniões na cidade italiana de Trento a exemplo do Frei Baltazar Limpo, dos teólogos dominicanos Frei Jerônimo de Azambuja e Frei Jorge de Santiago, e de Dom João III dentre outros. “É do conhecimento geral que Portugal foi um dos primeiros países a adotar e integrar no corpo legislativo nacional os decretos

22Revista e Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. Série 2, nº1 (1948) Lisboa : A.N.B.A., 1948. Página 11.

23Tradução: “Entre 1650 e 1670 espírito maneirista ou proto-barroco estava certo na estrutura convencional criada pela Contrarreforma [...]”

24PEREIRA, Paulo. Arte Portuguesa. Temas e Debates. 2011. Lisboa. Pág 567. 10

conciliares ratificados em 26 de janeiro de 1564 pelo papa Pio V, na bula Benedictus Deus.” 25 2.3 Os Retábulos No interior do templo destacam-se 14 retábulos26, dois túmulos ao fundo, um túmulo de prata no altar-mor e o antigo túmulo de pedra no coro baixo, sendo o de prata o local onde jaz a Rainha Santa Isabel de Portugal, benfeitora do convento. Estes retábulos foram “(...) habilmente concebidos para receber o trono eucarístico e o túmulo de prata da Rainha Santa” 27. Os 14 retábulos são: 1º Evangelho Baptismo de Jesus 2º Imaculada Conceição 3º As Chaves de Pedro 4º Aparição a Santa Teresa 5º S. Bartolomeu entrega na portaria do convento a antífona “Stella Coeli” 6º Santa Colecta recebe das mãos do Papa uma carta 7º Rainha Santa Isabel 8º Aparição de São Francisco de Assis 9º São João de Capistrano 10º S. Luís de Tolosa 11º Rainha Santa Isabel Distribuindo rosas 12º Aparição do Menino Jesus a Santo Antônio 13º Estigmatização de São Francisco de Assis 14º S. João Evangelista administra a sagrada comunhão à Santíssima Virgem Maria. 25SILVA, Amélia Maria Polónia. Recepção do Concílio de Trento em Portugal: as normas enviadas pelo cardeal D. Henrique aos bispos do reino, em 1553. 26Entalhados em madeira e posteriormente revestidos com uma película de ouro, o entalhe dourado é bastante recorrente em Igrejas da Península Ibérica, principalmente Portugal. Em geral aparece em arquitetura barroca, porem teve início no período Gótico. SMITH, Robert C. A talha em Portugal. Lisboa, 1962. 27BORGES, Nelson Correia. A talha. In Revista Monumento. Pág. 65.

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Dentre os 14 retábulos expostos na Igreja, destacamos como objeto de reflexão respectivamente a 8ª - Aparição de São Francisco de Assis e será feito um breve comparativo com o 13º Retábulo que trata da Estigmatização de São Francisco de Assis. Ambos elegem como personagem principal Francisco de Assis. Os retábulos foram produzidos em madeira, preferencialmente carvalho e castanho, e revestidos em ouro, utilizando a talha dourada. Esta técnica foi bastante reproduzida durante o período barroco (século XVI-XVII) embora seu início remonte ao período gótico (século XIIXIII) e sua influência alcance o neoclássico (século XVIII).28 Sua produção era esmerada e necessitava da competência de vários profissionais reunidos sob a tutela de um Mestre que era o responsável pela qualidade da obra. Figuram como uma das maiores expressões artísticas portuguesas, revelando também a prosperidade econômica que a nação gozava no início da Idade Moderna quando se afirmou como hábil mantenedora de possessões ultramarinas junto a seu território. “Em Portugal a madeira tem a mesma importância que o mármore na Itália ou a pedra em França” 29, pondera o autor Robert C. Smith. Os lusitanos demonstraram ser os melhores no entalhe e douramento da madeira, “será precisamente ao longo dos séculos XVII e XVIII que o Porto irá marcar nesta área uma posição predominante” 30, confirma Alvez. Neste período a talha dourada tomará o interior das igrejas portuguesas menos como uma tentativa decorativa do que como um canal de comunicação com o fiel, levando-o através de vários sentidos à compreensão dos ensinamentos básicos do cristianismo. As obras retabulares eram construídas por diversos artistas “entre os quais - escreve Smith - se destacam os autores dos riscos, entalhadores, imaginários, ensambladores e pintores-douradores”.31 A etapa do douramento era a mais árdua e por vezes não era realizada de imediato já que a madeira deveria ser previamente tratada para receber as folhas de ouro, evitando assim qualquer irregularidade em sua superfície que pudesse comprometer o resultado final do trabalho. As madeiras mais utilizadas eram cerejeira, cipreste, loureiro e as madeiras exóticas, embora o castanho e o carvalho

28BORGES, Nelson Correia. A talha. In. Revista Monumento. Pág. 66. 29SMITH, Robert C. A talha em Portugal. Lisboa, 1962. Pág. 72. 30FERREIRA-ALVEZ, Natália Marinho. A evolução da talha dourada no interior das igrejas portuenses. Separada da revista Museu – IV série – nº 4, 1995. 31SMITH, Robert C. Op. cit. Pág. 72.

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predominassem, reservando- se o pinho geralmente para as armações dos retábulos ou áreas secundárias. A madeira utilizada deveria ser livre de nós, podridões ou rachaduras. Smith32 descreve as igrejas portuguesas forradas de ouro, principalmente os conventos de São Francisco e Santa Clara no Porto, afirmando que estes dois exemplares integram o apogeu joanino do segundo quartel do século XVIII. A harmonia na obra do convento de Santa Clara-a-Nova descrita por Smith é superior à de São Francisco, devido à sua unidade e a preocupação com os detalhes. A decoração da igreja é posterior à sua construção, sendo que em seu interior predomina a estética barroca – com exceção das abóbodas - fato responsável pela harmonia da construção. Em relação à data das talhas, tanto Smith quando Ferreira-Alves atestam a falta de documentação necessária para a confirmação de alguns dados, como o nome dos autores das talhas ou datas contratuais de servidores envolvidos neste processo. Ainda segundo Smith33 algumas obras da Igreja em Santa Clara-a-Nova foram transplantados do antigo prédio, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Com a mudança física, faz–se necessário mover o sentimento de pertencimento um local para outro, incluindo nesta operação seus objetos e sua memória com o objetivo de recriar os laços comunitários de outrora. Em todos os retábulos um símbolo heráldico que remete à temática principal da obra aparece no topo. Neste caso, nos dois retábulos analisados neste trabalho, emergem dois braços em cruz, marcados por chagas sob uma cruz, símbolo este da ordem dos Franciscanos, sendo uma das mãos a chaga de cristo e a outra de São Francisco de Assis.34 2.3.1 O Retábulo e São Francisco de Assis O primeiro retábulo, o qual é desprovido de mesa de altar, retrata seis personagens clérigos, todos voltados para a aparição de São Francisco de Assis. A indumentária dos personagens é tratada como símbolo visual que demonstra a hierarquia eclesiástica presente na imagem. Destarte, o Papa aparece encoberto por um manto dourado e a Mitra35 ao seu lado, no chão. O cardeal porta seu manto vermelho, enquanto os outros aparecem com vestes brancas demonstrando que ocupam a base da 32SMITH, Robert C. A talha em Portugal. Lisboa, 1962. Pág. 72. 33SMITH, Robert C. Op. Cit. Pág. 72. 34As chagas nas mãos e pés são símbolos franciscanos devido a um fato da hagiografia de São Francisco de Assis. Depois de uma visão de Jesus crucificado Francisco passou a ter as mesmas chagas que inclusive sangravam com frequência.

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hierarquia da Igreja. São Francisco aparece com sua veste habitual - uma túnica marrom de algodão demarcada por uma corda amarrada à cintura – símbolos máximos da sua renúncia aos bens materiais e da sua doação ao trabalho de Deus. O retábulo que mostra São Francisco de Assis e o Papa está localizado ao fundo da Igreja, ao lado da porta de acesso à nave. Na lateral direita aparece São Francisco de Assis com uma auréola ou halo dourado representando sua santificação. À sua frente estão os outros quatro homens, membros do clero, destacando-se a figura de Ugolino de Anagni, conhecido por São Francisco, na época que era cardeal, porém no retábulo ele aparece como Papa Gregório IX 36, despido de sua característica mitra, símbolo recorrente nas imagens deste Papa. A mitra aparece no chão, enquanto Anagni sinalizando humildade aparece com a mão esquerda aos pés do Santo. Acima do Papa observamos um cardeal, reconhecido devido ao manto vermelho que recobre seus ombros e cabeça. Ele aparenta uma feição sobressaltada, com uma mão no peito e a outra segurando uma vela. Em seguida, atrás do cardeal existe um homem, com vestes brancas, empunhando uma vela, enquanto seu olhar se esquiva do ângulo que, matematicamente, o faria coincidir com o rosto de Francisco de Assis. Acima se pode observar outro religioso, com características de um Frade Menor, ordem a qual são Francisco de Assis iniciou sua vida religiosa. Sobre a porta da qual este homem sai existem os dizeres em Latim “FVNERIS S FRANCISCI PERMIRA CONSTITVT”. O décimo terceiro retábulo remonta à hagiografia de São Francisco, como tema, a Estigmatização do mesmo, repleto de símbolos de devoção e caridade onde Francisco assemelha muitas vezes sua trajetória de vida à do próprio Cristo. Segundo Augustine Thompson, escritor da biografia: São Francisco de Assis – Uma nova Biografia – O homem por trás da lenda 37, São Francisco de Assis nasceu na cidade de Assis, Itália, em 1181 (ou 1182). Filho de um mercador de tecidos, Francisco 35Barrete de forma cônica, fendido na parte superior, e que em certas solenidades é usado por bispos, arcebispos e cardeais. "mitra", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013 < disponível em http://www.priberam.pt/dlpo/mitra> Acessado em 17-06-2014. 36Gregório IX foi o papa que canonizou São Francisco de Assis dois anos depois de sua morte.

37THOMPSON, Augustine. São Francisco de Assis. Casa das letras, 2012. 14

tirou todos os proveitos de sua condição social vivendo entre os amigos boêmios até o fim de sua adolescência. “Por volta do ano de 1195, quando deveria ter aproximadamente 14 anos, Francisco começou a trabalhar como aprendiz no negócio do pai (...). É provável que tenha chegado a viajar com o pai para a França, com o intuito de adquirir tecidos.” 38 Mas a tentativa foi malograda. Para o contexto histórico do período um mercador não representava uma profissão honrosa, pois os seus ganhos eram advindos de altos juros, e a usura, para o cristianismo europeu, era classificada como heresia. Sonhou então, com as honras militares. Aos vinte anos alistou-se no exército de Gualtieri de Brienne que combatia pelo papa, mas em Spoleto teve um sonho que o deslocou para a vida agia. No capítulo intitulado: Francisco o autor torna à história de Francisco principalmente para a vida fora de sua cidade natal. Depois de sua volta a Assis, Francisco dedicou-se ao auxílio de doentes e pobres, porém só ficou por cerca de 6 meses quando assumiu residência em São Damião. “Durante esse meio ano, os pais tinham visto o comportamento de Francisco passar de irritado e distraído para absorto e isolado, e finalmente para bizarro e autodestrutivo. Agora, de repente, Francisco, pura e simplesmente, desaparecia”39 Um dia do outono de 1205, enquanto rezava na igreja de São Damião, ouviu a imagem de Cristo lhe dizer: "Francisco, restaura minha casa decadente". As palavras enunciadas soaram como um chamado para São Francisco que, interpretando-as em sentido literal, pôs-se a vender as mercadorias da loja do pai para restaurar a igreja. Como resultado, o pai de São Francisco, indignado com o ocorrido, deserdou-o. Com a renúncia definitiva aos bens materiais paternos, São Francisco deu início à sua vida religiosa. Thompson também descreve as criações de São Francisco, ele foi o responsável pela criação da Ordem dos Frades Menores iniciada mediante a autorização do papa Inocêncio III que permitia a Francisco e onze companheiros tornaram-se pregadores itinerantes. A sede da Ordem, localizada na capela de Porciúncula de Santa Maria dos Anjos, próxima a Assis, estava superlotada de candidatos ao sacerdócio. Para suprir a necessidade do espaço, foi aberto outro convento em Bolonha.

38THOMPSON, Augustine. Op.cit.. Pág. 28. 39THOMPSON, Augustine. Op.cit. Pág. 38 15

Um fato interessante entre os pregadores itinerantes foi que poucos, dentre eles, tomaram as ordens sacras. São Francisco de Assis, por exemplo, nunca foi sacerdote. Em 1212, Francisco fundou com sua fiel amiga Santa Clara, a Ordem das Damas Pobres ou Clarissas.40 Já em 1217, o movimento franciscano começou a se desenvolver como uma ordem religiosa. E como já havia ocorrido anteriormente, o número de membros tornou-se tão grande que foi necessária a criação de províncias que se encaminharam por toda a Itália e fora dela. O mosteiro de Santa Clara foi o primeiro deles a chegar a Portugal. Acostumado a afastar-se das multidões para rezar, Francisco dirigiu-se para o Monte Alverne, em jejum e oração em honra a São Miguel Arcanjo quando apareceu-lhe Cristo com as mãos e pés pregados a cruz. Este episódio aconteceu dois anos antes da morte de Francisco e foi imortalizado no retábulo. Quando a visão terminou, Francisco percebeu que suas mãos e pés também estavam marcados com as mesmas chagas de Cristo, marcas estas que viriam a sangrar de forma constante, a ponto de sujar as vestes. Outro detalhe é a falta do halo dourado ao redor da cabeça de Francisco, demonstrando que a imagem remete ao período em vida de Francisco, anterior à sua canonização. Outra pessoa, que também integra o retábulo, aparece um pouco mais a frente e parece não perceber, enquanto lê a Bíblia, que Francisco está a ter a visão de Cristo crucificado. Este homem com vestes franciscanas é possivelmente Frei Leão, grande companheiro e quem mais tinha acesso a Francisco. 2.3.2 A Contrarreforma e as imagens O século XVI, como toda época de transição, apresenta mudanças sensíveis em praticamente todos os níveis de uma sociedade. É durante a passagem do mundo medieval para a Idade Moderna que ocorre um conjunto de transformações nas relações de poder, originando dois movimentos contrários a que chamamos de Reforma e Contrarreforma. As Reformas Protestantes contestaram a estrutura e os dogmas da Igreja Católica daquele período. Ocorrida paralelamente ao movimento renascentista e à formação das monarquias nacionais europeias, ela expressou a necessidade de adequação da religião às transformações decorrentes da passagem do feudalismo para o desenvolvimento do capitalismo. Já o seu movimento contrário, a Contrarreforma 40Informação que Thompson retira do livro “Clare of Assisi: Early Documents: The Lady, Organizado por Regis Armstrong, Nova Iorque: New City, 2006.

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dedicou-se a barrar as críticas e o avanço do protestantismo nos férteis terrenos cristãos europeus. Através do Concílio de Trento41, Roma demonstrará sua preocupação em uniformizar a doutrina do mundo católico. Podemos perceber a grande influência que a vasta e complexa iconografia de Francisco de Assis sofreu com a contra reforma. Aldilene Marinho Cézar nos confirma que42: Até finais do século XV, é possível perceber que as imagens pintadas com os temas da vida de São Francisco se inspiravam no modelo iconográfico fundado por Giotto di Bondone.43 Todavia a partir do século XVI novas cenas contendo episódios da vida do assisense passarão a ser representadas e aquelas que já faziam parte da tradição iconográfica franciscana, que continuarão a ser figuradas, sofrerão alterações. O momento em que essa mudança iconográfica começa a ser percebido acontece nas primeiras décadas do século XVI [...] A partir das primeiras décadas do século XVI, esses ciclos, ou as cenas representadas isoladamente, ganharam novos temas e novas características iconográficas. (CEZAR:2005)

41O Concílio de Trento constituiu-se em uma das expressões mais fortes da Contrarreforma. Por conseguinte, seus decretos foram seguidos fielmente pela Igreja e, mais especificamente, pela Companhia de Jesus. O papado empenhou-se na realização de suas resoluções, emprestando-lhes força e vida. Tanto que Pio IV criou, em 2 de agosto de 1564, uma Congregação Cardinalícia para interpretação autêntica dos seus decretos. “Seu sobrinho, Carlos Borromeu, como arcebispo de Milão, por sua atividade, tornou-se o protótipo de um pastor tridentino. Pio V, sucessor de Pio IV, enviou, para observação, as edições oficiais dos decretos conciliares a todos os bispos; elas chegaram até à América e ao Congo... Executando uma resolução do Concílio, mandou ele publicar o ‘Catecismo romano’, um manual de doutrina da fé, baseado nas definições tridentinas” (JEDIN, 1961, p. 140). É relevante destacar, ademais, que os decretos do Concílio foram aceitos como lei do reino pelo cardeal D. Henrique, regente na menoridade de D. Sebastião, e publicados em Portugal por alvará de 12 de setembro de 1564 (OLIVEIRA, 1952, p. 209). Isso é de capital importância no interior da discussão deste trabalho, pois os decretos conciliares se tornaram, por conseguinte, leis da Colônia, sob as quais o jesuíta agia. 42 Transformações na cultura religiosa: os ciclos pictóricos da vida de Francisco de Assis na Itália dos séculos XIII ao XVI. Aldilene Marinho César, ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. Disponível em Visitado em 01/06/2014, Pág. 5.

43Giotto di Bondone. conhecido simplesmente por Giotto, (Colle Vespignano, 1266 — Florença, 1337) foi um pintor e arquiteto italiano. A característica principal do seu trabalho é a identificação da figura dos santos como seres humanos de aparência comum. Esses santos com ar humanizado eram os mais importantes das cenas que pintava, ocupando sempre posição de destaque na pintura. Assim, a pintura de Giotto vem ao encontro de uma visão humanista do mundo, que vai cada vez mais se firmando até o Renascimento. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Giotto_di_Bondone. Consultado em 01/06/2014.

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Para Réau44 estas tais mudanças poderiam estar diretamente ligadas ao Concílio de Trento. Segundo o autor, foi a arte barroca que criou uma segunda iconografia franciscana. Ainda completa dizendo que os longos ciclos narrativos da legenda de Francisco não são mais tão costumeiros como no início do século XVI; a pintura em afresco perde lugar para os painéis pintados sobre madeira, o que acarretou uma maior criação de imagens isoladas, substituindo as antigas em que ocupavam as paredes das igrejas e dos conventos franciscanos. Com relação designadamente ao 13º retábulo, nota-se que a iconografia com o tema da estigmatização de Francisco a partir de meados do século XVI até as primeiras décadas do século XVII passou por grandes alterações, como reitera Aldilene Marinho Cezar45, ao dizer que estas transformações não foram somente em alguns dos elementos icnográficos que normalmente compunham as cenas, mas também: ...na forma de apresentação do episodio que algumas vezes deixa de ser representado como uma cena narrativa para ser representada através de um retrato [...] A partir de então, a maioria dos elementos iconográficos mais comumente representados nessa cena irão continuar aparecendo, no entanto, sofrerão algumas alterações na maneira como são figurados. (CEZAR:2005)

Ainda neste mesmo pensamento da autora, São Francisco, diferentemente das representações anteriores, aparece com mais cabelo e sua tonsura é apenas sugerida. Luis Réau46 ratifica dizendo que Francisco passa a ser representado como Capuchinho. Logo nota-se a diferenciação das imagens anteriores com relação a este tema, em que a auréola que antes aparecia em sua cabeça, desaparece em quase todos os casos e “a partir da década de 80, Francisco frequentemente passa a ser representado de pé, fugindo completamente à tradição giottesca que o representava de joelhos [...] seu corpo é figurado mais elevado do que nas representações anteriores, nas quais ele aparece claramente ajoelhado” 47.

44RÉAU, Louis. Iconographie de l’art chrétien. Iconographie des saints. Paris: PUF, 1958, Tomo III, vol. I pag 529) Louis Reau ( Poitiers , 1881 - Paris , 1961 ) foi um iconógrafo e historiador de arte francês. Disponível em Acesso em 01 de janeiro de 2014. 45CEZAR, Aldilene Marinho. Imagens devocionais e práticas religiosas: A iconografia da Estigmatização de Francisco de Assis na pintura ‘hispano-italiana’ - Séculos XIII-XVI. DISPONIVEL EM < http://www.ifcs.ufrj.br/~arshistorica/jornadas/IV_jornada/IV_03.pdf,> CONSULTADO EM 10 DE JUNHO DE 2014. 46RÉAU, Louis. Op. Cit. 47RÉAU, Louis. Op. Cit.

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Dessa forma foi possível perceber que a estética barroca e sua simbologia sofreram expressiva persuasão da Contrarreforma. A necessidade que a igreja possuía em reaver os fiéis perdidos na Reforma original levou a uma transformação significativa no que toca à iconografia para melhor exposição da vida dos santos e uma maior aproximação com os devotos da época. A retabularia, presente na igreja do Mosteiro de Santa-Clara- a- NOVA, nada mais é do que o resultado da influência do Concílio de Trento que recomendava momentos de martírios, visões e êxtases místicos. A aparição de São Francisco de Assis é uma obra que representa um período da história de suma importância, lembrando que tudo é interligado, o barroco, a talha e a Contrarreforma.

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CONCLUSÃO

A nave da igreja do convento de Santa-Clara-a-Nova, em Coimbra, possui 14 retábulos. Dentre eles, este trabalho pormenorizou aqueles que retratam a figura de São Francisco de Assis. Esses retábulos foram encomendados especificamente para o convento, fato que os distingue de tantos outros trasladados e reaproveitados do antigo mosteiro de Santa-Clara-a-Velha. Sua produção foi realizada como uma forma de receber solenemente o corpo da Rainha Santa Isabel. A escolha da temática franciscana adquire grande sentido ao retomarmos a devoção da rainha por Santa Clara. Santa Clara e São Francisco são os exemplos maiores de devoção, humildade e auxílio ao próximo. Todas essas características se enquadram na memória que os portugueses desejam perpetuar de sua Santa Isabel. Quanto à autoria, os artistas da época se utilizavam de pseudônimos o que acarreta em uma dificuldade para determinar a identidade dos mesmos. Já é um fato conhecido que os estudos retabulares sofrem com a falta de documentação e preservação material de algumas peças. Mesmo o olhar atento não consegue solucionar algumas incógnitas. Podemos dizer que esses retábulos se inserem em um contexto de mudança na arte europeia após a divulgação das especificações do Concílio de Trento. Observamos então, a partir das novas diretrizes, o predomínio de tons escuros, jogo de luz e sombra e a preponderância de um semblante franciscano carregado de dramaticidade. Até mesmo os mais indiferentes à fé seriam comovidos através da emoção que emana dessas imagens. Essas características, entretanto, longe de reproduzirem normas, acabam se adaptando à realidade local, assumindo uma feição única a partir do acréscimo da talha dourada. Com isso, podemos dizer que estes retábulos integram parte do patrimônio histórico e cultural de Portugal. Seu estudo nos permite conhecer melhor aspectos da história portuguesa bem como a sua relação com a Igreja e como isso contribuiu para o desenvolvimento de determinadas manifestações artísticas que são peculiares desta região.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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