Os Rostos do Poder na Lisboa das Taifas (1009-1093) – novas leituras -

July 24, 2017 | Autor: Antonio Rei | Categoria: Al-Andalus, Gharb al-Andalus, Cidade de Lisboa, Reinos de Taifas
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in Actas do II Colóquio Nova Lisboa Medieval, IEM / FCSH - UNL / Livros Horizonte, Lisboa, 2007, pp. 60-71;

Os Rostos do Poder na Lisboa das Taifas (1009-1093) – novas leituras -

António Rei Bolseiro FCT IEM / FCSH-UNL

1. Introdução A partir de algumas releituras de fontes árabes relativas ao período das Taifas tentámos uma nova contextualização das informações nelas constantes, o que nos permitiu identificar melhor o percurso desta região extrema do al-Andalus bem como os principais protagonistas do poder em Lisboa, ao longo do século XI. Esboçámos um novo quadro, pois até ao presente tem sido geralmente entendido que esses detentores do poder eram homens ligados, apena e só, à Taifa de Badajoz, da qual Lisboa seria uma quieta, longínqua e quase esquecida parcela. Balizámos o período em estudo com aquelas datas, por ser, a primeira, 1009, aquela que marcou o início da fragmentação da unidade califal, e que consequentemente, provocou a passagem de todo o espaço islâmico peninsular a uma nova malha de estruturas politico-administrativas1. Na segunda data, 1093, o último dos monarcas da Taifa de Badajoz cedeu Lisboa, bem como Sintra e Santarém, a Afonso VI de Leão e Castela, em troca de um auxílio militar contra os Almorávidas norte-africanos, auxílio esse que acabou, afinal, por não se vir a efectivar2. 1As

Taifas foram as consequências politico-militares da desagregação do Califado de Córdova. Os primeiros sinais surgem logo no mesmo ano de 1009 (A.H. de Oliveira Marques, «O ‘Portugal’ islâmico», in Nova História de Portugal (NHP), (dir.A.H. de Oliveira Marques e Joel Serrão), Lisboa, Presença, 1993, vol.II: Portugal das Invasões Germânicas à ‘Reconquista’, p.130) e o seu desaparecimento foi lento e também desigual, e que se prolongou entre 1090 e 1110 (Rachel Arié, España Musulmana (siglos VIII-XV), vol. III da Historia de España (dir.M. Tuñón de Lara), Barcelona, Labor, 1984, pp.31-32. Para o ocidente peninsular a submissão aos Almorávidas decorreu entre 1091 e 1094, respectivamente as anexações da Taifas de Sevilha e de Badajoz (A.H. de Oliveira Marques, « O ‘Portugal’ islâmico», NHP II, pp. 134-136). Para uma panorâmica geral sobre o período das Taifas, v. Os Reinos de Taifas. AlAndalus en el siglo XI, (coord. Maria Jesús Viguera Molíns), vol. VIII-1 da História de España Menéndez Pidal, Madrid, Espasa-Calpe, 1994. 2A.H.

de Oliveira Marques, «O ‘Portugal’ islâmico», NHP II, p. 135.

2. O surgimento das Taifas Em 1009, a morte de ‘Abd al-Rahmân Sanchuelo, o último hâjib descendente de al-Mansûr,3 e que detivera o poder em nome do califa Hishâm II al-Mu‘ayyad bi-llâh4, foi o ponto de partida para a chamada fitna (sedição), que levou à decomposição política, social, administrativa e simbólica do califado de Córdova5. Conhecem-se sinais de autonomização logo desde aquele mesmo ano, mas que surgem essencialmente no levante peninsular. O ocidente peninsular apresentará um quadro com características idênticas, embora em datas posteriores, que apontam para meados da década seguinte6. No entanto, e apesar da efectiva desagregação política em curso, o califado de Córdova continuou a ter existência formal até 10317.

3. No Gharb al-Andalus: as Taifas de Badajoz e de Sevilha As duas maiores e mais importantes Taifas do ocidente peninsular foram as de Sevilha e de Badajoz. Sevilha, à excepção do período, entre 1016 e 1023, em que seguiu os califas hammudidas8, passou após 1023 a ser governada por um triunvirato composto por

‘Abd al-Rahmân Sanchuelo foi o último filho e sucessor de Muhammad ibn Abî ‘Âmir, al-Mansûr; a morte daquele extinguiu a dinastia dos hujjâb (primeiros-ministros) ‘âmirî, e precipitou a sedição (fitna) (v. E. Lévi-Provençal, “España Musulmana, 711-1031”, 4ª ed., Historia de España Menéndez Pidal, vol.IV, Madrid, Espasa-Calpe, 1976, p. 462). 3

4Hishâm

II “al-Mu’ayyad bi-llah” sucedeu a seu pai o califa al-Hakam II “al-Mustansir bi-llah” quando era ainda criança (E. Lévi-Provençal, ob.cit., pp. 402-405), e quando atingiu a maioridade, Muhammad ibn Abî ‘Amir fez constar que ele se queria dedicar a exercícios espirituais, e que por essa razão delegava neste último todas as tarefas da governação (idem, p. 411). 5V.supra 6A.H.

ns. 1 e 3.

de Oliveira Marques, «O ‘Portugal’ islâmico», in NHP II , pp. 130-132.

7O

califado desaparece naquela data quando as elites cordovesas não reconhecem mais a autoridade do último portador de tal título e instauram na cidade e seu território um regime de tipo republicano (V. LéviProvençal, ob.cit, p. 485 e Rachel Arié, ob.cit., p.27). 8Concretamente

‘Alî ibn Hammûd (1016-1018), al-Qâsim ibn Hammûd (1018-1021) e entre 1021 e 1023, este último e o seu sobrinho Yâhyâ ibn ‘Alî, alternaram-se no califado, até à expulsão de al-Qâsim de Córdova, naquela última data (v. Cronica Anonima de los Reyes de Taifas (ed.Felipe Maillo Salgado), Madrid, Ed.Akal, 1991, p. 70).

juristas9, entre os quais figurava um, chamado Muhammad ibn ‘Abbâd10. Investido naquela nova condição, este personagem afastou os outros dois elementos, e, sozinho no poder, deu origem à sua própria dinastia, os Banû ‘Abbâd, também conhecidos como Abádidas11, e que dominaram uma Taifa de características expansionistas, sediada em Sevilha, até ao ano de 1092. Badajoz, embora sob um domínio principalmente protagonizado pela família dos Banû-l-Aftas, entre 1022 e 109412, esteve inicialmente sob o governo de uma pequena dinastia anterior, que passamos a identificar. Aquela primeira dinastia foi iniciada por Sâbûr al-‘Âmirî, antigo governador de Badajoz, o qual poderá ter sido um cliente de al-Mansûr e da sua família, se atendermos ao apodo (nisba) al-‘Âmirî que geralmente aparece associada ao seu nome. No entanto, este Sâbûr seria, inicialmente, um liberto do califa al-Hakam II al-Mustansir bi-llâh.13 Apropriou-se do poder por volta de 1013, e deteve-o até à sua morte, ocorrida no ano de 102214. Tendo deixado dois filhos menores, o poder acabou sendo usurpado por aquele que fora até então o braço direito de Sâbûr, ‘Abd Allâh bin Maslama, também conhecido por Ibn al-Aftas, e que assim acabou dando origem à sua própria dinastia, os Aftássidas15.

triunvirato foi composto pelo qâdî (juiz) Abû-l-Qâsim Muhammad ibn ‘Abbâd; pelo faqîh (jurista) Abû ‘Abd Allâh al-Zubaydî ou Abû Bakr Muhammad ibn al-Hassan; e pelo wazîr (ministro) Abû Muhammad ‘Abd Allâh ibn Maryam ou Muhammad ibn Yarîm al-Alhânî (v.Cronica Anonima de los Reyes de Taifas, pp.71-72 e n. 201). 9Este

10Sobre

este Qâdî (juiz) que se assenhoreou do governo de Sevilha, v. Cronica Anonima de los Reyes de Taifas, pp.70-74; Ibn ‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, pp. 167-168); Hady R. Idris, ob.cit., p. 279; Rafael Valencia, «La Cora de Sevilla en el Tarsî‘ al-Ajbâr de Ahmad b. ‘Umar al-‘Udhrî», Andalvcia Islamica IV-V (1983-1986), pp.107-143; Hady R. Idris, «Les Aftasides de Badajoz», Al-Andalus XXX (1965), pp. 277-290, p.279. 11Sobre

os Abádidas, v. Cronica Anonima de los Reyes de Taifas, pp.70-74; Rafael Valencia, ibidem; E. Lévi-Provençal, «‘Abbâdides ou Banû ‘Abbâd», E.I. 2, t. I, pp.5-7. 12Sobre

os Aftássidas, v. E. Lévi-Provençal, «Aftasides (Banû l-Aftas)», E.I. 2, t. I, pp.249-250; Hady R. Idris, «Les Aftasides de Badajoz», Al-Andalus XXX (1965), pp. 277-290; Manuel Terrón Albarrán, El solar de los Aftasidas, Badajoz, 1971. 13Hady

R. Idris, «Les Aftasides de Badajoz», Al-Andalus XXX (1965), p. 278; M.Ángeles Pérez Álvarez, Fuentes Arabes de Extremadura(FAE), Caceres, Univ.de Extremadura, 1992, p. 167 e n. 271. Sobre o califa al-Hakam II, al-Mustansir bi-llâh (961-976), filho de ‘Abd al-Rahmân III e pai de Hishâm II, v. « Al-Hakam II al-Mustansir bi-llâh», E.I.2, t.III, p.77. que apenas se conhece pelo seu epitáfio: 10 de sha‘bân de 413 h. Sobre a conversão daquela data se para o ano em causa parece não existir dúvida: 1022; para o demais Lévi-Provençal, Inscriptions arabes d’Espagne, (apud Hady R. Idris, ob.cit., p.278 e n.4); e M. Ángeles Perez Álvarez, FAE, pp. 211212, dão respectivamente as concordâncias de: 8 de Abril e 8 de Novembro. 14Datação

15V.

supra n.12.

Estes quadros dinásticos e políticos vieram a revelar-se essenciais para o desenrolar da história de Lisboa no século XI, e que passaremos a expor.

4. Os protagonistas do poder na Lisboa do séc. XI Após 1009, Lisboa deixou sua condição de capital de kûra, que detinha dentro da trama administrativa do Califado cordovês. No entanto, apenas em 1015 se detectam referências relativas a Lisboa, já num novo contexto político-militar. O vazio de informações relativo àquele período de cerca de seis anos faz-nos colocar a hipótese, sem qualquer apoio documental, é certo, de que Lisboa poderá ter passado por uma fase autárquica e autónoma de tipo mais ou menos ‘republicano’ e em que teria sido governada por um órgão constituído pela elite mercantil local16. Talvez pelo facto de se poder tratar de uma forma de governo de tipo colegial paritário, este período carece de um rosto ou rostos, que ajudem a identificar alguns protagonismos. Durante o período entre 1015 e 1022 Lisboa e a sua região estiveram integradas na Taifa de Badajoz, durante o governo de Sâbûr al-‘Âmirî, o qual, pessoalmente ou por interposta pessoa, procedeu à respectiva ocupação17. É esta a primeira referência pessoal no quadro do século XI. Com a morte de Sâbûr, naquele ano de 1022, o facto de ter deixado como seus herdeiros dois filhos ainda jovens fez com que o ambicioso senhor berbere ‘Abd Allâh ibn Maslama ou ibn al-Aftas tivesse acabado realmente por se assenhorear do poder, dando assim início à sua pópria dinastia, a qual marcou indelevelmente Badajoz durante o século XI. Aquela tomada do poder originou, consequentemente, a fuga dos dois jovens filhos de Sâbûr, de seus nomes ‘Abd al-‘Azîz e ‘Abd al-Malik, os quais, abandonando Badajoz, para escaparem às represálias do novo senhor, acabaram por se vir a estabelecer na cidade da foz do Tejo18. Durante um curto período, Lisboa tornou-se, desta forma, a capital de uma pequena e efémera Taifa, onde aqueles jovens reinaram, por aquela ordem.

16Algo

semelhante ao que acabou por acontecer em Córdova, em 1031(v.supra n.7).

17Segundo

Ibn ‘Idhârî refere o primeiro dos Banû l-Aftas como o homem que teria procedido à ocupação de Santarém e de Lisboa, a mando de Sâbûr. Ibn al-Khatîb apenas refere Santarém, e refere a respectiva ocupação como feita pelo próprio Sâbûr. Sobre esta questão v. Ibn ‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, pp. 166167); e Ibn al-Khatîb, A‘mâl (apud FAE, p. 194). 18Hady R.

Idris, ob.cit., p. 278; Ibn ‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, p. 167).

O primeiro, ‘Abd al-‘Azîz, faleceu muito pouco tempo depois de se ter proclamado monarca independente, e foi sucedido pelo seu irmão. Este último, considerado politicamente inepto, acabou sendo deposto pela população lisboeta que, sem conhecimento do jovem monarca, negociou um acordo com o Senhor de Badajoz, e em virtude do qual Lisboa passava a reintegrar os domínios daquela Taifa. ‘Abd Allâh ibn al-Aftas enviou um seu filho, o seu sucessor, Muhammad Sayf al-Dawla (Espada do Reino)19, o futuro al-Muzaffar, para negociar a transferência de domínio e a saída do antigo Senhor de Lisboa. Foi este o escolhido também pelo facto de ser casado com uma irmã do mesmo ‘Abd al-Malik ibn Sâbûr, facto que terá facilitado todo o processo. Não houve qualquer represália sobre ‘Abd al-Malik, ao qual foi garantida uma saída honrosa, tendo ido com a sua família para Córdova, onde se veio a radicar definitivamente. Muhammad ibn al-Aftas ficou como governador de Lisboa20. A capacidade negociadora da elite lisboeta de então conseguiu a alteração do estatuto político da sua cidade e região, de forma satisfatória e sem penalizações. Este sucesso, aponta, quanto a nós, para a possível experiência governativa anterior que aquela elite prestigiada e engrandecida, teria adquirido durante o período já atrás referido, entre 1009 e 1015. Estimamos a duração daquela pequena Taifa em cerca de três anos, entre 1022 e 1025, isto atendendo a dois factos, que consideramos significativos: - o primeiro, relaciona-se com o facto de só em 416/1025 é que ‘Abd Allâh ibn al-Aftas se assumiu como soberano da taifa de Badajoz, tendo tomado o título honorífico (laqab) de al-Mansûr (o Vitorioso), facto passível de correlacionar com a reunificação de todo o espaço da Taifa, ao mesmo tempo que anulava politicamente os descendentes de Sâbûr21; 19Sobre

este título usado por Muhammad ibn ‘Abd Allâh ibn al-Aftas enquanto herdeiro, v. Hady R. Idris, ob.cit., p. 280, n.12. as peripécias politico-dominiais da pequena Taifa ‘âmirî de Lisboa, v. Hady R. Idris, ob.cit., p.278; Ibn ‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, p. 167). 20Sobre

21Entre

1022 e 1025 teria figurado como ‘regente’ (A.H. de Oliveira Marques, ob.cit., 132; Hady R. Idris, ob.cit., p.278; José Mohedano Barceló, «Ibn ‘Abdûn de Évora, poeta, erudito y hombre de estado, y la crisis espiritual del s. XI en al-Andalus», Bataliús II, pp. 61-106, p.69). Após a anulação política do último dos filhos de Sâbûr, passa então, a assumir-se como ‘o senhor da Taifa reunificada de Badajoz’, adoptando o laqab de al-Mansûr, em 1025 (Ibn Khaldûn, Kitâb al-‘Ibar, vol.IV, p.160 [apud Hady R. Idris, idem, p.278, n.5). Al-Mansûr é sem dúvida um título muito mais majestático e prestigiante do que o de al-Hâjib (primeiro ministro) que tinha sido adoptado antes por Sâbûr, e que figura no seu epitáfio. Conhecem-se duas lápides, uma mais extensa e outra mais curta, ambas ligadas ao local de enterramento do primeiro dos Aftássidas, e em que o título em causa também figura. No entanto, enquanto no epitáfio de Sâbûr o al-Hâjib vem após o seu nome, nas lápides relativas a ‘Abd Allâh ibn al-Aftas, no mais

- segunda razão, porque Lisboa, entre 1025 e 1030, já estava sendo atacada pelos Abádidas de Sevilha, os irredutíveis adversários dos Senhores de Badajoz22. Em algum momento daquele período os Abádidas, depois de atacarem e pilharem todo o espaço entre Évora e o mar, acabaram por conquistar Lisboa e a sua região, onde se incluíria Sintra23. Sobre Santarém, o silêncio das fontes, não nos permite concluir a sua possível integração no espaço sob o domínio de Sevilha. No entanto, atendendo à grande articulação estratégica que sempre existiu entre as duas cidades do curso final do Tejo, é admissível que Santarém também pudesse ter pertencido aos Abádidas. Previamente, já os Abádidas haviam conquistado Beja, local que durante décadas pontuará o itinerário entre a margem esquerda do Guadiana, onde os mesmos Abádidas já teriam Moura e Serpa24, e a zona da foz do Sado e da foz do Tejo, onde poderão ter também dominado Alcácer, antes de alargarem os seus domínios à margem norte do Tejo25. A posição estratégica de Beja terá sido um dos factores de conflito entre aquelas duas Taifas que procuraram, ao longo daquele século, o domínio do ocidente peninsular26. O exército sevilhano que conquistou Lisboa era comandado por Ismâ‘îl ibn ‘Abbâd, um filho de Muhammad ibn ‘Abbâd al-Qâdî, primeiro monarca da Taifa de Sevilha27. Este Ismâ‘îl foi também a primeira autoridade efectiva sevilhana em Lisboa, extenso, que seria o seu próprio epitáfio, o título al-Mansûr, antecede o seu nome, enquanto na mais curta o substitui totalmente, sendo a única fórmula identificativa da pessoa sepultada no local, e revelando, in extremis, a condição majestática de que disfrutara em vida (v. M.Ángeles Pérez Álvarez, FAE, pp. 211214). 22A

aliança entre Sevilha e Carmona durou entre 1027 e 1030 e juntou os senhores destas duas taifas contra os Aftássidas de Badajoz. Aquela aliança já surge com o conflito relativo a Beja, pelo que é possível que o mesmo tenha tido início, pelo menos em 1026 (v.Ibn ‘Idhârî, Bayân III [apud FAE, pp. 167-168]; Hady R. Idris, ob.cit., p. 279). 23Veremos

que em 1034 já Lisboa pertencia, seguramente, aos Abádidas. Não tendo havido conflitos entre as duas taifas de 1030 a 1034, então Lisboa e sua região, teriam sido mesmo conquistadas em 1030 ou um pouco antes dessa data. 24José

D. Garcia Domingues, «A Batalha do Alentejo. O Alentejo Árabe e a sua integração no Reino de Portugal», Independência - Rev.de Cultura Lusíada nº19 (1958), pp.37-61, p.46; Manuel Terrón Albarrán, «Aproximación a la Prosopografia del Reino Taifa de Badajoz: las Fronteras y el Territorio», Bataliús II (1996), pp.233-256, p.252. 25Ibn

‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, pp. 167-168); Hady R. Idris, ob.cit., p. 279.

entre as duas Taifas: 1028-30 (Ibn ‘Idhârî, Bayân III [apud FAE, pp. 167-168]; Hady R. Idris, ob.cit., p. 279); e 1050-51 (Ibn ‘Idhârî, Bayân [apud FAE, p. 169]); Hady R. Idris, ob.cit., p. 281-283). 26Lutas

27V.supra

n.10.

não se sabendo se apenas dispondo de autoridade militar ou também administrativa. Alguns anos depois este mesmo Ismâ‘îl veio a tomar o título de ‘Imâd al-Dawla (O Pilar do Reino)28. No ano 1034 ocorreu um facto militar de grande importância, não apenas pelos incidentes bélicos em si mesmos, mas porque nos volta a falar de Lisboa, e de quem então a senhoriava. Trata-se do seguinte episódio: um exército de Sevilha que regressava mercê de uma trégua estabelecida entre os monarcas das duas Taifas, Badajoz e Sevilha, das fonteiras com o reino de Leão29, é atacado traiçoeiramente pelos Aftássidas e também pelos leoneses30. Desta forma os de Badajoz, quebravam insidiosamente o anterior pacto. Com o seu exército desbaratado e chacinado, o comandante militar sevilhano, novamente Ismâ‘îl ibn ‘Abbâd, teve que fugir com alguns companheiros que escaparam ao massacre, uma fuga dramática em que chegaram a ter que abater algumas montadas, para se alimentarem. Conseguiram finalmente encontrar protecção dentro das muralhas de Lisboa, cidade nos limites dos estados de seu pai31. Confirma-se, pois, que Lisboa continuava sob o domínio dos Abádidas. Existem várias leituras relativas ao texto árabe onde surge este relato, devido ao facto de existir uma confusão ortográfica relativamente ao topónimo em causa, e que identifica a cidade para onde se dirigiu aquela dramática fuga. 28Este

príncipe abádida, bom chefe militar e que seria o herdeiro de al-Qâdî, ficou perenemente ligado a Lisboa, quer pela sua conquista, por ele comandada; quer anos depois, pelo episódio da dramática fuga desde o norte cristão. Veio a falecer em combate em 1036, contra o senhor de Málaga e Algeciras, Yahyâ ibn ‘Alî ibn Hammûd (v. Felipe Maillo Salgado, ob.cit., p.73; António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, 2ª.ed., 2 vols., Lisboa, Caminho, 1989, vol.2, pp. 209-211: um excerto da Crónica Anónima dos Muluk al-Tawa’if, ed.E.Lévi-Provençal, por este integrada na sua Histoire des Musulmans d’Espagne, t.III, Apêndice II, E.J.Brill, Leyden, 1932, p. 234). 29Acção

militar que não terá sido a primeira do género, pois sabe-se que os Abádidas em 1023 fizeram uma expedição militar à zona de Lafões, de onde trouxeram efectivos moçárabes para integrarem o seu exército (Reinhart Dozy, Historia de los Mususlmanes de España, IV tomos, Madrid, Ed. Turner, 1982, t.IV, p.26; Manuel Terrón Albarrán, «Aproximación a la Prosopografia ...» , p.238), e talvez também alguns para os seus corpos de funcionários, como foi o caso de Sisnando Davidiz (v. entre outros, Maria Ângela Beirante, «A ‘Reconquista Cristã’», NHP II, pp. 251-363, p.264). 30R.

Dozy, ob.cit., p.29; Hady R. Idris, ob.cit., p. 279. Este ataque ou perseguição dos leoneses ao exército abádida, em simultâneo ou de acordo com os Aftássidas, terá sido o que ficou registado como uma vitória, talvez a única, e daí também a importância de a referir, do reinado de Bermudo III (10281037), contra hostes islâmicas, a qual terá tido lugar na Terra de Stª.Maria. A confrontação terá ocorrido, segundo Pierre David, em 1035 (v. José Mattoso, Luís Krus e Amélia Andrade, O Castelo e a Feira. A Terra de Santa Maria nos séculos XI a XIII, Lisboa, Estampa, 1989, p. 125). A proximidade cronológica entre a data presente nas crónicas árabes e a atribuída pelo investigador francês permite-nos supor que se trataria afinal do mesmo recontro bélico. 31Ibn

‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, p. 168); Hady R. Idris, ob.cit., p. 279; António Borges Coelho, ob.cit., II, pp. 213-214.

Alguns autores entendem ser Lisboa (al-Ushbûna), e outros acham tratar-se de Ocsónoba (Ukshûnuba)32. E ambas as leituras, enquanto hipóteses de trabalho, podem ser consideradas aceitáveis, do ponto de vista linguístico, devido à grande semelhança gráfica que em árabe apresentam os dois os topónimos. Nós partilhamos a leitura que entende tratar-se de Lisboa, pelo que adiante exporemos. O episódio em causa ocorreu em 1034, no reinado de al-Qâdî, e apenas cerca de duas décadas mais tarde, já no reinado de al-Mu‘tadid, filho daquele, mais exactamente no ano de 1052, é que a Taifa de Ocsónoba, cuja cidade capital era então Santa Maria do Ocidente, e que grosso modo dominava o Sotavento algarvio, foi conquistada e integrada na Taifa de Sevilha33. Tratar-se-á portanto de Lisboa, a qual, com a sua região, acabou integrando o espaço abádida, até 1075, ou seja durante quase meio século. As confrontações entre a segunda geração de monarcas de ambas as Taifas, alMu‘tadid em Sevilha e al-Muzaffar em Badajoz, no início dos anos cinquenta, tiveram como palco a região de Évora34, não se constatando a mais pequena referência a Lisboa. O facto de os embates não terem sido favoráveis aos de Badajoz, também não lhes terá dado azo a que tivessem tentado a reconquista da região de Lisboa. Assim, no reinado de al-Mu‘tadid, entre 1042 e 1068, Lisboa e sua região terão coninuado, portanto, a pertencer a Sevilha. Além do mais, entre meados da década de cinquenta e meados da década seguinte, o avanço cristão nas fronteiras norte da Taifa de Badajoz com as conquistas de S. Martinho de Mouros, Sancti Iusti (?) e Travanca (1055); Lamego (1057), Viseu (1058), Seia, Gouveia, Tarouca, e Penela, e, por fim, a queda de Coimbra, em 106435, 32Ibn

‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, p. 168). M.Ángeles Pérez retém ‘al-Ushbûna’; António Borges Coelho, ob.cit., II, pp. 213-214, apresenta ‘Lisboa’, sem qualquer nota ou questão a ela relativa. Esta leitura já a encontrou em de R. Dozy, Scriptorum Arabum Loci de Abbadidis, Lugduni Batavorum, S.et.J.Luchtmans, 1846, vol.I, pp.235-240, cuja obra usou. Christophe Picard entende que se trata claramente de Lisboa (v. Christophe Picard, Le Portugal musulman (VIIIe-XIIIe siècle). L’occident d’alAndalus sous domination islamique, Paris, Maisonneuve & Larose, 2000, p.82 e n.73; Hady R. Idris, ob.cit., p. 279 e n.10, entende tratar-se de Ocsónoba e não de Lisboa. Na n. 10 remete para a n. 40 (idem, p. 286) onde volta a confundir novamente as duas cidades. 33A.H.Oliveira

Marques, ob.cit., p.136; António Borges Coelho, ob.cit., II, pp. 215-216.

34Ibn

‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, p. 169); Hady R. Idris, ob.cit., pp. 281-283. Durante o conflito, entre outos, é de salientar o facto de o tio de al-Muzaffar e governador de Évora, ‘Ubayd Allâh al-Kharrâz ter sido morto e decapitado pelos Abádidas (ibidem). 35M.

Terrón Albarrán, «Aproximación a la Prosopografia...», pp.247-248; M.Ângela Beirante, ob.cit., p.264; Hady R. Idris, ob.cit., p. 283 e n.24; M. Jesús Viguera Molíns, «Entre Douro e Mondego nas fontes árabes medievais. Estudo de um caso periférico», Fontes da História de al-Andalus e do Gharb, Lisboa, CEAA-IICT, 2000, pp. 117-140, p. 131.

cidade-chave no domínio do entre Douro e Tejo, afastaram obrigatoriamente a atenção dos de Badajoz para aquela zona, pelo que continuariam a não poder dar grande importância a Lisboa e suas envolvências. A excepção seria Santarém, já então em poder dos Aftássidas. Vejamos: Fernando I tinha mandado em direcção a Santarém um exército, durante o período entre 1059 e 106336. Não chegou, no entanto, a haver confrontação, pois após uma entrevista entre o conde e comandante castelhano e al-Muzaffar ficou acordado o pagamento de um tributo anual por parte do aftássida ao rei de Leão e Castela37. Se Santarém estivera integrada nos teritórios abádidas, talvez tivesse sido recuperada pelos Aftássidas entre 1050-1051, embora não se conheçam informações que apontem ou sugiram a respectiva datação. A queda de Coimbra, como vimos atrás, a morte de al-Muzaffar (1068)38 e a posterior divisão do reino bem como o conflito entre Yahyâ al-Mansûr, terceiro monarca de Badajoz, e o seu irmão ‘Umar al-Mutawwaqil, senhor de Évora, que veio a suceder àquele no trono, tudo isto entre 1064 e 1072, terão obstado, sem dúvida, a reconquista da zona de Lisboa, tanto mais que o domínio de Santarém terá sido um primeiro passo em direcção a esse desiderato. Foi durante aa décadas de 50 e 60, em que as duas Taifas ficaram em paz entre si, em virtude da trégua medeada pelo monarca de Córdova39, que al-Mu‘tadid teve as mãos livres para conquistar então as pequenas taifas do sudoeste do Gharb: Niebla, Huelva-Saltes, Santa Maria do Ocidente e Silves, entre os anos de 1051 e 105340. Sendo praticamente desconhecidas informações relativas àquele período de meio século e que associam os Banû ‘Abbâd com a região lisboeta, encontrámos, no entanto, recentemente, um relato que é, pelo menos, uma primeira achega para o colmatar daquela lacuna informativa.

Ibn ‘Idhârî, Bayân III (apud FAE, p. 171). O texto coloca a conquista de Coimbra como posterior a esta tentativa de ataque a Santarém, por isso a situamos entre as últimas conquistas da Beira Alta (1058) e o ano logo anterior ao da conquista de Coimbra. 36

37

Ibidem.

38Hady R.

Idris, ob.cit., p. 284.

39A

paz entre os dois contendores foi concertada por Ibn Jahwar, senhor de Córdova (Hady R. Idris, ob.cit., p. 283). 40Felipe

Maíllo Salgado, ob.cit., pp.32-40; A. Borges Coelho, ob.cit., II, pp. 214-216; A.H. de Oliveira Marques, ob.cit., p.136.

Trata-se de um episódio passado na corte de al-Mu‘tamid, o terceiro e último monarca da Taifa sevilhana41. O rei-poeta nascido em Beja, e cuja juventude literária e boémia ficou para sempre ligada a Silves e ao Algarve42. O tal episódio fala-nos de um agricultor da região de Sintra que exibiu ante aquele monarca algumas maçãs de enormes dimensões, das que se produziam na região de Sintra e tão celebradas foram nos relatos árabes43. A descrição em causa torna-se ainda mais interessante pelo facto de o camponês relatar com pormenor todo o processo agronómico utilizado para que fosse possível produzir frutos de tão grandes proporções44. Al-Mu‘tamid sucedeu a seu pai em 1068, e tendo, mais tarde, al-Mutawwaqil, o quarto, e também último, senhor de Badajoz conseguido reconquistar Lisboa e a sua região por volta de 107545, aquele episódio é datável da primeira metade da década de setenta do século XI, quando o rei de Sevilha era ainda então o senhor de Lisboa. ***** Terão sido ainda os Abádidas de Sevilha os iniciadores das construções, residenciais e palacianas dos chamados ‘Paços da Vila’46, pois sabe-se por informações de um geógrafo hispano-árabe coevo, que Sintra dispunha já então de dois palácios / castelos: que seriam o Castelo dos Mouros e aquela outra residência senhorial47.

41A.H.

de Oliveira Marques, ob.cit., p. 247.

a vida dramática e sobre a obra daquele rei-poeta v. Adalberto Alves, Al-Mu‘tamid, o Poeta do Destino, 2ª.ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2004; e Maria Jesús Rubiera Mata (ed.), Al-Mu‘tamid ibn ‘Abbâd. Poesias (Antologia bilingue), Madrid, IHAC, 1982. 42Sobre

43Sobre

as famosas maçãs da região de Sintra, v. Adel Sidarus e António Rei, «Lisboa e o seu Termo segundo os geógrafos árabes», Arqueologia Medieval 7 (2001), Mértola / Porto, CAM / Afrontamento, pp.37-72, pp.68-70. 44Idem,

p.68.

45Não

havendo referências a Lisboa no reinado de al-Muzaffar, estas reaparecem claramente no reinado de al-Mutawwaqil. V. Ibn al-Athîr, Kâmil fi-l-Ta’rîkh: ‘su autoridad se extendió hasta el extremo de occidente’ (apud FAE, p.154); al-Marrâkushî, al-Mu‘jib: ‘reinó en Badajoz y en su distritos, en Evora, Santarem y Lisboa’ (apud idem, p. 157); Hady R. Idris, ob.cit., p. 286 e n.40. 46Sobre

os ‘Paços da Vila’ de Sintra, sua origem e polémicas àcerca dessa mesma origem, v. António Borges Coelho, «Sintra: os paços da vila», Questionar a História, Lisboa, Caminho, 1983, pp.89-119. Borges Coelho atribui-lhe origem islâmica, remetendo para os Aftássidas, em função do geralmente admitido (v.supra ‘Introdução’). Também A. Freitas Leal, «Os Paços de Sintra. Alguns subsídios para a sua história», Arqueologia Medieval 5 (1997), Mértola / Porto, CAM / Afrontamento, pp. 268-276, identifica as estruturas iniciais do palácio como anteriores à conquista cristã de 1147 (p.268), Ainda relacionado com este paço, e sobre alguns indícios arquitectónicos de orientação que nos apontam para uma construção de origem islâmica, v. A. Rei, «O ‘Alcácer’ de Sintra», Al Furqán nº 74 (1993), Loures, p. 18. 47Al-Bakrî,

natural da região de Huelva, geógrafo, erudito e diplomata do século XI (sobre este autor v. António Rei, Memória de Espaços e Espaços de Memória. De al-Râzî a D.Pedro de Barcelos, Dissertação de Mestrado, FCSH-UNL, 2002, pp. 57-58), identificou dois castelos em Sintra, que seriam: o chamado ‘Castelo dos Mouros’ e os ‘Paços da Vila’. Esta informação é-nos veiculada por um geógrafo posterior, al-Himyarî

Os Aftássidas, reconquistando a zona apenas dez anos antes da queda de Toledo, e num cenário politica e militarmente cada vez mais conturbado para os monarcas muçulmanos, já não teriam tido tempo para grandes construções, e depois de 1085 as prioridades eram seguramente outras. O mesmo não se terá passado certamente com quem tenha disposto de um período de cerca de meio século, o qual, a despeito das contendas regulares entre Badajoz e Sevilha, permite-nos supor que para Lisboa e a sua região teria sido de uma relativa tranquilidade. Se os Abádidas, grandes construtores, realizaram em Silves obras dignas de nota no famoso ‘Palácio das Varandas’48, dispondo de cerca de tres décadas, o mesmo, ou mais, terão feito em Sintra. ***** Só, portanto, em 1075, a região lisboeta terá sido reintegrada na Taifa Aftássida de Badajoz, e aí permaneceu até 1093. Conhecem-se, para este último período aftássida, os nomes de quatro homens ligados à governação de Lisboa, três governadores, que o foram em nome de alMutawwaqil, e um secretário de um desses governadores. O primeiro dos governadores conhecidos, ficou com o cargo logo após a reconquista de Lisboa pelos de Badajoz, e chamava-se Abû ‘Abd Allâh ibn Khayra. Era um ministro (wazîr) de al-Mutawwaqil, e também um dos seus chefes militares (qâ‘id)49. Atendendo a este seu último estatuto poderá ter sido ele mesmo o comandante das forças que protagonizaram a reconquista de Lisboa. Não se sabe, no entanto, quando terá deixado de governar Lisboa. Em 1079 terá havido uma sublevação em Lisboa, que terá sido facilmente controlada50, coincidindo com a época em que a Taifa de Badajoz é, de novo, gravemente espoliada pelos castelhanos, com a conquista de Cória, por Afonso VI51. (v.A.Sidarus e A.Rei, «Lisboa e o seu Termo segundo os geógrafos árabes», pp.58-60; sobre al-Himyarî, v. António Rei, Memória de Espaços..., pp. 66-67). 48‘Qasr

al-Sharâjîb’ (Palácio das Varandas), assim foi identificado pelo próprio al-Mu‘tamid num poema, a ‘Evocação de Silves’ (v. Maria Jesús Rubiera , ob.cit., p.75; Adalberto Alves, ob.cit.; Idem, O meu coração é árabe. A poesia luso-árabe, 2ªed., Lisboa, Assírio & Alvim, 1991, pp.147-164, especialmente p.148 e bibliografia em rodapé). Com uma possível origem anterior, que remontará, pelo menos, aos Banû Muzayn, foi muito beneficiado pelos Abádidas. De forma forma idêntica tinham feito com as construções palacianas de Sevilha, que se mantiveram como tais até aos finais do século XII (Ch.Picard, ob.cit., p. 78). 49Hady R.Idris,

ob.cit., p. 286, n. 40.

50Esta

informação surge em A.H.de Oliveira Marques, ob.cit., p. 133, sem citar qualquer fonte. Não tendo conhecimento, até ao momento, de qualquer fonte ou estudo que corrobore tal facto, ainda assim levantamos esta questão: tratar-se-ia de uma sublevação encabeçada pelas elites locais, que se sentiriam lesadas dentro das novas redes clientelares aftássidas, elas que estaríam bem melhor posicionadas dentro das malhas abádidas ? 51Hady R.

Idris, ob.cit., p. 286; E.Lévi-Provençal, «Aftasides (Banû l-Aftas)», E.I. 2, t.I, pp.249-250.

Posteriormente, procurando uma pacificação social e, possivelmente coincidindo com o período em que al-Mutawwaqil esteve em Toledo, num efémero reinado, entre 1080 e 1081, foi governador de Lisboa Abû Muhammad ‘Abd Allâh ibn Hûd al-Khudhamî52. Filho de um monarca hûdî de Saragoça, era poeta e letrado e foi protegido do rei de Badajoz, que o colocou, como seu governador e homem de confiança, na cidade do Tejo. Desempenhou as suas funções com honra e dignidade, tendo sido mesmo elogiado num panegírico de Ibn ‘Abdûn53. Em 1084 era governador de Lisboa o ministro (wazîr) e jurista (faqîh) Abû ‘Abd Allâh Muhammad ibn Ibrâhîm al-Fihrî54. Grande mecenas dos letrados e poetas, acabou sendo morto em circunstâncias mais ou menos misteriosas55. Entre os que frequentavam as suas tertúlias de letras contavam-se homens como Ibn Bassâm al-Shantarînî e Abû ‘Amir ibn al-Asilî56. O primeiro é o famoso autor da, grande antologia sobre letrados andalusîs, denominada al-Dhakhira57. O segundo foi o secretário (kâtib) de al-Fihrî, enquanto este foi governador de Lisboa, e al-Asilî compôs mesmo um panegírico que foi recitado no funeral daquele. Al-Asilî tinha sido nomeado secretário daquele por al-Mansûr, um dos filhos de alMutawwaqil58 , que talvez fosse então governador de Évora, a segunda cidade do reino de Badajoz. 52Adalberto

Alves, O meu coração é árabe, pp. 127-128; A. Borges Coelho, ob.cit., II, pp. 232-233; José Mohedano Barceló, ob.cit., p.76. Mohedano Barceló, ibidem. Sobre Ibn ‘Abdûn al-Yâburî, v. José Mohedano Barceló, ob.cit.; Idem, Ibn ‘Abdûn de Évora (c.1050-1135), Univ.de Évora, 1982. 53José

este al-Fihrî, v. o exaustivo trabalho de Maribel Fierro, “Los Ulemas de Lisboa”, nestas mesmas Actas (agradeço aqui à Profª. Maribel Fierro, a amável disponibilização do seu texto, ainda antes de entregue para publicação); Teresa Garulo, «Poesia Árabe en Portugal», Xarajîb 1, Silves, CELAS, 2000, pp. 67-79, p.72; Idem, “La vida y la obra de Abû ‘Amir ibn al-Asîlî, poeta itinerante del ultimo tercio del siglo V/XI”, Al-Qantara XVI-1 (1995), pp.59-82. É curioso notar que este governador era um membro dos al-Fihrî, como aliás o poeta, kâtib e dhû-l-wizaratayn (detentor de dois ministérios) Ibn ‘Abdun al-Fihrî al-Yâburî, homem também próximo a al-Mutawwaqil (v. n. supra). Esta família ou clã árabe estaria, pois, próxima dos círculos do poder Aftássida. 54Sobre

55Teresa

Garulo, “Poesia Árabe…”, p.72; Idem, “La vida y la obra…”, pp.63-64 e 73-75; Maribel Fierro,

ibidem. 56Ibidem. 57V.sobre

Ibn Bassâm al-Shantarînî, um dos maiores vultos das letras árabes: Adalberto Alves, O meu coração é árabe, pp. 75-76; Teresa Garulo, ob.cit., p.72; Bruna Soravia, «Fonti letterarie e storia socioculturale. Il caso delle taifas andaluse», Fontes da História de al-Andalus e do Gharb, Lisboa, CEAA-IICT, 2000, pp.75-88, passim. Teresa Garulo, “Poesia Árabe…”, p.73 e n.21; Idem, “La vida y la obra…”, p.70 e n.18; Maribel Fierro, ibidem. 58

Poeta itinerante, terá exercido funções de informador para os Aftássidas, sobre as áreas que mais directamente os interessavam: na Coimbra já então cristã, e no sul ‘algarvio’59, então parte da Taifa sevilhana. Depois da morte de al-Fihrî perde-se-lhe o rasto. ***** A região de Lisboa, que tanto custou aos Aftássidas a reintegrar nos seus domínios, acabou por ficar, ironica e dramaticamente, ligada ao desenlace final daquela dinastia. Os Almorávidas tinham vindo como aliados, para ajudar os Reis de Taifa peninsulares contra Afonso VI de Leão e Castela, após a conquista de Toledo em 1085. Mas os norte-africanos decidiram começar a intervir politica e militarmente por entenderem que os monarcas hispano-árabes levavam existências muito pouco consentâneas com os preceitos do Alcorão60. Sentindo-se naturalmente ameaçados, os Reis de Taifa decidiram tentar resistir como lhes era possível. O mesmo al-Mu‘tamid de Sevilha foi vencido pelos novos senhores do Magrebe, feito prisioneiro e deportado com a sua família, para próximo de Marraquexe, em Agmat, onde veio a falecer61. Quanto aos seus rivais de Badajoz, reservava-lhes o destino um final ainda mais trágico. Sentindo-se impotentes para enfrentarem sozinhos os Almorávidas, procuraram uma aliança com Afonso VI de Leão e Castela, o mesmo que uns anos antes os pusera em sobressalto com a conquista de Toledo. Pois naquele momento al-Mutawwaqil parece ter-se esquecido de tudo isso e para a obtenção do apoio militar de Afonso VI entregou-lhe Lisboa, Sintra e Santarém, em 109362. Os Almorávidas declararam-nos fora da lei e atacaram Badajoz. Tendo saído vitoriosos, prenderam al-Mutawwaqil e todos os filhos que com ele se encontravam. Enviados, sob prisão, para Sevilha, não chegaram à cidade do Guadalquivir, pois acabaram sendo executados todos, por decapitação, ainda durante a viagem. Foi este o fim dos Banûl-Aftas, os antigos Senhores da Taifa de Badajoz63.

59Teresa

Garulo, idem, pp.72-73 e ns.20 e 21.

60A.Borges

Coelho, ob.cit., II, pp.248-251.

61Adalberto

Alves, Al-Mu‘tamid. O Poeta do Destino, passim; A.Borges Coelho, ob.cit., II, p.257.

62Hady

R. Idris, ob.cit., p. 289; E.Lévi-Provençal, «Aftasides (Banû l-Aftas)», E.I. 2, t.I, p.250; A.H.de Oliveira Marques, ob.cit., pp.134-135.

Só em 1111 é que estas paragens taganas voltaram às mãos dos muçulmanos, ainda que apenas por um último período, de cerca de três décadas e meia64. Mas isso já está para além do que nos propusemos.

CONCLUSÃO O percurso de Lisboa e sua região, e também o daqueles que a dominaram ao longo do século XI não foi, portanto, assim tão linear, uniforme, e quase esquecido, como até ao presente momento nos tem sido transmitido. Ao longo de todo aquele século XI, século em que a dinâmica e o protagonismo militares mudam de campo, transitaram de um califado islâmico de al-Andalus para uma monarquia cristã de Leão e Castela, que se pretende hegemónica e também imperial, e apesar de Lisboa e a sua região envolvente se situarem nos confins ocidentais do mundo então conhecido, não foram, apesar de tudo, menos importantes, nem menos apetecidas, quer para os senhores muçulmanos quer para os senhores cristãos.

63Ibn

al-Athîr, Kâmil fi-l-Ta’rîkh (apud FAE, p.155); al-Marrâkushî , al-Mu‘jib (apud idem, p.157); Ibn alKhatîb, A‘mâl (apud idem, p. 196); Hady R. Idris, ob.cit., p. 289 e n.53; E.Lévi-Provençal, «Aftasides (Banû l-Aftas)», E.I. 2, t.I, p.250. 64Em

1111 Sîr Abû Bakr, comandante almorávida do Gharb, conquistou Lisboa, Sintra e Santarém (Ibn Abî Zar‘, Rawd al-Qirtâs [apud FAE, pp.179-182, p.182]); e em 1147 foram as mesmas conquistadas definitivamente pelos cristãos (Ibn Athîr, Kâmil fi-l-Ta’rîkh [apud FAE, p.155]).

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