OS SABERES DOCENTES NO PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS BIOLÓGICOS EM UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO- COMPLEXA Angélica Suelle França de Andrade-Monteiro Mestranda do PPGEC/UFRPE

June 2, 2017 | Autor: Ana Maria Leão | Categoria: Teacher Education, Science Education
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OS SABERES DOCENTES NO PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS BIOLÓGICOS EM UMA PERSPECTIVA SISTÊMICOCOMPLEXA

Angélica Suelle França de Andrade-Monteiro Mestranda do PPGEC/UFRPE [email protected]

Ana Maria dos Anjos Carneiro-Leão Docente Dep. Morfologia e Fisiologia Animal e PPGEC/UFRPE [email protected]

Fernanda Muniz Brayner-Lopes Docente SEDUC/PE [email protected]

RESUMO Esta pesquisa é fruto de um projeto mais amplo, que envolve um trabalho de doutorado (BRAYNER-LOPES, 2015) e uma pesquisa de mestrado (SOUZA, 2015), desenvolvidas no Programa de Pós Graduação em Ensino das Ciências (PPGEC) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Das etapas metodológicas vivenciadas na pesquisa de Brayner-Lopes emergiu o material analisado nesta pesquisa, selecionando-se dois docentes (D-01 e D-06) para verticalizarmos as discussões. Entre as produções desses participantes, nos concentramos sobre os esquemas conceituais, construídos individualmente e a entrevista sobre essa produção, que buscava explicitar um contexto explicativo e articulado a respeito dos processos biológicos do personagem Garfield, enquanto analogia do ser humano. O objetivo deste trabalho foi reconhecer quais os Saberes Docentes (TARDIF, 2010) mobilizados para a articulação e compreensão dos processos biológicos de Garfield em uma perspectiva sistêmicocomplexa. Foram analisados elementos presentes na prática docente (inicial ou continuada) de D-01 e D-06, que nos forneçam subsídios para inferir o caminho percorrido nos processos de Desconstrução e Reconstrução do conhecimento e materializado nos Esquemas Conceituais analisados. O participante D-01 mobilizou os quatro Saberes Docentes - saberes de formação profissional, disciplinares, curriculares e experienciais, ao passo que D-06 utilizou dois saberes (saberes de formação profissional e disciplinar). Assim, compreendemos que para a articulação de conceitos biológicos numa perspectiva inovadora faz-se necessário resgatar saberes relacionados às

experiências pessoais, profissionais e sociais dos participantes, partindo desse pressuposto, os Saberes Docentes é o resultado de uma associação de diversos conhecimentos, essencialmente heterogêneos, porém, não excludentes entre si; pelo contrário, eles são complementares, indissociáveis e articulados simultaneamente, de modo que esses conceitos se configuram em um novo caminho que se alia a perspectiva sistêmico-complexa, buscando compreender as inter-relações presentes entre as unidades isoladas para constituir um universo amplo e complexo.

Palavras-chave: Saberes Docentes, Conceitos articulados, Perspectiva sistêmicocomplexa, Esquemas conceituais.

INTRODUÇÃO Ainda no século XXI, os professores ainda são guiados por princípios paradigmáticos tradicionalistas segundo Jófili et al. (2013), o domínio de conteúdos específicos da sua área de formação, atrelado aos longos anos de experiência no magistério e ao conhecimento pedagógico ainda representam critérios que caracterizam um “bom” professor dentro dessa perspectiva conservadora da educação. Trata-se de um reflexo dos paradigmas vigentes de cada época que influenciaram fortemente na organização de diversos padrões culturais, sociais e, principalmente, educacionais. Paradigmas, segundo Kuhn (1998) são entendidos como um conjunto de normas ou regulamentos que influenciam nas percepções e nas atitudes, bem como na forma como se vê o mundo. Nesse caminho, reconhecemos três concepções paradigmáticas que resultam em formas distintas de compreender o mundo: os paradigmas cartesiano, sistêmico e complexo. Souza (2015) aponta algumas características destas perspectivas que nos permite diferenciá-las (figura 01).

Figura 01 – Características dos paradigmas cartesiano, sistêmico e complexo

Fonte: Souza (2015)

Capra (2006) ressalta que na ciência tradicional qualquer sistema complexo pode ser compreendido analisando as propriedades das partes mais significativas. Já a perspectiva sistêmica, defende que o conhecimento fragmentado das partes não é suficiente para entender o todo, pois não são as propriedades intrínsecas, de forma isolada, que propiciarão a compreensão do processo. As relações existentes entre as várias partes, numa perspectiva em que o contexto maior está inserido, permitem considerar o processo como um todo e buscar explicações que estejam atreladas ao seu meio. Contudo, Mariotti (2000) afirma que nem o pensamento cartesiano e nem o sistêmico por si são suficientes para explicar e compreender o todo. O pensamento complexo se caracteriza com a junção da perspectiva linear e sistêmica: tal perspectiva “permite entender que cada coisa é ao mesmo tempo causa e efeito, isto é, torna possível pensar em termos de ciclos que se influenciam mutuamente e ampliar o significado de nossas conclusões” (MARIOTTI, 2000, p. 86).

Assim, concebemos a visão de um docente em constante mudança e reflexão, transitando entre concepções paradigmáticas distintas, em um processo intermitente de “vir-a-ser”. Portanto, este trabalho, assim como os de Brayner-Lopes (2015) e Souza (2015) trazem a ideia da percepção dentro de uma compreensão sistêmico-complexa, a qual valoriza a reelaborada articulação das partes para a compreensão do todo. Desta forma: Trabalhamos na interface entre os paradigmas sistêmico e complexo, considerando a necessidade de promover um “transitar” entre essas concepções paradigmáticas sem excluir desse contexto o pensamento newtoniano/cartesiano, que influenciou e ainda influencia de modo muito forte a percepção de mundo e a organização social ocidental. (SOUZA, 2015, p. 20).

Por muito tempo, o cartesianismo predominou como a principal proposta paradigmática vigente. Percebemos que esse modelo estabelece para o ensino uma visão de mundo como um sistema mecânico, formado por blocos separados, em que as disciplinas escolares são particionadas em conjuntos que determinam conteúdos e séries, impossibilitando a construção do conhecimento de forma ampla (PIETROBON, 2006; BEHRENS; OLIARI, 2007). Essa visão tradicionalista afetou diretamente os cursos de formação de professores, sendo marcados pela desarticulação teoria-prática, favorecendo a repetição de modelos pré-estabelecidos e/ou instrumentalização técnica para os conteúdos teóricos. BraynerLopes (2015) aponta que ensinar em universidades, nessa visão conservadora, parece ser sinônimo de uma competência técnica, restringindo esse professor ao domínio de sua área especifica do conhecimento, negligenciando, porém, sua formação didática. Nesse sentido, Masetto (2012) crítica a organização estrutural das instituições de Ensino Superior, que priorizam o domínio do conhecimento específico e experiências vivenciadas como principais requisitos para um professor desta modalidade. Nessa visão, as instituições superiores estabelecem seus pilares enraizados no pensamento tradicionalista. Ensinar não se limita a mera transmissão de conteúdo, mas, envolve um conjunto se saberes expressos na ação docente. Dessa forma, o conhecimento teórico do conteúdo deve entrelaçar-se com o pedagógico, proporcionando o desenvolvimento de um ensino reflexivo (BRAYNER-LOPES, 2015).

Para Tardif (2010), o saber docente é plural, ou seja, “formado de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (p. 54). Nesse pressuposto, os Saberes Docentes são resultantes de uma associação de conhecimentos, sendo essencialmente heterogêneos. Apesar de apresentarem peculiaridades que os diferenciam, tais saberes não são excludentes entre si, mas complementares, indissociáveis e articulados simultaneamente (TARDIF, 2010). Pensando nessa abordagem, no qual os saberes se estruturam, informações isoladas são agrupadas com intuito de perceber o todo, de modo que esses conceitos se configuram em um novo caminho que se alia à perspectiva sistêmicocomplexa, buscando compreender as inter-relações presentes entre as unidades isoladas para constituir um universo amplo e complexo. O autor ressalta que, para ensinar é necessária a mobilização de um conjunto de saberes, reutilizando-os, adaptando-os e transformando-os de acordo com as necessidades de cada situação. Esses saberes constituem um amálgama de fatores intrínsecos e extrínsecos que compõe a prática do docente, sendo denominados por Tardif (2010) como Saberes Docentes (Figura 02). Figura 02: Caracterização dos Saberes Docentes

Fonte: Tardif (2010)

Na procura por uma proposta que favoreça a compreensão do todo, que permita explorar as interações entre os níveis de organização dos seres vivos (molécula, célula, tecido, órgão, sistema, organismo, ambiente) permeando entre o macro e micro universo, resgatamos o personagem Garfield1 das histórias em quadrinhos. Considerando as peculiaridades expressas pelo bichano, identificamos um protagonista ideal para discutirmos a complexidade do universo biológico articulado a outros contextos (social, emocional), pois, de acordo com Souza (2015) o personagem Garfield apresenta características essenciais para seu engajamento nessa abordagem. Assim, pode-se desenvolver a compreensão contextual dos conceitos específicos, mas sem o peso da memorização dos conteúdos. Considerando a influência paradigmática sob a forma como os docentes utilizam seus saberes para a compreensão de processos biológicos, propomos neste estudo reconhecer quais os Saberes Docentes utilizados no processo de articulação e compreensão das interações biológicas de Garfield, numa perspectiva sistêmico-complexa. METODOLOGIA A presente pesquisa insere-se no contexto de um projeto mais amplo, que envolve uma tese (BRAYNER-LOPES, 2015) e uma dissertação (SOUZA, 2015), desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação no Ensino das Ciências (PPGEC) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Esta pesquisa é de natureza qualitativa, que segundo Oliveira (2012) apresenta um caráter flexível, facilitando a descrição e análise das diversas interações entre as variáveis, preocupando-se em interpretar as realidades sociais, captando significados e compreendendo-as. Vale ressaltar que a pesquisadora teve contato com o contexto analisado após a finalização das etapas metodológicas, ou seja, todo o material utilizado para análise já havia sido coletado. Por tal razão, esta pesquisa estrutura-se num contexto ex-post facto. Oliveira (2012) ressalta que esse tipo de pesquisa impossibilita o pesquisador controlar as variáveis, pois os fatos já ocorreram. Considerando esse cenário, reconhecemos a

1

Garfield é o personagem de tirinhas criado pelo cartunista Jim Davis em 1978. Com um comportamento singular, ele surge como um gato humanizado, obeso, guloso, sedentário, que possui hábitos peculiares e apresenta flutuações de humor. Graças a essas características, Garfield configurou-se como um complexo objeto de estudo.

necessidade de explicitar, resumidamente, o desenvolvimento da metodologia da tese de Brayner-Lopes (2015), da qual emergiram todos os dados para esta análise. A tese de Brayner-Lopes (2015) foi desenvolvida em três etapas, das quais duas ocorreram em ambiente virtual e uma presencialmente (de forma individual e coletiva). Dentro dos encontros presenciais mencionados, ocorreram entrevistas e construções de esquemas, bem como outros encontros de caráter metodológico, realizados com intuito de finalizar e integrar as etapas, como representado esquematicamente na Figura 03. Figura 03: Esquema representativo das etapas metodológicas da tese de Brayner-Lopes (2015)

Fonte: Elaborado pela autora

Nesse contexto, destacamos a etapa das atividades presenciais, especificamente a construção dos Esquemas Conceituais Individuais (ECI) e as entrevistas realizadas para que o participante da pesquisa descrevesse sua construção, dirimindo dúvidas. Essas produções (esquemas e entrevistas) foram selecionadas como o corpus analisado neste trabalho. Optamos por analisar a produção de D-01 e D-06 devido a sua formação profissional voltada para o ensino de Biologia e Ciências. No quadro 01 apresentamos, mais detalhadamente, a caracterização dos participantes, a partir de dados da Plataforma Lattes.

Quadro 01: Caracterização dos participantes de acordo com as informações prestadas na Plataforma Lattes ID

2

Formação institucionalizada

Atuação Docente

Período/

Atuação em

Tempo

pesquisa3

1997 –

1) Educação;

Graduação: a) Licenciatura em Economia Domestica (UFRPE);

Docência na Educação Básica

b) Licenciatura em Ciências, hab. Biologia (FAINTVISA)

D-01

Professor de Ciências

2013

2) Ciências

16 anos

ambientais; 3) Biologia

Especialização: Ensino das

Geral;

Ciências e Biologia

4) Ecologia

(FAINTVISA) Mestrado: Ensino das

Docência na Educação Superior

2008 –

Ciências(UFRPE)

Disciplina relacionada às áreas de

2015

Doutorado: Ensino das

Prática de Ensino de Biologia

7 anos

Ciências(UFRPE)

Educação Ambiental e Metodologia do Trabalho Cientifica.

Graduação: a) Bacharelado em Ciências Biológicas (UFRPE)

D-06

Atividades relacionadas à área

1) Educação

educacional durante o período de

b) Licenciatura em Ciências

graduação;

Biológicas (UFRPE)

Estágio docência (Educação

Mestrado: Ensino das

Superior) obrigatório para bolsista

2) Aquicultura _

3) Mineralogia 4) Microbiologia

4

Ciências(UFRPE)

(CAPES ) do programa de Pós-

Doutorado: Ensino das Ciências

Graduação

(UFRPE) [em andamento] Fonte: Adaptado de Brayner-Lopes (2015) e Souza (2015)

Mediante

o

objetivo

proposto

e

considerando

os

processos

formativos

(institucionalizados ou não), os saberes docentes e as vivências profissionais, atrelados às experiências de vida e compreensão de mundo compõem um perfil identitário dos sujeitos e determinam formas de “ver” e “articular” os conhecimentos e trabalhá-los em aula. Desta forma, ao nos debruçarmos sobre análise dos Saberes Docentes, percebidos a partir da construção do Esquema Conceitual dos participantes, centramos nosso olhar 2

Identificação De acordo com as informações fornecidas pelos participantes no currículo da Plataforma Lattes que representa uma base de dados do CNPq para integrar currículos, grupos de pesquisa e instituições em um sistema de informações único. O Currículo Lattes representa um padrão nacional para o registro de atividades acadêmicas dos pesquisadores cadastrados. Disponível em: http:/lattes.cnpq.br 4 Sigla para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 3

em momentos nos quais apresentam elementos que remetem a atuação e formação docente. RESULTADOS E DISCUSSÕES Para identificarmos os Saberes Docentes utilizados no processo de articulação e compreensão do Garfield, traçaremos um percurso que buscou elementos presentes na formação docente (inicial ou continuada) de D-01 e D-06, que nos forneçam subsídios para inferir o caminho percorrido no processo de Desconstrução e Reconstrução do conhecimento. Para tal, precisamos identificar as origens dos saberes e revisitaremos as informações centrais que constitui o currículo dos participantes. D-01 - Apresentou um percurso formativo voltado para o campo educacional (duas licenciaturas, especialização, mestrado e doutorado). Nesse trajeto, as pesquisas realizadas nos cursos de pós-graduação (especificamente, mestrado e doutorado) apresentam desdobramento para o campo de formação de professores. No mestrado, pesquisou as estratégias didáticas utilizadas por professores do ensino fundamental; e no doutorado, voltou-se para o processo de construção da prática docente. Atrelado a sua formação, D-01 apresentou 16 anos de experiência docente no ensino fundamental II, em disciplina de ciências; além de ter ministrado disciplinas no ensino superior nas áreas de ciências na prática pedagógica, prática de ensino de ciências, estágio supervisionado, trabalho de conclusão de curso, fundamentos de educação ambiental, metodologia do estudo e produção textual e em cursos de pós-graduação, nas disciplinas de metodologia científica, responsabilidade ambiental, sustentabilidade e ambiente e gestão ambiental. Com base nessas informações curriculares, identificamos indicativos para a mobilização dos quatro saberes por D-01: saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curricular e saberes experienciais. D-06 - Apesar de apresentar uma similaridade em sua formação com D-01, possui trajetos experienciais completamente distintos. Este apresentou dupla formação na graduação, assim como D-01. Entretanto apenas uma é voltada para o campo educacional, pois sua primeira graduação foi o Bacharelado em Ciências Biológicas, voltou-se a seguir para a Licenciatura em Ciências Biológicas. Tem pós-graduação em nível de mestrado (Ensino das Ciências e Matemática) e atualmente, cursa o doutorado no mesmo programa. Durante todo o período de formação, D-06 sempre se manteve direcionadas as atividades relacionadas ao processo de construção dos conceitos e

significados, diferentemente de D-01 que apresenta suas experiências no campo de formação de saberes e habilidades docentes. D-06 não possui longo período de experiência no magistério. Sua vivência nas salas de aula, enquanto professor, concentra-se nas atividades relacionadas a área educacional no período de graduação e o estágio docência na educação superior. Essa pouca experiência com a prática docente repercutiu no processo de estruturação do saber docente. Traçando Saberes Docentes – D-01 e D-06. A participação em atividades que requeriam um conhecimento conceitual de forma mais consistente e pela pouca experiência na docência, observamos que D-06 direcionou a construção de seu esquema conceitual priorizando os processos e conceitos biológicos, não fez menção a atividade pedagógica. Assim, dentro dos saberes docentes, detectamos elementos representativos de dois saberes: saberes da formação profissional e saberes disciplinares. Nessa direção, percebemos que os saberes da formação profissional e os disciplinares são pontos comuns entres os participantes, ambos desenvolvidos durante o período de formação acadêmica (inicial e/ou continuada). Quanto aos saberes curriculares e experienciais, apenas D-01 expressou relatos que nos sugere suas identificações, pois ambos apresentam origens relacionadas ao exercício do magistério, atreladas às vivências no ambiente escolar. Ao que se refere aos saberes da formação profissional, observamos que apesar dos participantes apresentarem relatos que nos permitam identificar tal categoria, os pilares que os mesmos se apoiaram divergem. D-01 toma como base a organização de conteúdo das temáticas comuns ao ensino fundamental II: Realmente eu não sei, foi uma oportunidade para mim de aprofundar, claro que não aprendi, vou apresentar de forma superficial, porque trabalhei o tempo todo com o ensino fundamental, nunca ensinei no ensino médio e tinha conceito que eu nem me lembrava, dei uma olhada geral para montar certo? (D-01).

Na transcrição da fala de D-01, o relato da estratégia pedagógica estrutura a sequência dos conteúdos didáticos, partindo de um modelo de ensino que é apresentado aos professores do ensino fundamental desde sua formação inicial que, segundo Hora (2008) pode ser refletido no ato de “dar aula”. A ideia de padrão, de organização, preestabelecendo uma ordem de “importância” entre os conteúdos que serão

ministrados, é incorporada pelos futuros docentes desde suas primeiras experiências, ainda como aluno de ensino básico. Assim, se reconhece o que é o conteúdo pertencente a determinada área de saber, ou seja: em qual “caixa” cabe determinado conteúdo. Esta sequência de raciocínio baseada na hierarquização e fragmentação de conteúdo pode ser um reflexo da herança do pensamento linear, onde as temáticas mais gerais são particionadas em temas menores, com a intenção de facilitar a aprendizagem (MARIOTTI, 2000). Entretanto, essa estrutura rígida, linear e fragmentada dificulta a promoção de articulações necessárias ao entendimento processual da vida. Em contrapartida a essa visão dissociadora, D-06, com sua dupla formação em Biologia, sugeriu um maior aprofundamento conceitual nas questões orgânicas e indicou uma intencionalidade de articulação entre o macro e micro universo. Nessa perspectiva Brayner-Lopes (2015) e Souza (2015) apoiam essas concepções e constatam que D-06 permeou entre os universos macroscópico e microscópico promovendo uma visão holística e reelaborando os processos biológicos, acentuando o olhar sistêmicocomplexo. Contudo, D-06, mesmo tendo indicado uma maior apropriação dos elementos específicos da biologia, deixou transparecer a insuficiência do modelo de ensino no qual se formou. Nesse sentido, destacamos o trecho de seu relato: Essa parte aqui ó, de glicogênese, glicogenólise. De onde é que tava isso? pra onde que vai isso? como é que tá relacionado com o Ciclo de Krebs nessa situação toda? Eu acredito que deve ter muitas coisas ainda que estão meio superficiais e que ainda precisariam estar melhor articuladas, mas por enquanto foi o que eu consegui fazer (D-06).

D-06 em sua entrevista, ao contrário de D-01, não relatou de forma explícita as bases centrais para a estruturação do Esquema Conceitual. Entretanto, diante das informações sobre seu percurso formativo, podemos inferir que o participante se ancorou nos conhecimentos obtidos durante a sua formação acadêmica. Então, eu parti já do ambiente. Que esse organismo, ele possui um genótipo e expressa um fenótipo mediante essa interação com o ambiente. E aqui eu coloquei como uma expressão desse fenótipo a obesidade (D-06).

Em sua pesquisa de mestrado, o participante desenvolveu uma pesquisa que buscou compreender a articulação do homem e o meio ambiente, atrelando essa concepção de articulação e o conhecimento dos conceitos biológicos, oriundos de suas graduações. D-

06 estipulou como ponto de partida para os processos biológicos de Garfield, o meio ambiente e suas interações. Essas informações são categorizadas como saberes da formação profissional característica das ciências da educação, ou seja, são conhecimentos específicos da área de formação que são mobilizados quando necessário (HORA, 2008; TARDIF, 2010). Sua vivência no campo de pesquisa científica com a proposta de um pensamento sistêmico propiciou a D-06 desenvolver um olhar diferenciado para o universo, igualmente transferido para seu esquema. Em diversas passagens de sua entrevista, percebemos relatos que priorizam a articulação dos conceitos e sua interação com o meio ambiente: A parte mais fácil, acho que foi essa parte de interação ambiente que eu acho que eu tô lendo mais coisas relacionadas com isso aqui. A questão da interação de expressão do fenótipo, a questão da obesidade. Também foi um tema muito problematizado. A gente teve várias discussões não só da obesidade, a questão do sono, alteração no metabolismo celular. A gente trabalhou muito também essas condições externas, essa questão do alimento também. Que a gente teve outros olhares, né? Sobre esse alimento, como ele é formado (D06).

Carneiro-Leão et al. (2013) afirmam que a perspectiva paradigmática assumida pelo docente refletirá diretamente na sua atuação no exercício do magistério, nessa perspectiva entendemos que essa visão diferenciada que D-06 apresentou deve ser refletida nas salas de aula, evidenciando as conexões presentes entre os elementos, assim como o participante expressou em suas produções científicas, pois a fragmentação de temáticas se tornou, evidentemente, insuficiente para atender as necessidades presentes no meio em que vivemos atualmente. Considerando essa afirmação, destacamos a importância de se trabalhar pesquisas numa perspectiva inovadora para o ensino, mesmo em alunos de formação inicial e que não possuam experiência em sala de aula. Reafirmamos a perspectiva de Macêdo (2014) que corrobora e defende o desenvolvimento de um olhar sistêmico ainda da formação inicial, em particular, para a compreensão de processos biológicos. D-01, além dos saberes característicos da ciência da educação que são refletidos na forma do conhecimento específico (HORA, 2008), apresentou em sua fala conceitos e conteúdos referentes a temas da área de formação (ciências e biologia):

E como parti do que eu tinha de ideia, do que eu sabia, o que era mais comum, trabalho com o fundamental, a gente trabalha com sistema, célula, alimento, tecido, com sistema digestório, respiratório (D-01).

O longo período de experiência profissional no ensino fundamental (16 anos) nos permite inferir o fortalecimento de uma perspectiva de enquadramento curricular, determinando que o estudo sobre os sistemas biológicos se enquadra nessa modalidade de ensino especifica. Desta forma, pode-se perceber que o docente aponta para a influência dos saberes curriculares e saberes experienciais. Ao considerarmos as influências dos currículos escolares, onde se determinam os conteúdos de forma detalhada, estipulando quais deverão ser ministrados de acordo com os níveis escolares, além de exemplificar as bases do paradigma científico vigente, onde há a tentativa de enquadrar um universo complexo em “caixinhas” separadas. Assim, a separação de conteúdos torna-se algo automático para os professores, unindo a influência curricular com os longos anos de experiência dentro desse regime, no qual o pensamento linear está fortemente inserido. Desse modo, o docente acaba por desenvolver uma barreira epistemológica que pode dificultar o processo de articulação entre os conteúdos e a visão de processo requerida na perspectiva sistêmico-complexa. D-01 não foge dessa “regra”. Possuindo longo período de atuação do ensino fundamental norteado por um currículo fragmentado, além das experiências próprias de sua formação acadêmica, ao deparar com uma situação que exigiu o resgate de conceitos mais específicos numa perspectiva articulada, ele se assustou. Vê a proposta como uma coisa difícil e apontou indícios de que se sentiu “perdido”, como observamos no relato: Primeiro quero dizer o seguinte: que quando me passou essas palavras eu fiquei meio assustada, assustada como tinha muita coisa que eu não sabia o que era, para que servia e eu disse: Meu Deus, como vou dar conta de tanta coisa, comecei a fazer meus primeiros esquemas sem olhar para nada, apenas com o que eu tinha (D-01).

Ao relatar que buscou estruturar seu esquema com base “apenas com o que tinha”, D-01 está se referindo aos conhecimentos adquiridos nos anos de experiência na docência atrelados aos saberes de formação profissional, sendo pautado na estrutura curricular do ensino fundamental. Assim, o participante esquematiza sua explicação para o Garfield, mesmo que inconscientemente, com base nas influências dos Saberes Docentes adquiridos no processo de formação.

A dificuldade relatada pelo docente, é possivelmente, devido a não ter reconhecido, inicialmente, os padrões de organização curricular (do mais simples para o mais complexo) quando lhe foi proposta a construção de um Esquema Conceitual numa perspectiva que requeria articulação entre o macrouniverso e o microuniverso. D-01 assume que se sentiu desconfortável e que trabalhou com o que lembrava e sabia, do ponto de vista conceitual e de articulação. Passado o impacto inicial, o participante mobilizou os conhecimentos internalizados para elaborar o esquema. Evidenciamos que a base central para nortear sua produção vem da sua experiência: E como parti do que eu tinha de ideia, do que eu sabia, o que era mais comum, trabalho com o fundamental, a gente trabalha com sistema, célula, alimento, tecido, com sistema digestório, respiratório. E como parti do que eu tinha de ideia, do que eu sabia, o que era mais comum, trabalho com o fundamental, a gente trabalha com sistema, célula, alimento, tecido, com sistema digestório, respiratório (D-01).

D-01 deixou transparecer a forte presença de sua alma docente, resgatando elementos relacionados às experiências pessoais, profissionais e sociais. Além destes, percebemos a presença dos sabres disciplinares, sendo este, outro ponto de convergência entre os participantes. Contudo, diferente dos saberes da formação, D-01 e D-06 expressaram, diversos pontos em comum ao utilizarem palavras ou conceitos que nos remetem à sua formação. Para identificar a influência dos saberes disciplinares, nos concentramos nas informações do percurso acadêmico, especificamente na graduação. Ambos os participantes cursaram Licenciatura em Ciências Biológicas, contudo D-01 apresentou uma segunda formação em Licenciatura em Economia Doméstica e D-06 em Bacharelado em Ciências Biológicas. Com base nessas informações, traçamos um paralelo entre as grades curriculares (ambas as participantes e seus cursos) e nos direcionamos aos termos utilizados para explicar o Caso em questão. As palavras utilizadas por D-06 em sua explicação expõem um permear entre os conceitos de forma homogênea. Brayner-Lopes (2015, p. 198) afirma que o participante “enfatiza as articulações entre os universos macroscópico e microscópico, dos processos biológicos de Garfield, no qual estão privilegiadas as articulações entre todos os níveis de organização biológica (molécula a ambiente)”.

Assim como D-01, percebermos a utilização de um maior número de termos relacionados as disciplinas de Bioquímica (dos sistemas, da nutrição e II). Essa similaridade pode estar relacionada a dois fatores: inicialmente a formação de ambos os participantes, voltada para a área de ciências e biologia e em segundo momento, pode estar associada às discussões vivenciadas no grupo GE-Glicemia no Facebook. Ressaltamos que as palavras distribuídas para os participantes construírem os esquemas foram obtidas desse contexto. Além desse quantitativo de palavras do campo da Bioquímica, também percebemos outros termos utilizados por ambos que aparentam tentar exemplificar os mesmos processos biológicos, voltados para os hábitos alimentares de Garfield. Souza (2015) confirma em sua pesquisa que D-01 e D-06 construíram seus esquemas conceituais baseados em aspectos comportamentais e fisiológicos, verticalizando para o mecanismo alimentar e considerando os diferentes estados de alimentação: jejum e/ou alimentado. Estado de alimentado e estado de jejum, o estado de alimentado eu considerei que o estado de alimentado é o sujeito que estava se alimentando normal com as refeições, café da manhã, almoço, lanche, com frutas, verduras, com a carne, com tudo. O estado de jejum acredito que é a pessoa que acordou e não tinha comido. Até agora o que eu expliquei para vocês ele está no grupo do estado de alimentado (D-01). Essa interação também com o ambiente com relação à obtenção do alimento, então o organismo, ele obtêm o alimento que é composto de mi... proteínas, lipídeos, carboidratos. Aí, aqui, quanto aos processos é... digestivos eu relacionei também essa questão lipólise, lipogênese, deso... também não tem a... aqui mas a questão da proteólise também, né? Quando esses lipídeos eles... são preferencialmente armazenados, o gasto energético é maior, então eles acum.. são acumulados no tecido adiposo. Já os carboidratos, eles são preferencialmente quebrados, o gasto energético é menor, e aí eles entram também na questão da... do metabolismo celular. Aí eu dividi aqui, vê a loucura, aí esse mesmo organismo no estado de jejum ele vai seguir uma via metabólica pra obtenção dessa energia por meio da glicogênese e aqui todos esses fatores aqui relacionados com o glucagon que vai estimular essa glicogênese (...) Pra seguir por onde foi que... por onde eu comecei. Eu acho que eu comecei daqui. Daqui eu venho pra questão do alimento pra chegar no estado alimentado e no final é que vem pro estado de jejum. Aí é que ficou meio embolado (D-06).

Nessas transcrições também podemos perceber que D-01 e D-06 explicam o processo alimentar de Garfield a partir de uma perspectiva humanística. Como já exposto, D-01 apresenta uma visão de Garfield como ser biológico-humano e D-06 também compartilha dessa percepção, segundo Souza (2015, p. 140) o participante (D-06)

“considera os aspectos orgânicos de sua constituição, trazendo os aspectos da fisiologia, da anatomia e do comportamento alimentar típicos da espécie Homo sapiens”. Nos saberes disciplinares, em ambos os participantes, não percebemos a utilização de termos que nos remetessem às disciplinas da área educacional. Mesmo D-01 expondo que utilizou os conhecimentos de sua experiência com o ensino fundamental, graças a seus longos anos de magistério na licenciatura, e se destacar nas analises de Souza (2015) por sua faceta pedagógica na esquematização da explicação para o Caso Garfield, não há elementos que nos direcione a aspectos explícitos de disciplinas educacionais. A falta desses elementos pode estar associada à fragmentação curricular observada nos cursos de formação inicial e continuada, em que as disciplinas voltadas às áreas específicas da biologia, assim como as do campo educacional, se restringem às suas especificidades. Para Mariotti (2000) a compartimentalização das disciplinas curriculares estimulou a fragmentação dividindo em especialidades separadas, em áreas praticamente incomunicáveis. Nessa perspectiva, os alunos são expostos a um ambiente de isolamento, onde de forma implícita tendem a separar esses conceitos. Apesar de estarem em cursos de licenciatura, o que se vê é a desarticulação entre a teoria e a prática. Contudo, Carneiro-Leão et al. (2013) expõem um contraponto a esse afunilamento conceitual, e afirmam que o ensino não está dissociado da aprendizagem, tornando-se essencial o professor atrelar as estratégias didáticas a problematizações, contextualizando os conteúdos a serem aprendidos, viabilizando a formação de um educando com uma postura crítica. CONSIDERAÇÕES FINAIS No geral, os participantes resgataram alguns dos seus Saberes Docentes (mais representativos no seu processo formativo) associados às experiências pessoais, profissionais e sociais para a construção e articulação dos conceitos biológicos numa perspectiva sistêmico-complexa. Entretanto, independente de quais os saberes mobilizados para compreender o Caso Garfield, observamos houve uma exigência de nível conceitual para que os participantes saíssem dos modos habituais de ver os processos biológicos.

Ao ser exigido a compreensão dos processos biológicos da forma não convencional, ambos os participantes reconheceram suas limitações quanto aos conteúdos específicos de sua formação e a dificuldade em perceber as articulações entre os sistemas biológicos. Apesar das limitações conceituais, os participantes expressaram empenho em estabelecer as relações que permeiam entre os diferentes níveis biológicos (microscópico e macroscópico). Essa busca pelas inter-relações nos revela sujeitos dispostos a romper com uma perspectiva, unicamente tradicionalista, e permear entre novas propostas paradigmáticas. Por fim, os resultados descritos reforçam a concepção de que os cursos de formação inicial e/ou continuada ainda são estruturados com base na fragmentação conceitual.

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