Os santos de casa: um estudo sobre família, comunidade e religião no menor município brasileiro

May 24, 2017 | Autor: Cadu Machado | Categoria: Ciências Sociais, Familia, Religião, Pluralismo Religioso
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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Campus de Marília

CARLOS EDUARDO MACHADO

OS SANTOS DE CASA: UM ESTUDO SOBRE FAMÍLIA, COMUNIDADE E RELIGIÃO NO MENOR MUNICÍPIO BRASILEIRO

Marília, 2014

OS SANTOS DE CASA: UM ESTUDO SOBRE FAMÍLIA, COMUNIDADE E RELIGIÃO NO MENOR MUNICÍPIO BRASILEIRO

CARLOS EDUARDO MACHADO

Orientador: Profº. Drº. Antônio Mendes da Costa Braga.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais à banca examinadora da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), campus de Marília.

Marília, 2014

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AGRADECIMENTOS Redigir os agradecimentos de um extenso trabalho como este requer cuidado para não esquecer nomes importantes que ao longo do caminho contribuíram de uma forma ou de outra para sua realização. Em primeiro lugar, agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela bolsa de Iniciação Cientifica e a reserva técnica concedida, sem as quais não seria possível a concretização da pesquisa. Agradeço imensamente a meu orientador Antônio Braga (Toninho), que foi além do papel de orientador e tornou-se um grande amigo e companheiro. Agradeço aos professores Paulo Eduardo Teixeira, Christina de Rezende Rubim, Lucia Morales Bianca Gonçalves de Souza, por tantos incentivos, referências, conversas, aulas, conselhos e inspiração. Agradeço também aos professores Andreas Hofbauer e Nasheili Rangel Loera pelas pertinentes observações e críticas na arguição do trabalho. Aos professores do curso de jornalismo do Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro (IMESB, 2006), Alexandre Mendes, Elinaldo Meira, Angelo Sastre e Caio Albuquerque agradeço por terem sido importantes referenciais em minha formação e sempre me inspirarem. Agradeço a minha querida Tamires Furniel pelo apoio e companheirismo constante. Em todo o período do curso em Marília contei com inúmeros amigos e colegas. Na Casa 09, na Moradia Estudantil da UNESP, durante os anos de 2010-2012, os amigos Rosy Nascimento, Eder Oliveira, Fábio Batista Lima (Robal), Bruna Antunes, Mariane Alves, Pamela Peixoto, Jorge e Lu, Andressa Leia, Vinícius (Mill House) e tantos outros, agradeço por todas as trocas realizadas no período que nossas vidas se cruzaram. Aos amigos Luiz Jácomo, Emanuela Lopes, Joyce Pires, Janina Arnaud, André Tondato, Laura Pontelli, Marcos Ribeiro Brito, Juliana Queiroz, Flávia Cesarino, Vanessa Lanza, Evanway Soares, Fabio Rogério Lima (Robal), Wahuane Branco, Samara Carvalho e Sandra Mara, agradeço por me ensinarem sobre antropologia, amizade e sensibilidade. Agradeço a Natália Redígolo, amiga pra todas as horas por tanto me ajudar no tempo em que vivemos juntos. Aos colegas Elen Silva, Álvaro Matheus Valim, Talita Prato e Jéssica Godói sou grato por enriquecerem minhas experiências e colaborarem direta ou indiretamente para minha formação pessoal e acadêmica. Agradeço ao Renato, Silvia e Cidinha do ERI 4

(Escritório de Pesquisa/Unesp) por sempre auxiliarem nos complexos processos de submissões de projetos, relatórios, prestações de contas, etc., sem eles boa parte do trabalho não seria possível. Sou grato aos boraenses pela maneira que sempre me receberam e por abrirem as portas de suas casas. Este trabalho é resultado da relação construída entre mim e eles, o pesquisador e seus interlocutores. Ainda que não tenha conhecido a todos e todas, ainda que poucos venham recordar do jovem pesquisador que vivia “zanzando” pelas ruas da cidade, por um momento nossas experiências se cruzaram e pude enfrentar o empreendimento enervante de descrever alguns aspectos de suas vidas. Agradeço em especial a Valdirene Marconato pela generosidade em fornecer sua monografia para compor o material da pesquisa e pela atenção que sempre colocou a minha disposição. Também agradeço a dona Aparecida, dona Elizete e seu filho Marcos, por sempre me receberem cordialmente em Borá. Por fim, agradeço a minha família, peça fundamental em minha constituição enquanto cientista social. Meu irmão Diego e minha sobrinha Giovanna pelo carinho e cuidados. Ao meu pai, Antônio Carlos, pelo apoio, incentivo e companheirismo durante o período do curso. Agradeço as queridas tias e primos pelo apoio. Dedico esse trabalho a Isabel, minha mãe, por ser minha inspiração e refúgio constante. Especialmente agradeço a minha avó Maria Rita de Cássia (in memorian), por permitir que em meio a tantas mudanças seus netos conhecessem em seu modesto altar os seus santos de casa.

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RESUMO

As transformações do campo religioso brasileiro incidem sobre os demais campos da vida social. Além da esfera publica que passa a experimentar manifestações e contatos mais plurais, os espaços privados e os núcleos familiares também sentem os impactos deste movimento. Desta forma, não apenas o campo religioso muda, mas as próprias práticas religiosas e as relações entre indivíduos de diferentes pertencimentos religiosos são alteradas. Partindo destas considerações, apresento nesse trabalho algumas reflexões originadas da pesquisa realizada na cidade de Borá, interior do Estado de São Paulo, Brasil. Conhecida como a menor cidade brasileira em termos populacionais, Borá apresenta características singulares em sua formação. As relações entre os boraenses ou são parentais ou bastante próximas, as famílias que primeiro chegaram a região constituíram uma estrutura comunitária com características católicas presentes ate hoje. Com as recentes transformações que atingem o campo social e econômico, somando ao crescimento das igrejas protestantes no município, Borá fornece um retrato contemporâneo das mudanças internas do campo religioso brasileiro, e de como as noções de família e de comunidade estão presentes como mediadoras neste novo contexto. Palavras-chave: família, comunidade, religião, Borá.

ABSTRACT The transformations of the Brazilian religious field focus on other fields of social life. Besides the public sphere, that passes to experience demonstrations and more plural contacts, private spaces and households also feel the impact of this movement. Thus, not only the religious field changes, but their religious practices and relationships between people of different religious affiliations are changed. Starting from these considerations, this work presents some reflections originated from research conducted in the city of Borá, interior of São Paulo, Brazil. Known as the smallest Brazilian city in terms of population, Borá has unique characteristics in its formation. Relations between boraenses are parental or are very close. Families who first arrived in the region had a community structure with Catholic characteristics present today. With the recent changes that affect the social and economic field, adding to the growth of Protestant churches in the city, Borá provides a contemporary portrait of the internal changes of the Brazilian religious field, and how the notions of family and community are present as mediators in this new context.

Keywords: family, community, religion, Borá (Brazil).

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Esboço da praça e da igreja ........................................................................... 26 Figura 2 - Altar doméstico no quarto ............................................................................ 53 Figura 3 – Imagens religiosas pela casa (umbrais de portas) ......................................... 57 Figura 4 – Imagens de santos pela casa (cozinha) .......................................................... 60 Figura 5 – Imagens de santos pela casa (cozinha) .......................................................... 60 Figura 6 – Imagens de santos pela casa (sala) ................................................................ 63 Figura 7 – Imagens de santos pela casa (sala) ................................................................ 63 Figura 8 – Imagens de santos pela casa (sala) ................................................................ 64 Figura 9 – Imagem de Santa Bárbara (gesso) ................................................................. 67 Figura 10 – Imagem de Santa Bárbara, fotografia em destaque ..................................... 70 Figura 11 – Cartaz de divulgação da tradicional festa de Santo Antônio....................... 78 Figura 12 – Praça e Igreja de Santo Antônio (preparativos para a festa) ....................... 83 Figura 13 – Praça e Igreja de Santo Antônio (preparativos para a festa) ....................... 84 Figura 14 – Parte interna da Igreja de Santo Antônio .................................................... 86 Figura 15 – Momento de celebração da missa em homenagem a Santo Antônio .......... 87 Figura 16 – Início da procissão, saída da parte interna da igreja de Santo Antônio....... 88 Figura 17 - Procissão ...................................................................................................... 89 Figura 18 – Procissão ..................................................................................................... 89 Figura 19 – Procissão ..................................................................................................... 90 Figura 20 – Procissão ..................................................................................................... 90 Figura 21 – Procissão ..................................................................................................... 94 Figura 22 – Procissão ..................................................................................................... 95 Figura 23 – Procissão ..................................................................................................... 96 Figura 24 – Procissão ..................................................................................................... 96

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Mapa das Religiões no Brasil – Borá-SP...................................................... 35 Tabela 2 – Auto declaração religiosa por residente, segundo o IBGE (2010) - Borá-SP ........................................................................................................................................ 35 Tabela 3 – População residente e religião, segundo o IBGE (2010) – Borá-SP ............ 35 Tabela 4 – População residente, religião não determinada e múltiplo pertencimento, segundo o IBGE (2010) – Borá-SP ................................................................................ 36 Tabela 5 – Resultado dos questionados aplicados na pesquisa (famílias e pertencimentos religiosos) ....................................................................................................................... 39

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Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11 A construção do objeto de estudo ................................................................................... 16 CAPÍTULO 1 Borá, São Paulo: contextualizando ................................................................................. 25 CAPÍTULO 2 Revisitando os altares domésticos: os usos dos espaços domésticos como parte da experiência religiosa ....................................................................................................... 44 Um Brasil de santos e altares .......................................................................................... 46 O altar no quarto ............................................................................................................. 53 As imagens como demarcadoras sociais e como códigos .............................................. 57 Os santos e as imagens no cotidiano .............................................................................. 60 A disposição das imagens pela casa como formas de representações coletivas ............. 63 As imagens de santos herdadas ...................................................................................... 67 Fechando apontamentos: santos e altares ....................................................................... 72 CAPÍTULO 3 As noções de família e comunidade em um contexto religioso plural ........................... 73 CAPÍTULO 4 A Festa de Santo Antônio de Borá: etnografia de uma festa religiosa ........................... 77 A organização da festa .................................................................................................... 77 A missa ........................................................................................................................... 85 A procissão ..................................................................................................................... 88 Transformações na festa ................................................................................................. 97 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................... 100 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 103 FONTES CONSULTADAS ....................................................................................... 110 ANEXOS ..................................................................................................................... 111 Anexo I - Fotografias e Imagens .................................................................................. 111 Anexo II – Roteiro de Entrevistas e Questionário ........................................................ 129

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“[...] o próprio homem, tem dois polos ou duas faces: é significante, pode-se compreendê-lo de dentro, e, ao mesmo tempo, a intenção pessoal encontra-se nele generalizada, amortecida, tende para o processo, está, segundo a célebre expressão, mediatizada pelas coisas”.

De Mauss à Claude Lévi-Strauss, 1960. Maurice Merleau-Ponty 10

INTRODUÇÃO1 Há cerca de dezoito anos, um evento transmitido em rede aberta de televisão anunciava um dos possíveis conflitos que estariam surgindo sob novas “roupagens” no campo religioso brasileiro. Em 12 de outubro de 1995, o caso conhecido como o “Chute na Santa”, ganhou a atenção de especialistas (cf. MONTES, 1998; GIUMBELLI, 2003; ALMEIDA, 2007), assim como dos diversos meios de comunicação. Um ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), em seu programa de televisão, exibido nas madrugadas da TV Record, chutou por diversas vezes a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, exclamando em sua direção “boneco... tão feio, tão horrível, tão desgraçado”. Em diversos momentos da história do cristianismo aconteceram conflitos entre aqueles que faziam usos da iconografia religiosa e aqueles que eram considerados como iconoclastas, que rejeitavam qualquer reprodução imagética das divindades. No Brasil, “uma lógica pervasiva e desigualmente compartilhada”, nas palavras de Pierre Sanchis (2008, p. 79), fez com que as imagens religiosas ganhassem outros usos e despertassem diferentes reações. Analisar seus atuais usos e as novas reações que despertam, assim como as dinâmicas das negociações entre as identidades religiosas, é o objeto deste estudo. Apresento, portanto, os resultados da pesquisa realizada entre os anos de 2011 e de 2013, na cidade de Borá, São Paulo. Reconhecida em 2010 como o menor município brasileiro em termos populacionais (IBGE, 2010), com um número de 805 habitantes, a cidade ganhou evidência nos noticiários e propagandas publicitária pelo reduzido número de habitantes. Longe da ideia evolucionista de explorar o “exótico”, o “primitivo” ou o “distante”, a escolha de Borá como campo para o desenvolvimento da pesquisa se deve muito mais pela possibilidade de examinar em um contexto geograficamente delimitado

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Durante a graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília), entre os anos de 2010 a 2014, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Mendes da Costa Braga e com o apoio da FAPESP, na modalidade de bolsa de Iniciação Cientifica (IC), a pesquisa resultou na monografia de conclusão de curso. Em 2013, a Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul (ACSRM), durante as XVII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, realizado em Porto Alegre – RS, concedeu-nos o prêmio de melhor monografia em Ciências Sociais da Religião (Mercosul) por meio do Concurso de Monografía para Jovénes Investigadores.

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as relações entre católicos e evangélicos nos espaços públicos e privados, nas relações familiares e comunitárias. Borá não é “uma ilha”, nem mesmo corresponde a qualquer quimera “bucólica” que muitas pessoas possam imaginar (principalmente no que diz respeito à categoria interior, se referindo ao caipira ou camponês). Na realidade, o que pude constatar é que os boraenses constroem redes articuladas e complexas de relações dentro e fora da pequena cidade, seus conflitos entre tradição e modernidade correspondem aos mesmos enfrentados por qualquer habitante de uma metrópole. São, no entanto, as particularidades de seu processo histórico que levamos em consideração como critério para a escolha do lócus da pesquisa. Estudar um determinado universo religioso partindo das imagens de santos impõem desafios e propõem novas problematizações. Alba Zaluar (1983) observou que nas relações entre homens e deuses se expressam os códigos de condutas que orientam as relações entre os próprios indivíduos. Então,

[...] Tomando-se o conjunto das crenças e dos rituais que elas tornam necessários, percebemos que, nos rituais e na maneira de conceber as relações entre os homens e os santos, está simbolicamente expresso o código moral que rege as relações dos homens entre si (ZALUAR, 1983, p. 116-117).

Os santos, em seu conteúdo mítico e em sua materialização, compreendidos no contexto dos rituais, das devoções e das práticas religiosas, atuam como mediadores entre homens e deuses da mesma maneira que mediam as relações entre os homens. Na perspectiva de Oscar Calavia Sáez (2009),

O culto aos santos remete a um aspecto, a devoção, que sempre tem aparecido como uma dimensão secundária do religioso, fincada no sentimental e no privado, e dotada assim de um rendimento sociológico inferior ao que poderia se obter das doutrinas ou do ritual público. Poderíamos escapar desse viés se substituíssemos os termos devocional, sentimental ou privado por um outro mais abstrato e abrangente: relacional. Nas religiões teístas, o contrato entre Deus e o fiel é traçado a uma distância que equivale à que existe entre o sujeito e o objeto: crer, criar, adorar, são ações que unem sujeitos e objetos – nomes e complementos diretos. O culto aos santos, pelo contrário, é uma relação com formas semelhantes às que regem a socialidade comum: estabelece-se entre sujeitos (CALAVIA SÁEZ, 2009, p. 204).

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O título Os santos de casa, portanto, propõe um duplo movimento. Por um lado indica um estudo sobre as imagens de santos que as pessoas possuem em suas casas, englobando os aspectos da religiosidade doméstica e do catolicismo considerado como popular; por outro lado, estas imagens são reconhecidas como produtoras de um campo imagético 2, onde os usuários destas imagens compartilham e constroem relações com não usuários. A hipótese formulada com base na literatura que nos guia é de que: não são apenas os devotos ou usuários que visualizam e/ou são afetados pelo conteúdo da imagem, mas os outros, aqueles que não se identificam, rejeitam ou simplesmente não prestam homenagens, também estão envoltos no campo imagético que as imagens religiosas produzem. Na perspectiva de José Rogério Lopes (2010, p. 30), há “um campo de codificações dialéticas entre imagens e representações aplicadas, ou seja, entre o imaginário e suas figurações”. Neste sentido, a imagem só existe para ser vista por um observador historicamente definido, ou seja, que disponha de certos dispositivos para identificar e significar o que é observado. Assim,

Por meio desses dispositivos, as imagens são personificadas, fazendose delas “fontes de processos, de afetos, de significações” (Aumont, 1995, p. 197), segundo combinações derivadas de seus valores representativos ou expressivos (LOPES, 2010, p. 30).

No mesmo ano de divulgação do número de habitantes de Borá, o IBGE também divulgou os primeiros resultados do Censo das Religiões no Brasil. O alarido sobre o crescimento dos evangélicos e diminuição do número de católicos tomou de assalto a agenda do dia. O que havia sido constatado como um fato por todo país não foi diferente no menor município brasileiro. Fundada por famílias imigrantes católicas, Borá permanece uma cidade majoritariamente católica, contudo, não ficou ilesa das transformações mais amplas que atingiram o campo religioso. A partir da chegada dos templos evangélicos, em meados dos anos oitenta, houve conversões, o que impulsionou novas modalidades nas relações entre familiares e vizinhos.

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Trata-se do conceito desenvolvido pelo antropólogo José Rogério Lopes. Dentre os inúmeros trabalhos que constroem essa ideia (cf. Lopes, 2001; 2003; 2007; 2009), refiro-me principalmente ao seu livro A Imagética da Devoção: a iconografia popular como mediação entre a consciência da realidade e o ethos religioso (2010). No decorrer do trabalho abordaremos com maior profundidade esse conceito.

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Neste contexto, onde católicos e evangélicos compartilham os mesmos espaços de convivência, nosso objetivo foi o de identificar e compreender como nos diferentes níveis de interações nos espaços públicos e privados, entre as famílias e no grupo, as imagens de santos podem revelar processos de transformação das percepções e representações do universo religioso. Para isso, utilizamos como material a monografia de Valdirene Marconato (1997) para compor uma narrativa histórica sobre a formação de Borá. Também utilizamos os dados fornecidos pelo IBGE a fim de traçar comparativos e problematizações. Na pesquisa de campo realizamos a aplicação de questionário semiestruturado, utilizamos o método da observação participante, coletamos depoimentos e investimos na descrição etnográfica para apresentar ao leitor nosso campo de estudo. Realizei cerca de vinte e cinco visitas entre 2011 e 2013, dividindo neste período de pesquisa um ano de trabalho antes do financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), e dois anos seguidos com o financiamento, o que possibilitou maiores recursos para o desenvolvimento da mesma. Como em Borá não há hospedarias ou pensionatos, em todas as visitas precisei retornar à cidade vizinha de Paraguaçu Paulista e retomar o trabalho no dia seguinte. As conversas informais foram registradas no caderno de campo, assim como os depoimentos. As fotografias apresentadas no trabalho foram de nosso próprio registro e compõem o material etnográfico da pesquisa. Dividida em seis partes, no primeiro capítulo Construção do objeto de pesquisa, apresento os horizontes teóricos e a discussão bibliográfica sobre o campo religioso brasileiro, trato das imagens religiosas materializadas e seus usos na história do cristianismo, examino as particularidades da religiosidade doméstica e as situações de tensões e conflitos entre as identidades religiosas e usos iconográficos. No segundo capítulo, Borá, São Paulo: contextualizando, discorro sobre os principais momentos da história da cidade, relacionando-os com as questões atuais registradas no trabalho de campo. No terceiro capítulo, Revisitando os altares domésticos: os usos dos espaços domésticos como parte da experiência religiosa, perpasso pela literatura sociológica, antropológica e historiográfica sobre os altares religiosos no Brasil para em seguida apresentar fotografias de imagens e altares do interior de residências de famílias católicas e discuto seus usos no cotidiano dos devotos. 14

No quarto capítulo As noções de família e comunidade em um contexto religioso plural, trago o depoimento de uma interlocutora católica sobre suas relações com a irmã e vizinhas evangélicas, buscando dessa forma repensar a tese de Max Weber sobre o conflito religioso na esfera familiar e comunitária. No capítulo A Festa de Santo Antônio de Borá: etnografia de uma festa religiosa, procuro demonstrar no momento coletivo mais significativo da cidade como a totalidade da festividade aponta para mudanças significativas entre os boraenses. Por fim, nas Considerações Finais, reitero alguns argumentos desenvolvidos ao longo do texto e trago novos dados empíricos a partir da noção de campo imagético desenvolvido por Lopes. Em suma, esta monografia busca se inserir na discussão sobre as transformações do campo religioso brasileiro contemporâneo trazendo uma contribuição original sobre estas mudanças, partindo das imagens religiosas em suas distintas representações, figurações, contextos e usos. Assim, levando em consideração o contexto mais amplo no qual se insere a realidade empírica pesquisada, como por exemplo, a experiência das famílias boraenses em relação às famílias migrantes que se estabelecem em busca de trabalho, o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico. Tratando, principalmente, das negociações e trocas simbólicas realizadas pelos atores sociais em um contexto em transformação familiares, comunitárias e religiosas.

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A construção do objeto de estudo A proposta inicial que guiou o trabalho foi compreender como familiares que convivem na mesma residência e professam diferentes pertencimentos religiosos desenvolvem suas relações. Mais especificamente, como os atores sociais desenvolvem negociações a partir do uso de imagens religiosas, considerando um espaço de convivência cotidiano entre católicos e evangélicos. Ao tratarmos do fenômeno religioso contemporâneo, precisamos ter em mente que o cenário atual é muito diferente dos contextos históricos onde o catolicismo gozou da hegemonia religiosa. Hoje nos deparamos com um mundo onde as pluralidades, as mobilidades, as flexibilidades e as diversidades – dependendo da abordagem do autor (cf. PIERUCCI 2006; ANTONIAZZI 2002; CAMURÇA 2006; PRANDI 1996; ALMEIDA 2004) – constroem campos onde inúmeros outros universos simbólicos se encontram e concorrem. Levando em consideração os dados estatísticos fornecidos pelo IBGE (2010), através do Mapa das Religiões no Brasil, verificamos que as duas vertentes religiosas que possuem o maior número de adeptos e que compartilham o primeiro e o segundo lugar desta lista é o catolicismo e os segmentos evangélicos, respectivamente. Ambas partem do mesmo tronco religioso, o cristianismo, no entanto, se diferem na história por inúmeros aspectos. No caso brasileiro, por exemplo, Pierre Sanchis (1999) afirma que, As santidades indígenas (Vainfas, 1995). As tradições africanas – já profundamente sincretizadas antes de chegar, e introduzidas aqui no caldeirão de uma matriz viva, historicamente ativa e processadora das diferenças: o catolicismo. Nem África pura, nem Catolicismo europeu. Do ponto de vista religioso e do ponto de vista cultural (SANCHIS, 1999, p. 105).

Na perspectiva do autor, o catolicismo foi capaz de assimilar e ressignificar diversos elementos simbólicos presentes nas tradições dos povos que aqui se encontraram. No caso do protestantismo e sua inserção no Brasil no início do século XX, Antônio Gouveia Mendonça (2005), considera que, Embora seja certo que as religiões universais, como são as protestantes, sempre assimilam ou mantêm traços das culturas locais, como me é permitido falar em catolicismo brasileiro, por exemplo, o protestantismo que chegou ao Brasil jamais se identificou com a 16

cultura brasileira. Continua sendo um protestantismo norte-americano com suas matrizes denominacionais e dependência teológica. Por isso, prefiro falar em “protestantismo no Brasil” e não em protestantismo brasileiro (MENDONÇA, 2005, p. 51).

Do ponto de vista do autor, o protestantismo não obteve o mesmo sucesso que o catolicismo no que diz respeito aos mecanismos de assimilação e ressignificação da pluralidade das culturas presentes no Brasil. Contudo, ao observarmos os números atuais do crescimento evangélico3, fica evidente que estes segmentos passaram a incorporar diferenciados elementos para se desenvolver no país. Inclusive, como afirma o sociólogo Ricardo Mariano (1999):

Para sobreviver e crescer no Brasil de hoje, radicalmente avesso às regras e imposições reguladoras da intimidade e do tempo de lazer e reconhecidamente liberal no plano do comportamento privado, várias igrejas pentecostais abriram mão de preceitos, valores, tradições, tabus e verdades anacrônicos, disfuncionais e impopulares (MARIANO, 1999, p. 105-106).

Neste mesmo artigo, Mariano projeta um quadro que encaramos na atualidade. A saber: o protestantismo que chegou ao Brasil e teve dificuldades para se adaptar aos costumes e hábitos da população, com o passar do tempo transformou-se, cresceu em número e proporção, e um dos fatores que impulsionou esse processo foi a incorporação de mecanismos apropriados do próprio catolicismo. Continuando sua argumentação o sociólogo coloca que:

Tendo em conta as acomodações promovidas pelo neopentecostalismo e o processo de dessectarização das vertentes pentecostais precedentes, o que cresce e se firma entre nós é uma religião que cada vez mais deita raízes em nossa sociedade e é por ela influenciada num processo de assimilação mútua. A assimilação da cultura ambiente, não obstante sua rivalidade com outras religiões e as contínuas importações teológicas dos Estados Unidos, constitui o processo pelo qual está passando o pentecostalismo brasileiro, que, com isso, vai adquirindo fisionomia cada vez menos “protestante”. [...] O futuro dessa religião, como dá mostras de sobra seu presente, aponta na direção da flexibilização, da adaptação, da assimilação, da aculturação (MARIANO, 1999, p. 110).

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Segundo o IBGE os segmentos protestantes/evangélicos cresceram nas seguintes proporções nos últimos anos: 1991 os evangélicos representavam 9% da população; em 2000 representavam 16%; e no último censo de 2010, representam 22, 2% da população. Foi, neste quadro, a religião que indicou o maior crescimento nos últimos anos.

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O que se pode verificar é que os segmentos evangélicos ganharam um fôlego substancial nas últimas décadas. O que significa, de certa maneira, que seus adeptos por representarem o segundo lugar do ranking nacional das religiões, estão em contato constante com os católicos, representantes do primeiro lugar. Apesar de importantes estudos apontarem a intolerância religiosa dos neopentecostais para com outras religiões (cf. SILVA, 2007), nos interessa conhecer as relações sociais desenvolvidas entre católicos e evangélicos por possuírem características que os aproximam e os distanciam ao mesmo tempo, seja pela mesma matriz religiosa, seja pelas relações familiares ou na vida comunitária. Em A casa e a Rua (1985, p. 33), Roberto Damatta compreende que no Brasil os espaços são como “esferas de significação social – casa, rua e outro mundo – que fazem mais do que separar contextos e configurar atitudes”, eles demarcam e constroem visões de mundo e/ou éticas particulares. José Magnani (2003, p. 138), identifica como pedaço, um espaço intermediário entre a casa e a rua, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável, do que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade. De acordo com esses autores, em suas distintas concepções, é possível pensar que são nos espaços privados onde as relações sociais diferenciam-se dos outros espaços. Na casa tudo fica mais intimo e profundo. Conforme assinala Damatta, é o lugar em que as visões de mundo e éticas particulares são desenvolvidas e negociadas. No entanto, como apreender empiricamente as relações entre familiares ou pessoas de diferentes pertenças religiosas que convivem sob o mesmo teto? Por se tratarem de religiões de raízes cristãs, católicos e evangélicos se diferenciam historicamente por dogmas, liturgias, comportamentos, etc. Mas um dos principais marcadores identitários que os distinguem são os usos da iconografia religiosa. Enquanto católicos são identificados por portarem ou fazerem usos das imagens, os segmentos protestantes dentro de suas diferentes vertentes rejeitam seu uso. Sem cometer o risco de amplas generalizações, é preciso relativizar a ideia de que nem todo católico faz uso de imagens de santos, assim como nem todo evangélico rejeita o uso das imagens. Portanto, partimos das imagens de santos, embasado nos apontamentos do antropólogo José Rogério Lopes (2010) sobre a dinâmica existente na produção, reprodução e usos das imagens religiosas.

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Nosso objetivo não se insere na discussão da semiótica, nem do plano cognoscível e nem da arte sacra, nos interessa abordar os aspectos da materialidade da imagem e da subjetividade que os usuários produzem sobre e ao redor delas. Isto é, buscaremos compreender o processo que se inicia no imaginário religioso, ganha forma e como estas imagens de santos incorporam sentidos múltiplos e tornam-se objetos de devoção para alguns e despertam críticas em outros. As imagens de santos oriundas do cristianismo – sejam elas de madeira, gesso, quadros, fitas com motivos religiosos, dentre tantas outras formas que possuem uma representação do sagrado –, são produtos de uma elaboração humana, onde o imaginário arraigado em permanências tradicionais é capaz de construir narrativas e as materializalas. A ideia da relação entre o imaginário, narrativas e suas materializações, parte das constatações do historiador italiano Carlo Ginzburg (2001, p. 120), de que o aparecimento e reaparecimento das imagens religiosas na tradição cristã remontam a criação e recriação mítica do profetismo judaico. Na medida em que as interpretações e traduções bíblicas ganharam vida, a subjetividade dos cristãos elaborou uma narrativa a partir de tais mitos, dotando não apenas a experiência religiosa de um sentido simbólico, mas também atingindo a produção material das imagens. O aspecto material da imagem traz consigo a qualidade de um produto mental, num processo onde o imaginário ganha vida através da ação humana. Esta prerrogativa compõe algumas reflexões filosóficas sobre a dialética entre o mundo ideal e o mundo material. Para o filósofo Gaston Bachelard (1991), [...] a matéria existe imediatamente sob sua mão obrante. Ela é pedra, ardósia, madeira, cobre, zinco... O próprio papel, com seu grão e sua fibra, provoca a mão sonhadora para uma rivalidade da delicadeza. A matéria é, assim, o primeiro adversário do poeta da mão. Possui todas as multiplicidades do mundo hostil, do mundo a dominar. O verdadeiro gravador começa sua obra num devaneio da vontade. É um trabalhador. Um artesão. Possui toda a glória do operário (BACHELARD, 1991, p. 52).

Em sua perspectiva fenomenológica, Bachelard insere a experiência do trabalho humano sobre a produção do que quer que seja. A imagem religiosa em sua aura sagrada, seus entalhes, suas cores e nos usos que os devotos fazem delas, contém trabalho humano investido e correspondem a uma considerável parcela da construção da própria subjetividade religiosa. 19

Como em toda produção ela (a imagem) possui um valor, seja um valor monetário ou um valor moral estimado. O objeto que antes havia sido um produto mental construído a partir de narrativas passadas, quando materializada, agrega em si valores. Esses valores podem ser calculados a partir de seu processo de produção, isto é, desde sua concepção até sua conclusão, a técnica, o emprego de força, o entalhe, o consumo e os usos estão impregnados de trabalho. Em sua concepção de produção da mercadoria Karl Marx (2010) descreve tanto os aspectos fisiológicos quanto os subjetivos acionados pelo ser humano na confecção de qualquer elemento material.

[...] o trabalho humano do alfaiate e do tecelão, embora atividades produtivas qualitativamente diferentes, são ambos dispêndio humano produtivo de cérebro, músculos, nervos, mãos etc., e, desse modo, são ambos trabalho humano (MARX, 2010, p. 66).

A concepção marxista de trabalho humano se torna interessante nesta discussão quando consideramos as imagens de santos em seu caráter material. Não nos compete aqui aprofundarmos num estudo de mercado e do circuito que as imagens percorrem desde sua confecção até sua venda, isto é, os aspectos econômicos que as envolvem. Interessa-nos, no entanto, apontar que as imagens de santos são objetos materiais produzidos por seres humanos, como qualquer outro objeto ela possui características singulares, possui um valor monetário e subjetivo, porém, o que as diferenciam da maior parte dos outros objetos, além do valor religioso atribuído pelo devoto, são as reações iconoclastas que as envolvem. É como se as imagens de santos contivessem um valor subjetivo positivo e fossem capazes de agregar em si, em determinados contextos, também um valor subjetivo negativo. Bruno Latour (2008, p. 114), traz uma discussão pertinente sobre o paradoxo que a imagem materializada desperta nas representações religiosas. O autor problematiza a questão dos ícones sagrados provocarem um incômodo pela sua presença, aquilo que outrora era fruto de uma projeção mental, composta pelos mitos bíblicos, ao serem exteriorizados ganha o toque da mão humana. Ainda que sejam objetos que representam o sagrado, são também dessacralizados por serem uma criação humana. Assim, o efeito principal que as imagens materializadas provocam é um paradoxo subjetivo exteriorizado pelas reações iconoclastas.

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O debate sobre a exteriorização, materialização e reprodução daquilo que é produto do imaginário ou de subjetividades religiosas e/ou mágicas, percorre as diversas correntes teóricas possíveis para sua abordagem e se enraíza numa discussão que antecede o cristianismo. Na Grécia, entre Platão e Aristóteles, há uma profunda discordância sobre a ação do homem na reprodução de alguma coisa. Para Platão, a arte é a imitação de uma realidade que está separada da realidade verdadeira, nunca adquire um caráter totalmente real, mas apenas um reflexo – nisto consiste sua Ideia Transcendente. Para Aristóteles, o homem é capaz de imitar o real, mas um real que está presente, num movimento em que matéria penetrada pela forma a constitui em realidade (cf. BESAÇON, 1997, p. 67-68; MACHADO, 2001, p. 9). Se tratando do longo processo histórico do cristianismo, a aceitação do uso das imagens passou por inúmeras discussões e Concílios para definir ou redefinir seu caráter dentro desta tradição. De acordo com Alain Besaçon (1997, p. 179), foi lentamente que o desenvolvimento da arte cristã se realizou. Iniciada durante os primeiros séculos do cristianismo nas paredes das catacumbas marcadas com grafitos, esboços, sinais e símbolos para iniciados no cristianismo, não sendo consideradas ainda como imagens de culto, eram apenas lembretes de passagens do Cristo ou da Virgem. O autor também aponta que somente após a conversão de Constantino (325 a. C.) que a arte e a produção das imagens sagradas passaram a ser produzidas: Tendo em vista que, as imagens que eram produzidas anteriormente eram pagãs, havendo sansões aos artistas que confeccionavam estas imagens, apenas com a conversão do imperador Constantino ao cristianismo os artistas puderam trabalhar livremente na produção das imagens que exaltariam a nova fé (BESAÇON, 1997, p. 180).

E é justamente no contexto de oficialização do cristianismo que as bases dos usos das imagens terão o cerne de seus desdobramentos nos séculos posteriores, principalmente a partir da cisão provocada pela Reforma Protestante. Esses desdobramentos são sintetizados por Arlindo Machado (2001) no seguinte trecho: O antigo interdito da imagem – nas culturas judaico-cristã e islâmica e na tradição filosófica grega – constituiu o primeiro ciclo do iconoclasmo. O segundo ocorreu durante o Império Bizantino, mais precisamente nos séculos VIII e IX, quando a produção, a disseminação e o culto das imagens foram proibidos, ao mesmo tempo em que os adeptos da iconofilia e da iconolatria perseguidos e executados, e os quadros destruídos ou queimados em praça pública. 21

O iconoclasmo foi proclamado doutrina oficial pelo imperador Leão III, em 730, e aplicado com firmeza por seus sucessores: Constantino V, Constantino VI e Leão V. A doutrina dilacerou o lado oriental do antigo império Romano durante mais de um século e provocou uma sangrenta guerra civil, que só terminaria em 843, com a restauração do culto aos ícones na catedral de Santa Sofia, em Constantinopla, atual Istambul (MACHADO, 2001, p. 10).

As concordâncias e discordâncias sobre os usos das imagens religiosas, aparentemente sugerem questões simplórias, de pouco alcance para estudos sociológicos ou antropológicos. No entanto, quando examinamos o processo histórico do cristianismo, as imagens religiosas sempre motivaram diferentes reações e com a atual proliferação de imagens e com a autonomia dos religiosos em manifestarem publicamente suas identidades religiosas, os conflitos e tensões em torno da iconografia religiosa tornaram-se mais sutis e complexos. Ao notar que as imagens religiosas haviam sido pouco consideradas nos estudos das Ciências Sociais, o antropólogo José Rogério Lopes (2010) trouxe as imagens para o primeiro plano de sua pesquisa, sugerindo novos recursos metodológicos para suas análises (cf. MACHADO, 2012). O autor, entendendo estas imagens como uma das válvulas motoras que conduzem determinadas ações dos agentes religiosos, considera que as imagens conformam em si uma duplicidade enquanto objetos materiais revestidos de significados. Assim, [...] essa duplicidade característica da imagem circunscreve uma dada formação sensível do pensamento, uma capacidade de imaginar coisas distintas dos objetos existentes, como também uma necessidade de visualização, determinada pela presença dos objetos, pela apreensão de suas propriedades ou pela ausência de sua manifestação (LOPES, 2010, p. 22).

Esta experiência evoca variados sentidos para os sujeitos, por isso, Lopes (idem, p. 24) considera que não se trata somente de ícones, mensagens ou representações, mas são representações codificadas em códigos inteligíveis e partilhadas socialmente, construindo redes de sentidos que interligam os sujeitos e movimentam as trocas sócioreligiosas que realizam. Esses códigos confluem para estabelecer um campo de interesses socialmente partilhados pelo grupo, e este campo o autor define como campo imagético (idem, p. 28). Para fundamentar sua noção de campo imagético, Lopes recorre o pensamento de Gilles Deleuze (1988) sobre a diferença e a repetição, ponderando que: 22

[...] como afirma Deleuze (1988), que os registros da consciência que se movem em torno das representações da repetição e da diferença que estabelecemos sobre e com os fenômenos, como registros de nossa própria consciência de continuidade e de mudança, são inscritos nas imagens e podem ser assim investigados sob algumas abordagens (LOPES, 2010, p. 75).

Numa breve síntese, sua concepção sugere que, “o objeto (leia-se imagem) que se repete não muda, mas muda alguma coisa no espírito que a contempla” (idem, p. 75); dessa forma o espectador da imagem é compreendido como produtor de sentidos por receber um conteúdo e transformá-lo a partir da codificação realizada em seu imaginário. Contudo, o espectador da imagem, num contexto religioso considerado plural, não necessariamente é um religioso quem faz uso desta imagem, preste devoção ou se relacione diretamente com ela. Na proposta de Lopes – ao qual assumimos como norte metodológico de nossa pesquisa –, é pela contemplação da imagem que alguma coisa se transforma no indivíduo por meio dos registros da consciência que reativam memórias e experiências coletivas e individuais. Em nossa pesquisa partimos deste pressuposto, mas consideramos também os indivíduos que não utilizam as imagens de santos, mas que de alguma maneira se relacionam com elas e com seus usuários dentro de um campo imagético plural determinado (idem, p. 139). O autor distingue dois tipos de abordagens centrais nas investigações sobre imagens religiosas. A primeira considera a relações devocionais constituídas em torno de uma imagem, a segunda considera as devoções religiosas em suas relações com um campo imagético plural. Nossa proposta se insere na segunda abordagem, onde se desloca o sentido das imagens de seu significado particular (que é adjetivador), para um significado (substantivador), onde se visualiza o conjunto de relações e redes desenvolvidas pelo devoto. Assim, concordamos com a consideração de Lopes de que, [...] Ocorre que no estudo de uma devoção particular é, muitas vezes insuficiente para abranger a dinâmica de uma memória popular devocional [...]. O que considero como dificuldade central de tal abordagem é o fato de que as mediações que se operam nesse entrelaçamento são de ordem da memória, e lembre-se que a memória, que é o fundamento do tempo, inverte a relação entre geral e particular (LOPES, 2010, p. 139).

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Coube em nosso estudo agregar as diversas instâncias que constituem os demais campos da vida dos indivíduos (história regional, instituições, economia, organização, relações de parentesco, etc.) para poder identificar as ações e sentidos que os indivíduos produzem e compartilham num mesmo tempo (geral, no campo imagético em relação às outras pessoas) e dentro dos universos religiosos que compõem4 (particular, suas devoções e práticas religiosas).

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Danièle Hervieu-Léger (2008, p. 73) entende que, as experiências que correspondem às necessidades emocionais, de integração comunitária, de preservação da cultura religiosa, podem constituir o ponto de partida de uma elaboração identitária singular, que os indivíduos na Modernidade religiosa ‘colorem’ de maneira única.

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CAPÍTULO 1

Borá, São Paulo: contextualizando

Borá é vizinha das cidades de Lutécia, Paraguaçu Paulista, Quatá e Quintana, cidades que compõe um pequeno núcleo no centro-oeste paulista. Com uma unidade territorial de 118, 450 km², localizada a 486 km da capital de São Paulo, sua economia é baseada na produção rural, contando com setores da agricultura e pecuária. A produção agrícola fornece subsídios para o desenvolvimento econômico da cidade, com a produção de algodão, amendoim, arroz, aveia, centeio, cevada, feijão, girassol, mamona, dentre outros. Os entornos de Borá são cercados por sítios e fazendas onde se desenvolve o plantio destes gêneros. A pecuária desempenha importante papel, com a criação de bovinos, equinos, bubalinos, muares, suínos, caprinos, ovinos, galos e frangos, com esta produção os pecuaristas também se valem de ovos, lã, mel e leite de vaca para complementarem suas demandas. As primeiras incursões a campo foram pegando caronas na estrada, as margens da rodovia Richard Rayes que seguem em direção as cidades de Echaporã, Assis e Paraguaçu Paulista, onde iniciei meu percurso etnográfico. Com o passar do tempo ao adquirir o financiamento junto a Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP), pude dar continuidade ao trabalho de campo viajando de ônibus e/ou moto taxi. No entanto, pude perceber que foram nas caronas com caminhoneiros de passagem pela estrada, ou em ônibus rurais lotados com turmas de trabalhadores da usina de cana de açúcar da região, ou com moradores de Paraguaçu e de Borá, que me permitiram ter um primeiro acesso a realidade dos habitantes da cidade. Ao adentrar em Borá qualquer visitante oriundo de cidades maiores, é capaz de notar as casas de alvenaria dividindo o espaço de seus muros com as casas de madeira. Em sua maioria são casas com muros baixos, os portões não possuem cadeados, as roupas são estendidas nos varais, as portas costumeiramente estão abertas, e por elas é possível ver no interior das casas os mobiliários, pessoas conversando e uma relativa e aparente tranquilidade pelas ruas.

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As ruas principais que cortam Borá dirigem-se para a praça da cidade. Nesta praça está a Igreja de Santo Antônio, a partir de onde a cidade passou a se desenvolver. A praça e a Igreja caracterizam um local de extrema importância para a vida social dos boraenses. Durante todo o trabalho notamos pessoas sentadas conversando ou cruzando a praça para irem a algum lugar. A praça e o barracão da Igreja são os locais onde a Festa de Santo Antônio é realizada anualmente e congrega a população. Figura 1 – Esboço da praça e da igreja

Fonte: Ilustração do autor

Ao seu redor está o Paço Municipal (prefeitura), um fundo social de solidariedade, uma padaria, uma delegacia civil e outra militar, uma agência bancária, um centro comunitário, um açougue, uma farmácia, uma escola infantil e uma pequena mercearia. Nos entornos da praça existem casas, e pelo que pude perceber são residências de membros de famílias tradicionais, mais antigas na cidade. Ainda que se espalhem pelas ruas mais próximas da praça, é uma localidade que demarca um espaço de tradição e de alguma hierarquia entre as famílias mais novas e as que estão há muito tempo estabelecidas. Acompanhei no período de pesquisa de campo a transformação da praça. Quando iniciei a pesquisa, sua estrutura física era bem diferente do que é hoje. Com uma reforma realizada pela prefeitura, a praça ganhou luminárias novas, um coreto, e a imagem de Santo Antônio, que antes figurava num bebedouro de azulejos, tornou-se uma imagem de gesso em tamanho grande5, mais moderna e rejuvenescida. Além dos derredores da praça, encontra-se um pequeno comércio espalhado por ruas que dão acesso a praça. Na rua de entrada para a cidade – que é a rua de cima da 5

Nos anexos incluímos uma fotografia do modelo antigo da imagem de Santo Antônio e após a reforma.

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praça – estão: o “Mercado do Povo”, uma lotérica, um restaurante, o cemitério, dois bares, um Centro de Informática com acesso a internet gratuito para a população fornecido pelo Governo do Estado de São Paulo (parte do programa Acessa São Paulo, que visa a integração à internet) e um posto de gasolina. Em uma rua paralela a esta descrita e que também vai de encontro à praça, há uma loja dos Correios, uma pequena butique e o velório municipal. A cidade também conta com uma base policial em uma de suas extremidades, um terminal rodoviário, onde ficam os ônibus que se encarregam do transporte da população pelas cidades vizinhas, um estádio municipal (um grande campo de futebol, com arquibancadas, em que os times regionais marcam seus torneios e onde o rodeio é realizado anualmente). Embora diminuto, o comércio é bastante ativo, quando os moradores não encontram os produtos que procuram se dirigem para Paraguaçu Paulista (com cerca de 40 mil habitantes), que oferece uma maior variedade de consumo e lazer. Os bares que mencionei, são frequentados por homens que ali encontram colegas e passam horas em longas conversas. Notei no decorrer do trabalho, que estes bares são locais de intensa fonte de informações por agregarem muitas pessoas e por estarem localizados na rua de entrada da cidade. É possível estar em um dos bares e notar qualquer pessoa que adentra a cidade, permitindo estar ciente das diferentes movimentações durante todo o dia. O que mais é consumido pelos frequentadores dos bares são cerveja e cachaça – cabe salientar que não presenciamos mulheres que frequentassem os bares, apenas iam até eles para comprar utilidades, mas somente os homens ali permaneciam. Em ambos os bares existem mesas de sinuca, onde os clientes jogam em disputas amistosas. Às vezes algum frequentador estaciona o carro em frente ao bar e liga o aparelho de som para o desfrute dos demais.

*

No que diz respeito à religiosidade dos boraenses, observei que como nos diferentes aspectos de suas vidas, estão intimamente relacionados aos laços familiares. Antes de entrar especificamente no perímetro urbano de Borá, os sítios e fazendas que a cercam foram batizadas com nome de santos, como por exemplo, Sítio Nossa Senhora da Graça, Fazenda Nossa Senhora Aparecida, Sítio Santo Antônio e Sítio São José. Em

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um trecho de seu trabalho Valdirene Marconato (1997)6 rememora a experiência religiosa de sua infância e do contato familiar que se desenvolvia nestes sítios:

A igreja onde tive as primeiras instruções em relação a Deus, espera todo ano pela festa de Santo Antônio, o padroeiro. [...] As ruas mais afastadas oferecem os horizontes, verdes sítios que deixaram outras saudades. Das estripulias de criança e broncas das avós, do certo e do errado (MARCONATO, 1997, p. 29).

No trecho citado e em todo o trabalho de Marconato, é possível identificar que o desenvolvimento da cidade e as biografias de muitos dos habitantes estão relacionados com o convívio familiar e comunitário. Como, por exemplo, alguns sobrenomes como das famílias Vedovatti, Bregolato, Leovezete, Marconato e Furniel, são recorrentes nos importantes momentos de Borá. Desde a abertura das matas para a construção da então “Vila Borá”, passando pela construção da capela, pelo desenvolvimento do comércio agropecuário, pela sua emancipação a município em 1964 e suas primeiras eleições, até os dias de hoje, os boraenses desde crianças estão envoltos em relações consanguíneas ou por laços vicinais. Na primeira visita que realizei a Borá, ao percorrer as ruas, me deparei com uma casa de madeira, de portões e muros pequenos, que estava com a porta da sala aberta, onde pude ver algumas imagens de santos católicos pelas paredes. Resolvi interpelar os moradores da residência para saber um pouco mais sobre a cidade e questionar sobre a devoção aos santos. A casa pertence à dona Germina7, 89 anos, descendente direta de uma das famílias portuguesas que colonizaram a localidade. No momento estava acompanhada de sua filha, que há anos mora na capital de São Paulo, mas passou parte de sua vida em Borá. Em nossa conversa, dona Germina contou que viu a cidade nascer. Lembra, ainda hoje, de seus pais e das demais famílias abrindo as matas, construindo suas casas, dos bailes que eram realizados entre os jovens, da igreja sendo construída, dentre tantas outras memórias. Como relata Marconato (1997, p. 7), em entrevista com dona Germina em 1997, os casamentos antigamente eram realizados entre as famílias que ali

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Nascida e criada em Borá, Valdirene Marconato em sua monografia Borá: fragmentos do recanto (1997) elaborou um livro-reportagem sobre a história da cidade. Coletou entrevistas, verificou arquivos e com pessoalidade construiu um importante material sobre o desenvolvimento de Borá desde a chegada de seus primeiros habitantes até o final da década de noventa. 7 O nome de dona Germina é citado sem pseudônimo por ser uma referência direta ao trabalho de Marconato.

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conviviam. Membros de uma família casavam-se com os de outra, assim, quase todos na cidade são parentes próximos ou distantes. Ao questionar sobre as imagens de santos que possuía em sua sala, me convidou para entrar e vê-las de perto. Em uma das paredes havia um grande crucifixo de madeira pendurado, portando cerca de uns 50 cm, o crucifixo estava rodeado de imagens: um quadro de tamanho grande da Santa Ceia, um anjo de metal, à direita e à esquerda haviam retratos dos pais já falecidos. Sua trajetória pessoal, como a de alguns remanescentes diretos das famílias precursoras, está presente na história da cidade. Como ela mesma disse: “ajudou a arrancar a mata para que a cidade fosse construída”. Devido a este importante vínculo familiar forjado desde o início da cidade, uma de suas falas apontou diretamente para o que mais tarde eu iria compreender com maior exatidão sobre as transformações na cidade de Borá8. Nas palavras de nossa interlocutora:

Antes a gente conhecia todo mundo que passava pela rua. Agora já não se sabe mais quem é quem. (Dona Germina, 89 anos, boraense).

O depoimento de dona Germina, assim como as demais falas dos boraenses, podem ser bem compreendidas como percepções dos habitantes sobre as transformações na cidade e que estão alterando o conjunto de relações estruturadas por relações comunitárias. Ferdinand Tonnies (1973) em sua tipologia ideal propõe uma separação entre comunidade (Gemeinschaft) e sociedade (Gesellschaft). Considerando as comunidades como formas sociais marcadas por relações pessoais, intenso espírito emocional, e constituída pela cooperação, pelos costumes e pela religião. Ela é encontrada na família, na aldeia e em pequenas comunidades urbanas. As sociedades (Gesellschaft), segundo o autor, são típicas de uma organização de grande escala, como as grandes cidades, o estado ou a nação, que se fundam nas relações impessoais, nos interesses particulares, no direito e na opinião pública. Para Tonnies a família, a vizinhança e o grupo de amigos são exemplos de estruturas comunitárias, enquanto a cidade e o estado são exemplos de estruturas societárias.

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Refiro-me a presença dos trabalhadores migrantes. No início do trabalho, não levei em consideração que na fala de dona Germina, estava contida a percepção das recentes transformações em Borá. Por mais que houvesse notado alguns trabalhadores rurais transitando pela cidade, somente nas visitas seguintes soube da usina de cana de açúcar e do fluxo migratório que sua reativação ocasiona.

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Como na maioria das cidades interioranas do Estado de São Paulo, Borá também conforma o mesmo quadro de estrutura de sociabilidade caipira em sua formação. Antônio Candido (1975) em seu estudo sobre as condições da vida no campo sustenta que um dos aspectos fundamentais na constituição da vida rural foram os agrupamentos de famílias, que em auxilio mútuo organizaram-se e de maneira comunal e desenvolveram os bairros, vilas e cidades. Esta é a estrutura fundamental da sociabilidade caipira, consistindo no agrupamento de algumas ou muitas famílias, mais ou menos vinculadas pelo sentimento de localidade, pela convivência, pelas práticas de auxilio mútuo e pelas atividades lúdico-religiosas (CANDIDO, 1975, p. 62).

Segundo Marconato (1997, p. 1-2), em 1918 a família Vedovatti chega ao Bairro do Cristal, passando pelos rios que cortam a atual Borá para ir até a cidade de Sapezal, onde se dava a parada do trem da Alta Sorocabana, para comercializar produtos alimentícios. Três anos mais tarde, em 1921, com a chegada de famílias portuguesas, fizeram de residência os acampamentos dos engenhos – acampamentos estes que haviam sido utilizados pelas expedições organizadas pelo Governo do Estado no inicio do século para desbravar as terras do então “sertão desconhecido” –, localizados na fazenda de Dionísio Zirondi. Em seguida, outras famílias, desta vez de imigrantes italianos, chegaram e se assentaram no acampamento. Juntamente com as outras famílias, abriram as primeiras picadas – as atuais estradas que ligam Borá ao distrito de Sapezal e a cidade de Paraguaçu Paulista. A primeira medida foi a derrubada da mata para plantio, que automaticamente, também abriria um caminho maior para as estradas e facilitaria o comércio nas épocas de safra. Em fins de 1923 e inicio de 1924, essas famílias, todas de orientação católica, tomaram por iniciativa construir uma capela para realizar suas orações, missas, batizados dos filhos, etc. De imediato, foi levantado um cruzeiro de madeira, onde eram realizadas as missas. Pouco tempo depois as famílias se reuniram para tratarem da escolha de um local adequado para a edificação da capela. O local escolhido, por fim, foi no sítio de José da Costa Pinto, por serem terras que estavam no centro das demais propriedades. Como relata Marconato (1997, p. 4), com tamanha honraria, Costa Pinto doou um alqueire de terras para a construção da capela. Em mutirão as famílias auxiliaram na

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sua edificação toda de madeira. Alguns derrubaram árvores de perobas, outros transportaram as madeiras em carros de boi, e numa cooperação mútua nasceu a Capela. O santo padroeiro escolhido foi Santo Antônio, e no mesmo período da construção foi instituída a Vila Borá. As junções das famílias imigrantes e das demais famílias brasileiras que se encontraram na região deram origem a um tipo de sociabilidade que pode ser compreendido na síntese de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1973, p. 3), que devido às grandes transformações pelas quais passou o Estado de São Paulo desde o final do século XIX, com a entrada de grande massa de imigrantes europeus e pela coexistência de diferentes grupos no espaço rural, promoveu-se um tipo de sociabilidade comunal, onde a família e os parentes formavam a base desta estrutura comunitária.

*

Na medida em que as inúmeras transformações decorrentes do processo de urbanização, somado a ideia de progresso, dos fatores tecnológicos e econômicos atingem os antigos padrões de vida do campo, além de alterarem a paisagem local, o cotidiano dos habitantes passa a ser afetado diretamente. De acordo com Eunice Durham (1973), A mudança desse modo de vida tradicional não pode ser compreendida exclusivamente em termos de organização interna dessas comunidades mas como resultado de pressões que emanam da sociedade global na qual se inserem. É a relação entre essas forças externas e o equipamento sociocultural tradicional que nos permite analisar a direção da transformação que se processa e as possibilidades de ajustamento dos indivíduos a nova ordem social em emergência (DURHAM, 1973, p. 96).

Os estudos sociológicos e antropológicos realizados nos anos sessenta e setenta preocupavam-se “com as bases sobre as quais a transformação estava operando, isto é, a sociedade rural tradicional, a população negra e seu passado escravo, a imigração estrangeira do século anterior" (DURHAM, 1982, p. 161). Embora os interesses e perspectivas das Ciências Sociais se configurem atualmente a partir de outras preocupações, o caso de Borá recoloca a discussão sobre a continuidade destas transformações visualizadas por esses autores. Dois eventos podem ser considerados como cruciais para compreender seu atual contexto de Borá: a) o crescimento das igrejas e do público evangélico na cidade; b) a reativação da usina de cana de açúcar. 31

Primeiramente trago as questões relativas à reativação da usina e as modificações econômicas, sociais e políticas decorrentes desse processo. Em seguida, trato do campo religioso em Borá e suas transformações nas últimas décadas. Dessa forma, busco relacionar os diversos campos da vida social com as experiências religiosas, entendendo uma relação indissociável entre as transformações religiosas e urbanas na modernidade (cf. THEIJE, 2000; GUEST, 2003; HERVIEU-LÉGER, 2002). *

Em 2004 a reativação da usina de cana de açúcar, Usina Ibéria (antiga Usina Gatuns), trouxe maiores possibilidades de emprego na cidade e região. Distante 13 km do centro da cidade emprega cerca de 2.000 funcionários, cuja maior parte é oriunda das cidades vizinhas. Entre os meses de maio e novembro esse quantitativo aumenta com a grande massa de migrantes, em sua maioria são oriundos do estado de Alagoas e de outras regiões do nordeste, que são contratados como trabalhadores sazonais. Em plena segunda-feira é possível ir até Borá no horário de almoço, por volta das 11 horas às 14 horas da tarde, para encontrar os “arrastados”

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transitando pela

cidade, ou descansando em alguma sombra de árvores próximas à praça. A longa permanência destes trabalhadores pelas redondezas altera a paisagem urbana da cidade, dando um movimento diferenciado do habitual, trazendo consigo distintas opiniões sobre a reativação da usina. Para alguns boraenses a usina foi a “salvação da cidade”, trouxe emprego, melhoria de renda, etc. Atualmente foi realizada uma parceria entre o Governo do Estado, a Prefeitura e a Usina Ibéria, para a construção de um conjunto habitacional de 101 casas. Estas casas são destinadas a dois tipos de habitantes10: a) para trabalhadores da usina que permanecem na cidade sem retornarem aos seus estados de origem; b) para aqueles que moram a mais de três anos na cidade e não são trabalhadores da usina e que não possuem residência fixa. Segundo uma interlocutora, casada, funcionária na escola municipal, mas que reside em outra cidade, à preferência na aquisição das casas é dos trabalhadores da 9

“Arrastados” é o termo como alguns boraenses chamam os migrantes trabalhadores da usina. Devido ao sotaque que trazem de suas regiões, acabaram por ser diferenciados por este termo. 10 Segundo dados do IBGE, Borá possui 187 residências. De acordo com dados de nossa pesquisa, onde entrevistamos 52 residências, as famílias são compostas por uma média de três ou quatro membros. Com a inauguração das novas casas serão 287 residências, se todas forem habitadas, seja pelos migrantes ou por outras pessoas que apenas trabalham em Borá, e se a média de pessoas por residência for semelhante a atual, acreditamos que no próximo Censo Demográfico Borá não será a menor cidade do país em termos populacionais.

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usina. Estes trabalhadores em seu período de estadia moram no alojamento fornecido pela usina. Mas, devido às possibilidades de emprego fixo, com registro permanente na carteira de trabalho, muitos destes trabalhadores acabam por manifestar o interesse em definitivamente morar na região e trazer suas famílias. Alguns antigos moradores de Borá, que hoje residem em Paraguaçu Paulista e em outras cidades vizinhas – os quais tive a oportunidade de conhecer através das caronas para realizar a pesquisa – disseram que se a usina houvesse sido reativada há mais tempo, não teriam ido embora da cidade, somente deixaram Borá devido à falta de trabalho. Até a reativação, em 2004, a prefeitura era a principal fonte de renda da população, que trabalhavam no hospital, ou na escola, ou no fundo de solidariedade, etc. Poucos se deslocavam para trabalhar nas cidades vizinhas. Somado a isto, a baixa oferta de trabalho e com o aumento da população jovem, as possibilidades de trabalho que a usina passou a oferecer fez com que obtivesse aprovação de parte da população. Já para outra parcela dos boraenses a usina foi a “desgraça da cidade”, trouxe pessoas estranhas, aumentou a preocupação com casos de abuso sexual e pedofilia, levantou rumores sobre prostituição, etc. Devido a estas opiniões muitos dos migrantes acabam não sendo incorporados à comunidade, como disse outra interlocutora desta vez boraense: “tem muita gente que não gosta deles, mas eu tenho muitos amigos alagoanos”. É possível entender estes fatos como um tipo de rejeição implícita nos discursos, que por sua vez tem suas origens nas críticas à reativação da usina. Isto acaba por estabelecer categorias sociais internas de diferenciações sobre os trabalhadores migrantes. Tal evidência está no termo “arrastado” que distingue os migrantes a partir da forma falar e de seus sotaques de origem. Somando a isto, existem os argumentos políticos sobre as questões que envolvem a reativação da usina. Devido à grande evidência que Borá ganhou por ser o menor município brasileiro em termos populacionais11, as antigas discussões políticas sobre inserir Borá na modernidade e no progresso se acirraram12. De um lado o 11

Outro elemento que conturbou a cidade foi à invasão midiática que tomou Borá após a divulgação do Censo em 2010. Reportagens de jornais online e impressos escreveram sobre a pequena cidade em tons nem sempre respeitosos. Programas de televisão produziram reportagens em rede nacional. Empresas privadas realizaram propagandas vinculando em seus produtos o seu tamanho. Uma série de especulações aconteceu desde então, a mais recente foi à exposição de que “Borá é uma cidade 100% conectada na rede social Facebook”. 12 Segundo informações do estudo de Marconato (1997, p. 14), Borá teve sua população reduzida no decorrer dos anos. Em 1950 eram 3.515 habitantes, em 1960 caíram para 2.812, em 1970 a queda da população correspondeu a 1.270. Esta redução permaneceu 1980 e 1991, com o registro de 858 e 751

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argumento de que é preciso investir em infraestrutura para proporcionar o aumento da população, trazer mais indústrias para a localidade a fim de gerar emprego, ampliar o comércio e melhorar a qualidade de vida da população. Por ter ganhado certa evidência na mídia pelo seu tamanho, Borá passou a receber diversas pessoas que procuravam se distanciarem dos centros metropolitanos e optaram por “uma vida mais tranquila no interior do estado”. Contudo, mesmo antes dessa divulgação e antes mesmo da reativação da usina, algumas pessoas foram atraídas pela cidade.

Em uma conversa informal com o dono de dos mais significativos comércios da cidade, me disse que havia deixado a cidade de São Paulo há anos atrás. Segundo ele, por estar viúvo, aposentado, com os filhos criados e com algum capital para investir, após conhecer Borá em visita, resolveu mudar-se para a cidade abrindo um pequeno supermercado, definitivamente deixando “a vida estressada da capital”, como disse. Esse dado demonstra que não apenas ocorre uma migração para o trabalho, embora ela seja a mais notória, outros fatores estão relacionados ao aumento populacional e as demais mudanças. Do outro lado, existem os interesses que prezam pela manutenção de Borá como é: a menor cidade do Brasil, um local tranquilo, onde pessoas deixam suas vidas conturbadas dos grandes centros metropolitanos e escolhem para morar ou passar finais de semana. Um local turístico, com festas tradicionais, com um balneário para os dias quentes, enfim, um local idílico para muitas pessoas. São, portanto, estas duas posições opostas que os políticos boraenses inserem em suas agendas discursivas. Do mesmo modo, a população se divide entre elas. Os jovens que não conseguem emprego na usina ou noutro ramo deixam a cidade em busca de condições diferenciadas de vida. As pessoas em idades adultas e idosas ou estão empregados ou aposentados, não pensam em deixar a cidade.

*

Para obtermos um panorama geral sobre o campo religioso em Borá, consultamos o Censo das Religiões no Brasil (IBGE, 2010), onde os dados apontam para as seguintes pertenças e declarações religiosas:

habitantes, respectivamente. Esta queda populacional e as poucas fontes de renda disponíveis acabaram por se tornar uma discussão política sobre o futuro da cidade.

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Tabela 1 – Mapa das Religiões no Brasil – Borá-SP

Católicos Evangélicos Espíritas Candomblé e Umbanda Sem religião

68,76% 27,07% 0,0% 0,0% 0,0% Fonte: IBGE 2010.13

Como podemos ver na tabela a maioria da população se declara como católicos. Este dado corrobora com a característica geral do país. Mesmo com crescimento evangélico, os católicos continuam a representar uma parcela grande da população com cerca de 68, 76%. O crescimento acelerado dos evangélicos em todo o país a partir de 1991, como aponta o Censo, colocou em cheque a hegemonia católica. Em Borá a população se divide entre católicos e evangélicos somente. Espíritas, umbandistas, candomblecistas e outros, não são evidenciados pelo censo14. O censo aponta em Borá a seguinte configuração numérica15: Tabela 2 – Auto declaração religiosa por residente, segundo o IBGE (2010) - Borá-SP

População residente, religião católica apostólica romana População residente, religião evangélicas

554 pessoas 218 pessoas

Fonte: IBGE 201016.

Sendo que, as religiões classificadas como “religião evangélica”, foram separadas do seguinte modo: Tabela 3 – População residente e religião, segundo o IBGE (2010) – Borá-SP

População residente, religião evangélica de missão População residente, religião evangélica de missão – Igreja Evangélica Adventista População residente, religião evangélicas de origem pentecostal População residente, religião evangélicas de origem pentecostal – Igreja Assembleia de Deus População residente, religião evangélicas de origem pentecostal – Igreja

3 pessoas 3 pessoas 113 pessoas 67 pessoas 6 pessoas

13

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/temas.php?codmun=350720&idtema=91&search=saopaulo|bora| censo-demografico-2010:-resultados-da-amostra-religiao14 Apontamos também que as demais cidades que estão ao redor de Borá apresentam um quantitativo diminuto ou desaparecem quando verificamos a proporção de espíritas, de umbandistas, de candomblecistas e de sem religião. Somente as cidades de Quatá e de Paraguaçu aparecem, porém, com um quantitativo reduzido de: Quatá: espíritas com 0,04%, sem religião com 5, 75%, umbanda e candomblé não são encontradas. Paraguaçu: espíritas com 1,28%, sem religião com 7,42%, umbanda e candomblé com 0,120%. 15 http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 16 http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/temas.php?codmun=350720&idtema=91&search=saopaulo|bora| censo-demografico-2010:-resultados-da-amostra-religiao-

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Congregação Cristã do Brasil População residente, religião evangélicas de origem pentecostal – Igreja Evangelho Quadrangular População residente, religião evangélicas de origem pentecostal – outras População residente, religião evangélica não determinada População residente, religião Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias

34 pessoas 6 pessoas 101 pessoas 13 pessoas

Fonte: IBGE 201017.

Já os dados numéricos que apontam para “religião não determinada” ou de “múltiplo pertencimento”, possuem os seguintes quantitativos: Tabela 4 – População residente, religião não determinada e múltiplo pertencimento, segundo o IBGE (2010) – Borá-SP

População residente, religião não determinada e múltiplo pertencimento 21 pessoas População residente, religião não determinada e múltiplo pertencimento – 21 pessoas religiosidade não determinada ou mal definida Fonte: IBGE 2010.

Apesar dos dados quantitativos apresentados pelo Censo, é preciso considerar que as assimilações e composições religiosas atuais18 permitem que os indivíduos realizem bricolagens em seu universo de crenças. Como aponta Danièle Hervieu-Léger (2008, p. 42), “os indivíduos ‘constroem’ seu próprio sistema de fé, fora de qualquer referencia a um corpo de crenças institucionalmente validado”. Uma evidência do grau desta generalização da socióloga francesa pode ser pensado a partir de uma de nossas entrevistas em Borá. Ao aplicar o questionário19 em uma das residências, uma senhora, de aparentemente 60 anos, declarou ser católica. Mas fez questão de deixar claro que gosta de ir aos cultos evangélicos “às vezes”. Disse também que não possuía imagens de santos em casa, quem possuía uma imagem de Santo Antônio era seu marido, que havia ganhado de presente de um parente. Esta senhora, mesmo declarando-se católica, não tem seu universo de crença afetado pela participação dos cultos evangélicos.

17

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/temas.php?codmun=350720&idtema=91&search=saopaulo|bora| censo-demografico-2010:-resultados-da-amostra-religiao18 Este argumento se assenta nas considerações de Hervieu-Léger (2008) sobre o vinculo religioso sem ligação direta com a instituição, múltiplas identidades religiosas, “bricolagens” das experiências religiosas, em suma, um conjunto de fatores presentes no que a autora chama de Modernidade religiosa. 19 Que apresentaremos a seguir como foi elaborado e quais foram os resultados obtidos.

36

Alguns autores apontam que uma das características principais do catolicismo, ou melhor, dos católicos, são as múltiplas assimilações religiosas que realizam. Na colocação de Alphonse Dupront (1995), [...] Por um lado, o que se denomina “catolicismo” não se limita, na honestidade das palavras, à religião católica como tal. Como o sufixo traduz numa penumbra propícia e fecunda, é preciso entender no conteúdo existencial de “catolicismo”, tanto um sistema de pensamento como uma atitude diante do mundo e da vida (DUPRONT, 1995, p. 10).

Nesse sentido, a típica divergência entre o oficial e o não-oficial não se faz de maneira brusca ou com intensos conflitos, mas há da parte do religioso o gerenciamento das modalidades de crer, ainda que não esteja totalmente desvinculado do imaginário produzido pela instituição e até de suas normas de conduta, é capaz de articular diferentes crenças, performances e práticas religiosas sem abrir mão da sua de origem. Ao mesmo tempo isso significa que a senhora em questão não deixa de ser católica por frequentar uma igreja evangélica eventualmente. Como também, não pode ser classificada sumariamente como uma pessoa com duplo pertencimento religioso. Seria necessário para isto, um estudo de caso aplicado, levando em consideração mais a subjetividade e as redes de relações do que as duras classificações de pertencimento religioso. Mas, de uma perspectiva sociológica, podemos seguir a linha de reflexão da antropóloga Renata Menezes (2004), que sugere:

[...] pode haver uma continuidade com formas tradicionais de catolicismo, mas com significados diferentes sendo incorporados a práticas já consagradas, as quais estariam assumindo novos papéis na vida contemporânea. O contrário também pode acontecer: novas práticas culturais, com novos conteúdos discursivos podem, ser apropriadas a partir de padrões de significado antigos (Steil, 1996). E, enfim, coisas originais podem estar sendo geradas (MENEZES, 2004, p. 25-26).

Assim, os casos apontados pelo Censo fornecem um respaldo quantitativo, uma noção sólida da configuração geral do país, no entanto, para conhecer essas novas modalidades, as ressignificações, as assimilações, conflitos e tensões que estão sendo gerados, se faz necessário uma observação cautelosa e de longo prazo. Com isto, será possível angariar dados suficientes para elaborar as classificações típicas ideais com as quais trabalhamos em nossas análises sobre o campo religioso. 37

Retomando os números do Censo sobre Borá, fica nítido que declarantes católicos e evangélicos são predominantes na cidade. No caso dos católicos, por serem maioria, configura o quadro histórico da própria formação e tradição da cidade. Os evangélicos são resultado da inserção das igrejas evangélicas em Borá desde a década de oitenta. Atualmente estão presentes igrejas protestantes que podem ser caracterizadas como pentecostais clássicas de primeira e segunda onda, conforme as tipologias propostas por Paul Freston (1993). São elas: Igreja Assembleia de Deus (Ministério do Ferreira), Igreja Assembleia de Deus (Ministério de Belém), Igreja Congregação Cristã do Brasil e Igreja do Evangelho Quadrangular. Segundo Mariano (2012, p. 23), a Congregação Cristã e a Assembleia de Deus, fundadas no Brasil respectivamente em 1910 e 1911, sempre apresentaram claras distinções eclesiásticas e doutrinarias, mas com o passar do tempo, geraram formas e estratégias evangelísticas e de inserção social bastante distinta. No caso da Igreja do Evangelho Quadrangular, presente no país a partir da década de cinquenta, teve em sua gênese formativa os fragmentos denominais do pentecostalismo, diversificando seu aparato institucional, e que acabou por atingir suas doutrinas e derivou suas ênfases proselitistas (id). A notoriedade do crescimento dos evangélicos em Borá pode ser notada quando confrontamos os dados do Censo conforme apresentamos anteriormente com os dados obtidos em nossa pesquisa. Foram constatados na pesquisa casos de pluralidade religiosa intrafamiliar, ou seja, famílias que em sua composição encontram-se católicos e evangélicos convivendo sob o mesmo teto. Também identificamos famílias que se declararam “sem religião” e espíritas, mesmo não havendo um centro para as reuniões na cidade, acabavam por ir às cidades próximas, inclusive, estes mesmos declarantes espíritas residem com familiares católicos. Ao aplicarmos um questionário20 semiestruturado em 52 residências para verificar a composição familiar e as pertenças religiosas, obtivemos os seguintes dados:

20

O questionário foi composto pelas seguintes questões: 1) Possui religião? 2) Qual religião? 3) Frequenta alguma igreja? 4) Quantas pessoas residem na mesma casa? 5) Quais as idades das pessoas que moram na mesma casa? 6) Todas as pessoas da casa pertencem a mesma religião? 7)Alguém da casa possui algum santo de devoção? 8) Algum membro da residência possui imagens de santo dentro da casa? Mais adiante abordaremos com maior clareza como o questionário foi construído e quais foram os resultados obtidos.

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Tabela 5 – Resultado dos questionados aplicados na pesquisa (famílias e pertencimentos religiosos)

Total de Famílias entrevistadas

52

Famílias que se declararam totalmente católicas

31

Famílias que se declararam totalmente evangélicas

4

Famílias que se declararam sem religião

1

Famílias que apresentaram pluralidade religiosa (católicos, evangélicos, espíritas e de 16 múltiplas pertenças) Fonte: Elaboração própria realizada a partir do material etnográfico da pesquisa

Identificamos um expressivo número de famílias com pluralidade religiosa, isto é, uma pluralidade religiosa que transpassa o espaço público e adentra o espaço privado da casa. O fenômeno da pluralidade religiosa intrafamiliar fora analisado por Silvana Sobreira de Matos (2008), em Campina Grande, Paraíba, onde pode pesquisar relações de tolerância e intolerância religiosa na esfera familiar, entre indivíduos católicos e evangélicos. Também Maria das Dores Campos Machado (1996), realizou na cidade do Rio de Janeiro um trabalho que visava investigar os efeitos da conversão ao pentecostalismo por membros de famílias tradicionalmente católicas. Embora poucos trabalhos na literatura especializada discutam a questão da pluralidade religiosa intrafamiliar21, diversos autores ao visualizarem o crescimento dos segmentos protestantes no Brasil, apontavam para diferentes direções que este crescimento teria e quais seriam os resultados numa sociedade historicamente formada pelo catolicismo. No que tange a esfera familiar, partimos do que coloca Pierre Sanchis (2010)22 em entrevista, que diz:

[...] a dimensão do absoluto continua sendo um marcador no campo da religião, e o encontro generalizado de religiões que conhece o mundo contemporâneo significa o encontro de absolutos diversos. Quer dizer, com frequência, o confronto de vários absolutos. O conflito. Sabemos o risco que isto significa em termos de concórdia familiar e cívica (SANCHIS, 2010). 21

As discussões sobre pluralidade religiosa concentram-se nos espaços urbanos metropolitanos (cf. CAMURÇA, 2003; GIUMBELLI, 2008; MERLO, 2008; NEGRÃO, 2009). Outra perspectiva adotada são os estudos da pluralidade religiosa dentro do núcleo familiar por meio do viés psicológico (cf. OSORIO, 1996; BRUSGAGIM, 2004). Poucos trabalhos adotam uma perspectiva antropológica para a compressão deste fenômeno, porém, cabe ressaltar neste quesito os trabalhos realizados por Maria Barbosa (1983), Maria das Dores do Campo Machado (1996), Edlaine Gomes (2006) e por Silvana Sobreira de Matos (2008). 22 Entrevista concedida a Revista do Instituto Humanitas Unisinos em 16/12/2010. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/2049-o-campo-religioso-sera-ainda-hoje-o-campo-das-religioesentrevista-com-pierre-sanchis

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A dimensão do absoluto, o qual se refere Sanchis, é a qualidade de verdade implicada em todas as religiões. Ainda mais se tratando das religiões de caráter salvacionista, o absoluto como verdade caracteriza-se como um importante marcador identitário para os religiosos. Nesse sentido, Marcelo Camurça (2009), pondera que no caso brasileiro, o encontro do catolicismo e das outras religiões em certos espaços, como no espaço privado da casa, não se dão em um simples processo de assimilação e concórdia, mas são permeados por diversas situações como conflitos, tensões e enfrentamento. Como coloca o autor:

[...] as fricções e interfaces existentes entre as distintas religiões que convivem em solo brasileiro obedecem a linhas de forças que as colocam ora em situações de trocas, interpenetrações e comunicações, ora em situações de diferenciação, competição e enfrentamento (CAMURÇA, 2009, p. 174).

Esse contato ambivalente, onde as religiões travam suas disputas e permitem diferentes modos de convivência entre seus adeptos, ganham fôlego quando voltamos nosso olhar para o espaço familiar. Neste quesito, o sociólogo Max Weber (1982) insere um dos problemas centrais para a discussão sobre diferentes pertenças religiosas dentro do núcleo familiar. Segundo a clássica observação do autor, a família seria a primeira a ser atingida pela diferenciação valorativa que o religioso estabelece a partir de sua relação com a religião. Nas palavras de Weber:

Sempre que as profecias de salvação criaram comunidades religiosas, a primeira força com a qual entraram em conflito foi o clã natural, que temeu a sua desvalorização pela profecia. Os que não podem ser hostis aos membros da casa, ao pai e à mãe, não podem ser discípulos de Jesus. “Não vim trazer a paz, mas a espada” (Mateus, X, 34), foi dito quanto a isto, e, devemos observar, exclusivamente em religião a isto. A maioria preponderante de todas as religiões regulamentou, é claro, os laços de piedade do mundo interior. Não obstante, quanto mais amplos e interiorizados foram as metas da salvação, tanto mais ela aceitou sem críticas a suposição de que o fiel deve, em última análise, aproximar-se mais dos salvados, do profeta, do sacerdote, do padre confessor, do irmão em fé, do que dos parentes naturais e da comunidade matrimonial (WEBER, 1982, p. 377).

Propondo contextualizar a máxima de Weber, problematizamos a partir de como seriam estes conflitos e tensões que a adesão religiosa diferenciada da família ou da 40

comunidade é capaz de gerar. No caso das famílias tradicionalmente católicas, por exemplo, quando um membro se converte a um segmento evangélico, como suas relações são gerenciadas a partir dos princípios adotados através da nova religião? Como o fenômeno da pluralidade religiosa pode ser compreendido a partir das transformações do próprio catolicismo? Em síntese, a questão que se impõe e que guia este estudo é: em Borá, com suas singulares características formativas, isto é, sua história e como as relações familiares e comunitárias foram configuradas, a afirmativa de Weber pode ser constatada empiricamente? Traçando considerações sobre o que chama de “modernidade religiosa”, Hervieu-Léger (2008, p. 58), entende que “é a mutação da família, instituição de socialização por excelência, que revela mais diretamente a extensão das implicações sociais como também psicológicas” sobre os indivíduos. Nisto, segundo a socióloga, na Modernidade religiosa estaria havendo uma “crise da transmissão” intensificada, isto é, na constituição dos indivíduos no núcleo familiar, os valores mais básicos experimentados e transmitidos no dia a dia pelos pais aos filhos, não estão sendo tão internalizados como no modelo familiar de outrora. O ideal de uma transmissão de valores dos pais aos filhos nunca foi realizado de forma total em nenhuma sociedade, onde os filhos se tornassem a imagem e semelhança dos pais, pois, a mudança cultural é dinâmica e seu movimento constante não cessa de agir. Deste modo, toda e qualquer reprodução cultural (ou transmissão, nos termos de Hervieu-Léger), está implicada em crises, em transformações na forma e no conteúdo da dos valores. Neste sentido, transformações não querem dizer mudanças drásticas ou esvaziamento total de uma forma primária de sentidos, apenas se refere a novas modalidades de pensamento e conduta sobre o mundo que é assimilado e ressignificado pelos indivíduos. Durante o trabalho de campo, notei em Borá que a identidade católica está presente nas formações familiares a ponto de promoverem uma organização do tempo pessoal, do tempo de dedicação familiar e das relações sociais. Ao ser interpelada pelo questionário, uma senhora, casada, 58 anos, pernambucana, moradora de Borá há anos, fez questão de ressaltar alguns pontos sobre suas atividades religiosas e cotidianas:

...a missa era às sete e meia [da noite], agora mudou pras oito, então, por causa do serviço de casa não dava tempo de ir. Mas, agora, graças a Deus, vai dar pra ir. Já fiz meu pão pra minha filha que mora em outra cidade e que vai vir passar o final de semana aqui. Agora só vou 41

terminar umas coisinhas em casa e ir na santa missa a noite... (mulher, casada, 58 anos).

Se em contextos mais amplos, como por exemplo, ocorre nas grandes cidades, o ordenamento do tempo, dos espaços e das relações tende a uma racionalidade cada vez maior (SIMMEL, 2005), tornando os processos interativos mais impessoais. Nesta perspectiva, as comunidades tenderiam a apresentar configurações e dinâmicas diferentes. Assim, em Borá, a gestão do tempo, assim como das relações familiares e sociais incidem numa organização individual que está relacionada diretamente com a vida coletiva de seus habitantes. O caso desta senhora demonstra a forma como organiza seu tempo. Uma temporalidade elaborada a partir do espaço doméstico e que se desdobra para o contexto mais amplo da comunidade. Em contraposição a esta ideia de tempo, podemos apresentar o caso empírico analisado por Renata Menezes (2004), no seu estudo sobre a devoção a Santo Antônio, no convento franciscano do Largo da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro, RJ. Segundo a autora, em cidades como a do Rio de Janeiro, o tempo da devoção, por exemplo, já deve incorporar certa racionalidade, ou como ela coloca, “estratégias de arranjo de tempo”. De acordo com a antropóloga:

Há diversas estratégias de arranjo do tempo, ou melhor, da vida cotidiana, para garantir a ida ao convento. Dentre os diversos arranjos possíveis, destaca-se um que garante a manutenção de devoção das pessoas que não podem vir ao convento às terças-feiras: ir a qualquer outra igreja onde haja a imagem de Santo Antônio, e fazer sua oração ou dar sua oferenda (MENEZES, 2004, p. 33).

No caso estudado por Menezes as pessoas precisavam desenvolver “estratégias”, “arranjos de tempo”, é preciso “garantir”, “manter”, saber lidar com a impossibilidade de ir “ás terças-feiras” (dia ideal da devoção). O tempo, neste caso (uma grande metrópole, o Rio de Janeiro) é um tempo mais fragmentado, de demandas nem sempre passíveis de serem conciliadas e que pode ser atravessado por imprevistos. É um tempo que precisa ser ordenado, sistematizado, justamente porque é difícil de estabelecer uma ordem que corresponda a todos os interesses individuais. O devoto, portanto, deve incorporar isso como desafios (como “sacrifícios”) necessários para manter viva sua relação com Santo Antônio.

42

A partir disto, interpreto que o tempo, as relações sociais e os significados religiosos em Borá, se organizam a partir do espaço doméstico da casa. Deste modo, é pertinente pensar que a espacialidade doméstica tenha relevância na elaboração de uma espacialidade mais ampla. Ou, noutros termos, a cidade de Borá, para os boraenses, começa a partir da casa desdobrando-se nas relações vicinais e no contexto social mais geral da cidade. Este contexto sugere uma complexidade na constituição da sociabilidade entre os boraenses, no qual desde a formação da população as relações de parentesco constituíram uma ligação íntima entre os moradores. Do mesmo modo, o catolicismo como a religião primária destas famílias elaborou uma visão de mundo de cunho cristão, no qual os comportamentos nos espaços públicos e privados, as festividades, o tempo pessoal, e os eventos sociais estão quase sempre ligados a práticas e crenças religiosas. Em Borá, um universo de símbolos e imagens religiosas católicas ocupam ainda hoje espaços públicos, como o Cristo na entrada da cidade, ou a imagem de gesso de Santo Antônio na praça. No entanto, a presença das igrejas evangélicas e a recente reativação da usina, novas situações sociais surgiram na vida dos boraenses. Agora não há mais uma hegemonia católica, nem mesmo é possível conhecer todos que andam pelas ruas, tudo se transforma na pequena Borá. Estimamos que no próximo Censo Demográfico (estimado para 2020), Borá não seja mais o menor município brasileiro em termos populacionais, assim como o número de evangélicos tende a aumentar devido aos trabalhos evangelísticos realizados pelas igrejas. Porém, o catolicismo aparenta que irá permanecer com seu quantitativo em vantagem, e através das investidas dos grupos carismáticos provavelmente a circulação de imagens venham aumentar e se proliferar pela cidade, adquirindo e/ou agregando novos sentidos em um contexto dinâmico e em constante movimento.

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CAPÍTULO 2

Revisitando os altares domésticos: os usos dos espaços domésticos como parte da experiência religiosa

Neste capítulo, proponho analisar os usos que os religiosos fazem das imagens e dos altares domésticos em suas residências. Inicialmente, discuto com a literatura especializada sobre as devoções aos santos e a constituição da religiosidade doméstica no Brasil. Em seguida, utilizo os dados construídos a partir do questionário aplicado às 31 famílias que se declararam totalmente católicas, sem familiares na mesma residência que se auto declarasse evangélico e/ou de outras religiões. Também utilizo fotografias das imagens e altares das residências para contextualizar os espaços e situações apresentadas. Ao final dos questionários, perguntávamos se os entrevistados possuíam imagens de santos em casa ou não23. Nestas ocasiões quando a resposta era afirmativa, questionávamos se poderíamos fotografar as imagens. A maioria das famílias entrevistadas abriram suas portas e nos receberam para fotografarmos as imagens. Alguns com muito orgulho contavam histórias sobre as imagens, me guiavam pelos cômodos da casa para mostrar a tão orgulhosa imagem que havia herdado dos pais ou avós, ou então, que foram ganhas de presente por parentes que haviam ido a romarias a Aparecida do Norte e noutras peregrinações pelo país. Dois casos, em especial, chamaram a atenção. Um deles foi de uma senhora que não nos permitiu entrar em sua casa para fotografar as imagens, mas pediu que a filha fosse até o altar e fotografasse, no decorrer do capítulo discuto esta situação. O outro caso foi o de outra senhora que também não permitiu que entrássemos na casa para fotografar suas imagens, de início resistiu à solicitação que fizemos, mas depois buscou uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida e trouxe até o portão, onde estávamos no momento da entrevista para poder fotografá-la.

23

Durante a aplicação do questionário estava na companhia da colega de curso Joyce Pires a quem agradeço pela imprescindível companhia neste momento da pesquisa.

44

Estas situações vivenciadas no trabalho de campo apresentaram-se como marcadores sociais do espaço. Isto é, eu não poderia transpô-los imediatamente. No momento, o que estava ao alcance como dado empírico, não era somente registro fotográfico da imagem ou as respostas da interlocutora, mas sim uma situação de campo vivenciada entre pesquisador-pesquisados. Todavia, quem permitiria a um estranho entrar em sua casa e fotografar livremente o que quisesse? Num esforço relativista, qual de nós daria livre acesso aos nossos quartos para alguém que nos aborda com questões sobre religião e família? Mariza Peirano (1990, p. 6) afirma que não há como ensinar a fazer pesquisa de campo, por mais que haja professores e instituições bem intencionadas este é um processo que depende da experiência pessoal do pesquisador. Esta experiência, segundo a autora, depende, entre outras coisas, da biografia, das opções teóricas do pesquisador e do contexto mais amplo que o cerca e, “não menos, das imprevisíveis situações que se configuram no dia a dia, no próprio local de pesquisa entre pesquisador e pesquisados” (idem, p. 6-7). Relato esta breve experiência embasado num obiter dictum de James Clifford (2008, p. 21), onde a etnografia enquanto dado empírico está imersa na escrita, dessa forma, “inclui, no mínimo, uma tradução da experiência para a forma textual”. Foram selecionadas para essa sessão dez fotografias para revisitarmos os usos que os religiosos fazem dos altares domésticos e das imagens de santos. Nossa discussão alternará na exposição das fotografias e suas análises.

45

Um Brasil de santos e altares

O ponto do qual partimos é de que o catolicismo brasileiro é historicamente amplo e incorpora em si muitas possibilidades de “ser católico” aos seus praticantes (cf. SANCHIS, 2008)

24

. Mesmo num momento em que a Igreja Católica – enquanto

instituição – vê sua hegemonia ser questionada e pouco a pouco solapada, o catolicismo ainda se mantém dinâmico, apresentando acentuadas transformações, a ponto dos fieis reinventarem suas tradições, revitalizando seus rituais impregnados de emoção, abrindo a possibilidade para múltiplas escolhas e pertencimentos religiosos (STEIL, 2001, p. 117). Avaliamos, contudo, que esse dinamismo, plasticidade e resiliência do catolicismo brasileiro não são características exclusivas da contemporaneidade. Estas características remetem-se igualmente a aspectos históricos, constitutivos do catolicismo no Brasil. Como coloca Faustino Teixeira (2005): O catolicismo no Brasil revela grande complexidade. Trata-se de um campo religioso caracterizado por grande diversidade. A pluralidade é um traço constitutivo de sua configuração no Brasil. Na lúcida visão de Pierre Sanchis, o modo como se firma a identidade católica no país envolve “mecanismos de fagocitose” bem peculiares, que traduzem uma roupagem singularmente plural: “há religiões demais nesta religião”. Impressiona também a capacidade de adaptação e ajustamento dessa religião às novas situações: “quando observada de perto, vemos como ela se abre e se permite diversificar, de modo a oferecer, em seu interior, quase todos os estilos de crença e de prática da fé existentes também fora do catolicismo”. [...] Na visão de Carlos Brandão, ao contrário do fiel protestante, que “precisa ser para participar”, o fiel católico pode muito bem “participar sem ser”, ou participar a seu modo num quadro amplo e plural de maneiras de exercer sua vinculação (TEIXEIRA, 2005, p. 16-17).

O argumento de Sanchis, abordado por Teixeira, de que “há religiões demais nesta religião”, nos permite incluir dentro do catolicismo formas de religiosidades que são praticadas tanto nos espaços públicos, quanto nos espaços privados (cf. MONTES, 1998) e que se diferenciam, porém, da religião institucional (a Igreja Católica e sua hierocracia). Essa é, por sinal, uma característica forte do catolicismo brasileiro, nele

24

Pierre Sanchis (2008, p. 82) considera que o catolicismo é uma fé em forma de religião. Por isso, “sua auto concepção como uma ‘totalidade’, ‘a católica’, o predispõe a essa estratégia, pois ele tem mais vocação de fagocitose do que de exclusão”.

46

estão contidas práticas tanto privadas, quanto públicas, que fogem em certa medida das diretrizes institucionais. Principalmente o catolicismo leigo, que – nesta perspectiva – se diferencia do catolicismo clerical, eclesiástico, que é marcadamente sacramental (principalmente depois do processo de romanização do catolicismo brasileiro, que ocorreu a partir do final do século XIX e que se estende aos dias de hoje (CAVA, 1985)). Os dois espaços de práticas religiosas – o público e o privado – não são, contudo, dois espaços antagônicos, separados, dentro dos quais o fiel vivencia experiências

religiosas

fundamentalmente

distintas.

Aparentemente



uma

continuidade na mentalidade religiosa entre estes espaços, a partir de suas experiências (práticas, crenças, valores e interações), são acionados mecanismos que os permitem articular e vincular os espaços às suas crenças, tanto quanto suas crenças aos espaços nos quais transita. Neste catolicismo, comumente classificado como popular

25

, do tipo leigo, o

estilo devocional na relação com os santos produziu um ethos religioso singular. Santos estes que se materializavam nos mais diferentes suportes (como as imagens de gesso, madeira, barro, “santinhos”, escapulários), nos diferentes modelos e formas iconográficas. Tanto nos espaços privado-domésticos, quanto nos públicos, podemos presenciar essa proximidade do devoto com seus santos, com suas divindades, com sua ideia material do sagrado.

Os santos, além de sacralizar a vida brasileira e lhe conferir estatuto de cristandade, revelaram a formação do Brasil nos seus caminhos reais. Ora, esta formação foi dialética, houve forças contrárias em jogo, não existiu um movimento só, senão o conflito de dois movimentos: um em benefício de Portugal e em detrimento dos indígenas, africanos e seus descendentes, outro em benefício da dignidade dos que foram oprimidos pelos portugueses colonizadores (HOONAERT, 1983, p. 351 apud LOPES, 2010, p. 92).

Russo (2010) reforça a ideia de que, no Novo Mundo, o catolicismo fora absorvido de um modo muito particular, e, no que tange aos usos da iconografia religiosa, a autora explica que:

25

Nos apoiamos na discussão de Renata Menezes em A dinâmica do sagrado: rituais, sociabilidade e santidade num convento do Rio de Janeiro (2004), quando em sua introdução a autora aborda através de uma extensa revisão da literatura especializada sobre o conceito de catolicismo popular e suas implicações.

47

Neste corpus, é possível encontrar um diversificado repertório de imagens com temas correspondentes à iconografia católica, evidenciando a política da evangelização portuguesa que causou uma relevante repercussão no Novo Mundo [...]. Vislumbra-se a Virgem, e o próprio Cristo, como as personagens sagradas mais invocadas, a suscitar, por certo, interpretações várias, geradas pelo contato dos fiéis com as imagens devotas, estimulando, por certo, a criação de laços de identidade e confiança, e ainda, rompendo barreiras e estimulando o diálogo em primeira pessoa com a divindade (RUSSO, 2010, p. 397398).

Na visão de Sanchis (2008), ao qual concordamos e partimos, no que tange as devoções aos santos, o catolicismo [...] mais do que outras correntes cristãs ele conserva viva e atuante a dimensão do mito (inclusive uma forma própria do seu “mito de fundação”, como o mediador institucional da graça) e quem diz mito diz símbolo, um instrumento de intelecção que é seta de sentido susceptível de carregar camadas superpostas de significação, as suas e as dos territórios de sentido que atravessa (SANCHIS, 2008, p. 82).

O catolicismo que tratamos aqui, do tipo doméstico, que é experimentado no cotidiano dos religiosos, para ser melhor compreendido é preciso levar em conta as configurações históricas, sociais e culturais que constituíram o habitus brasileiro no universo da casa e da família. Como coloca Roberto Damatta (1985), no imaginário de nossa sociedade brasileira a casa tende a ser idealmente [...] marcada pela familiaridade e hospitalidade perpétuas que tipificam aquilo que chamamos de ‘amor’, ‘carinho’ e ‘consideração’. Do mesmo modo, ‘estar em casa’ ou sentir-se em casa, fala de situações onde as relações são harmoniosas e as disputas devem ser evitadas. Não posso transformar a casa na rua e nem a rua na casa impunemente. Há regras para isso (DAMATTA,1985, p. 46).

As peculiaridades que a casa de moradia possui no imaginário brasileiro somado as atribuições bíblicas sobre a importância da família e sobre como a religiosidade de caráter devocional católico se constituiu no país, remetem à chegada do cristianismo no Brasil, ao período colonial, onde a casa de moradia serviu como ponto aglutinador do sagrado devido à ausência de igrejas. Como demonstra Humberto Santos (2006), os aspectos arquitetônicos dos engenhos incorporaram as capelas anexas ou independentes, juntamente com seus mobiliários, serviram durante muito tempo como um lócus

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privilegiado do sagrado, possibilitando um acesso direto com Deus e os santos (cf. MOTT, 1997, p. 164). Na clássica obra de Gilberto Freyre, Casa-Grande & Senzala (1954), a capela dos engenhos figuram como o lugar das rezas, das cerimônias de batizados e casamentos, das missas, ao mesmo tempo igreja e parte da casa, ou por assim dizer uma igreja-casa, constituiu na sociogênese brasileira um importante aspecto da relação que os religiosos estabelecem com a casa de moradia e suas práticas religiosas. Como relata Freyre (1954), Mas a igreja que age na formação brasileira, articulando-a, não é a catedral com o seu bispo a que se vão queixar os desenganados da justiça secular: nem a igreja isolada e só, ou de mosteiro ou abadia, onde se vão acoitar criminosos e prover-se de pão e restos de comidas mendigos e desamparados. É a capela de engenho (FREYRE, 1954, p.363-364).

Ainda hoje, ao percorrermos regiões interioranas do país, é possível ver nas estradas pequenas capelas, próximas de comunidades rurais, muitas estão degradadas pelo tempo e pela falta de cuidados. Suas estruturas escondidas, geralmente pela mata alta ao redor, dão indícios reminiscentes desta tradição. Todavia, esse uso dos espaços domésticos a comportar o ethos religioso na sociedade colonial brasileira não se articulava somente na estrutura física e arquitetônica da casa de moradia, havia também os altares domésticos e seus santos. Como coloca Teixeira (2005), O catolicismo santorial, [...] é uma das formas mais tradicionais de catolicismo presentes no Brasil desde o período da colonização. Tem como característica central o culto aos santos. Foi esse culto que marcou a peculiar dinâmica religiosa brasileira, de caráter predominantemente leigo, seja nas confrarias e irmandades, seja nos oratórios, capelas de beira de estrada e santuários. O catolicismo brasileiro foi durante muito tempo um catolicismo de “muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre”. Os santos sempre ocuparam um lugar de destaque na vida do povo, manifestando a presença de um “poder” especial e sobre-humano, que penetra nos diversos espaços de vida e favorece, numa estreita aproximação e familiaridade com seus devotos, a proteção diante das incertezas da vida (TEIXEIRA, 2005, p. 17).

Do mesmo modo Luiz Mott (1997) fornece o relato da intimidade que se desenvolveu com os santos de casa:

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“Santo é que se adula...”, diz um ditado antigo repetido na Bahia de Todos os Santos. De fato, na religiosidade popular do Brasil de antanho, a intimidade dos devotos vis-à-vis certos santos e oragos percorria um continuum de amor e ódio que incluía louvores, adulação, rituais propiciatórios, intimidação e até agressão física explícita (MOTT, 1997, p. 184). Na parede da sala de muitas casas coloniais, saindo do quarto, lá estavam para ser venerados e saudados os quadros “registros” dos santos de maior devoção dos donos da morada, às vezes tendo a seu lado copo ou tigela com óleo de mamona onde uma lamparina votiva queimava diuturnamente, dando um pouco de claridade à escuridão da noite ao mesmo tempo em que prestava homenagem aos ditos oragos (idem, p. 166).

Gilberto Freyre (1954) em Casa-Grande & Senzala, leva-nos a pensar uma relação de parentesco com os santos de casa: [...] Santos e mortos eram afinal parte da família. Nas cantigas de acalanto portuguesas e brasileiras, as mães não hesitaram nunca em fazer dos seus filhinhos uns irmãos mais moços de Jesus, com os mesmos direitos aos cuidados de Maria, às vigílias de José, às patetices de vovó de Sant’Ana. A São José encarrega-se com a maior sem cerimonia de embalar o berço ou a rede da criança (FREYRE, 1954, p. 29).

Esta maneira “familiar” de se relacionar estende-se para diversas esferas da vida social e das experiências religiosas. Como demonstrou Antônio Braga (2008), a ideia presente nos romeiros e devotos de Padre Cícero em se considerarem “afilhados” do capelão de Juazeiro indica uma relação de parentalidade, deste modo, a romaria representa muito mais do que o comprimento de um contrato com o santo, ou um ato de gratidão, mas os religiosos auferem um sentido semelhante ao de ir visitar um parente. Como relata Braga (2008), Dentre aqueles que se dizem afilhados de Padre Cícero, e com quem tivemos contato durante nossa pesquisa no Nordeste, uma parte era a dos que iam para o Juazeiro todos os anos ou já tinham ido para lá ou ao menos uma vez na vida. Entre aqueles que compunham a outra parte, aqueles que nunca foram para lá, quase sempre escutamos alguma frase do gênero: “Eu tenho fé em Deus que ainda vou ao Juazeiro visitar o meu Padrinho!” (BRAGA, 2008, p. 325).

A preferência por um determinado santo ou a familiaridade que se adquire com este ou aquele santo (como na relação íntima entre as categorias “padrinho” e

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“afilhado”) não é fruto apenas das relações de trocas, mas por identificações com a própria biografia do santo, com sua trajetória de vida, seus milagres realizados, etc. De acordo com Renata Menezes (2004), [...] não é apenas pelo o que o santo fez pelo devoto que alguém se vincula a ele, mas também porque o próprio devoto identifica caraterísticas comuns entre ele e o santo, uma certa afinidade que estimula o culto (MENEZES, 2004, p. 236).

A literatura aponta para diversos motivos que fazem com que os religiosos desenvolvam uma relação de familiaridade com os santos. Ainda que muito tenha se transformado entre o catolicismo colonial e o catolicismo brasileiro contemporâneo, os santos ainda estão presentes. Mesmo se não estamos mais tratando do catolicismo devocional do período colonial e de casas coloniais, ainda se mantém forte e presente na nossa sociedade toda uma iconografia taumatúrgica, a materializar o sagrado, a possibilitar apropriações, mediações e negociações. Do mesmo modo, a ideia da imagem do santo está ligada a sua produção plástica e material. Os ornamentos e aparatos religiosos, como quadros, crucifixos, rosários, imagens de santos, oratórios, são as bases da cultura material que ainda se faz presente no cotidiano de muitos religiosos. Entendendo o processo histórico pelo qual se constituiu o catolicismo brasileiro, suas atuais configurações e também as recentes discussões sobre as identidades religiosas que ganham cada vez mais espaço na agenda pública, partimos da ideia de que, Os santos podem assim contribuir à redefinição de um campo religioso em que os agentes não sejam mais as igrejas instituídas (nem, diga-se de passagem, os indivíduos empíricos), mas todos esses objetos ativos que povoam nossas descrições do que entendemos por religião, em que a atividade religiosa não seja mais um epifenômeno ideológico da sua luta pela legitimidade, mas o conjunto de tudo aquilo que os nativos envolvem na sua ação religiosa (SÁEZ, 2009, p. 211-212).

Os estudos dos santos, de suas imagens, das devoções, do imaginário social que produzem apontam para a afirmativa de José Rogério Lopes (2010), em que, Se o fato fundador da religião dá à mesma seu mistério, são os santos aqueles que traduzem tal mistério em referências que permitem os reconhecimentos necessários para a definição da identidade e da ética 51

católicas. Por isso, a primeira forma mais delineada do catolicismo ficou conhecida como “culto aos santos”, daí, também, forma-se em torno dos santos “uma esfera englobante e sobrenatural, uma rede de proteções, seletivas e especializadas, derramadas mediante todas as atividades humanas, das relações sociais, das partes do corpo” (Sanchis, 1994, p. 72) (LOPES, 2010, p. 72).

A materialidade do sagrado, presente na imagética devocional católica termina, de certa forma, revelando o próprio catolicismo no que ele tem de mais vital: as práticas dos seus fiéis, as apropriações e operações que realizam, assim como na organização do tempo e do espaço, em suas ambivalências, nas certezas e dúvidas que comportam sua fé, em como se relacionam entre si, com os seus pares, com os de outras religiões, com a própria instituição religiosa, em suma, com os múltiplos aspectos de suas vidas.

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O altar no quarto

Figura 2 - Altar doméstico no quarto

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

Nesta fotografia, é possível identificar algumas imagens que compõem o panteão de santos católicos, são imagens bastante conhecidas pelo público em geral. No altar estão às imagens de: Nossa Senhora Aparecida, Jesus Cristo Crucificado, a Virgem Maria e outros santos. Não somente os santos católicos figuram neste pequeno altar, mas no centro podemos ver a imagem de um pequeno anjinho. Também miniaturas de outros santos, uma Bíblia aberta e uma pequena louça com mensagem bíblica. Todos estão sobre uma toalha de enfeites natalinos postos sobre uma pequena mesa no canto do quarto. Dentre as residências visitadas, esta foi à única onde a dona da casa, uma mulher casada, católica, disse: “eu tenho meu altarzinho no quarto”. Outro aspecto relevante é que no momento da entrevista, após a solicitação para fotografar o altar, ela permitiu que fosse fotografado, no entanto, sua exigência é que fosse uma de suas filhas que o 53

fizesse. Isto indicava que o quarto e o altar só poderiam ser acessados por pessoas íntimas da casa, um estranho não poderia adentrar, demarcando as fronteiras que existem entre os que são da casa e aqueles que são da rua 26 (DAMATTA, 1985, p. 21). Em Borá, a relação dicotômica entre o espaço da casa e da rua, conforme sugere Roberto Damatta (1985), não são, por assim dizer, tão dicotômicas. A sociabilidade dos habitantes está firmada nas relações familiares ou de amizades, todos se conhecem e mantém relações próximas. Por isso, podemos pensar que a casa e a rua, em Borá, ganham outras dimensões. No pensamento de Norbert Elias (2011) e de Pierre Bourdieu (1990) temos algumas pistas para examinar a questão. Para Elias (2011, p. 157), o modo como a sociogênese ocidental foi configurada a partir de um processo contínuo de adaptações e adequações dos valores, estabelecendo um modo específico de perceber e sentir o mundo. O quarto, portanto, passou a representar um local de mínima penetração social, como se fosse o máximo divisor de águas entre o público e o privado, concentrando nele todo um resguardo pessoal. O espaço demarcado pelo quarto entre o público e o privado e os tipos de comportamentos nos outros cômodos, também influenciam nas demais relações que se estabelece no resto da casa. Ao estudar diversos aspectos da casa do grupo kabila, Bourdieu (1990, p. 99-102) atenta que é preciso levar em conta os espaços da casa de moradia e que eles não estão a todo o momento dividindo ou somando as relações sociais, mas ao mesmo tempo em que interagem dialogicamente, se opõem e se sobrepõem, de maneira que os cômodos com seus respectivos usos sociais estão produzindo e reproduzindo nossos sentidos e percepções. No entanto, é preciso considerar a capacidade que os agentes possuem em transitar entre os espaços, acionando mecanismos que os tornam participantes ativos tanto da produção quanto dos usos destes espaços. No entanto, tratando-se de indivíduos que declaram suas pertenças religiosas como sendo todos católicos na família (plano consciente), compreendemos que suas condições mentais, isto é, os significados simbólicos que elaboram, produzem e reproduzem através do mito e a crença bíblica sobre como se relacionar com Deus e com os outros, sugere que existem aspectos de uma aprendizagem internalizada desde a

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Aqui me refiro a minha situação enquanto pesquisador como alguém de fora, do mundo da rua. Este fato ocorreu no início do trabalho de campo, onde conhecia poucos moradores e acabava por gerar algum desconforto ao receberem um estranho em casa.

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infância, que são elementos significativos da presença da tradição católica (plano inconsciente). E esta relação entre o espaço habitado (no caso o quarto) e a visão de mundo religiosa, pode ser exemplificada pela possível influência gerada pela passagem bíblica do livro de São Mateus, que diz: “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está oculto; e teu Pai, que vê o que está oculto, te recompensará” (MATEUS, cap. 6, vs. 6). No mesmo sentido, se levarmos a cabo as considerações de Carlo Ginzburg (2001) sobre alguns fatos bíblicos e como funciona a reprodução cultural dos cultos e crenças cristãs, estaríamos presenciando ainda hoje através dos cristãos, uma contínua reconstrução mítica que elabora tendências, maneiras diferentes, por meio das quais os religiosos se relacionam com o mundo. No caso citado pelo historiador, temos a seguinte constatação:

[...] Como se terá notado, supus que a leitura messiânica de Isaías 7:14, mediada pela distorção (provavelmente deliberada) dos Setenta, tenha produzido Mateus 1:22 e Lucas 1:26 seg., ou seja, os trechos relativos à concepção virginal de Jesus. [...] A conexão entre a referência, patente ou tácita, a Isaías 7:14 e o nascimento de Jesus em Belém parece pressupor um testimonium que também abrange 1 Samuel 16:1 e Isaías 11:1 seg. Nesse caso, uma ou mais cadeias de citações organizadas tematicamente teriam, não digo influenciado, mas gerado uma narração (GINZBURG, 2001, p. 106-107).

Portanto, podemos supor que as condições determinantes do desenvolvimento da sociogênese ocidental e as associações deste desenvolvimento com a religião cristã, somados a reprodução cultural baseada nos mitos bíblicos, desenvolveram maneiras de se comportar, de agir e de pensar, que atingem diretamente os religiosos professos27. O quarto, enquanto o cômodo com as características mais intimistas da casa nos direciona para reflexões como a de Gaston Bachelard (1978), sobre como os espaços que ocupamos estão cravados em nós, e representam consciente e inconscientemente um local de abrigo e de segurança. Conforme escreve o filósofo, os valores de abrigo são tão simples, tão profundamente enraizados no inconsciente, que os encontramos mais facilmente por uma simples

27

Sobre este argumento cabe situar o papel da memória, que segundo Lopes (2010, p. 103), é de atuar “como o filtro da consciência, selecionando os aspectos presentes numa dada realidade, sobre os quais o sujeito pode arbitrar”.

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evocação do que por uma descrição minuciosa (BACHELARD, 1978, p. 205).

O altar no quarto representaria então o local mais sagrado da casa – e porque não do mundo, para o devoto –, uma vez que ali estariam aglomerados sentimentos de proteção familiar e divina, de conforto, de tranquilidade. No entanto, essa sacralidade do ambiente não seria rompida por determinadas formas de profanações, como por exemplo, o sexo entre o casal? Cabe, porém, questionar também como as noções de sagrado e de profano são ressignificados no pensamento e na ação nos religiosos. Em boa medida, é possível considerar que o religioso realiza uma elaborada gama de combinações que conferem significados distintos às ações no quarto. Rezar em frente ao altar doméstico e ter ao seu redor a cama, lugar por excelência do sexo nas sociedades ocidentais, não é pensado como antagonismo, na verdade, para o religioso, existe a necessidade de ter a aprovação divina dos seus atos mais íntimos em todos os momentos. A articulação de valores que realizam – emoções, sensações, percepções, intensões – são dinâmicas, intuem e praticam ações dentro dos limites possíveis, não alteram a lógica do sagrado/profano, mas delas se valem para alcançar outros interesses em jogo. Noutras palavras, a devoção aos santos, a prática sexual, o matrimônio consolidado pelos dogmas religiosos e civis, simbolizam um todo que compõem o universo de significados experimentado pelo fiel. Isto sugere que a experiência mundana transita pela experiência extramundana através das estratégias desenvolvidas pelos religiosos. Existiria então, para o religioso, a possibilidade de fazer o que quer fazer, sem necessariamente excluir os princípios religiosos nos quais se funda. Na verdade, o que mais sugerem as etnografias que abordam questões relacionadas a penetrações de espaços sagrados e profanos no catolicismo brasileiro (cf. STEIL, 1996, RODOLPHO, 2011; GUTILLA, 2006) é de que, o que menos existe, na realidade, são exclusões da vida mundana para viver uma vida consagrada e devota, mas são acionadas combinações e negociações constantes capazes de aferir outros sentidos a determinadas práticas.

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As imagens como demarcadoras sociais e como códigos

Figura 3 – Imagens religiosas pela casa (umbrais de portas)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografias do próprio autor.

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

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Na Figura 2, vemos umbrais de portas de diferentes casas. Na primeira imagem, um quadro com a representação de Jesus orando; na segunda, um crucifixo de madeira estilizado; na terceira e última, outro crucifixo de madeira simples. Nas três fotografias o local escolhido para portar as imagens são os corredores, que levam à cozinha das residências. Após as portas, é possível ver modelos típicos de cozinhas com cadeiras, mesas, armários e outras coisas nos entornos que denotam este espaço. Assumindo algumas ideias propostas por Lopes (2010, p. 24), as imagens religiosas quando não se configuram como representações icônicas, nem como representações

verbais,

tornam-se

representações

codificadas.

A

noção

de

“representação codificada”, segundo o autor, implica que,

[...] o pensamento possui uma capacidade de imaginar (e codificar as imagens) em uma escala intersticial os códigos socialmente arbitrados e cotidianamente intercambiados. Todavia, sinto regularmente o peso da cultura, que condiciona minha visão de mundo, impelindo-me a traduzir essas representações codificadas em códigos inteligíveis e partilháveis socialmente (LOPES, 2010, p. 24).

Nesse sentido as imagens tornam-se códigos inteligíveis e partilhados socialmente, assim esses códigos como meio de comunicação cultural são traduzidos e comunicados por meio de um emissor e de um receptor (não somente um, mas vários). Na residência da segunda fotografia, indaguei sobre o motivo de se ter um crucifixo no umbral da porta. Minha interlocutora, uma mulher, casada, disse com entusiasmo “que era para proteger a casa”. Contudo, a alocação das imagens sobre os umbrais comportam mais do que a ideia de proteção, elas também transmitem mensagens secundárias a qualquer pessoa que adentre o recinto. Estas imagens enquanto códigos sociais dependem de seu contexto para sua mensagem ser codificada e, portanto, interpretada. Tomando a considerável presença das igrejas evangélicas e dos números que representam28, essas mensagens buscam impor de modo muitas vezes dissimulado, como argumenta Bourdieu (1998, p. 33-34), uma representação da crença praticada pelo devoto, ou seja, uma mensagem que têm em seu conteúdo os ditames dos padrões de comportamento aceitáveis e não aceitáveis em determinado espaço. As imagens passam a encarnar no contexto boraense a figura de demarcadores espaciais, pois, na medida em que as imagens são respeitadas pelos religiosos como 28

Quatro igrejas e um quantitativo de 27, 07% de evangélicos, segundo o IBGE, 2010.

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ícones que remetem a trajetória e divindade do santo, servem também para sustentar suas pertenças religiosas e funcionam para inserir publicamente a suposta força que o catolicismo ainda goza na cidade. As imagens de santos aparecem nesse caso, como ferramentas simbólicas operadas pelos católicos dentro de um campo de forças contra os evangélicos, como uma disputa travada através de referenciais simbólicos. Portanto, sejam interpretadas como

códigos ou/e marcadores

sociais

direcionados para determinados fins, este caso em específico confirma a prerrogativa de Lopes de que, em um campo religioso plural, tanto na diversidade de imagens, de símbolos, e também de imaginários e pertencimentos religiosos. Sendo assim, as imagens “não se esvaziam de sentido; ao contrário, ficam carregadas de sentidos” (2010, p. 15).

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Os santos e as imagens no cotidiano

Figura 4 – Imagens de santos pela casa (cozinha)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

Figura 5 – Imagens de santos pela casa (cozinha)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor

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O cenário que se abre por meio das fotografias é o de uma cozinha. As duas fotografias são da mesma residência. Na parte mais alta do armário, estão uma imagem de tamanho grande de Nossa Senhora de Aparecida, retratos de familiares e alguns adereços. Na parte esquerda da primeira imagem, está uma imagem de Padre Cícero Romão Batista, uma imagem da Virgem Maria e uma pequena imagem de plástico de Nossa Senhora de Aparecida novamente. No lado direito, uma imagem de Jesus Cristo, um rádio portátil, algumas louças e outros adereços sobre uma toalha. Ao ver a imagem de Padre Cícero Romão Batista, questionei sobre o motivo da preferência e devoção pelo santo. Minha interlocutora disse que era pernambucana, viera para São Paulo há muitos anos com o marido e filhos, fixando residência em Borá. Este dado remete ao fluxo migratório que a cidade vem experimentando nos últimos anos. Devido às possibilidades de emprego gerado pela usina de cana de açúcar próxima a Borá, muitos migrantes se dirigem para a região. Noutra residência também havia um casal com as mesmas características – declarando serem migrantes cearenses, possuindo também uma imagem de Padre Cícero –, indicando a influência da presença migrante e as transformações na cidade. Sobre a devoção ao Padre Cícero é importante compreender a devoção a um santo popular partindo das atribuições daqueles que conferem tal classificação (BRAGA, 2008, p. 388). O caso de Padre Cícero e do uso de sua imagem no ambiente doméstico nos permite entrever as peculiaridades do catolicismo brasileiro, pois, um santo que não é reconhecido pela Igreja Católica e que tem sua produção imagética em grande escala e recorrente uso pelos devotos, teria por sinal indícios de ações combinatórias que corresponde às necessidades, crenças, rituais e outros mais sentidos que possibilitam os agentes prestarem suas devoções ao Padre, ainda que o debate sobre sua canonização não possua um desfecho por parte da Igreja. Da mesma forma ocorre com outros santos populares, como o caso de Padre Libério (GOMES, 2011) e de João Relojoeiro (CORREIA, 2003) em Minas Gerais. Os casos do venerado Pé de Veludo (VERDI, 2010) e de Santa Izildinha (SANTOS, 1997), ambos no interior do estado de São Paulo. Assim, torna-se notório que por mais que existam sérias críticas por parte do clero, em vista de minar estas devoções, o culto ou a devoção ao santo que é realizado no espaço da casa está condicionado ao sentido privado das práticas religiosas. Neste

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espaço, os devotos sentem-se livres das regras eclesiais e do controle que exercem sobre suas práticas religiosas29. Retornando à análise, as alocações das imagens na cozinha revelam algumas estratégias de relação com o sagrado, sendo que ao abordá-la, esta senhora estava limpando seu quintal, numa tarde de sábado, “terminando os serviços de casa para a noite ir na santa missa”, como relatou. Sua fala mostra uma preocupação em manter tudo ajeitado em casa para depois realizar suas devoções, mas, além disso, indica uma mulher que tem diversos afazeres diários e, que provavelmente, passa boa parte do seu dia na cozinha cumprindo os afazeres. Neste contexto, é possível considerar que a interlocutora realiza um tipo de consumo da imagem ao colocar as imagens dos santos na cozinha, pois é ali onde passa a maior parte do dia. Em sua sala não havia imagens de santos como encontramos na casa dos outros católicos. Este dado pode indicar que sua organização pessoal, do tempo para lidar com os afazeres diários, na distribuição dos adereços, no próprio designer e alocação dos móveis estão relacionados com a vida religiosa através do contato visual constante com as imagens. Desta maneira, as imagens realizam sua finalidade: “tornam-se visíveis” (LOPES, 2010, p. 29). Ao mesmo tempo em que trabalha na cozinha, nossa interlocutora pode visualizar os mediadores que a conectam ao sagrado. A ideia relacional na construção da devoção, onde o devoto se relaciona e se identifica com as características pessoais, biográficas ou milagrosas dos santos30, e de que seu imaginário religioso corrobora para auferir ao santo sua significância, dependem, em determinadas situações, da visualização ou do contato com imagem materializada do santo. Sobre este aspecto, Lopes (2010, p. 36) compreende que “o objeto figurativo é geralmente permanente ao olhar”, enquanto que a palavra ou o imaginário não podem ser tocados, é com a imagem do santo que o religioso dialoga, não com o real, mas o diálogo é desenvolvido “tomando esse objeto em sua dinâmica experiencial e social”.

29

Renata Menezes argumenta que “é a crença de um grupo nos poderes de um santo que de fato o “canonizam”, e é essa fé compartilhada que interessa aos cientistas sociais, não a verdade biográfica de um personagem histórico” (2009, p. 191). 30 Como já mencionamos na interpretação de Menezes (2004, p. 236) as devoções emergem também das características comuns que os religiosos se identificam com os santos.

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A disposição das imagens pela casa como formas de representações coletivas

Figura 6 – Imagens de santos pela casa (sala)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

Figura 7 – Imagens de santos pela casa (sala)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

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Figura 8 – Imagens de santos pela casa (sala)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

Nesta seção, apresento três fotografias de diferentes residências que possem em comum a proximidade das imagens de santos próximas a fotografias de familiares e/ou amigos. Na primeira fotografia, no canto superior da parede, está uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida ao centro, dois outros santos ocupam sua direita e esquerda. Também um crucifixo, um quadro com Jesus Crucificado à esquerda da imagem da santa, e no canto direito um quadro da Virgem Maria compõem o rol de santos na sala. As imagens estão posicionadas em torno de um pequeno freezer onde estão sobrepostas fotografias de amigos e familiares. Na segunda fotografia, encontramos na parede os seguintes objetos: no centro um quadro que representa a Santa Ceia, suspendendo um crucifixo de madeira, que de acordo com minha interlocutora é uma herança portuguesa passada por gerações desde a colonização da cidade. Ele envolve uma imagem de um anjo. Ao seu redor, dos dois lados, fotografias dos avós paternos e maternos ornados por ramos de flores artificiais. Em seu lado direito ainda se encontra um crucifixo de metal. A última fotografia mostra uma imagem em tamanho grande de Nossa Senhora de Aparecida envolvida por diversos objetos, buscaremos descrevê-los a partir da imagem da santa: na parte inferior há um ornamento de flores artificiais em seu entorno, 64

diversas fotografias de familiares e amigos que se estende por todo o rack; em cima da imagem vemos garrafas de bebidas alcóolicas, um aparelho de som e no centro uma televisão que exibia, no momento da abordagem, um show de música sertaneja. Em seu trabalho, Lopes (2010) pondera que nos estudos da Antropologia diversos caminhos foram tomados na discussão sobre as imagens e sobre o imaginário. Contudo, ressalta o autor que,

Neste percurso, a noção de representações coletivas tem sido substituída pelas de “princípio estruturantes”, “símbolos sociais” e “mentalidades”, entre outras, mais tais mudanças conceituais não implicaram profundas mudanças nos procedimentos de investigação que tratam de apropriar-se das imagens através de dados figurativos (LOPES, 2010, p. 26).

Neste sentido, nos remetemos a algumas propostas feitas por Émile Durkheim (2008) para compreendermos o mundo social através do fenômeno religioso. Na interpretação de Márcio de Oliveira (2012), para Durkheim, o fenômeno religioso

[...] apresenta-se como um conjunto socialmente definido de prescrições de caráter obrigatório e também como um “sistema de representações”. Em outras palavras, trata-se de fenômeno de alguma forma mental, definido na ordem da sociedade (OLIVEIRA, 2012, p.69).

A leitura que o autor faz do pensamento de Durkheim (2008, p. 30) sobre o estudo dos fenômenos religiosos nos estimula a analisar estes dados sob a luz das representações coletivas, isto é, as categorias de pensamento desenvolvidas ao longo do tempo a partir da esfera social a qual pertencem os indivíduos e que resultam em ações semelhantes dentro do grupo, apresentam-se como importantes ferramentas analíticas para considerarmos a questão abordada. Ainda que nossa análise se paute em Borá, o grau de generalização é permitido quando observamos em tantas outras residências que católicos ou aqueles que se familiarizam com a iconografia religiosa ou mística, realizam este mesmo tipo de associação. Na pesquisa de Lopes (2010, p. 122), realizada na cidade de Lagoinha entre residentes rurais da região do Vale do Paraíba, as distribuições das imagens pelas residências demonstraram que há uma simetria informal, com padrões variáveis de combinações como imagens próximas a retratos de familiares, sobre armários, estantes, mesas, dentre outros locais (cf. MACHADO, 2012). 65

Assim, as imagens de santos postas próximas as fotografias de familiares e amigos podem ser derivadas da ideia de que por meio do contato entre elas será transmitido proteção, cuidado, saúde, paz, bem estar e toda sorte de bençãos. Por ocorrerem em diversas casas compreendemos como sendo uma ideia comum evidenciando a presença do social na opção individual e na escolha do alojamento das imagens. Ou seja, não é um acaso as imagens estarem ao lado das fotografias dos familiares, são representações coletivas que correspondem a associações entre as concepções de parentesco e família com a ideia de sagrado.

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As imagens de santos herdadas

Figura 9 – Imagem de Santa Bárbara (gesso)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

Esta imagem com cerca de um metro de altura e pouco mais de trinta centímetros de largura, posta ao lado da porta e defronte a janela da sala da casa, é uma 67

imagem herdada da família. Segundo a dona da casa, a imagem foi passada de sua avó para a sua mãe, e posteriormente, passou para ela. Ao indagar sobre qual era a santa, logo respondeu que não tinha muito certeza. Nisto, foi consultar a mãe já bastante idosa para tirar a dúvida. De acordo com a mãe, a imagem era de Santa Bárbara. Embora houvesse outras imagens pela casa, todas remetiam a padrões comuns, com santos populares do catolicismo fáceis de serem identificados, tais como São João, Santo Antônio, Nossa Senhora de Aparecida, dentre outros. O tamanho da imagem, sua alocação na sala e alguns detalhes que pontuaremos aqui, nos levaram a dedicar maior atenção para sua análise. Ao realizarmos uma breve pesquisa consultando via internet sites sobre Santa Bárbara ou que possuíssem imagens com sua representação, encontramos algumas incongruências. A primeira é de que a imagem da santa sempre é representada portando um cálice e uma espada. O segundo fator são as correspondências sincréticas produzidas pelas religiões afro-brasileiras ressignificando a imagem de Iansã na figura de Santa Bárbara. Como é possível ver, no primeiro caso, a imagem não porta nem o cálice nem a espada. Não encontramos nenhuma outra santa que se assemelhasse, contudo, a ondulação do cabelo, as vestes vermelhas, o ramo de flores sobre a cabeça e o tom de pele branca, se aproximam da imagem de Santa Bárbara. Essa característica de difícil classificação da santa através de sua imagem pode ser explicada pelo fato de que a produção plástica da imagem só pode ser compreendida na contextualização histórica pelo qual o catolicismo passou no Brasil. De acordo com Lopes (2010):

As apropriações das imagens religiosas pelos segmentos populares, com vistas à produção do consumo, não são um fator recente na cultura católica brasileira. Desde a colônia é possível perceber, como afirma Hoonaert (1983, p. 293), que “também os oprimidos exprimiram sua experiência em imagens, ou, mais sutilmente, deram um significado próprio às imagens que os opressores trouxeram consigo” (LOPES, 2010, p. 89).

Embora Lopes não adentre nas imagens sincréticas – ou sincretizadas – pelas religiões afro-brasileiras, fornecesse elementos para pensarmos as apropriações realizadas por estes grupos a partir das imagens católicas. No entanto, quando adentramos na discussão das imagens apropriadas e assimiladas pelos diferentes grupos que constituíram a formação do Brasil colonial, se faz necessário considerar os 68

contextos de origem destes grupos quando experimentaram o fluxo imigratório para verificarmos até que ponto estes processos de assimilação são de fato um dado empírico. Marina de Mello e Souza (2002, p. 126) aponta que quando investigamos os contextos dos quais partiram os grupos étnicos que compuseram o agrupamento populacional americano (principalmente brasileiro), nos deparamos com fronteiras culturais pouco consideradas em nossas reflexões. No caso dos estudos sobre grupos africanos trazidos para o Brasil, é preciso levar em conta que o catolicismo estava presente de maneira muito forte em determinados lugares da África desde os séculos XVI, expandindo-se pelos séculos XVII e XVIII. Como afirma a autora,

Ao terem que construir novas instituições, os grupos heterogêneos de africanos escravizados recorreram não apenas aos saberes trazidos por determinados indivíduos, mas também ao que havia de comum aos sistemas cognitivos das pessoas pertencentes a grupos étnicos diversos. Nessa dinâmica entre uma “gramática da cultura” que serviu de base às novas formações e à ação de pessoas particulares, portadoras de conhecimentos adquiridos em suas terras natais [...]. Por outro lado, ao terem que se inserir numa sociedade dominada pelo colonizador cristão, que impunha sua religião, traduziram-na para seus próprios termos, atribuindo aos santos significados inacessíveis àqueles que não partilham seus códigos culturais. Dessa forma, os elementos da cultura dominante de origem europeia, ao serem incorporados pelas comunidades afrodescendentes, receberam sentidos por elas criados (SOUZA, 2002, p. 146).

Seguindo esta ideia, se realmente Iansã foi ressignificada para a imagem materializada de Santa Bárbara, para que os cultos e venerações de origem africanas não fossem proibidos pelos senhores de engenho ou por párocos locais; e se de fato, o contato de gerações anteriores de africanos com o catolicismo europeu, introduzido principalmente pelas missões jesuítas portuguesas ainda em solo africano, inseriu elementos ancestrais de assimilações entre ambas, conforme propõe Souza (2002). O contexto analisado sugere que a recriação mítica e a produção plástica das imagens religiosas que foram utilizadas com sentidos diferentes daqueles estabelecidos pela Igreja, continuam a compor, ainda hoje, “um campo de objetos em torno do qual gravitam e fundem-se signos e valores produzidos para o uso e no uso” (LOPES, 2010, p. 84-85). Se tomarmos a dicotomia complementar de Lopes (para o uso e no uso), para o uso indica um ato de devoção onde o fiel se dirige diretamente para o santo que 69

pretende realizar uma prece ou fazer um pedido, ele está consciente de suas especialidades (para Santo Antônio, por exemplo, o casamento continua figurando como sua principal especialidade). Tal como se comprasse um produto para realizar algo. Já no uso, um sistema de relações mais amplas é desenvolvido. Esta esfera comporta as diferentes maneiras possíveis de consumir o produto adquirido, neste caso, seria a relação que o religioso estabelece em seu contato com a imagem do santo. Na residência onde registramos a fotografia residiam uma senhora de idade bastante avançada que depende dos cuidados da filha (dona da casa), e uma das netas (filha da dona da casa). São, portanto, três gerações de mulheres católicas que mantém imagens religiosas pela casa, incorporando diferentes sentidos e significados nos seus usos. A opção por colocarem a imagem num local como sala, de onde pela rua, através da janela é possível ver a imagem, conduz a ideia de uma concepção diferenciada de um lugar reservado e restrito para o santo. Outro elemento que podemos considerar como aspectos deste campo de objetos repletos de sentidos é a imagem sobreposta à própria imagem. Vejamos a fotografia aproximada e em tamanho maior: Figura 10 – Imagem de Santa Bárbara, fotografia em destaque

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Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

A primeira fotografia permite uma visão ampla do contexto espacial no qual está a imagem. Agora, com esta aproximação, é possível notar que há um cordão dourado, com a imagem de outra santa em seu brasão, posta ao redor do pescoço da imagem. Teríamos então uma imagem sobre outra imagem. Provavelmente, a ideia de uma aglutinação do sagrado seja um dos aspectos mais claros da história dos altares domésticos e da presença do panteão de santos no Brasil. De maneira geral, um altar religioso nuca porta somente a imagem de um santo, ele sempre está acompanhado de outros santos, ou por imagens de anjos, ou inscrições bíblicas, ou fitas e motivos religiosos. Levando em conta a qualidade hibrida do contexto e da imagem em questão, concordamos com Souza (2002, p. 130-131) de que os códigos culturais que foram ressignificados são compartilhados pelo grupo no qual as estruturas de formação estão aptas para codifica-las. Portanto, sendo uma família católica, suas atribuições valorativas, isto é, os significados que atribuem à imagem, estão ligados ao catolicismo devocional. Ainda que interajam com a imagem ressignificada de Iansã, suas mentes estão voltadas para Santa Bárbara. Nisto, a possibilidade que fica no estudo das imagens religiosas utilizadas pelos católicos, é o questionamento sobre o conteúdo e a forma, até onde as disposições estéticas da criação da imagem, em sua qualidade materializada, atinge o conteúdo das devoções no decorrer de gerações.

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Fechando apontamentos: santos e altares

Em suma, buscando traçar algumas considerações gerais sobre seção, podemos considerar que os altares que no geral ocupam no imaginário social um lugar exclusivo na casa de moradia, nem sempre cumprem na ação dos religiosos a dicotomia entre o sagrado e o profano. Pelo contrário, os objetos religiosos, imagens, etc., são familiarizados pelos agentes, ao mesmo tempo em que essa familiarização não implica em serem apreendidos apenas como “mais um objeto”, mas carregam em si uma representação simbólica do universo religioso experimentado pelo usuário da imagem. A amplitude dos estudos sobre os santos e suas imagens pode ser mais bem compreendida na conclusão de Oscar Calavia Sáez (2009), de que, [...] os santos, não nos falam de uma religião, ou de um grupo religioso constituído, senão de redes fugazes de atores focadas na mediação. [...] eles não incidem sobre uma forma – seja esta local ou global –, que deixa de levar em consideração as fronteiras estabilizadas entre os credos, mesmo quando estas fronteiras são vigiadas por um nutrido exército de guardiões da fé. Os casos em que os cultos dos santos perpassam os limites entre cristianismo, judaísmo e o islã, ou entre budismo e cristianismo, ou entre o cristianismo e o paganismo grego ou africano, constituem não apenas províncias remotas ou fragmentos anedóticos, mas universos substantivos da perspectiva de cada devoto (SÁEZ, 2009, p. 214).

Assim, o campo imagético que se desenvolve em torno das imagens articula uma diversidade incalculável da maneira como os devotos sentem, simbolizam e significam suas práticas religiosas e de como compartilham estes sentidos nos espaços onde as imagens de santos estão presentes. Esta qualidade mediadora que Sáez (2009) confere aos santos e que Lopes (2010) confere as imagens religiosas corresponde à ideia de um sistema elaborado de crenças e de práticas simbólicas dentro do catolicismo, confirmando a síntese de Carlos Steil (2001, p. 124) de que, a “experiência religiosa hoje parece apontar para um processo de recuperação dos sentidos como linguagem significativa”. Neste sentido, as imagens de santos nos espaços públicos ou privados caracterizam-se por comunicar mensagens e propagar sentidos de um catolicismo silenciosamente presente no cotidiano dos mais diversos receptores, católicos ou não.

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CAPÍTULO 3

As noções de família e comunidade em um contexto religioso plural

Retomo neste capítulo algumas colocações do capítulo 3 onde contextualizei a constituição histórica, religiosa, familiar e comunitária de Borá. Devido à importância da harmonia (ou até mesmo de certa “cordialidade”) entre familiares, vizinhos, amigos e colegas, todos os conflitos travados na esfera religiosa são implícitos, em nenhum momento houve alguma manifestação clara ou direta, por isso, no plano das negociações o que é negociado são as tensões, quando envolvem desatinos sobre as visões de religiosas do mundo. Noutras palavras, devido à proximidade das relações familiares e comunitárias que os boraenses experimentam parecem priorizar uma aparente harmonia e coesão religiosa, onde o que vale é o respeito ao outro independente de sua religião. Deste modo, o contrato de troca que é estabelecido na esfera doméstica e pública é um contrato que preza pela negociação das tensões no campo religioso. Todavia, ainda que estas tensões sejam negociadas para que não se tornem conflitos e venham afligir o convívio familiar e comunitário, elas existem. Como no caso que dona Luciacontou e o qual relato aqui31. Ela, 42 anos, separada, católica, dona de um comércio bastante frequentado em Borá, nos forneceu depoimentos sobre sua relação com sua irmã que se converteu e tornou-se evangélica, e como em certa vez, vizinhas tentaram levá-la para assistir um culto. Ao chegar a Borá para um dia de trabalho de campo, parei no comércio de dona Lucia, tal como de costume32, e logo ela me questionou sobre uma matéria que havia visto na televisão sobre o crescimento dos evangélicos no país33. Como estava ciente da pesquisa, queria saber minha opinião sobre o assunto. Iniciamos uma conversa a 31

Utilizamos pseudônimos no lugar do nome real da entrevistada, procurando preservar sua privacidade. Por diversas vezes durante as visitas que realizei a Borá, dona Lucia estava no balcão de seu estabelecimento com uma Bíblia aberta com um rosário ao meio. 33 O trabalho de campo neste período coincidiu com a divulgação pela mídia do Mapa das Religiões do Brasil pelo IBGE em 2012. 32

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respeito do tema, e de antemão dona Lucia disse, “Borá é pequena, mas tem bastante igreja evangélica”. Em seguida, relatou o caso de sua irmã, que após se converter a uma igreja evangélica parecia que haviam feito “lavagem cerebral nela”. Disse também que a irmã passou a frequentar a igreja quase todos os dias, até parou de trabalhar para realizar trabalhos da igreja. Depois de sua conversão, nas vezes em que a irmã a visitava, sempre falava para jogar fora as imagens de santos. Dona Lucia replicava e dizia para “deixar em paz seus santinhos”. Certa vez, ao visitar a irmã, e como de costume esperava que fosse recebida com um café. Mas, em suas próprias palavras,

...ela não tinha nem café em casa... Eu fui na casa dela e ela falou que o resto de café que tinha, fez pros irmãos da igreja que tinham ido visitar ela mais cedo. (Dona Lucia, 42 anos).

Dona Lucia contou ainda que há algum tempo havia sido vizinha de uma pastora e de uma irmã frequentadoras de uma das igrejas evangélicas da cidade. Estas mulheres, sempre lhe convidavam para ir ao culto, mas dona Lucia sempre alegava que não poderia deixar o comércio sozinho. Embora, segundo ela, não tinha problemas com as vizinhas, nem mesmo com os evangélicos, até recebia orações das vizinhas e gostava bastante, acreditando que as orações sempre faziam bem. Mas, num certo dia, apareceram as duas no estabelecimento e disseram “hoje você vai!”. Seguraram-na pelos braços e a levaram para a igreja. Como todos se conhecem em Borá, ela disse para um dos clientes tomar conta do comércio enquanto estaria fora. Ao chegarem à igreja, ao iniciar o culto, dona Lucia disse: “quando elas se ajoelharam pra orar, vi que elas se distraíram, virei às costas e saí de lá, nunca mais voltei!”. Ao questioná-la sobre o desfecho de ambas as situações, contou que não discutiu com a irmã, mesmo não concordando com suas novas atitudes. Ao ver a situação financeira da irmã, que no momento estava desempregada, comprou cestas básicas para que pudesse se manter. No caso das vizinhas, disse que “ficaram meio estranhas, mas depois voltaram ao normal, somos amigas até hoje, só que nunca mais me chamaram pra ir à igreja”. Na perspectiva de Weber (1982, p. 377), ao se converter e passar a pertencer a uma comunidade religiosa distinta da tradição herdada ou da família, a primeira força com que o fiel entra em conflito é com o clã ou grupo natural, noutras palavras, a 74

família. O núcleo familiar, portanto, seria afligido pelas distintas visões de mundo dos membros, contudo, esta afirmativa sociológica poderia ser constata também em Borá? Seu grau de generalização sociológica, mediante as mudanças que o campo religioso contemporâneo apresenta, pode ser testado e comprovado no caso empírico estudado? Além dos casos narrados que envolvem relações entre católicos e evangélicos, familiares e vizinhos, outro caso que presenciamos foi o de uma família evangélica composta por pai, mãe e dois filhos, a filha mais velha, na época da entrevista com 13 anos de idade, havia se convertido recentemente ao catolicismo, passando a frequentar as missas e a catequese. A mãe disse que em casa a opção religiosa da filha era respeitada, ainda que não concordassem precisavam aceitar sua escolha. No total de 15 residências compostas por quatro a cinco membros que apresentaram pluralidade religiosa não possuíam imagens de santos, apenas uma residência onde católicos e evangélicos dividiam o mesmo espaço de convivência possuía imagens. Estes casos sugerem que no caso de Borá as noções de família e comunidade interagem e desenvolvem reações distintas das clássicas reações conflituosas existentes nas diferentes adesões religiosas na esfera familiar (cf. MACHADO, 1996). Abordagens como os de Silvana Sobreira de Matos (2008), que pesquisou grupos católicos e evangélicos em suas relações familiares34, propõe a compreensão do fenômeno da pluralidade religiosa familiar sob o prisma da tolerância e intolerância religiosa, de modo que a autora compreender que,

A tolerância é uma palavra densa e estratificada que se opõem, muitas vezes, ao fanatismo, ao ódio, ao fundamentalismo e etimologicamente deriva do latim tolerare, de tolere ‘tirar’ no sentido de suportar. Assim, tolerância foi identificada com os significados de concessão, compreensão, indulgência, moderação e conciliação, ou seja, imediatamente vem a nossa mente que quem tolera está em princípio numa suposição de superioridade em relação àquele que é tolerado. O conceito radicaria então numa aceitação assimétrica de poder (MATOS, 2008, p. 83).

Ao que nos parece, no caso de Borá e dos boraenses que experimentam a pluralidade religiosa nos espaços privados e públicos, não se trata de tolerar o outro por possuir uma vinculação religiosa que se distingue da família ou da tradição da comunidade, mas o que está em jogo para eles é: quais os mecanismos que estão ao 34

Matos também parte da perspectiva de Max Weber, a mesma citação utilizada no início do trabalho guia sua pesquisa.

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alcance em cada situação de tensão para serem acessados a fim de negociar às relações, de modo que cada envolvido saia, ainda que parcialmente, satisfeito com o resultado da negociação. Deste modo, a tese de Weber pode ser repensada a partir da seguinte síntese que: noções de família e de comunidade, enquanto categorias de entendimento historicamente definidas, onde os indivíduos se reconhecem e se situam no mundo, embora não sobreponham os princípios religiosos, elas inserem a possibilidade de negociação e de mediação entre os diferentes indivíduos e visões de mundo, gerando por vezes no mesmo espaço de convivência um mosaico religioso que concorre e compartilha simultaneamente dos mesmos códigos.

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CAPÍTULO 4

A Festa de Santo Antônio de Borá: etnografia de uma festa religiosa

Neste capítulo, trataremos da organização da festa, assim como da missa e da procissão, principais momentos que compõem a Festa de Santo Antônio de Borá. Procuramos reproduzir com os devidos cuidados os registros contidos no caderno de campo, de maneira que através destas descrições o leitor possa apreender o conteúdo da interpretação que traçaremos sobre este evento.

A organização da festa

A principal tradição que atinge a esfera pública de Borá ainda hoje é a Festa de Santo Antônio. O santo comumente conhecido como o “santo casamenteiro”, também é o padroeiro dos amputados, dos animais, dos estéreis, dos barqueiros, dos velhos, das grávidas, dos pescadores, dos agricultores, dos pobres, dos oprimidos, dos viajantes e dos marinheiros. Incluem-se também sob sua guarda e proteção os cavalos e os burros. Santo Antônio é o padroeiro oficial de Portugal, talvez isto explique a opção pela escolha do santo, uma vez que as famílias portuguesas que iniciaram a ocupação da localidade elegeram o santo como seu patrono. De acordo com Marconato (1997, p. 4), após a edificação da capela, logo deram início a comemoração anual da festa em homenagem ao santo. Embora a data oficial instituído pela Igreja Católica para sua comemoração seja em 13 de junho, compondo o quadro das diversas comemorações juninas, em Borá a festa é realizada entre os dias 14 e 15 de julho, sendo alternada a partir do calendário anual35. A diferença se deve a uma maior facilidade na organização e participação da população citadina e das cidades vizinhas de Borá. 35

Esta data pode ser alterada conforme o calendário anual, mas comumente é realizada na segunda semana do mês de julho.

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Os preparativos da festa iniciam-se dias antes, por volta de 7 de junho, começam a reunir as pessoas interessadas para dividirem os trabalhos – a maioria são pessoas ligadas a Igreja de Santo Antônio. Mesmo antes desta data, cerca de um mês, por volta de maio, os cartazes são enviados a gráfica – de Paraguaçu Paulista – para que sejam impressos e haja ampla divulgação. No ano de 2012, onde realizamos a primeira participação na festa, o cartaz trazia as seguintes informações: Figura 11 – Cartaz de divulgação da tradicional festa de Santo Antônio

Fonte: Cartaz de divulgação da Festa em homenagem a Santo Antônio. Extraído da internet. 2012.

Seguindo o mesmo formato das tradicionais quermesses, a festa prolonga-se por dois dias aos finais de semana. São preparadas comidas como leitoas e frangos assados, doces para serem vendidos ou leiloados durante a festa. Também há uma cooperação entre a cervejaria local como patrocinadora do evento, angariando a preços mais baratos e doações de bebidas alcoólicas e refrigerantes. Durante o período de organização diversas pessoas se encarregam da limpeza do barracão da Igreja de Santo Antônio, local onde são realizados os leilões e demais apresentações. Outros se dividem entre

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arrumação da decoração com bandeirinhas coloridas, nas armações das lonas que se estendem pelo lado de fora do barracão, na preparação dos alimentos que serão vendidos, etc. A festa, propriamente dita, se inicia no dia 14, num sábado, por volta das 20 horas. Segue-se pela madrugada adentro com músicas e confraternizações, encerrando sem ter um horário marcado. No domingo, pela manhã, recomeçam as atividades. A primeira delas é a missa celebrada pelo padre. Após a missa tem início a procissão. Em seguida, retomam o momento festivo, semelhante a noite anterior, onde modas de viola ou sonoros altos falantes eclodem em músicas sertanejas para deleite dos participantes. Na organização os principais atores são os “festeiros”. Em todo ano são selecionados quatro pessoas responsáveis por direcionarem os rumos da festa, cuidarem da organização e realizarem as narrativas do leilão das leitoas. A oportunidade em ser um (a) festeiro (a) é acatada como uma honraria, sendo sempre delegado a pessoas mais velhas que já experimentaram outras festas e possuem um capital cultural para mantê-la viva conforme a tradição. Quem nos contou esses detalhes foi dona Quitéria, uma senhora de 64 anos, nascida e criada em Borá, pertencente a uma das famílias tradicionais da cidade 36. Ela que já foi festeira por muitos anos, é uma figura importante na organização e celebração da festa, auxiliando nos demais preparativos na cozinha, nos louvores durante a missa ou na posição de ministra da igreja. Por volta do início do mês de maio de 2012, combinei com dona Quitéria que estaria indo para conhecer a festa, mas também gostaria de participar da preparação juntamente com os outros boraenses. Então, convidou-me para ir até a cidade no início de julho, pois seria um período de intensos trabalhos para que os preparativos não se atrasassem. Devido a compromissos, consegui chegar a Borá apenas no dia 13 de junho, dia que precede o inicio da festa. Ao chegar fui em direção a casa de dona Quitéria, logo me disseram que ela estava na igreja. Dirigi-me para a igreja, quando a dois quarteirões de distância, pude ouvir altas conversas e risadas, principalmente de vozes femininas. Ao me aproximar dos fundos da igreja, encontrei cerca de 10 homens e 15 mulheres trabalhando ativamente na limpeza dos francos e das leitoas, e nos últimos preparativos do barracão. Dona Quitéria veio em minha direção e com ar de descontração

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Optamos por utilizar um pseudônimo, a fim de não comprometer a integridade de nossa informante.

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cumprimentou-me. Logo, minha anfitriã me encaminhou para trabalhos juntamente com os outros homens. Ocorre uma divisão espacial e de gênero nas tarefas durante os preparativos finais da festa. Nos fundos da Igreja, onde há um pequeno barracão as mulheres trabalhavam na limpeza dos frangos. Uma ao lado da outra davam a volta em torno de um grande tangue, formando uma circunferência. Na parte de dentro do barracão os homens se encarregam da limpeza final das leitoas. Em cada grupo as conversas e expressões se diferenciavam. Dentre o grupo das mulheres, os poucos minutos que ali permaneci, notei que eram conversas espontâneas, sem muitas preocupações, onde havia espaço para gargalhadas e afrontas amistosas entre elas. No grupo dos homens, onde permaneci por mais tempo, notei que as conversas eram um pouco mais centradas em reclamações sobre a organização da festa, outras vezes era sobre a qualidade que só a Festa de Santo Antônio de Borá possui, também falavam de política e de futebol. Neste espaço, embora amistoso, não haviam as mesmas conversas descontraídas e gargalhadas, porém, era possível notar entre os homens um enorme sentimento de companheirismo. Estas relações e divisões de trabalho, assim como dos espaços, nos remeteram a casa kabila descrita por Pierre Bourdieu (2002) em seu trabalho de campo no norte da Argélia. Segundo o sociólogo, há uma divisão binária estrutural entre os espaços e afazeres entre homens e mulheres na sociedade kabila. A parte baixa e escura opõe-se à parte alta, assim como o feminino se opõe ao masculino. Deste modo, entre os kabila, [...] confiar à mulher o encargo da maior parte dos objetos da casa, o transporte da água, da lenha e do defumador, por exemplo, a oposição entre a parte alta e a parte baixa reproduz no interior do espaço da casa aquela estabelecida entre o dentro e o fora, entre o espaço feminino, a casa e o jardim, lugar por excelência do haram, isto é, do sagrado e do interdito, e o espaço masculino. [...] Podemos aqui estabelecer mais diretamente a relação que junta a fecundidade dos homens e do campo à parte escura da casa, caso privilegiado da relação de equivalência entre fecundidade e obscuro, o cheio (ou túrgido) e o úmido, comprovada pelo conjunto do sistema mítico-ritual (BOURDIEU, 2002, p. 95-96).

A descrição e análise de Bourdieu oferecem algum respaldo para pensarmos estas divisões, contudo, existem particularidades culturais que nos permitem agregar

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outras interpretações37. É preciso considerar que estamos tratando de um momento extraordinário, onde as emoções individuais e coletivas se manifestam em performances e imaginários distintos do cotidiano – ainda que revelem instâncias da vida cotidiana. Zaluar (1983, p. 108-111) considera que em momentos coletivos onde podemos encontrar estas divisões sexuais, de classes e espaços, devemos levar em conta os motivos compartilhados capazes de produzir o trabalho coletivo, no caso, a festa do santo. As associações e relações específicas entre pais e filhos, mães e filhas, desdobram-se e estendem-se através do motivo religioso, assim compadres, comadres, amigos, parentes e chegados independente do sexo, elaboram e organizam muito mais sob a orientação leiga do que clerical, a festa religiosa oficial da comunidade. Assim, em Borá, quando as mulheres e os homens lidam com os preparativos dos alimentos o que os diferenciam são noções de habilidades específicas. No caso da limpeza dos frangos, por exemplo, são animais menores, que demandam certos cuidados para seu preparo. Quanto às leitoas, os homens ficam encarregados do abatimento, limpeza e preparo. Tive a oportunidade de auxiliar um dos festeiros na limpeza interna de algumas das leitoas. Em nossas conversas, me disse que os suínos haviam sido abatidos há quinze dias e conservados. No momento que os auxiliei, estávamos entre alguns homens. Um deles pediu para que eu segurasse as patas de uma das leitoas enquanto retirava as ínguas de dentro dela. Segundo meus interlocutores disseram, a íngua é a parte que deixa a carne amarga e estraga todo o resto, se não for retirada com cuidado a carne pode ficar machucada e comprometer sua qualidade. Como disse um dos meus instrutores, “não é em toda festa que se limpa direito, aqui a gente faz a coisa certa sempre”. Durante todo momento da limpeza das leitoas, por diversas vezes, os homens se gabavam de saberem limpar a leitoa como ninguém. Isto é parte da tradição, que aprenderam com seus pais e avós. Para uma limpeza correta da leitoa era necessária muita habilidade, segundo o festeiro que me acompanhava. A faca, não podia ser muito grande, tinha que ser pequena e afiada. No momento do corte, que se dava na região do pescoço do suíno e na região que poderíamos denominar como o quadril do animal não poderia ser realizado com muita força, a fim de não machucar o couro nem a carne, tinham que ser precisos e atingir exatamente as ínguas. 37

Sobre a discussão destes espaços, entre categorias de gêneros e formas alternativas de ação, conferir o trabalho de Alba Zaluar (1983).

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Esta tarefa é considerada como de grande dificuldade, e não pode ser exercida por qualquer um, porque não há uma visão nítida de onde estão às ínguas. Somente aqueles que passaram por muitas festas e aprenderam com os pais e avós podem cumprir esta função. O suíno é aberto ao meio após seu abate. Então, quando ocorre a limpeza final, é preciso tatear com as pontas dos dedos por dentro do animal para encontrar a íngua que deve ser retirada. O trabalho realizado por estes homens, todos com mais de 40 anos de idade, era considerado por eles e pelos outros como um trabalho que poucos saberiam realizar. Apenas um jovem estava presenciando o trabalho. Como um deles mesmo disse “essa molecada precisa ir aprendendo isso”. Por cerca de duas horas, segurei as leitoas para que pudessem limpá-las, enquanto conversávamos sobre vários assuntos. O que mais me chamou a atenção, de fato, foi o trato que conferiam ao preparo das leitoas. No total foram 80 leitoas, todas doadas por sitiantes da região. Dias antes, como já apontamos, as leitoas são abatidas e é realizada uma primeira limpeza, após isso, são temperadas e conservadas em 10 freezers industriais. Destas 80, 10 são separadas para o leilão que ocorre na tarde de domingo. As 70 leitoas são preparadas dias antes da festa, ficam apenas as 10 reservadas para o leilão e são preparadas no dia anterior da festa, isto também compõem parte do ritual, porque, o preparo cuidadoso e o tempero fresco, conferem outro sabor, aumentando o valor simbólico da peça no momento do leilão. O leilão inicia com o valor estimado de R$180,00. A pretensão é que a disputa fique acirrada para que o leiloeiro possa ir aumentando o valor. Alguns relatam que já viram leitoas serem arrematadas por R$500,00. Antes do leilão são vendidas fichas no valor de R$2,00. Estas se destinam ao sorteio. Uma roleta de tamanho grande fica exposta no centro do barracão de festas, as leitoas que não são vendidas no leilão são sorteadas, gerando um clima de grande euforia e apreensão durante o sorteio. As 70 leitoas restantes ou são compradas por outros valores ou quando há uma grande sobra por não adquirirem a venda, são fatiadas em pedaços para a venda por um preço mais barato do que a peça completa. Uma parte das 70 leitoas é separada para o consumo gratuito das pessoas que trabalham e atuam na organização da festa. Toda a renda adquirida com a venda das comidas e bebidas é destinada para a manutenção e reforma da igreja. Da parte interna do barracão da Igreja até as extremidades, são estendidas lonas pretas para abrigarem as mesas que serão postas ao lado de fora. Por mais que o barracão possua um tamanho adequado para comportar as festividades nele realizada, a 82

festa atrai a população das cidades vizinhas e também dos migrantes trabalhadores da usina. Com tamanha presença, se torna necessário outros espaços para que os participantes possam almoçar com as famílias e amigos no domingo. Como tive a oportunidade de chegar um dia antes do início da festa, pude ver os caminhões que traziam as bebidas e encomendas, também pude observar as barracas de doces e guloseimas sendo montadas ao lado de fora do barracão e em frente à igreja. As fotografias a seguir ilustram o contexto descrito. Figura 12 – Praça e Igreja de Santo Antônio (preparativos para a festa)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

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Figura 13 – Praça e Igreja de Santo Antônio (preparativos para a festa)

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

Em suma, a organização da festa e sua estrutura do início ao fim correspondem aos demais rituais religiosos e festivos encontrados em diversas partes do país. Como discutiremos a seguir, os moradores mais antigos, reminiscentes das famílias tradicionais, observam a presença de novos participantes com certa atenção, também conferem a cada ano que passa algo diferente que não havia antes. A festa, enquanto um momento extraordinário que se conforma na ritualização anual da celebração do santo padroeiro, mantém aspectos contingentes de sua própria existência, a saber, a organização, os festeiros, o período do ano, o início e o término da festividade. Porém, os novos estilos musicais que permeiam a festa, os migrantes que buscam na festa alguma descontração, a arrecadação financeira e a maneira como a festa passa a ser experimentada pelas novas gerações, engendram a dinâmica de uma contínua mudança.

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A missa

Nos dias reservados para a celebração da festa, no sábado e no domingo, existem algumas divisões na programação entre os momentos religiosos e os festivos. Divisões estas que não são estáticas, mas se misturam e se confundem no todo que conforma o momento ritual. No sábado, como já descrevemos, após os preparativos finais inicia-se a Festa de Santo Antônio. Por volta das 17 horas é possível notar uma movimentação diferente na pequena cidade. São boraenses que moram nas cidades vizinhas, ou são moradores destas cidades que não abrem mão em participar da anual festa de Borá. Os sitiantes da região adentram a cidade com suas volumosas caminhonetes. A pequena praça troca sua aparente calmaria por alaridos de compadres que não se vem há algum tempo, pela correria das crianças brincando no coreto, os alto falantes de dentro do barracão de festas são acionados ecoando para quem estão de fora as músicas sertanejas. A festa é tradicionalmente marcada para iniciar no sábado às 19 horas. Às 20 horas muitas famílias já estão acomodadas nas mesas dentro e fora do barracão, rodas de amigos se formam e se preparam para o início da celebração para iniciarem a celebração. No domingo, antes de retomarem as comemorações, é realizado bem cedo à missa e a procissão em homenagem a Santo Antônio. Ao retornar a Borá no domingo, numa manhã bastante fria, notei que as igrejas evangélicas estavam abertas para seus cultos dominicais. Em contra partida os católicos preparavam-se para a missa marcada para as 10 horas da manhã. Fui até a igreja de Santo Antônio para acompanhar os preparativos para a missa. Algumas pessoas organizavam os detalhes finais para a procissão que ocorreria em seguida. Cerca de cinco pessoas estavam preparando os cânticos que seriam entoados no momento da missa. Um dos cânticos que ensaiavam seguia repetidamente o seguinte refrão: “Santo Antônio rogai por nós. Intercedeis a Deus por nós”

Perto das 09h30min, outras pessoas foram chegando, tomando seus lugares, fazendo suas orações em silêncio. No altar da igreja figuravam cinco imagens: o

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Sagrado Coração de Jesus, a Virgem Maria, São Benedito, Santo Antônio e Nossa Senhora Aparecida38. Figura 14 – Parte interna da Igreja de Santo Antônio

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa

Aos poucos a pequena igreja ficou cheia. Estimo que cerca de 100 pessoas estivavam presentes. No momento auge da missa as duas fileiras de bancos estavam completos, havia pessoas em pé ao fundo da igreja, assim como nas entrada das portas laterais e da porta principal.

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A fotografia corrobora com a descrição, permitindo ao leitor uma maior compreensão sobre a organização e configuração da parte interna da Igreja de Santo Antônio.

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Figura 15 – Momento de celebração da missa em homenagem a Santo Antônio

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa

Logo no início da missa o padre enfatizou que o motivo da celebração era para agradecer a Santo Antônio pelas bênçãos recebidas39. Houveram cânticos e em seguida o padre trouxe a mensagem intitulada “Vocação e Missão Profética do Povo de Deus”. Suas palavras foram em direção às famílias, articulando questões sobre a desestruturação dos lares apontando que “hoje em dia qualquer coisa é família”. Também exortou os fiéis sobre a frequência nas missas, por diversas vezes ressaltou que o fato da igreja estar “cheia” no domingo era reflexo da comemoração a Santo Antônio, pois nos outros finais de semana a presença dos fieis eram poucas nas reuniões. Segundo ele, “na maioria das missas comparecem poucas pessoas, e é necessário que as famílias estejam sempre presentes”. Após a mensagem encerrou a missa dando início à procissão.

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O padre não é morador de Borá. Ele reside em Paraguaçu Paulista, cidade vizinha. Todo o domingo vai até Borá para realizar a missa e os demais compromissos na cidade. No decorrer da semana quem administra a igreja e as reuniões de catecismo, de irmãs, etc., é dona Quitéria.

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A procissão

A procissão inicia do centro da Igreja de Santo Antônio. Os participantes fazem o cortejo das imagens de São Benedito, de Nossa Senhora de Aparecida e de Santo Antônio seguindo em torno da praça onde fica a igreja. As imagens de santos que figuravam no altar são carregadas em suportes de madeira enfeirado por flores. Em torno de quatro a cinco pessoas são incumbidas em carrega-las durante o trajeto. Na frente do grupo que irá carregar a primeira imagem, um senhor se adianta com um grande crucifixo. Figura 16 – Início da procissão, saída da parte interna da igreja de Santo Antônio

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

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Figura 17 - Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor. Figura 18 – Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

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Figura 19 – Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do

próprio autor

Figura 20 – Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

A primeira imagem que sai da igreja é a de São Benedito, carregada pelos homens. Em seguida é a imagem de Nossa Senhora de Aparecida, carregada por mulheres. A terceira imagem a sair da igreja é a do homenageado Santo Antônio. Esta é carregada por homens e mulheres. Os participantes aguardam as três imagens saírem da igreja para iniciarem a procissão com todos juntos. Forma-se um extenso corredor atrás e ao redor das imagens onde prosseguem ao redor da praça. Durante o cortejo são entoados cânticos e rezas 90

com o Pai Nosso. Há grande comoção entre os participantes. Comerciantes, trabalhadores rurais e da usina, políticos e famílias inteiras estavam presentes na procissão. Crianças, adultos e idosos aglomeravam-se e prosseguiam pelo pequeno trajeto em celebração aos santos homenageados. Ainda que alguns sejam selecionados para carregar as imagens, todos buscam manter uma proximidade com a imagem. De maneira similar, Lopes (2011) ao observar o as tentativas dos devotos em se aproximarem para tocar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré40, em sua tradicional festa do Círiono Estado do Pará, afirma que, [...] esse caráter de proximidade da imagem com os devotos se mantém em toda a festa, nas procissões, nas missas, nos locais em que ela ficou exposta, evidenciando um sentido de pertencimento aberto ao toque, ao afeto, que é característico da própria história da devoção (Alves 1980; Rocque 1981; Amaral 1998; Maués 2009), e a singulariza como um encontro onde o sagrado e os devotos se objetivam [...] (LOPES, 2011, p. 158).

Esta objetivação se concretiza não apenas no toque a imagem do santo, mas através do contato visual, pela proximidade que o devoto consegue estabelecer com ela, pela simbologia que o religioso propõe diante da imagem, e por tantas outras maneiras. No Santuário Nacional de Aparecida do Norte, interior do Estado de São Paulo, Gonçalves e Murguia (2012) entendem que, [...] A sala das promessas é uma extensão da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Não é um lugar escuro e fúnebre, é claro e bem organizado; não é um museu, mas tem suas coleções e organização própria. E não é propriamente local de oração, mas é sacralizada, pois os objetos e o espaço em si são ramificações materiais dessa devoção mariana (GONÇALVES & MURGUIA, 2012, p. 12).

Neste espaço o devoto pode estabelecer uma relação com a santa e também com sua imagem oficial – a qual confere o status de mediadora. Ainda que a imagem oficial não esteja presente na sala os religiosos constroem uma extensão simbólica que permite o seu contato com a santa. Para além deste tipo de objetivação, em Portugal, no concelho de Arco de Valdevez, os devotos não se contentam em rezar junto a imagem de S. Bente do Cando, o contato com o santo precisa ser simbolizado e comunicado socialmente pelo próprio fiel. De acordo com José Pinto (2010), 40

Sobre a Festa do Círio de Nazaré ver O carnaval devoto (1980) de Isidoro Alves.

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Os devotos dedicam algum do seu tempo a rezar junto da imagem de S. Bento do Cando. Mas, por vezes, não é suficiente o simples contacto com ela, e a maioria dos devotos que se deslocam a S. Bento do Cando, enquanto dá voltas em torno do recinto da capela, em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, consoante a promessa realizada, reza em surdina, de pé ou de joelhos, e, por vezes, percorre longas distâncias para pagar as suas promessas (PINTO, 2010, p. 186).

Em São Luiz do Paraitinga, São Paulo, Lopes (2010) sinaliza outro gesto bastante comum nos momentos rituais ou de devoções. O beijo que o devoto dá na imagem do santo ou da santa em imagem de gesso ou numa bandeira, simboliza outra maneira do religioso caracterizar o tipo de relação que estabelece com a divindade através da sua imagem. Espalham-se pela praça da igreja matriz grupos de Moçambiques e Congadas, de Folias-de-Reis e violeiros, todos em torno de bandeiras e estandartes que ostentam imagens de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, dos Reis Magos e do Divino Espírito Santo, em torno dos quais os sujeitos da festa agora gravitam, concorrendo para beijarem as fitas e as bandeiras dos santos padroeiros dos grupos (LOPES, 2010, p. 112).

Embora as pessoas presentes na procissão em Borá não tentassem tocar as imagens, esforçam-se por caminhar na mesma velocidade que os carregadores das imagens. Estes, por sua vez, são pessoas de prestígio social e religioso na cidade. Eles estão mais perto do que qualquer outro das imagens, isto os qualificam como merecedores desta responsabilidade. Ao concluírem todo o trajeto, retornam para o ponto inicial de partida, a porta principal da igreja. Em seguida as pessoas se dispersão em conversas pela praça e se aproximam do barracão de festas. Em poucos minutos o silêncio em reverência a missa e aos santos durante a procissão dá lugar a música sertaneja e as gargalhadas dos grupos que vão se formando ao redor do barracão. Contudo, a clássica dicotomia entre a consciência do sagrado e do profano que se desenvolve consecutivamente na missa, na procissão e na festa (música, conversas em alto tom, bebidas e comidas), não são partes opostas ou que contrapõem o conjunto do ritual, mas como na observação de Carlos Steil (1996, p. 139) sobre a peregrinação a Bom Jesus da Lapa na Bahia, estes fenômenos devem ser vistos como “acontecimentos de uma sociedade secular onde não se coloca um sagrado a ser violado”, pois todas as 92

ações estão inscritas dentro de um sistema organizado que compreendem aquilo que poderia ser classificado como profano como componente do processo ritual. O próprio barracão de festas ao lado da igreja, onde as bebidas alcoólicas são vendidas, não configuram um espaço demarcado entre o sagrado e o profano, tanto para os organizadores da festa quanto para os frequentadores. Nisto, é possível pensar que a festa do santo é também a festa do povo, noutras palavras, o motivo religioso e as motivações de outras esferas da vida social conformam uma mesma totalidade tanto nos momentos ordinários como nos extraordinários, implicando nisto uma extensão social das formas e práticas religiosas realizadas dentro de casa.

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Figura 21 – Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa./Fotografia do próprio autor.

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Figura 22 – Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

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Figura 23 – Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa/Fotografia do próprio autor.

Figura 24 – Procissão

Fonte: Compõe o material etnográfico da pesquisa./Fotografia do próprio autor.

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Transformações na festa

Partindo dos dados obtidos no trabalho de campo em Borá durante o período que antecede a festa e sua própria realização, recorremos a etnografias que tratassem da temática a fim de traçar comparativos que nos auxiliassem a pensar as dinâmicas das devoções e também das transformações presentes na Festa de Santo Antônio. Ao estudar as festas e romarias portuguesas, o antropólogo Pierre Sanchis (1983), verificou que as pequenas freguesias também passavam por transformações, e seus conflitos estavam enraizados na ambiguidade provocada pelo contato da tradição e da modernidade. O autor considera que tal Fenômeno vindo do fundo da tradição, sempre “decadente” face ao “progresso” e sempre em nova e plena exuberância, carregado da nostalgia e esperança de uns, da decepção e desprezo de outros – por vezes os mesmos –, enformado, através dos tempos e na diversidade das regiões, por uma permanência estrutural que confina à uniformidade, mas, no entanto, matizado ao sabor do enraizamento geográfico e modulado no decurso dos anos que passam, o mundo da festa, em Portugal, está vivo (SANCHIS, 1983, p. 17).

Em sua síntese Sanchis aponta as transformações que atingiram os pequenos vilarejos e freguesias interioranas de Portugal, e como os religiosos sentem e reagem a urbanização juntamente com a ideologia do avenço técnico cientifico e industrial. No que tange as mudanças das festas tradicionais e as devoções aos santos, Alba Zaluar (1983) ao estudar festas religiosas no interior do Estado de São Paulo coloca que, [...] Enquanto que nas localidades mais tradicionais as irmandades religiosas tinham grande importância para a vida social local e as festas de santo por elas organizadas constituíram um meio simbólico importante para a transmissão de seu código moral, nas localidades em que as relações sociais de produção capitalista já podiam ser notadas mais claramente as irmandades religiosas e as festas não tinham a mesma importância. Mudavam o ritual da festa do santo e o conteúdo das promessas feitas pelos devotos. (ZALUAR, 1983, p. 117-118).

As descrições dos autores em seus respectivos contextos sugerem que as festas religiosas tradicionais vão se modificando na medida em que as relações de produção capitalista e a ideia de “progresso” acionam novos tipos de contratos entre os indivíduos e desenvolvem diferentes motivações para suas participações nestas celebrações. 97

Renata Menezes (2004, p. 25), entende que as festividades religiosas dedicadas aos santos, às aparições da Virgem, as romarias, procissões, etc., não se tratam apenas de fenômenos residuais, mas podem representar na contemporaneidade, um jogo de continuidade e mudanças entre formas, conteúdos e significados de práticas culturais. Esta perspectiva insere a possibilidade de compreender estes fenômenos não mais como “continuidades modificadas”, mas sim como significados diferentes sendo incorporados a práticas já consagradas. Num movimento e numa dinâmica que estaria reconfigurando modelos de crenças e de práticas, gerando novas experiências com o sagrado. Levando em consideração estes apontamentos, o conteúdo e a forma da festa também perpassam pela experiência da transformação ao longo do tempo. Como insistimos neste trabalho, a presença crescente dos evangélicos, a reativação da usina e sua consequente ampliação de empregos e de renda para a população e a presença dos migrantes, forjam um quadro semelhante aos descritos por Sanchis e Zaluar. Os mais antigos, que já participaram de várias edições da festa, ao mesmo tempo em que se regozijavam ao celebrarem um momento de extrema importância para o município, também demonstravam seus descontentamentos com o andar das coisas. Ouvi um dos festeiros dizer que este seria seu último ano na atuação da festa, segundo ele, não aguentava mais a falta de participação das pessoas na organização. Os idealizadores da festa ainda que sintam fortemente as rupturas com o modo tradicional de realizar a festa, e queixem de que “não é mais como era antes”, estão ativamente participando da organização e das festividades. Devido as relações de trabalho decorrentes do sistema de horários e safras colocados pela usina, não é mais possível contar com grande número de pessoas para auxiliar na organização da festa, muitos trabalham nos finais de semana ou durante as madrugadas, isto acaba por impedir suas participações. Os patrocínios para a realização da festa melhoraram, a Prefeitura reformou a praça central onde a festa é realizada, também houve apoio de diversos empresários da cidade e da região, o progresso econômico dos últimos anos é sentido na qualidade e na promoção da festa. Consideramos este aspecto central, porque em uma de minhas visitas, ao pegar um moto taxi de Paraguaçu até Borá, o motoqueiro falou por diversas vezes da “grande Festa que de Borá”. Nesta conversa meu interlocutor falou da boa comida que é servida na festa, da cerveja a um preço razoável, do ambiente agradável onde todos os amigos da região se encontram. Isto indica além de uma divulgação

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ampla e respaldada por diversos comerciantes das cidades vizinhas, uma agenda coletiva onde diversas pessoas na região esperam pela festa e a frequentam todo ano. No caso dos evangélicos, por mais que não compartilhem da mesma celebração e homenagem ao santo padroeiro, prestigiam a festa. Como não há em Borá muitas alternativas de lazer, o momento da festa é uma ocasião de comunhão e descontração. Ao conversar com alguns evangélicos verifiquei que não consomem nada da festa. O máximo que fazem é irem até a praça. Não adentram o barracão da festa e ficam conversando com amigos e colegas aos derredores. Os migrantes que possuem distintos pertencimentos religiosos, mas em sua maioria são católicos, se entusiasmam com a oportunidade de descontração. Arrumamse, usam chapéus, cintos e botinas. Eles permanecem a maior parte do tempo nas rodas com os colegas de trabalho, consomem cervejas e dançam sozinhos ou acompanhados de alguma moça ao som das músicas sertanejas tocadas pelos violeiros ou através dos alto falantes. Em suma, estas transformações seriam ocasionadas por fatores externos e internos. Como fatores externos, podemos considerar como as mudanças gerais do país, da reconfiguração religiosa que o catolicismo experimenta nos últimos anos, nas questões econômicas e sociais mais amplas. Os fatores internos seriam a maneira como os indivíduos reagem a estas influências externas, isto é, como internalizam as grandes mudanças e a partir de seus contextos externalizam novas respostas para prosseguirem com a tradição da festa. De modo geral, consideramos que o momento ritual da festa que inicia meses antes e tem seu clímax nos dias de sua realização, evidenciam as transformações que presenciamos no cotidiano religioso, social e familiar de nossos interlocutores. Desta forma, a Festa de Santo Antônio de Borá revela além um complexo sistema ritual, uma expressão das permanências, das rupturas e das transformações experimentadas pelos seus habitantes nos últimos anos.

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CONSIDERAÇÕES

A trajetória que optamos por seguir neste trabalho buscou conduzir o leitor a percorrer as ruas da cidade de Borá e visualizar, por meio da narrativa, alguns aspectos de suas vidas e como suas relações sociais são constituídas e negociadas. O projeto inicial que foi encaminhado para a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), propunha um estudo sobre a pluralidade religiosa intrafamiliar na cidade, identificando as transformações na experiência religiosa doméstica e as relações entre familiares com pertencimentos religiosos diferentes. No entanto, outros caminhos foram tomados, sem abrir mão do primeiro recorte e da proposta inicial. Enquanto eu buscava saber sobre religião, eles falavam sobre a usina de cana de açúcar reativada a menos de quinze anos na região41 e sobre tantos outros assuntos. . A maneira como os boraenses experimentam as relações entre parentes e amigos, na família e na comunidade, apontam para o tipo de cristianismo patrimonial (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 76), onde há uma intensificação emocional do sentimento de pertença comunitária e também da ideia da possessão de uma herança cultural que estabelece uma separação radical entre o grupo dos “herdeiros” e “os outros”. Isto é, ainda que a experiência religiosa se individualize e intensifique seu processo de subjetivação, noções que estão relacionadas à experiência religiosa coletiva resgatada pelos rituais e pela narrativa histórica, parecem estar produzindo novas formas de sociabilidade em determinados contextos orientados pelo cristianismo, ao menos isto está presente no caso empírico estudado. As ideias que possuem sobre família e comunidade estão diretamente relacionadas as decisões e ações dos nossos interlocutores. Sejam nos espaços privados ou públicos, as manifestações de suas identidades religiosas estão inseridas na lógica das próprias relações na cidade. O envolvimento emocional que a experiência religiosa possibilita, ganha força nas redes de relações de parentesco e nas identidades coletivas, notórias pelas alianças e por uma infinita soma de valores negociados e negociáveis.

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Como atentou E. E. Evans-Pritchard (2005, p. 245), “Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para o país zande, mas os Azande tinham; e assim tive de me deixar guiar por eles. Não me interessava particularmente por vacas quando fui aos Nuer, mas os Nuer sim; e assim tive aos poucos, querendo ou não, que me tornar um especialista em gado”.

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Esses valores, entendidos como capazes de orientar ações, quando estão em jogo em meio às transformações mais gerais no município, interagem com os eventos históricos que reestruturam categorias de pensamento. Em Borá, o contexto de pluralismo religioso experimentado através das relações de parentesco e comunitárias aponta para o movimento da própria cultura, não apenas para o campo da família ou da religião, mas de uma forma ampla, noutros campos da vida social. No que diz respeito ao universo religioso podemos apontar as igrejas evangélicas presentes a pouco mais de trinta anos na cidade como elementos que reconfiguram e dinamizam os pertencimentos religiosos, do mesmo modo que altera as relações familiares ora gerando tensões, ora produzindo negociações, sempre em torno do significado de família e de comunidade. Embora os dados do IBGE (2010) e de nosso estudo comprovem a maioria católica na cidade, o número de famílias com pluralidade religiosa tende a crescer mediante as atuais transformações em Borá. Os santos de casa, num movimento duplo, nos permitiu examinar um universo amplo de relações sociais, das experiências religiosas domésticas às transformações sociais e econômicas da cidade. Os altares e os santos ora nas estantes, armários, geladeiras, ora sendo retirados dos locais mais visíveis e guardados nos cômodos mais privados da casa para evitarem conflitos, possibilitaram o exame da vida religiosa sem apartá-la dos demais valores em jogo (as mudanças populacionais e econômicas, o fluxo migratório, reformas urbanas, convívio familiar, etc.). Nos momentos finais da redação deste capítulo, constatamos novos dados sobre a população em Borá. Segundo o IBGE, em 2013, a cidade somava um quantitativo populacional de 834 habitantes. Perdendo o título de “menor município brasileiro” para a cidade de Serra da Saudade (MG), com 824 habitantes. Os fatores que culminam para esse crescimento são, em primeiro lugar, a presença e permanência dos trabalhadores migrantes que já passam a ocupar as residências do novo conjunto habitacional. Em segundo lugar, a cidade não registrou óbitos, mas registrou nascimentos. Outro fator que atrai novos moradores é a tranquilidade que proporciona. O aumento populacional irá gerar novas mudanças no campo religioso, na configuração familiar e econômica da cidade. A reativação da usina representa um acontecimento que incide sobre todas as trajetórias de vida, tanto dos moradores antigos como dos recém-chegados. Nesse contexto, os significados culturais são alterados num processo que incide sobre diretamente na percepção e na sensibilidade dos próprios indivíduos, na maneira como experimentam suas crenças e práticas religiosas, como se 101

relacionam em família e nas relações que passam a constituir com os novos habitantes, reelaborando as noções que constituem a experiência comunitária.

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110

ANEXOS Anexo I - Fotografias e Imagens A cidade

Entrada principal de Borá. Imagem de Jesus Cristo e nome da cidade (2011)/Fotografia do próprio autor

Estabelecimentos comerciais e públicos (2011)/ Fotografia do próprio autor

111

Prefeitura Municipal de Borá (2011)/ Fotografia do próprio autor

Residências (2011)/ Fotografia do próprio autor

Residências (2011)/ Fotografia do próprio autor

112

Igreja de Santo Antônio (2011)/ Fotografia do próprio autor

Igreja de Santo Antônio após a reforma da praça (2012)/ Fotografia do próprio autor

113

Imagem de Santo Antônio em um bebedouro de azulejo antes da reforma da praça (2011)/ Fotografia do próprio autor

Imagem de Santo Antônio após a reforma da praça (2013)/ Fotografia do próprio autor

114

Conjunto habitacional de 101 casas (2013)/ Fotografia do próprio autor

Conjunto habitacional em construção (2013)/ Fotografia do próprio autor

Conjunto habitacional em construção (2013)/ Fotografia do próprio autor

115

Conjunto habitacional em construção (2013)/ Fotografia do próprio autor

116

O campo religioso em Borá

Mapa religioso de Borá/Elaboração do próprio autor 42

Legenda: Igrejas Evangélicas 1. Igreja do Evangelho Quadrangular 2. Igreja Assembleia de Deus (Ministério do Ferreira). 3. Igreja Assembleia de Deus (Ministério de Belém). 4. Igreja Congregação Cristã do Brasil. Igreja Católica 5. Igreja de Santo Antônio.

42

Esta figura foi elaborada a partir da localização das igrejas na cidade. Em vermelho, no centro, está a Igreja de Santo Antônio, única igreja católica da cidade. Em amarelo estão as igrejas evangélicas, situadas em diferentes regiões de Borá.

117

Igreja Assembleia de Deus – Ministério do Ferreira (2012)/ Fotografia do próprio autor

Igreja Congregação Cristã (2012)/ Fotografia do próprio autor

118

Igreja Assembleia de Deus – Ministério de Belém (2012)/ Fotografia do próprio autor

Igreja do Evangelho Quadrangular (2012)/ Fotografia do próprio autor

119

Altares e imagens de santos 43

Imagem de Jesus Crucificado, ao lado um quadro com as imagens do Coração Imaculado de Maria e do Sagrado Coração de Jesus/ Fotografia do próprio autor

Quadro com a imagem de Nossa Senhora a cima do aparelho de televisão na sala/ Fotografia do próprio autor

43

As fotografias exibidas em anexo compõem o material etnográfico da pesquisa. Estas fotografias não foram objeto de análise na pesquisa, contudo, serviram como bases comparativas para as reflexões apresentadas na sessão Revisitando os altares domésticos: os usos dos espaços domésticos como parte da experiência religiosa.

120

Parede com três quadros com imagens. Da esquerda para a direita estão Anjos, São Pedro e Santa Luzia/ Fotografia do próprio autor

Cômoda com a imagem de Santo Antônio e Nossa Senhora de Aparecida ao lado de fotografias de familiares/ Fotografia do próprio autor

121

Festa de Santo Antônio de Borá

Preparativos para a Festa, sábado, 14 de julho de 2012/ Fotografia do próprio autor

Sábado, 14 de julho, 2012, praça e Igreja de Santo Antônio ao anoitecer/ Fotografia do próprio autor

Domingo, 15 de julho, 2012, ao amanhecer/ Fotografia do próprio autor

122

Interior da Igreja de Santo Antônio momentos antes do início da missa de celebração, domingo, 15 de julho pela manhã (2012)/ Fotografia do próprio autor

Imagem de São Benedito cortejada por um grupo de homens a frente da procissão (2012)/ Fotografia do próprio autor

123

Imagem de Nossa Senhora de Aparecida cortejada por um grupo de mulheres precedendo a imagem de Santo Antônio, ao fundo da fotografia (2012)/ Fotografia do próprio autor

Imagem de Santo Antônio, padroeiro homenageado (2012)/ Fotografia do próprio autor

Procissão, inicio da procissão, momento de saída pela praça (2012)/ Fotografia do próprio autor

124

Momento de saída da igreja para a procissão. Todos se organizam seguindo os grupos que carregam as imagens (2012)/ Fotografia do próprio autor

Percurso da procissão ao redor da praça (2012)/ Fotografia do próprio autor

Percurso da procissão ao redor da praça (2012)/ Fotografia do próprio autor

125

Percurso da procissão ao redor da praça. Os fiéis caminham em silêncio durante todo o percurso, alguns fazem orações sussurrando, outros apenas meditam, os familiares em sua maioria estavam próximos durante o percurso, os mais idosos eram amparados por filhos ou netos para caminharem pelo trajeto (2012)/ Fotografia do próprio autor

Percurso da procissão ao redor da praça (2012)/ Fotografia do próprio autor

126

Momento da chegada ao ponto de partida da procissão. Nesse momento, todos retornam para a igreja, seguindo a mesma ordem da caminhada inicial (2012)/ Fotografia do próprio autor

Enceramento da procissão (2012)/ Fotografia do próprio autor

Retorno a Igreja, encerramento da procissão (2012)/ Fotografia do próprio autor

127

Trabalhadores da usina antes do início das festividades no domingo (2012)/ Fotografia do próprio autor

Criança brincando ao redor da praça durante as celebrações do domingo à tarde (2012)/ Fotografia do próprio autor

128

Anexo II – Roteiro de Entrevistas e Questionário Roteiro de Entrevistas – Pertencimento religioso, características familiares, faixa etária e práticas religiosas. Dados gerais: Número da residência: Nome do entrevistado (a): Idade: Estado civil: Escolaridade: Sexo: Questionário: 1. Possui religião? 2. Qual religião? 3. Frequenta alguma igreja? 4. Quantas pessoas moram ou residem na mesma casa? 5. Quais as idades das pessoas que residem juntas sob o mesmo teto? 6. Os moradores da residência são da mesma religião? 7. Os moradores da residência que se declaram “católicos”, possuem algum santo de devoção? 8. Existem imagens de santos expostos pela residência (parte interna ou externa)? 9. Seria possível fotografarmos as imagens existentes na residência? (Esta pergunta era realizada em caso afirmativo de possuírem imagens de santo na residência).

129

Amostra parcial dos questionários respondidos, aplicados por residência

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 5 SIM X NÃO CAT X PRO OUTRAS: SIM X NÃO ÀS VEZES: 4 10, 18, 43, 44 SIM X NÃO SIM X NÃO QUAL: Sto. Antonio SIM NÃO X

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 441 SIM X NÃO CAT PRO X OUTRAS: SIM NÃO ÀS VEZES: X 3 19, 43, 45 SIM NÃO X SIM NÃO X QUAL: SIM NÃO X

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 432 SIM X NÃO CAT X PRO OUTRAS: SIM NÃO X ÀS VEZES: 4 27, 44, 51, 84 SIM X NÃO SIM X NÃO QUAL: N. Senhora Ap. SIM X NÃO

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 431 SIM X NÃO CAT X PRO OUTRAS: SIM X NÃO ÀS VEZES: 2 14, 44 SIM X NÃO SIM X NÃO QUAL: N. Senhora Ap. SIM X NÃO

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 487 SIM X NÃO CAT X PRO OUTRAS: SIM X NÃO AS VEZES: 3 22, 47, 48 SIM X NÃO SIM X NÃO QUAL: -----SIM X NÃO

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja?

RESIDÊNCIA – Nº 430 SIM X NÃO CAT X PRO OUTRAS: SIM X NÃO ÀS VEZES:

130

4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião?

4 17, 26, 48, 50 SIM NÃO

7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

SIM SIM

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 447 SIM X NÃO CAT PRO X OUTRAS: SIM X NÃO ÀS VEZES: 2 52, 61 SIM NÃO X SIM NÃO X QUAL: SIM NÃO X

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 470 SIM X NÃO CAT X PRO SIM X NÃO 4 6, 17, 40, 60 SIM NÃO X SIM NÃO X SIM NÃO X

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 25 SIM X NÃO CAT PRO X OUTRAS: SIM X NÃO ÀS VEZES: 5 17, 22, 48, 53, 75 SIM X NÃO SIM NÃO X QUAL: SIM NÃO X

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 422 SIM X NÃO CAT X PRO OUTRAS: SIM X NÃO ÀS VEZES: 5 1, 4, 13, 34, 67 SIM X NÃO SIM X NÃO QUAL: Sto. Antonio e N. Senhora Ap. SIM X NÃO

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 411 (Migrante de Maceió) SIM NÃO X CAT PRO OUTRAS: SIM NÃO AS VEZES: 3 2, 20, 28 SIM X NÃO SIM NÃO X QUAL: SIM NÃO X

NÃO NÃO

X (Católicos, evangélicos e espíritas) X QUAL: X

OUTRAS: ÀS VEZES:

(Membros evangélicos) QUAL:

131

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 491 SIM X NÃO CAT X PRO OUTRAS: SIM X NÃO ÀS VEZES: 1 55 SIM X NÃO SIM X NÃO QUAL: N. Senhora de Ap. SIM X NÃO

QUESTIONÁRIO 1 – Possui religião? 2 – Qual religião? 3 – Frequenta alguma Igreja? 4 – Quantas pessoas moram na casa? 5 – Quais as idades das pessoas que moram na casa? 6 – Todas as pessoas da casa são da mesma religião? 7 – Possui algum santo de devoção? 8 – Possui imagens de santo em casa?

RESIDÊNCIA – Nº 21 SIM X NÃO CAT X PRO SIM X NÃO 6 10, 20, 24, 25, 46, 47 SIM X NÃO SIM X NÃO SIM X NÃO

OUTRAS: ÀS VEZES:

QUAL: N. Senhora Ap.

132

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