Os sítios da Ribeira da Ponte da Pedra e da Fonte da Moita no contexto das mais antigas ocupações do vale do tejo

July 12, 2017 | Autor: Sara Cura | Categoria: Iberian Prehistory (Archaeology), Paleolithic Europe, Paleolítico
Share Embed


Descrição do Produto

CURA,S. ROSINA,P., GRIMALDI. S., OOSTERBEEK. L. (2013) Os sítios da Ribeira
da Ponte da Pedra e da Fonte da Moita no contexto das mais antigas
ocupações do vale do Tejo, in Identidades e Diversidade Cultural:
património arqueológico e antropológico, ed. Fundação Cultural do Piauí,
pp. 18-33

Os sítios da Ribeira da Ponte da Pedra e da Fonte da MOITA NO contexto das
mais antigas ocupações do Vale do Tejo
 
Sara Cura[1], Pierluigi Rosina[2], Stefano Grimaldi[3] e Luiz Oosterbeek[4]
 
Resumo
Os vestígios mais antigos da ocupação humana no vale do Tejo (Portugal
central) estão frequentemente associados a sítios de ar livre localizados
em terraços fluviais. Até ao momento vestígios orgânicos, nomeadamente
restos humanos e faunísticos, só foram encontrados em contextos cársicos.
Neste artigo apresentamos resumidamente os conjuntos líticos da Ribeira da
Ponte da Pedra e da Fonte da Moita, associados ao terraço fluvial médio do
rio Tejo e cronologicamente situados entre 300 000 e 175 000 anos. Estes
conjuntos caracterizam-se pela predominância de seixos talhados, suportes
corticais e não corticais, poucos núcleos e poucos artefactos bifaciais. Os
artefactos atribuíveis a lista tipo convencionais são raros, no entanto
regista-se um elevado número de suportes retocados. As características
morfotécnicas destas indústrias serão enquadradas no contexto dos
principais sítios arqueológicos do pleistocénico médio do Vale do Tejo,
sublinhando o papel adaptativo no comportamento humano para interpretar a
variabilidade morfotécnica das indústrias líticas.

Palavras-chave: Vale do Tejo (Portugal Central), Pleistocénico Médio,
Indústrias líticas




1. Ocupações humanas do Pleistocénico médio no Vale do Tejo
O vale do Tejo é a região de Portugal onde se encontram mais
vestígios de ocupação humana do Pleistocénico Médio. Os sítios surgem
maioritariamente associados aos terraços fluviais médios e em menor
quantidade às formações calcárias. Destacam-se nesta região, pela qualidade
do contexto e ou nível de informação que fornecem, os sítios na zona de
Vila Velha de Ródão, na zona de Vila Nova da Barquinha, na zona de Torres
Novas (formações cársicas junto à nascente do rio Almonda) e na zona de
Alpiarça (Figura 1).

Figura 1 - Localização dos principais sítios arqueológicos do Pleistocénico
Médio do Vale do Tejo mencionados no texto: 1 – Monte Famaco; 2 – Ribeira
da Ponte da Pedra; 3 – Fonte da Moita; 4 – Galeria Pesada; 5 – Vale do
Forno 1; 6 – Vale do Forno 8; 7 - Vale do forno 3; 8 – Samouco

Em Vila Velha de Rodão assume particular importância o sítio do Monte
Famaco. Numa coluvião no topo do terraço fluvial médio do rio Tejo foram
recolhidos mais de 1500 artefactos (G.E.P.P. 1974-1977, Raposo e Silva,
1985a;1985b). O conjunto foi dividido em duas séries com base em critérios
tipológicos e no estado físico (Raposo, 1987). A série rolada é composta
por 34 peças e foi atribuída a uma fase inicial do Acheulense médio (O
Acheulense é um dos tecnocomplexos culturais mais antigos da Europa, com
origem em África estaria plenamente disseminado na Europa desde há cerca de
400 000 anos). A segunda série de 1500 artefactos é referida como paradigma
do Acheulense Médio evoluído ou Acheulense pleno, considerando sobretudo a
morfologia dos bifaces e machados de mão e paralelos com contextos
similares na meseta espanhola (Raposo, 1987, Raposo et al., 1993). Nesta
zona foram feitos recentes estudos geomorfológicos que datam o terraço
fluvial médio, ao qual se associam os artefactos, entre 280 000 anos e 136
000 anos (Cunha et al., 2008).
Não muito longe dos sítios de ar livre na zona de Vila Nova da
Barquinha situam-se as ocupações em gruta no complexo cársico do Almonda
(Zilhão, Maurício e Souto, 1991 e 1993). Neste complexo cársico o sítio que
tem maior relevância é a Galeria Pesada (Marks et al., 1999; Marks et al.,
2002a, 2002b). No interior de depósitos altamente brechificados foram
escavadas várias unidades geológicas correlacionadas com 5 níveis
estratigráficos arqueológicos. Estes apresentam uma enorme concentração de
artefactos líticos associados a fauna diversificada. A cronologia do
Pleistocénico médio desta ocupação é corroborada pelas características da
fauna e por várias datações absolutas entre cerca de 400 000 anos e 250 000
anos (Marks et al., 2002b, Hofman et al., 2012). A Galeria Pesada é o único
contexto no Vale do Tejo desta cronologia com restos humanos. Trata-se de
um canino e um molar, ambos de mandíbula direita que apresentam semelhanças
com outros dentes identificados no Plesitocénico médio, embora não se tenha
identificado a espécie (Trinkaus et al., 2003). A indústria lítica da
Galeria Pesada é bastante singular, se por um lado contém bifaces
considerados Acheulenses (Marks et al., 2002b), destacam-se um conjunto de
peças bifaciais assimétricas, pontas bifaciais e artefactos retocados
bifacialmente cuja tipologia remete para as indústrias Micoquenses
(Keilmessergruppe) da Europa Central (O Micoquense é um tecnocomplexo
cultural cuja origem se pensa estar na Europa central em torno dos 150 000
anos). Foram identificados métodos de debitagem levallois e discóide, sendo
este último o mais recorrente.
Na região de Alpiarça os estudos remontam aos anos 40 do século XX e
resultaram na identificação de importantes sítios arqueológicos e
sequências estratigráficas (Breuil e Zbyszewski, 1945, Zbyszewski, 1946).
Entre os vários sítios identificados destacam-se o Vale do Forno 1, 3 e 8.
Estes sítios foram pesquisados desde os anos 80 e foram alvo de estudos geo-
arqueológicos, incluindo datações absolutas (Mozzi et al., 2000). Estes
identificaram duas unidades sedimentares principais do terraço médio do
Tejo: os cascalhos inferiores e as areias superiores. É nesta unidade
sedimentar que se situam os 3 sítios. A indústria lítica do Vale do Forno 1
é considerada como sendo representativa de um Acheulense não muito
evoluído, também referido como médio, com uma elevada percentagem de seixos
talhados, choppers, bifaces de manufactura pouco apurada e poucos
utensílios sobre lasca. (Mozzi et al., 2000, p.364). No Vale do Forno 8
foram escavados cerca de 3000 artefactos considerados como sendo do
Acheulense Superior. Os dados publicados referem um conjunto elaborado em
seixos rolados locais, onde as grandes lascas acheulenses que servem de
base para a fabricação de bifaces e machados de mão seriam introduzidas já
configuradas. Para além de se assinalar a presença dos large cutting tools
acheulenses, é dado destaque ao número significativo de utensilagem sobre
lasca: raspadores, denticulados, entalhes, facas de dorso, peças com
retoque abrupto e becs (Raposo, 1995, p.62). No Vale do Forno 3, também
conhecido por Milharós foram escavados 338 artefactos. Trata-se de uma
indústria essencialmente feita sobre seixos rolados de quartzito onde se
assinala a presença de seixos talhados em igual quantidade que os núcleos,
uma elevada presença de lascas.,Os utensílios diversos surgem em igual
quantidade em relação aos raspadores, contam-se 24 bifaces e 13 machados de
mão. Estes são tipologicamente simples, ao contrário dos bifaces que
apresentam formas complexas lanceloadas, sendo alguns tipologicamente
considerados Micoquenses (esta consideração porém não tem relação com o
Micoquense atrás referido, mas sim com semelhanças morfológicas dos bifaces
com outros recuperados num sítio francês chamado La Micoque, é de resto uma
atribuição cultural ambígua e que causa algumas confusões) (Raposo et al.,
1985).
O momento de ocupação humana mais antigo é representada pelo sítio de
VF1 atribuído ao Acheulense Médio, o sítio de Vale do Forno 8 é atribuído
ao Acheulense Superior e a sequência culmina representada pelo sítio do
Vale do Forno 3, que se atribui a um Acheulense superior final ou
«Micoquense». As datações de Termoluminescência e Luminescência
oprticamente estimulada (119 anos + infinito correlacionadas às indústrias
Micoquenses e 127 000 anos + infinito correlacionadas com o Acheulense
Médio) do Vale do Forno 8 (Mozzi et al, 2000), ainda que apresentem grandes
limitações, são utilizadas para suportar este modelo de evolução do
Acheulense (Raposo e Santonja, 1996; Veja Toscano et al.,1999; Raposo,
1995, 2005).


2. A Ribeira da Ponte da Pedra

O sítio da Ribeira da Ponte da Pedra, também conhecido por Ribeira da
Atalaia, situa-se na vertente da margem esquerda da ribeira da Ponte da
Pedra, tributária do Tejo, onde os depósitos fluvio-lacustres do Neogénico,
os terraços fluviais e as coluviões do quaternário, se encontram alternados
(Corral, 1998, Martins, 1999 e 2009; Martins et al., 2010; Penas dos Reis,
1998; Rosina, 2002 e 2004). A intervenção arqueológica parte de uma base de
pesquisa geo-arqueológica, sendo que ao mesmo tempo que se pretende avaliar
a correlação entre os depósitos do terraço médio e baixos e coluviões,
também se procura o estudo dos vestígios antrópicos (essencialmente
indústrias líticas) em adequação com as unidades litológicas de
proveniência (Rosina e Cura, 2010).
2.1 Estratigrafia
A escavação apresenta um desnível de mais de 10 metros e corta
distintas unidades geológicas e estratigráficas: substrato Miocénico, base
do terraço fluvial médio, topo do terraço fluvial baixo e depósitos
coluvionares de cobertura. A base do terraço fluvial médio, aqui abordado,
é formada por, pelo menos, quatro morfologias de deposição:
Uma barra,
Um canal que corta a barra;
Planície de inundação de depósitos de grãos finos;
Canais transversais com um contacto muito erosivo com o depósito de
planície de inundação
Actualmente, reconhecemos 10 unidades estratigráficas/litológicas nos
níveis do terraço fluvial médio (Rosina e Cura, 2010). A unidade litológica
47 foi datada entre cerca de 300 000 anos (Dias et al., 2009) e 175 000
anos (Martins et al., 2010). A indústria aqui apresentada é proveniente das
diversas unidades litológicas escavadas na base deste terraço.
2. Indústria lítica
Nas diferentes unidades litológicas foram recuperados cerca de 1500
artefactos, feitos sobretudo a partir de diversos seixos rolados de
quartzito, minoritariamente os seixos de quartzo também foram utilizados. A
indústria lítica é essencialmente constituída por 5 grupos principais:
seixos talhados, choppers e chopping tools (9,3%); seixos retocados (6,8%);
lascas (36,3 %); lascas retocadas (14,5%). Registamos um 5 grupo
minoritário em que se associam núcleos (2,7), artefactos bifaciais (0,3%) e
um uniface (0,1%). O restante da indústria é constituído por percutores
(0,4%), debris (2,9) e fragmentos de variados suportes (26,7 %).

Figura 2 – Indústria lítica da Ribeira da Ponte da Pedra: 1 e 2 – Seixos
Talhados; 3 a 7 – Lascas retocadas

Estes grupos podem ser interpretados como o resultado tecnológico de várias
sequências de redução, sendo uma claramente dominante: os seixos são
talhados, sobretudo unidirecionalmente, para obter lascas. A produção média
de lascas por seixo é baixa o que pode indicar uma rápida produção de
lascas com córtex de dimensões médias e sem uma morfologia pré-determinada
(Cura e Grimaldi, 2009). Esta sequência de redução está inteiramente
representada o que indica que foi produzida no sítio, o mesmo não se pode
dizer das outras sequências, em particular as sequências de redução
bifacial. Neste caso a ausência de elementos das fases iniciais da sua
produção pode sugerir que tenham sido introduzidos no sítio já elaborados.
Entre as lascas observamos uma baixa presença de lascas sem córtex, o
que pode sugerir que a alta percentagem de lascas corticais deve ser
considerada como um dos objectivos técnicos atingidos com a principal
sequência de redução. A presença de lascas e núcleos pré-determinados
sugere a presença de sequência de redução mais complexas, mas minoritárias.
Os suportes retocados são sobretudo corticais e semi-corticais, sendo
raras as lascas não corticais com retoque. Esta circunstância pode sugerir
que os suportes retocados funcionalmente pretendidos estão nesta categoria.
Estes suportes porém, com excepção de denticulados e entalhes e alguns
raspadores, não configuram utensílios das listas tipológicas convencionais
(Figura 2). Grande parte dos suportes (seixos e sobretudo lascas corticais
e semi corticais) apresenta modificações das margens que se caracteriza por
um retoque marginal e grosseiro. Os estudos experimentais e funcionais
sugerem que este retoque «informal» pode resultar de diversas modificações
intencionais das margens, mas também, da sua utilização em actividades de
subsistência, sobretudo a raspagem de matérias duras como a madeira ou
haste (Cristiani et al., 2010).

3. A Fonte da Moita
Em 1998 numa área denominada Fonte da Moita foi efectuada uma
escavação de emergência num local que iria ser destruído pela construção de
uma urbanização. Nesta zona já tinham sido identificados artefactos num
corte natural do terraço fluvial médio (Grimaldi et al., 1999).
2. Estratigrafia
No sítio da Fonte da Moita foi descrita uma sequencia estratigráfica
de cerca de 3,5 m, tendo por base um nível de argilas miocénicas e no topo
um depósito coluvionar.
Os materiais arqueológicos são maioritariamente provenientes de duas
unidades que correspondem a distintos ciclos sedimentares. Dum ponto de
vista geológico podem ser reconhecidas duas unidades principais, separadas
por um evento erosivo, correspondendo cada uma a um distinto ciclo
sedimentário. Nesta sequência foram identificadas sete unidades
sedimentares tendo sido avançada a seguinte interpretação para a 2ª unidade
(da base para o topo):
Nível 1 - Começo dos processos de sedimentação dos depósitos do terraço
Pleistocénico;
Nível 2 - Intervalo dos processos de sedimentação e exposição dos
sedimentos. Formação de um paleosolo residual (laterítico) em condições
climáticas quentes e muito húmidas;
Nível 3 - Começo de um depósito fluvial de barra ao longo das margens do
Paleo Tejo; este processo de sedimentação parou várias vezes deixando os
sedimentos expostos aos agentes atmosféricos;
Nível 4 e 5 - Fim do depósito de barra fluvial, exposição e cruzamento por
canais transversais.
Estas unidades sedimentares foram correlacionadas com os níveis
arqueológicos, assumindo relevante significado o nível arqueológico 6, uma
das «paleosuperfícies, originadas em condições climáticas quentes e
húmidas, situadas nas proximidades das antigas margens do rio Tejo, e
expostas aos agentes atmosféricos por um período de tempo cuja duração é
ainda desconhecida.» (Grimaldi et al., 2000, p. 128).
2. Indústria lítica
A escavação resultou na recolha de 2582 artefactos líticos, tendo sido
estudados todos os do sector Oeste e os provenientes do nível arqueológico
1 do sector Leste (Grimaldi et al., 1999, Duarte, 2002).
A indústria analisada foi maioritariamente produzida a partir de
seixos de quartzito de textura fina. Os artefactos têm graus de preservação
bastante variados, quer em termos de rolamento, fracturas pós-deposicionais
e alterações químicas. Os artefactos mais rolados foram recolhidos nos
níveis superiores, ao contrário daqueles que apresentam mais concreções
férreas que aumentam nos níveis inferiores, o que está relacionado com a
génese destes depósitos interpretados como paleo-superfícies.
O estudo morfotécnico dividiu a indústria lítica da Fonte da Moita em
5 grupos tipológicos principais distribuídos por 7 níveis arqueológicos:
seixos talhados (11%), lascas (16%), lascas retocadas (30%), artefactos
retocados (12%) e um último grupo minoritário que associa núcleos, picos,
bifaces, choppers e chopping tools (5%). O restante do conjunto constituído
por debris e fragmentos soma 27% do total da indústria (Figura 3).

Figura 3 – Indústria lítica do sítio da Fonte da Moita: 1 – Biface; 2
a 4 – Seixos Talhados; 5 a 8 – Lascas retocadas (Adaptado de Grimaldi et
al., 1999, p. 55-56)
Os artefactos retocados estão bastante representados na indústria da
Fonte da Moita tendo sido levantada a hipótese, com base na observação de
pequenos entalhes na superfície dorsal de seixos talhados e retocados, da
existência de um «curated system» de rejuvenescimento das margens,
coexistente com a produção recorrente de lascas. Também se regista a
uniformidade morfológica e métrica dos seixos retocados – são mais
compridos que largos e pouco espessos – em todos os níveis. Os restantes
utensílios retocados são maioritariamente raspadores, entalhes e
denticulados com retoques uniformes e sem relação evidente com a morfologia
do suporte.
O estudo morfotécnico dos artefactos provenientes dos diferentes
níveis, considerando também as remontagens identificadas, indica que
existem duas cadeias operatórias, uma para a produção de utensílios sobre
seixo, sobretudo seixos retocados, e outra para a produção de lascas. Esta
apresenta um maior nível de estandardização e é caracterizada por uma
debitagem unidireccional, maioritariamente unifacial à qual, por vezes, se
segue a extracção de uma ou duas lascas com um eixo morfológico
perpendicular.
Tomando a Fonte da Moita como exemplo, não deixamos de considerar a
influência que exerce a matéria-prima na composição morfotécnica dos
conjuntos, sendo que no caso do quartzito é frequente que, mesmo com
cadeias operatórias distintas na sua exploração, os resultados possam ser
semelhantes. Assim, apontamos para uma interpretação de índole mais
comportamental em lugar de pensar em cronologias muito recuadas, dum ponto
de vista tipológico para uma indústria onde os bifaces, machados de mão e
núcleos levallois estão praticamente ausentes. Esta interpretação não só é
suportada pela cronologia relativa do terraço fluvial médio, mas também
considerando as datações obtidas para o mesmo terraço no sítio da Ribeira
da Ponte da Pedra.
O estudo traceológico (Lemorini et al., 2001) incidiu sobre 395
artefactos provenientes do nível arqueológico 6. Entre o grupo
seleccionado, foram analisados em pormenor 48 artefactos. O estudo revelou,
respectivamente, macrotraços e microtraços. O confronto destas observações
com dados experimentais, permitiu a identificação de traços de utilização
diagnósticos em 32 artefactos, somando um total de 37 margens de
utilização. Foram trabalhados materiais resistentes e muito resistentes de
diversos tipos (por exemplo madeira fresca, húmida ou seca, madeira branda
e dura, etc.). Os microtraços permitiram mais objectividade na
identificação de trabalho de madeira (2 casos), madeira ou haste (1 caso),
pele (4 casos) e o contacto com ossos e tecidos (9 casos sugerindo
actividades de esquartejamento).





4. Variabilidade Intra-sítios no Vale do Tejo
No quadro das ocupações do vale do Tejo de um ponto de vista
tradicional os sítios aqui mencionados pertencem ao Acheulense Médio e
Final. No entanto é evidente a variabilidade ao nível das indústrias
líticas. Desde sítios com bifaces e machados de mão – Monte Famaco e Vale
do Forno 1,3 e 8 , sítios como a Galeria Pesada que tem bifaces acheulenses
e peças bifaciais assimétricas sem paralelo na Península Ibérica (Marks,
2005) e sítios como a Fonte da Moita e Ribeira da Ponte da Pedra
caracterizados por uma indústria rica em seixos talhados e com raras peças
bifaciais. Com efeito nestes dois sítios predomina uma tecnologia simples
de exploração de seixos para a produção de lascas corticais e semicorticais
que de um ponto de vista morfológico sugere um arcaísmo. No entanto, os
estudos geo-arqueológicos, as datações absolutas e a análise tecnológica
das indústrias líticas indicam que estes sítios pertencem ao Pleistocénico
Médio Final, tratando-se de indústrias onde tanto os seixos talhados como
as lascas foram utilizados de forma multifuncional na exploração de
recursos locais (Oosterbeek et al., 2010; Martins et al., 2010).
Esta variabilidade intra-sítio poderá ser explicada de diferentes
formas: diferenças de amostragem das indústrias; diferenças na cronologia,
diferenças climáticas e paleoambientais; estratégia diferenciada de
exploração dos recursos bióticos e abióticos num território diverso. Na
nossa opinião a interpretação desta variabilidade deve abandonar
perspectivas tradicionais baseadas na morfologia das indústrias e procurar
modelos de explicação desde uma perspectiva comportamental.
Sugerimos hipóteses de integração destes sítios com as principais
ocupações do Pleistocénico Médio do Vale do Tejo que passam pela hipotética
função de local de captura ou exploração (scavenging) de espécies animais
em complementaridade com a ocupação das zonas cársicas mais altas, e pela
exploração de matéria-prima nas imediações da Ribeira da Ponte da Pedra e
da Fonte da Moita, preparando suportes para a debitagem e produção de
artefactos bifaciais que seriam transportados quer para os sítios em gruta,
quer para outros sítios de ar livre no Vale do Tejo.


Agradecimentos
Queremos agradecer a Willian Carboni pelo tratamento das imagens.

Bibliografia

Breuil, H., Zbyszewski, G. (1945) - Contribution à l´étude des industries
Paléolithiques du Portugal et de leurs rapports avec la géologie du
Quaternaire. Les principaux gisements des plages quaternaires du littoral
d´Estremadura et des terrasses fluviales de la basse vallée du Tage. Com.
dos Serv. Geol. de Portugal, XXVI. Lisboa, p.678
CORRAL FERNANDEZ, I. (1998) - Depositos cuaternáios en el Área de
Constância- Barquinha-Entroncamento y la Riba. Del Bezelga, Quaternário e
Pré-História do Alto Ribatejo (Portugal), In: CRUZ A.R. OOSTERBEEK -
Territorios Mobilidade e povoamento no Alto Ribatejo. ARKEOS. 4,. p. 59-
144.
Cristiani, E., Cura, S., Grimaldi, S., Gomes, J., Oosterbeek, L. Rosina,
P., (2010) - Functional analysis and experimental archaeology: the Middle
Pleistocene site of Ribeira da Atalaia, (Central Portugal). In: Proceedings
of the workshop on "Recent Functional Studies on Non-Flint Stone Tools,
Methodological Improvements and Archaeological Inferences",23-25 May 2008
Lisbon, Ed. Araújo, M & Conte, I. em linha : http://www.workshop-
traceologia-lisboa2008.com/ ISBN 978-989-20-1804-1
CUNHA, P.P.; MARTINS, A.A.; HUOT, S.; MURRAY, A.; RAPOSO, L. (2008) -
'Dating the Tejo River lower terraces in the Ródão area (Portugal) to
assess the role of tectonics and uplift.' Special Issue of "Geomorphology"
(Impact of Active Tectonics and Uplift on Fluvial Landscapes and River
Valley Development) P. G. Silva, F.A. Audemard & A. E. Mather (Editors).
Geomorphology, 102, p.43-54.
Cura, S.; Grimaldi, S. (2009) – The intensive quartzite exploitation in
Midlle Tagus Valley Pleistocene open air sites – the example of Ribeira da
Ponte da Pedra. In Grimaldi, S., Cura, S., eds.- Technological Analysis on
Quartzite Exploitation, Proceedings of the XV World Congress UISPP (Lisbon,
4-9 September 2006). Oxford: Archaeopress [BAR International Series 1998]
pp. 49-56.
Dias, M. I., Prudêncio, M. I., Franco, D., Cura, S., Grimaldi, S.,
Oosterbeek, L., Rosina, P. (2009) - Luminescence dating of a fluvial
deposit sequence: Ribeira da Ponte da Pedra – Middle Tagus Valley,
Portugal, in Dias, M. I., Prudêncio, M. I. (Eds.), Archaeometry –
Proceedings of the XV UISPP Congress. British Archaeological Reports,
Oxford, International Series, p. 103– 113.
DUARTE, A. (2002) - Contribuittion a l´étude de líndustrie de Fonte da
Moita (Vila Nova da Barquinha, Alto Ribatejo, Portugal), In Territórios,
Mobilidade e Povoamento no Alto Ribatejo IV Complexos Macrolíticos, Arkeos,
13, pp. 53-110.
G.E.P.P. (1974-1977) - O estudo do paleolítico da área do Ródão. O
Arqueólogo Português, 3ª série, 7-9, p.31- 47.
Grimaldi, S.; Rosina, P.; Boton Garcia, F. (1999) – A behavioral
perspective on "archaic" lithic morphologies in Portugal: the case of Fonte
da Moita open air site. Journal of Iberian Archaeology. 1, pp. 33-57.
GRIMALDI, S.; ROSINA, P.; BOTON, F. (2000) – Um sítio ao ar livre do
Pleistoceno médio no Alto Ribatejo (Portugal): Fonte da Moita. In
Paleolítico da Península Ibérica. Acta do 3º Congresso de Arqueologia
Peninsular. ADECAP. 2, pp.123-136.
HOFMAN, D. L.; PIKE, A. W. G; WAINER, K.; ZILHÃO, J. (2012) – New U-series
results for the speleogenesis and the Palaeolithic archaeology of the
Almonda karstic system (Torres Novas, Portugal). Quaternary International.
doi:10.1016/j.quaint.2012.05.027
Lemorini, C., Grimaldi, S., Rosina, P. (2001) - Observações funcionais e
tecnológicas num habitat Paleolítico: Fonte da Moita (Portugal central).
In: Cruz A.R., Oosterbeek L. (Eds.), Territórios, mobilidade e povoamento
no Alto-Ribatejo. II: Santa Cita e o Quaternário da região. CEIPHAR, Tomar,
Arkeos 11, p.117-140.
Marks, A.E., Monigal, K., Chabai, V., (1999) - Report on the Initial
Excavations of Brecha das Lascas and Galeria Pesada (Almonda, Portuguese
Estremadura). Journal of Iberian Archaeology, 1, p.237-250.
Marks, A.E., Brugal, J.Ph., Chabai, V.P., Monigal, K., Goldeberg,P.,
Hockett, B., Pemán, E., Elorza, M., Mallol, C. (2002a) - Le gisement
Plèistocène moyen de Galeria Pesada, (Estrémadure, Portugal): premiers
résultats. Paléo 14, p.77–100.
Marks A. E., Monigal, K., Chabai, V.P., Brugal, J.Ph, Goldeberg,P.,
Hockett, B., Pemán, E., Elorza, M., Mallol,C. (2002b) - Excavations at the
Middle Pleistocene Cave Site of Galeria Pesada, Portuguese Estremadura:
1997-1999. O Arqueólogo Português, Série IV, 20, p. 7-38.
Marks, A.E., (2005) Micoquian Elements in the Portuguese Middle Pleistocene
Assemblages from the Galeria Pesada, in Ferreira Bicho N. (Ed.), O
Paleolítico: Actas do IV Congresso de Arqueologia Peninsular, Centro de
Estudos de Património, Universidade do Algarve, 195-200
Martins A., 1999, Caracterizacão Morfotectónica e Morfossedimentar da Bacia
do Baixo Tejo, Pliocénico e Quaternário, Tese de Doutoramento, Universidade
de Évora, 500 p.
MARTINS, A. A., CUNHA, P.P., HUOT, S., MURRAY, A., BUYLAERT, J.P. (2009) -
Geomorphological correlation of the tectonically displaced Tejo river
terraces (Gavião-Chamusca area, Portugal) supported by luminescence dating.
Quaternary International. 199. p. 75–91.
MARTINS, A. A., CUNHA, P. P., ROSINA, P., OOSTERBEEK, L., CURA, S.,
GRIMALDI, S., GOMES, J., BUYLAERT, J.-P., MURRAY, A.S., MATOS, J. (2010) -
Geoarcheology of Pleistocene open-air sites in the Vila Nova da Barquinha -
Santa Cita area (lower Tejo river basin, central Portugal). Proceedings of
the Geologists Association, Elsevier Science Publishers. 121, p.128 – 140.
MOZZI, P. (1998) - Evoluzione Geomorfologica della bassa valle del fiume
Nabão. In: Cruz, A.R. Oosterbeek, L. Pena dos Reis, R.- "Quaternário e Pré-
História do Alto Ribatejo (Portugal)", Arkeos 4. Tomar, CEIPHAR. p. 37-58.
MOZZI, P. , AZEVEDO, M. T., NUNES, E. E RAPOSO, L. (2000) - Middle Terrace
Deposits of the Tagus River in Alpiarça, Portugal, in relation to Early
Human Occupation, in Quaternary Research 54, p. 359 – 371.
Oosterbeek L., Grimaldi S., Rosina P., Cura S., Cunha P. P., Martins A .A.
(2010) The earliest Pleistocene archaeological sites in western Iberia:
Present evidence and research prospects, Quaternary International,
doi:10.1016/j.quaint.2010.01.024
PENA DOS REIS, R (1998) – Estratigrafia e Controlos Deposicionais dos
terraços fluviais quaternários na região de Tomar-Entroncamento In: CRUZ
A.R. OOSTERBEEK - Territorios Mobilidade e povoamento no Alto Ribatejo.
ARKEOS. 4,. p. 21-35.
RAPOSO, L. ; SILVA, A. C. (1985a) - A campanha de escavações de 1982 no
Monte Famaco, Informação Arqueológica. Lisboa. 5, p.67-68.
RAPOSO, L. ; SILVA, A. C. (1985b) - A campanha de escavações de 1983 no
Monte Famaco, Informação Arqueológica. Lisboa. 5, p.70.
RAPOSO , L. CARREIRA, J. SALVADOR, M. (1985) - A estação de Acheulense
final de Milharós, Vale de Forno, Alpiarça, Actas da 1ª Reunião do
Quaternário Ibérico 2, Lisboa, p. 41-60
Raposo, L., (1987) Os mais antigos vestígios de ocupação humana paleolítica
na região de Ródão. In Da Pré-História à História, homenagem a O. Veiga
Ferreira. Editorial Delta, p. 153 – 178.
Raposo, L, Salvador, M. & Pereira, J.P. (1993) - O Acheulense no Vale do
Tejo, em território português. In Arqueologia & História, Série X, Vol.3,
p. 3 -29.
Raposo, L. (1995) - «Ambiente, territórios y subsistência en el Paleolítico
Medio de Portugal, Complutum, 6, Madrid, p. 57-77
Raposo, L., Santonja, M. (1996) - The earliest occupation of Europe: the
Iberian Peninsula. In: Roebroeks, W., van Kolfschoten, T. (Eds.), The
earliest occupation of Europe. University of Leiden, p. 7-25.
RAPOSO, L. (2005) - Algumas questões acerca da ocupação humana do
Paleolítico Inferior e Médio na zona do estuário do Tejo, in Actas do I
Seminário Pelontologia e Arqueologia do Estuário do Tejo, Edições Colibri,
p. 43-61.
ROSINA, P. (2002) - Stratigraphie et Géomorphologie des terrasses
fluviatiles de la Moyenne Vallée du Tage (Haut Ribatejo – Portugal), In:
Cruz, A. R., Oosterbeek, L. (coord.), Territórios, mobilidade e povoamento
no Alto-Ribatejo. IV- Contextos macrolíticos, Arkeos 13, CEIPHAR - Centro
Europeu de Investigação da Pré-História do Alto Ribatejo. Tomar. Pp. 11-52.
ROSINA, P. (2004) - I depositi quaternari nella Media Valle del Tago (Alto
Ribatejo, Portogallo centrale) e le industrie litiche associate. Tese de
Doutoramento Universidade de Ferrara. p.204
Rosina, P., Cura, S. (2009) - Indústrias líticas e crono-estratigrafia das
escavações do Paleolítico do Alto Ribatejo. In Acta da Jornadas de
Arqueologia do Vale do Tejo em território português, 3-6 Abril de 2008,
Sacavém-Loures - Portugal, p.143-158.
ROSINA, P., CURA, S (2010) - Interpretation of lithic remains in fluvial
terrace contexts: an example from Central Portugal, in Annales d'Úniversité
Valahia, Targoviste, Section d´Archeologie et d´Histoire,Tome XII, Numero
1, Roménia, p. 7-24
Rosina, P., Oosterbeek, L., CURA, S., GOMES, H., CARRONDO, J., CURA, P.,
GOMES, J. (2009) - Análise Sedimentológica dos Depósitos Coluvionares do
Sitio Arqueológico da Ribeira da Atalaia. Contribuição para uma
interprtação Geoarqueológica. In Actas da VII Reunião do Quaternário
Ibérico. O Futuro do ambiente da Península Ibérica: as lições do passado
geológico recente. p. 215 - 218.
Trinkaus, E.; Marks, A.E.; Brugal, J-P.; Bailey, S.E.; Rink, W. J.;
Richter, D., (2003) - Later Middle Pleistocene human remains from the
Almonda Karstic system, Torres Novas, Portugal. Journal of Human Evolution.
45, 219–226.
VEGA TOSCANO, L. G, RAPOSO, L. e SANTOJA (1999) - Environments and
settlement in the middle Paleolithic of the Iberian Península, in The
Middle Occupattion of Europe, Wil Roebroeks e Clive Gamble Eds, p. 23-48.
Zbyszewski, G., (1946) - Étude géologique de la region d'Alpiarça.
Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, XXVII, p.145-268.
ZILHÃO, J.; MAURÍCIO, J.; SOUTO, P. (1991) - A Arqueologia da Gruta do
Almonda (Torres Novas) Resultados das escavações de 1988-89. In Actas das
IV Jornadas Arqueológicas, Associação dosArqueológos Portugueses, p.161-
171.
ZILHÃO, J.; MAURÍCIO, J.; SOUTO, P. (1993) – Jazidas arqueológicas do
sistema cársico da nascente do Almonda, Nova Augusta, 7, Torres Novas, p.
35-54.


-----------------------
[1] Arqueóloga, Mestre, Instituto Terra e Memória/Museu de Arte Pré-
Histórica de Mação, [email protected]
[2] Geólogo, Doutor, Instituto Politécnico de Tomar, [email protected]
[3] Arqueólogo, Doutor, Universitá degli Studi di Trento,
[email protected]
[4] Arqueólogo, Doutor, Instituto Politécnico de Tomar, [email protected]
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.