Os sons das cidades extraordinárias de \"Castro\" (Alejo Moguillansky, 2009) e \"Luz nas trevas – a volta do Bandido da Luz Vermelha\" (Helena Ignez e Ícaro Martins, 2010)

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TERCER COLOQUIO UNIVERSITARIO DE ANÁLISIS CINEMATOGRÁFICO

25, 26, 27 de septiembre de 2013

CIUDAD UNIVERSITARIA MÉXICO DF      

Os sons das cidades extraordinárias de Castro (Alejo Moguillansky, 2009) e Luz nas trevas – a volta do Bandido da Luz Vermelha (Helena Ignez e Ícaro Martins, 2010) Por: Natalia Christofoletti Barrenhai

No filme argentino Castro (Alejo Moguillansky, 2009), o protagonista, Castro, “ontologicamente foge”, como afirma o diretor em entrevista à revista Escribiendo Cine (PANESSI, 2009). Atrás dele vão vários outros personagens, e o filme se estrutura como uma grande perseguição, sobre a qual não sabemos absolutamente nada: nem quem são ou por que se perseguem. Nada disso importa: o importante é que perseguem a alguém, e são os recorridos desenhados nesses trajetos que geram o longa-metragem. Sendo a perseguição o centro da ação, a circulação pelas ruas é fundamental e inevitável, transformando-as em mediadoras das vidas em jogo: a cidade e o destino que os personagens podem ter estão fortemente intrincados. Da mesma maneira, Luz nas trevas – a volta do Bandido da Luz Vermelha (Helena Ignez e Ícaro Martins, 2010) é regido pelas buscas, fugas e deambulações de seus atores. Retomando O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, 1968), Luz nas trevas não se propõe apenas como uma continuação do “faroeste sobre o Terceiro Mundo” de 1968, mas uma reinvenção da trajetória de seu protagonista, que vive em um presídio de segurança máxima enquanto seu filho, Tudo ou Nada, repete os dias de glória do pai espalhando terror pela sociedade burguesa. Se o Bandido está enclausurado junto a suas reflexões amargas, seu descendente ocupa desde residências alheias até os becos da cidade, permitindo a (re)volta daquela figura que barbarizava a metrópole.

 

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Assim, em ambos os filmes, a cidade é mobilizada não apenas como cenário ou palco onde se desenrolam os acontecimentos da trama, mas como um personagem que interage com os demais por meio de seus itinerários e esconderijos, suas luzes e sombras, vazios e multidões, sons e silêncios. Dessa forma, buscamos analisar a maneira como esses filmes constituem as relações entre os personagens e o espaço urbano, as possibilidades de apropriação e representação do mesmo, identificando os modos de filmar e escutar a cidade quando esta surge como personagem do conflito, com especial atenção às potências narrativas derivadas da trilha sonora.ii Castro e Luz nas trevas apropriam-se do espaço urbano para desenvolver as histórias de seus anti-heróis trágicos: Castro e Tudo ou Nada, respectivamente. Ambos os filmes privilegiam a fisicalidade da ação em detrimento da investigação psicológica de seus personagens, ativando tramas cuja mise en scène delineia-se através de recorridos frenéticos por duas grandes metrópoles latino-americanas: Buenos Aires e São Paulo.iii Tais cidades não são identificadas através da exposição de lugares emblemáticos, e sim por meio da fala dos personagens e de locais que não se constituem como ícones dessas metrópoles, mas são plenamente reconhecíveis por seus habitantes como integrantes de suas paisagens: em Castro, a estação de trens de Constitución, as saídas do metrô portenho, os táxis de cor preta e amarela, o bairro comercial do Once e o estádio do Club Atlético Huracán; em Luz nas trevas, o Teatro Municipal, o Viaduto do Chá, o Parque da Luz e o Minhocão. Os personagens do filme argentino se movem especialmente pelo sul de Buenos Aires, região mais antiga e empobrecida da cidade e que concentra construções decadentes e de tempos passados, as quais se juntam a carros de diversas épocas e a um vestuário atual que dão um ar atemporal à narrativa. Do mesmo modo, o design de produção (como a câmera Super 8 e o Galaxie do protagonista) e os figurinos de Luz

 

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nas trevas remetem aos anos 1960 e 1970, mesclando-se naturalmente a automóveis pós-2000, celulares, DVDs e tevês de tela plana, enquanto os trânsitos se dão entre casas modernistas, outras aristocráticas, e a Boca do Lixo.iv Além do amálgama de épocas que elaboram esses universos anacrônicos – oferecendo, assim, cidades extraordinárias que não encontramos no cotidiano –, temos um amálgama de textos que constroem os longas e podem ser considerados muito mais que simples referências. Essa maneira de estruturar os filmes – e os espaços que eles representam – será notadamente desenvolvida por suas trilhas sonoras. * Na produção de Alejo Moguillansky, o protagonista, Castro, não faz outra coisa que não seja fugir, arquitetando a história de seus múltiplos desterros, até chegar ao desterro definitivo. Parte-se de um mecanismo básico do filme policial – alguém foge e outros o perseguem – para logo abandonar este gênero e dialogar com o Teatro do Absurdo ao inspirar-se ligeiramente em Murphy (1958), primeiro romance de Samuel Beckett cujo espírito habita e sobrevoa Castro, além de doar alguns personagens ao mesmo: apresenta-se o retrato melancólico de um homem que aspira viver plenamente sua liberdade e seu amor por Celia, temendo perdê-las caso consiga um emprego (já que “ganhar a vida é o mesmo que desperdiçá-la”, conforme o ditado do personagem). Castro é, ainda, caçado por uma série de pessoas que nunca esclarecem suas motivações, as quais acabam perdendo importância, fazendo com que o formal emerja com força sobre o conteúdo. Nessa busca pela fisicalidade, destaca-se o diálogo que o filme estabelece com a dança contemporâneav e, também, com antigos slapsticks. Assim, o filme faz uso de elementos habituais (situações banais, frases feitas, movimentos cômicos) e insólitos (construções verbais aparentemente sem sentido, gestual mecânico repetido incessantemente, ações sem causa aparente) para criar

 

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universos estranhos, reforçados pelos cenários excêntricos dessa cidade abstrata, como comenta Esteban Dipaola:

Castro é um filme urbano; as ruas de Buenos Aires e de La Plata são mostradas em uma abstração que, no entanto, expressa todo o movimento e o fluir de seus lugares. Os meios de transporte (ônibus, trens, carros) abrem espaço às condições de traslado e de persecução, a partir das quais se organiza uma trama de corridas e fugas. Trata-se de uma sorte de running movie, no qual tudo o que se pode fazer é correr, escapar, transitar (DIPAOLA, 2009: 14). A paisagem sonoravi da metrópole de Castro é similar à de qualquer outra grande urbe, com ruídos de motores de carros e buzinas. Ouvimos constantemente a campainha do trem, sinalizando que Castro e Celia estão hospedados perto de uma estação. Porém, a onipresença desses sons nunca se choca com os ruídos específicos de cada cena, na maior parte das vezes anti-naturalistas tanto em suas características quanto em seus volumes: o movimento dos faróis do carro ao abaixar e levantar e a porta automática do hospital, para citar alguns exemplos, emitem sons tão irreais que a câmera é forçada a enquadrá-los, já que em off nunca reconheceríamos a fonte de tais ruídos. Esse recurso, onde o plano fixo mostra apenas uma agitação ou objeto, logra criar um efeito cômico que acompanha os deslocamentos coreografados.vii Assim, busca-se um fluir agradável, no qual os sons estão acoplados uns aos outros de maneira coesa, em uma cidade que não oferece obstáculos às corridas bailadas dos personagens. Uma música extra-diegética está imbricada nesse fluir: um leitmotiv tocado apenas no piano se conecta com a agonia de Castro, e sofre variações para acompanhar às perseguições. Sempre que uma nova ação for encenada, essa música andante aliar-seá aos movimentos, cessando assim que a sequência finalizar, e organizando o filme em

 

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uma série de pequenos números,viii cujo looping remete a um timing ensaiado e cômico entre o chaplinesco e o circense.ix Esses trejeitos robóticos, somados ao ritmo desenfreado, transformam os personagens em marionetes que seguem ordens e nunca refletem sobre o que estão fazendo. O tom monocórdico das falas potencializa esse aspecto de todos que rodeiam Castro,x o único que se altera, grita e é capaz de pensar (sempre em off), devido à ânsia pela escapatória das exigências do mundo. Esse desejo do protagonista não é esperado por ele de forma morosa e interminável, mas é uma corrida desesperada e frenética, seguida de maneira automática pelos outros personagens, pelos objetos, pela dinâmica da cidade. Todo esse trânsito, contudo, devém em imobilidade, já que essa inércia impede os personagens de fazerem qualquer outra coisa que não seja correr. Quando Castro deixa de correr, a comédia se transforma em tragédia. * Luz nas trevas se inicia com a revelação daquilo que o Bandido considera uma tragédia: ele não se suicidou como no filme de 1968 – ele está preso, o que, em sua opinião, é pior que a morte. Temos um novo intérprete,xi e também um novo personagem, transformado pelos anos de cadeia, reflexivo, que não se rende à veia paródica que contaminava tudo em O Bandido da Luz Vermelha. Paralelamente, temos as peripécias de Jorge Bronze: descobrindo-se filho do “homem mais injustiçado do país”, muda seu nome para Tudo ou Nada e retoma o ciclo de aventuras do Bandido (não aquele que está encarcerado, mas aquele que protagoniza O Bandido da Luz Vermelha). O filme de 2010 reconhece a existência do filme de 1968 em seu próprio universo diegético e dialoga com ele: com uma estrutura antropofágica e fragmentária,

 

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recupera os travellings circulares, zooms abruptos, câmera na mão, planos curtos, além do humor ácido e atores secundários que reconhecem seus personagens como estereótipos, investindo em performances absurdas e caricatas.xii Ademais, a cidade que Tudo ou Nada encontra não diverge nada daquela estremecida pelo Bandido: uma metrópole que vive nas trevas, violenta e caótica. Esse cenário de apocalipse urbano, onde só se circula pela noite,xiii mescla desde o sinistro até a aventura policial, a comédia, o trash, o escracho e, inclusive, o romance. Enquanto o Bandido vive filosofando em off ou em voz alta no silêncio de sua cela (que parece estar isolada acusticamente do mundo, sendo possível ouvir apenas o burburinho dos outros presos), a cidade é tomada por um collage não apenas de imagens, mas, especialmente, de ruídos e músicas: as onipresentes sirenes, os tiros dos policiais (alterados como se saíssem de um bang bang) e fragmentos de outros filmes – além do próprio O Bandido da Luz Vermelha, ouvimos trechos de Acossado (À bout de souffle, 1960) e O demônio das onze horas (Pierrot le fou, 1965), ambos de Jean-Luc Godard, afora muitos outros que não conseguimos identificar, como uma aventura em Marrakesh – se misturam a canções de Jimi Hendrix, Jorge Ben Jor, ao rap e à trilha original de Lanny Gordin. Podemos notar alguns padrões – como a inserção de Gilberto Gil nas cenas de amor entre Tudo ou Nada e Janete Jane, ou de temas de candomblé (uma referência a Terra em transe, longa de Glauber Rocha de 1967, que já aparecia em O Bandido da Luz Vermelha) quando Tudo ou Nada passa por uma espécie de epifania que devém em renascimento (ao descobrir quem é seu pai, ao surgir das chamas que consomem o presídio) –, mas o que rege o filme é uma montagem anárquica, na qual a trilha sonora retalhada e convulsa flerta intimamente com o espaço urbano desvairado. Uma locução se junta a esse aglomerado sonoro: uma voz masculina e outra feminina, oniscientes, compartilham detalhes com o público, sendo ignoradas pelos

 

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personagens. Tais vozes não possuem o tom de paródia de programa policial de rádio popular que aparecia no filme de 1968, mas atualiza esse procedimento, fazendo com que a narração deboche dos comentaristas de qualquer coisa que pululam nos dias de hoje: proferem opiniões baseadas no senso comum, julgam de maneira rasa e investem no sensacionalismo.xiv Essa babel sonora arrasta o espectador (quem vai absorvendo tudo para não correr o risco de ficar para trás) e os personagens, os quais vivem no momento presente, em ritmo acelerado. Tudo ou Nada cumpre seu profético destino trágico, substituindo, mais uma vez, o pai. Este, após sua ausência da cidade selvagem, despede-se dela e de sua noite eterna para partir para o interior, onde há dia e ele pode deixar de ser o Bandido da Luz Vermelha, transformando-se em Luz. * Castro e Luz nas trevas constroem uma Buenos Aires e uma São Paulo que não correspondem às cidades que vivem o tempo do trabalho, do lazer ou da rotina, mas urbes de tempo indefinido – sejam os dias acelerados do filme argentino, sejam as trevas dilatadas (da noite ou da cadeia) do longa brasileiro. Em Castro, temos um espaço abstrato onde os personagens desfilam suas acrobacias ensaiadas enquanto circulam sem um propósito definido, moldando a cidade como um fluxo, acompanhado por um letmotiv no piano e gags sonoras que se unem harmonicamente a este trânsito. No caso de Luz nas trevas, a cidade desenha-se apocalítica, habitada por caricaturas de mocinhos e bandidos, compondo uma farsa exacerbada que se mistura e confunde com a crueldade do ambiente, tomado por uma montagem sonora febril e vertiginosa.

 

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Os trajetos dos personagens de ambas as produções são conduzidos por essas cidades extraordinárias, cujas paisagens sonoras também fogem do comum, destacandose pelas relações que entabulam com outros universos e textos.

Referências bibliográficas:

ALVIM, Luíza Beatriz Amorim Melo. “Paisagens sonoras de Robert Bresson: Uma análise a partir dos conceitos de Murray Schafer”. Ciberlegenda – Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Volume 1, número 24: Sonoridades no Cinema e no Audiovisual, 2011. Disponível em: http://www.uff.br/ciberlegenda/ojs/index.php/revista/article/view/383/245.

BECKETT, Samuel. Murphy. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

BRESSON, Robert. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2005.

CHION, Michel. La audiovisión. Barcelona: Paidós, 1993.

DIPAOLA, Esteban. “Todo se mueve: recorridos y complots en los films Castro y Todos mienten”. Actas 5ª Jornadas de Jóvenes Investigadores, realizadas pelo Instituto de Investigaciones Gino Germani da Facultad de Ciencias Sociales – Universidad de Buenos Aires entre 04 e 06 de novembro/2009. Disponível em: http://webiigg.sociales.uba.ar/iigg/jovenes_investigadores/5jornadasjovenes/EJE4/Mesa %201/Dipaola.pdf.

 

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PANESSI, Hernán. “Todos quieren a Castro. Entrevista a Alejo Moguillansky”. Escribiendo

Cine.

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setembro/2009.

Disponível

em:

http://www.escribiendocine.com/entrevista/0000301-alejo-moguillansky-todos-quieren-acastro/.

SCHAFER, Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado mais negligenciado do nosso ambiente – a paisagem sonora. São Paulo: Editora da UNESP, 2001.     TAKAYAMA, Luiz Roberto. Filmas as sensações. Cinema e pintura na obra de Robert Bresson. Tese de Doutorado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo, 2012. Disponível

em:

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-11122012-

100719/pt-br.php.

XAVIER, Ismail. “Notas sobre Luz nas trevas”. Cine Cachoeira – Revista de Cinema da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Dossiê Helena Ignez. Ano II, número 04,

novembro/2012.

Disponível

em:

http://www.ufrb.edu.br/cinecachoeira/2012/11/notas-sobre-luz-nas-trevas/.

                                                                                                                Notas *Gostaríamos de agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Multimeios pelo apoio financeiro para participação no III Coloquio Universitario de Análisis Cinematográfico. i

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Multimeios (Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP), no qual desenvolve um projeto sobre a representação do espaço urbano no cinema argentino contemporâneo com apoio CAPES/CNPq. Mestre pelo mesmo Programa com a

 

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                                                                                                                dissertação A experiência do cinema de Lucrecia Martel: resíduos do tempo e sons à beira da piscina (no prelo pela Alameda Editorial e FAPESP). Integrante do Centro de Investigación y Nuevos Estudios sobre Cine – CIyNE (ligado à Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires – UBA) e do grupo de estudos Cinema latino-americano e vanguardas artísticas: diálogos entre construção, expressão e espacialidade (vinculado à Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP). Membro do corpo editorial de Imagofagia – Revista de la Asociación Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual (AsAECA). E-mail: [email protected]. ii

Quando falamos em trilha sonora, consideramos os ruídos, as vozes e a música.

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Além disso, temos, nos primeiros minutos de Castro, a localização da ação na cidade de La Plata (situada a 60 quilômetros de Buenos Aires) e, em Luz nas trevas, uma sequência em um município litorâneo. Entretanto, pretendemos nos debruçar especialmente sobre Buenos Aires e São Paulo, onde os enredos se centram.

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A Boca do Lixo, no bairro da Luz, região central de São Paulo, concentrava, nos anos 1960, a prostituição e o crime, sendo um local de referência das atividades ilícitas na capital paulista – possuindo, inclusive, certo glamour devido às histórias fascinantes de uma marginália romântica. No fim dessa década e início dos 1970, a Boca do Lixo abrigou um dos maiores polos de produção cinematográfica do país, por onde passaram inúmeros grandes nomes do cinema brasileiro, entre eles Carlos Reichenbach, Walter Hugo Khouri, José Mojica Marins e Cláudio Cunha, entre muitos outros. Nos anos 1990, a região ganhou a alcunha de Cracolândia, caracterizando-se mais pela concentração de usuários de drogas e moradores de rua que pelo crime. A Boca, hoje, é um aglomerado de prédios antigos e deteriorados, cortiços e algumas casas de prostituição, que convivem com intensa atividade comercial durante o dia, além de ser um local de passagem movimentado devido às estações de trem e metrô.

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Nos créditos, podemos notar a presença de uma coreógrafa, Luciana Acuña. Em entrevistas com o diretor, é enfática a importância que ele dá à Luciana para a concepção da mise en scène.

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A noção de som ambiente, de Michel Chion (1993), tem definição muito próxima à de paisagem sonora, de Murray Schafer (2001). Ambos os conceitos se referem aos sons que compõem um ambiente acústico em determinado local, caracterizando-o. A diferença é que Chion versa especificamente sobre a construção sonora audiovisual, remetendo-se aos sons que rodeiam a cena e habitam seu espaço, enquanto Schafer refere-se ao mundo real (porém, observando que também é possível utilizar o termo em relação a paisagens sonoras fabricadas, como composições musicais e programas de rádio. Ele não se refere ao cinema em seus estudos, mas considera o seu projeto acústico como uma interdisciplina). Como explica Luíza Beatriz Alvim, Schafer, ao buscar um sistema de classificação das paisagens sonoras, “categoriza como seus principais temas: o som fundamental, ou seja, um som básico de ancoragem de um ambiente (como os sons da água, do vento, dos pássaros, insetos e outros animais, sons que muitas vezes não são ouvidos conscientemente), como se fosse a ‘tonalidade’ musical do ambiente, em torno da qual o material à sua volta pode ‘modular’; o sinal, ou seja, um som destacado, ouvido conscientemente, para o qual a atenção é direcionada (Schafer dá como exemplos os ‘avisos acústicos’, como sinos, apitos, buzinas, sirenes); a marca sonora, um som característico de um determinado lugar e que seja particularmente notado pelo povo daquele local” (2011: 02).

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Apesar de o movimento ser central no filme, ele é maiormente interno ao plano, com raras utilizações de câmera na mão ou de planos sequências. Ao dispensar a câmera na mão, Moguillansky renuncia a uma característica significativa da estética documental, potencializando a dimensão fantástica do filme.

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Castro é composto por uma série de capítulos, o que lhe dá certa aura literária. Tal disposição é feita através de intertítulos (com frases de diálogos anteriores ou que estão por vir) cujo aspecto (tela negra, letras em branco, dizeres centralizados) reproduz as cartelas informativas dos filmes silenciosos (conectando o filme, mais uma vez, aos antigos slapsticks). Contudo, a divisão nesses capítulos é aleatória, sendo os “números musicais” os reais organizadores da narrativa.

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Temos um looping não apenas da música, mas também das ações. Porém, as repetições não truncam o desenvolvimento do filme, e sim originam a mobilidade na qual o mesmo se funda.

 

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Poderíamos associar a inexpressividade dos diálogos de Castro à dicção neutra e impessoal que Robert Bresson impunha a seus atores, a qual se convencionou classificar como voz branca. Porém, pensamos que Moguillansky não explora o mesmo efeito que Bresson, quem buscava a expressividade desnudandoa para encontrar a autenticidade, como podemos ver em suas Notas do cinematógrafo: “Modelo. Jogado na ação física, sua voz, começando com sílabas iguais, capta automaticamente as inflexões e as modulações próprias de sua verdadeira natureza” (2005: 36). Luiz Roberto Takayama, que dedica um capítulo de sua tese de Doutorado à voz na obra do cineasta francês, nos ajuda a entender esse processo: “No caso específico da voz, a expressão não é alcançada através da entonação teatral a pontuar cada sílaba, mas pela relação entre elas, devidamente equalizadas. (...) Assim, através da repetição exaustiva de uma dicção ‘aplainada’, até se chegar a um automatismo da fala, acaba-se por revelar, segundo Bresson, a verdadeira voz dos modelos, com variações de velocidades e tons bastante sutis, mas de nenhuma forma ‘monótona’ e inexpressiva” (2012: 65). Em Castro, percebemos a neutralidade das vozes como mais um aspecto a reforçar a mecanicidade dos personagens e o amontoado esquizoide de ações físicas.

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O cantor Ney Matogrosso faz o papel do Bandido, desempenhado no filme de 1968 por Paulo Villaça (falecido em 1992).   xii Podemos citar, especialmente, o delegado Cabeção, interpretado pelo cantor Arrigo Barnabé – quem, como comenta Ismail Xavier (2012), conduz as ações da polícia como se estivesse no imaginário de Clara Crocodilo ou dos Tubarões voadores. xiii

Em Castro, ao contrário, a noite não existe, apenas o dia.

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A voz feminina da locução é de Helena Ignez, diretora do filme, quem também faz um pequeno papel como Madame Zero, ex-amante do Bandido e agente intergaláctica. Helena ainda interpretou a prostituta amante do Bandido de 1968, também chamada Janete Jane (mas com características muito diferentes da Janete Jane de 2010). A atriz foi musa do Cinema Marginal, do qual O Bandido da Luz Vermelha é considerado uma espécie de manifesto. Assim, podemos pensar que a presença frequente de sua voz – imediatamente reconhecível – em Luz nas trevas é mais uma camada, não-aleatória, das referências e diálogos que o filme constrói. Refletimos nesse mesmo sentido sobre a escolha do cantor Ney Matogrosso para encarnar o Bandido contemporâneo.  

 

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