Os Testemunhos das Vítimas e o Diálogo Transgeracional - o lugar do testemunho na transição pós ditadura civil-militar brasileira

September 27, 2017 | Autor: J. Moreira da Sil... | Categoria: Transitional Justice, Justiça De Transição, Justiça De Transição No Brasil
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OS TESTEMUNHOS DAS VÍTIMAS E O DIÁLOGO TRANSGERACIONAL - o lugar do testemunho na transição pós ditadura civil-militar brasileira



Roberta Cunha de Oliveira José Carlos Moreira da Silva Filho



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1. Introdução A nossa capacidade para narrar histórias, foi o que permitiu que tivéssemos uma memória dos acontecimentos passados. Neste sentido, os efeitos das narrativas, por sua oralidade e transmissão da experiência tendem a perpetuarem-se no tempo, atravessando gerações1. Ou seja, já em sua visão mais ampla, a narrativa contribui originária e significativamente para a construção de memórias em uma coletividade. Entretanto, há situações limites, que dificultam a transmissão da experiência apenas pela fala, necessitando que se abra mão da linguagem em toda sua riqueza de manifestações para que ocorra a conexão entre quem envia e quem recebe a mensagem.                                                                                                                         Este artigo é resultado de pesquisas apoiadas pelo CNPq e pela CAPES. [email protected]. Mestra em Ciências Criminais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Professora de Direito da Universidade Federal de Rio Grande (FURG); Membro do Grupo de Estudos CNPq Direito à Verdade e à Memória e Justiça de Transição; Membro do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição – IDEJUST. [email protected]. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná - UFPR; Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC; Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - UnB; Professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais – Mestrado e Doutorado - e Graduação em Direito); Bolsista Produtividade Nível 2 do CNPq; Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; Coordenador do Grupo de Estudos CNPq Direito à Verdade e à Memória e Justiça de Transição; Membro-Fundador do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição – IDEJUST. 1  Em seu texto "O narrador - considerações sobre a obra de Nikolai Leskov", Walter Benjamin associa a memória à narração e enaltece esta última, lamentando que no mundo da informação instantânea há cada vez menos espaço para os verdadeiros narradores. "A reminiscência funda a cadeia da tradição, que transmite os acontecimentos de geração em geração. Ela corresponde à musa épica no sentido mais amplo. Ela inclui todas as variedades da forma épica. Entre elas, encontra-se em primeiro lugar a encarnada pelo narrador. Ela tece a rede que em última instância todas as histórias constituem entre si. Uma se articula na outra, como demonstraram todos os outros narradores(...). Tal é a memória épica e a musa da narração. (...) Podemos ir mais longe e perguntar se a relação entre o narrador e sua matéria - a vida humana - não seria ela própria uma relação artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da experiência - a sua e a dos outros - trasnformando-a num produto sólido, útil e único? (...) Assim definido, o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio. Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira" (grifos do autor) (BENJAMIN, Walter. O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura – Obras escolhidas I. 7.ed. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet . São Paulo: Brasiliense, 1994. [Obras Escolhidas; v.1]. p.211 e 221).   ∗



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São tempos históricos de catástrofes sociais que atravessam o indivíduo por retiraremlhe sua condição plena de sujeito, submetendo-o à condição de objeto; são rupturas no ser que geram rupturas nos grupos, estendem o trauma, para além da esfera psíquica particular e com isso, afetam não apenas as vítimas das violações, mas também o entorno e as gerações seguintes2. Portanto, na tentativa de trazer algumas inter relações entre o direito e a psicanálise, nossa opção foi a de tratar dos efeitos traumáticos em uma coletividade após períodos de violações massivas de direitos humanos, pelo viés de construção social das subjetividades, com base na dificuldade de se fornecer espaços de escuta amplos para as narrativas do trauma. Para tal fim, analisaremos o momento brasileiro de políticas públicas de memória e verdade, com a recente abertura de escuta oficial das vítimas da ditadura civil militar (que assolou o país entre os anos de 1964-1985), cujos efeitos perversos da falta de simbolização da violência estatal instaurada, ainda persistem criando abismos na democracia. Importa ressaltar que as políticas de memória e verdade, situam-se dentro de um conceito de justiça de transição, a qual busca criar mecanismos democráticos eficazes para reparação de abusos autoritários e também para a consolidação de uma cultura de respeito e educação em direitos humanos, com o objetivo de neutralizar a produção cíclica de violência. Neste aspecto, entende-se a justiça de transição não apenas como um conjunto de mecanismos passageiros de restabelecimento dos regimes democráticos, mas também como um leque de alternativas para o aprofundamento permanente da democracia. A tensão instalada pelos testemunhos é também uma tensão na busca pela justiça material, por um postulado de justiça que nasce a partir das injustiças e desta forma, já se consolida com a consciência da carga de responsabilidade pelo “outro”, da geração que foi, das vítimas que ficaram, das vozes que foram sufocadas. Ou seja, a justiça transicional, se encarada como uma forma reconstrutiva dos laços políticos e instauradora de um conceito de justiça capaz também de cuidar, ao invés de tão só punir, é uma alternativa para a criação de espaços de alteridade, antecessores das

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Em tal aspecto nos embasaremos na construção psicanalítica acerca do trauma como um acontecimento imprevisto que coloca em perigo a “real” estrutura psíquica do sujeito, pela “pulsão de morte” diante da morte súbita (como nos casos de guerra) ou então pela falta de elaboração do duelo em relação a perda inesperada de um ser querido e próximo. Um dos trabalhos que utilizamos como referência é o do trauma como elemento transobjetivo fraturado pela quebra do “pacto denegativo”, desenvolvido por René Kaes. KAES, René; PUGET, Janine (org.). Violencia de Estado y psicoanálisis. Buenos Aires: Lumen,2006, p.161.

análises políticas e jurídicas sobre a violência, porque para a vítima, “toda violência é uma violência ética"3. Pois bem, estamos situados em um referencial teórico sobre a memória, a justiça e a história que carece da linguagem dos “vencidos” para se realizar. Sendo assim, adotando-se a noção de memória dos vencidos usada por Reyes Mate4, o testemunho, ou seja, o momento em que a linguagem permanece sendo traduz a práxis libertária daqueles que tiveram sua dignidade negada, ao serem considerados “subumanos”: os que ficaram como o “resto” da história, desconsiderados, olvidados. A memória ou a visão dos vencidos pode ajudar a estabelecer uma cadeia de responsabilidades para com a carga de violência retida no passado e perpetrada como “natural”, pois a testemunha é o concreto da violação, está além do tempo histórico, pois sua temporalidade é aquela do “entre”, do que não foi reconhecido, daquilo criticado apenas por seu “excesso”; a exceção moderna, que nada mais foi do que seu próprio projeto civilizatório. Ademais, a importância do testemunho se dá na tensão que o “não encaixe”, nos parâmetros universais da história, desnuda diante do sofrimento, do negativo que foi devorado pelo “espírito de superação”, significante do esquecimento e que de uma maneira ou de outra, mesmo em suas visões mais críticas, admite o sacrifício de alguns, em prol do objetivo final a ser conquistado. Ao final, o testemunho nos mostra que não há vencedores, pois a humanidade perde algo de sua essência, quando possibilita os massacres, violações massivas dos direitos humanos.

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RUIZ, Castor M.M. Bartolomé. A justiça perante uma crítica ética da violência. In: RUIZ, Castor M.M. Bartolomé (org.). Justiça e Memória, para uma crítica ética da violência. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2009. p.87. De forma que o referido autor, ao pautar a crítica da violência a partir da questão ética, da alteridade e da responsabilidade diante do “outro”, também se refere às formas cíclicas de violências como exemplos de sua produção “mimética”. Tal como nos estudos de Walter Benjamin sobre a mimese enquanto constituição dos indivíduos como ser sociais, Ruiz nos chama a atenção para o seu efeito inverso: o da reprodução de atos violentos, que são intencionais, e, por conseguinte, sua “normalização” no tempo como se fossem efeitos naturais, fora do alcance da decisão humana. Pois ao instrumentalizar a vítima, o direito acaba retirando sua condição de sujeito político da ação. Tal fato reforça o esquecimento da violência e comete, segundo Castor Bartolomé Ruiz, uma segunda injustiça: a morte da vítima da memória coletiva. “Estas são violentadas uma segunda vez pelo esquecimento que as apaga de forma definitiva da memória da história, tornando-as insignificantes para o presente”. RUIZ, Castor M. M. Bartolomé. Os paradoxos da memória na crítica da violência. In: RUIZ, Castor M. M. Bartolomé (org.) Justiça e memória. Direito à justiça, memória e reparação: a condição humana nos estados de exceção. São Leopoldo: casa leiria, Passo Fundo: IFIBE, 2012, p.50. 4   MATE, Reyes. Memórias de Auschwitz - atualidade e política. Tradução de Antonio Sidekum. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2005.  

2. Os Efeitos Transubjetivos do Trauma e o Dano Transgeracional da Violência Autoritária O testemunho advém de uma necessidade de narrar diante da grandiosidade nefasta do horror para a vítima, momento em que se colocam em questão os fardos que a testemunha carrega e sua influência para o contexto em que ocorrem. Sobretudo, o testemunho é uma modalidade da memória, mas também da política de memória, ainda que, muitas vezes, faltem espaços para o testemunho: os espaços de escuta. Dessa forma, constata-se a capacidade da linguagem para tangenciar o simbólico, mesmo restando em cada objeto, algo que não conseguimos simbolizar. Ademais o testemunho em seu sentido amplo tem a capacidade crítica de questionar o tempo histórico, pois é atravessado pela narrativa do trauma, que coloca em pauta o tempo psíquico, da ausência na presença, de um futuro que não se realizará enquanto não for possível falar acerca do passado. Embora o século XX tenha sido a época da produção massiva de corpos, não se pode desconsiderar que as grandes tragédias - como os totalitarismos ou o terrorismo de Estado implantado nas ditaduras de segurança nacional da América Latina - acabaram produzindo no vazio deixado, um novo lugar ou status para o testemunho dos sobreviventes. Não obstante, as catástrofes sociais, justamente pela intencionalidade de crimes que buscam não deixar marcas ou vestígios, instituíram as vítimas de uma autoridade portada na linguagem, do corpo que sofre para o corpo que acusa. Logo, a dimensão de julgar do testemunho, vai além do aspecto jurídico, conforme pontua Márcio Seligmman Silva: ...é entender o testemunho na sua complexidade enquanto um misto entre visão, oralidade narrativa e a capacidade de julgar: um elemento complementa o outro, mas eles relacionam-se também de modo conflituoso. O testemunho revela a linguagem e a lei como constructos dinâmicos, que carregam a marca de uma passagem constante, necessária e impossível entre o “real” e o simbólico, entre o “passado” e o “presente”5.

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SELIGMANN-SILVA, Márcio. O local do testemunho. In: RUIZ, Castor M.M. Bartolomé (org.). Justiça e Memória. Direito à justiça, memória e reparação: a condição humana nos estados de exceção. São Leopoldo: Casa Leiria. Passo Fundo: IFIBE, 2012, p.59. Mais adiante, o autor postula a era póscatástrofe como um espaço de possibilidades que necessita ser disputado: “mas existe a possibilidade desta comunidade sair da posição de vítima. Justamente o testemunho pode servir de caminho para a construção de uma nova identidade pós-catástrofe. A uma era de violência e acúmulo de crimes contra a humanidade corresponde também uma nova cultura do testemunho. O testemunho tanto artístico/ literário como o jurídico pode servir para fazer um novo espaço político para além dos traumas que serviram tanto para esfacelar a sociedade como para construir novos laços políticos.” Ob. cit.p.70.

Por conseguinte, as perguntas que a testemunha traz, e o que ela não consegue revelar, produzem uma dialética entre a palavra e suas reticências, propondo uma ponte com o interlocutor, nas “zonas não negociáveis do silêncio”. Mas a dificuldade de se representar ou apresentar a catástrofe pode ter efeitos diversos: o primeiro é positivo, quando se transforma em solidariedade e consegue fazer do ouvinte6, uma nova testemunha, realizando o sujeito o “trabalho de luto” em relação à perda7, elaborando o trauma; além de transmitir a experiência sofrida, como um alerta de conscientização para o coletivo que presencia o testemunho. Já o segundo modo, pode recair no “impedimento da memória”, aquele que faz da palavra ou do silêncio, absolutos; que não permite um “trabalho de memória”, pois sempre retorna ao passado, mas de uma forma que este não passa, o que em psicanálise se denomina de “recalque”. Tal impedimento da memória, sobretudo, é provocado pelos conjuntos externos que cercam o sujeito violado; seja o das instituições públicas, pelo não reconhecimento ou esclarecimento dos abusos do passado; seja o da sociedade, que ao não encontrar o respaldo oficial da versão das vítimas, acaba por optar pela “desmemoria”, a tortura como algo “normal” ou o “mal necessário” e também, por legitimar a criação constante de “bodes expiatórios”, ou novos “inimigos sociais”. Trata-se de caminhos possíveis: o primeiro terapêutico e o segundo, patológico. Contudo, a opção de trazer a análise do trauma como elemento transubjetivo, situa-nos na falta de respostas que apenas o tratamento clínico pode acarretar. Em outras 6

                                                                                                                       

  Neste artigo utilizamos o termo "ouvinte" para designar aquele que se mantém receptivo ao testemunho e se abre à sua mensagem, por mais irrepresentável que ela seja, que mantém uma abertura para que possa ser tocado pelo testemunho e transformar-se ele mesmo em testemunha também. É o testemunhar do testemunho, chave fundamental do diálogo transgeracional, experiência à qual se contrapõe a figura do "espectador", que se comporta como uma escuta amortecida e inerte. Tratando do significado paradigmático do holocausto, Reyes Mate afirma que nele a "inumanidade alcançou a vítima, o carrasco e contaminou o espectador porque esse crime em massa teria sido impossível sem a cumplicidade do espectador. Essa cumplicidade é um fato, mas o que é muito mais grave, já estava antecipado nas chaves da nossa cultura. A filosofia se havia, com efeito, instalado na confiança de que a essência da humanidade era uma idéia inatingível pela barbárie. Desde o momento em que o lugar da ciência da humanidade era a abstração, os atentados concretos contra a humanidade do homem tornaram-se insignificantes. Essa humanidade está adornada, certamente, com todos os atributos da bondade e da verdade, mas ao preço, isso sim, da humanidade concreta, isto é, da irrelavância humana do inumano concreto"(MATE, ob.cit., p. 224). Essa acomodação abstrata do pensamento ocidental ajuda a explicar porque o tema da memória é relegado, muitas vezes, ao segundo plano.   7 FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. In: FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. pág. 249-263. [Vol.XIV]; RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2007. p.70 e ss.; SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Dever de memória e a construção da história viva: a atuação da Comissão de Anistia do Brasil na concretização do Direito à Memória e à Verdade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; ABRAO, Paulo; MacDowell, Cecília; TORELLY, Marcelo D. (Orgs.). Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro - Estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal. Coimbra: Universidade de Coimbra; Brasília: Ministério da Justiça, 2010. p.185-227.

palavras, assim como o lugar dos testemunhos das catástrofes sociais transcende os tribunais, também o faz em relação ao consultório psicanalítico. Portanto, o objetivo de reparar as vítimas dos crimes contra a humanidade, deve ser, antes de tudo, uma opção política de desenvolvimento de mecanismos terapêuticos, pedagógicos e culturais que consigam aliar os procedimentos e práticas destas diferentes áreas de atuação. Além disso, a catástrofe social8, por se caracterizar pelo estabelecimento de pactos “perversos” com os sistemas institucionais, com o simbólico dentro da coletividade, gera efeitos não apenas nas vítimas diretas ou nos seus familiares, mas também, nas gerações posteriores, que embora não tenham vivenciado a experiência traumática, são receptores dos efeitos não elaborados, os quais acabam produzindo transtornos psíquicos e muitas vezes, dificuldades de reconhecimento com o seu grupo de referência9. Por tais motivos, é que se pode falar de danos transgeracionais nas situações de graves violações aos direitos humanos, tema estudado primeiramente com relação aos efeitos do holocausto para os filhos dos sobreviventes dos campos de concentração, porém, atualmente aprofundado de acordo com as peculiaridades de cada lugar que sofreu abusos por parte do poder. Em tal aspecto, o dano transgeracional incide sobre aquilo que já não está, a “ausência presente”, o “não dito”, a violência silenciada e perpetuada de diferentes maneiras. Conforme definição de René Kaes, o dano transgeracional se configura como “aquello cuya inscripción no ha sido posible, ha sido negada, reprimida o forcluida: al precio de un asesinato silencioso, al precio de un blanco, de un agujero, de un eclipse del ser" 10.

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Neste sentido, qualificamos o período autoritário da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) como uma catástrofe social, não apenas pelo uso arbitrário do poder, com a mudança de normas, com o exercício da governabilidade por decretos ou atos institucionais, com a cassação de mandatos parlamentares, com a violação do direito à privacidade pela vigilância e pelo controle da população e dos meios de comunicação; mas também, pelas práticas de um estado de exceção, vigentes em espaços de anomia, com a instalação de centros clandestinos de detenção, da tortura como prática de interrogatório, do sequestro e arresto de perseguidos políticos dentro de suas casas, com o desaparecimento forçado de muitos militantes. Fatores que ao serem somados, geraram um ambiente político –social de obediência à autoridade não pela confiança nas instituições ou crença na legitimidade do sistema político, mas sim, pelo medo.   9 É neste aspecto que se corrobora a interpretação que o terrorismo de Estado das ditaduras civis militares na América do Sul, como catástrofe social, gerou danos transgeracionais, verificados atualmente nos Estados que promoveram políticas de reparação ou intentos similares. Segundo René Kaes, as catástrofes sociais têm o condão de desagregar e dividir o corpo social, enquanto que as catástrofes naturais geram efeitos de solidariedade, pois as primeiras provocam rupturas na crença psíquica na representação e articulação do entorno: “el pensamiento está coartado por la dificultad de representarnos la violencia asociada a la ruptura catastrófica”. Ob. cit. p.167. 10 KAES, ob.cit.p.162.

Na América Latina, que é o nosso foco de estudo no presente ensaio, desde os anos 1970, grupos de psicanalistas começaram a se reunir para criar formas de tratar do medo generalizado pelo terrorismo de Estado - por meio das grupoterapias11 - assim como, trocar experiências com especialistas que atendiam o grande número de exilados na Europa. Mais tarde, com as reaberturas políticas a partir da década de 80, novos temas surgiram, entre eles, o problema da transmissão do trauma para as gerações já nascidas sob a égide democrática, além da complexidade das muitas gerações afetadas12 diretamente pelas ditaduras de segurança nacional, especialmente no estabelecimento de frágeis vínculos políticos e comunitários. Quando a análise se volta para o terrorismo de Estado como tática de enfraquecimento dos grupos, percebe-se que a violência psicológica instaurada pelo pânico e terror durante as ditaduras civis militares no Cone Sul, continua a produzir seus efeitos, mesmo cessado o período político de amedrontamento. Isto porque, ao falarmos das memórias que são afetadas pela catástrofe social, importa salientar, que se está a referir a diferentes modalidades de memórias fraturadas: a do indivíduo como ser com uma história; a da espécie humana; e as dos conjuntos transubejtivos que influenciam na construção da subjetividade, pelo estabelecimento de relações com os grupos de pertencimento e de referência do sujeito13. Neste aspecto, o ato do testemunho instaura uma tensão para quem narra, mas principalmente para o ouvinte, sobre qual o modo de constituição de subjetividades e 11

                                                                                                                       

Importa lembrar, que as atividades dos grupos terapêuticos também sofreram repressão nos anos das ditaduras. Conforme Kaes, estes grupos foram: “perseguidos, prohibidos o disueltos, pues eran sospechosos por ser considerados lugares de subversión social. En los hospitales, el desmantelamiento de los servicios que tenían en su seno tales encuadres fue silencioso, o racionalizado de una manera auto represiva. La práctica privada subsistió, no sin dificultades, pues había que vivir y mantener en la medida de lo posible un lugar para la palabra y el trabajo psíquico contra el silencio y el terror”. Ob. cit.p.172. 12 Um estudo publicado pelo CINTRAS/Chile; EATIP/AR, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e Sersoc/ Uruguai, aborda os diversos trabalhos desenvolvidos nos países sul – americanos, acerca da transmissão do trauma destas catástrofes sociais para as gerações múltiplas, afetadas direta ou indiretamente pela violência sofrida por seus antecessores. Dita reflexão sobre a complexidade do tratar do dano transgeracional, foi referida pela equipe do CINTRAS, ao analisar o estudo com adolescentes chilenos, nascidos já nos anos 90, cujos pais sofreram perseguição política da ditadura de Pinochet: “Coincidimos con los investigadores de otros equipos que estudian la transgeneracionalidad del trauma cuando señalan que el daño producido por las experiencias traumáticas fue multigeneracional, al ser afectadas simultáneamente varias generaciones; intergeneracional, en tanto se tradujo en conflictos entre generaciones y transgeneracional, pues sus efectos reaparecen de diversos modos en las generaciones siguientes”. CINTRAS. Daño transgeneracional en descendientes de sobrevivientes de tortura. In BRINKMANN, Beatriz (org.). Daño Transgeneracional: consecuencias de la represión política en el Cono Sur.Santiago/ Chile: Gráfica LOM. 2009, p.51. 13 KAES.Ob.cit.174. Segundo este autor: “no tenemos sólo una memoria individual, sino varias: la del fantasma, memoria de lo que nunca fue; la de la verdad, memoria de lo que fue; la del cuerpo, memoria de lo que ha sido vivido con demasiada intensidad para ser suficientemente elaborado; y memoria de lo que no ha sido vivido para dejarse olvidar. Todas estas memorias también se combinan e interfieren constantemente, o prevalecen la una sobre la otra.”. Ob. cit.p.175.  

qual reflexo de sociedade que se quer. Conforme os estudos de Félix Guattari14, a subjetividade não diz respeito apenas ao indivíduo, mas também às influências externas, tanto de maneira positiva, com o estímulo da autonomia; quanto de forma negativa, com a imposição de barreiras ao inconsciente como a submissão e a produção de modos de vida massificados. É no sentido de constituição da subjetividade livre, apropriada pelos indivíduos por meio de processos de singularização que se postula a função política do desejo. Portanto, a tensão positiva do testemunho é um meio de “transmissão das sensibilidades”, contra o desperdício da experiência vivenciado pelo silencio e pelo medo. De maneira que, tanto o terapeuta, durante a clínica psicanalítica, quanto as autoridades investidas na responsabilidade de acolher a linguagem das testemunhas em procedimentos públicos de escuta; além da sociedade que vivencia e presencia estes atos do testemunho, acabam transformando-se em memória daquele que narra o trauma, para que seja possível reconstruir ou elaborar o que se encontrava nas zonas cinzas do silêncio15. Ademais, a narrativa do trauma, que circula entre o privado e coletivo, pode ser um processo de singularização se respeitados tais espaços de escuta, daqueles constantemente esquecidos, as vítimas, os que tiveram sua dignidade negada. Não obstante, também cabe ressalvar uma das críticas ao impedimento do trabalho de memória no Brasil, durante quase três décadas passadas do fim dos governos militares. Como aponta Márcio Seligmann-Silva, um fato negativo da transição controlada brasileira, foi o de que as vítimas não encontraram espaços públicos para sair da condição de vítimas e se transformarem em acusadores. Os abusos e as violações da ditadura não foram tomados pelo Estado como “fatos”, pelo menos até o giro de sentido e significado das políticas de reparação, ocorrido a partir dos anos 2000, com a publicação do relatório “Direito à verdade e à memória” (elaborado pela Comissão Especial de Mortos e Desparecidos Políticos) e

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GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do Desejo. 4ª edição. Petrópolis: Vozes, 1996. 15 De acordo com René Kaes, nas situações pós-catástrofes sociais o trabalho de duelo, e de elaboração dos efeitos traumáticos na inscrição social precisam ser tratados também como uma inscrição política, que enfrenta diferentes resistências conforme o tempo em que avançam ou ficam impedidas: “las diferentes figuras de la muerte, el asesinato, la desaparición, a escala de un genocidio ( habría que decir también socio-cidio) no pueden ser tratadas por la psique como un duelo normal. (...) No hay grupo ni institución ni sociedad sin memoria, sin trabajo de historización. Las sociedades que sostienen la utopías mortíferas rechazan la memoria y la historicidad. El “no recuerdes” no está aquí ordenado por la represión del horror, sino por la anulación de la historia y de la experiencia.” KAES, ob.cit.p.185.

com a atuação da Comissão de Anistia. Sendo assim, a desmentida e a desmemoria continuaram vigendo na passagem do regime autoritário para o regime democrático, tal como a palavra dos agentes da repressão - com meios de forjar a negativa dos seus crimes ou justificar a violência massiva empreendida - obteve mais êxito e crédito que a palavra dos sobreviventes, ao denunciarem seus algozes. Conforme o autor supracitado, no nosso país houve um “sequestro de provas e dos testemunhos”: O debate político não conseguiu pôr em movimento a vítima no sentido dela se transformar em um sujeito que acusa. A sociedade negou às vítimas o direito à acusação. A vítima foi tratada como alguém alheio à esfera do direito, como um menor a ser tutelado e tratado com migalhas de justiça e de verbas.16

Mas a clausura dos testemunhos não se deu apenas no âmbito oficial. Foi uma consequência exitosa da política de terror do Estado brasileiro, a qual instrumentalizou a tortura como técnica capilar de implantação do medo e do pânico e de rompimento dos vínculos coletivos. Em tal aspecto, refere-se o estudo do Grupo Tortura Nunca Mais, sobre a transmissão transgeracional do dano no nosso país, a partir de uma política criminosa que teve como eixo estruturante as práticas de tortura para fazer silenciar a resistência. De acordo com este estudo, quando os afetados pela tortura não encontram espaços coletivos e sociais para simbolizar o trauma, o silenciamento aparece também como mecanismo de defesa, isto é, as marcas psíquicas da violência ficam encapsuladas e dissociadas dos antigos pontos de referência, não conseguindo uma reintegração com os demais17. Além disso, para a segunda e terceira geração - filhos (as), netos (as) de perseguidos políticos - também não há uma clareza de que seus assuntos mal resolvidos psiquicamente estão relacionados com o trauma não elaborado de seus antecessores, com o silêncio que tornou a história de vida destas pessoas em dramas particulares, pois, conforme o estudo acima citado, muitos jovens procuraram o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, sem associar seu sofrimento aos efeitos da violência de 16

                                                                                                                       

SELIGMANN-SILVA. O local do testemunho, p.75. 17 “Para evitar el contacto con la experiencia de dolor y de desamparo, las marcas psíquicas de la violencia se encapsulan y disocian y, en vez de la vivencia traumática, lo que subsiste son burbujas de tiempo, zonas de silencio, fragmentos de vida que no se pueden integrar a los demás.” KOLKER, Tania. Problematizaciones Clínico-Políticas Acerca de la Permanencia y Transmisión Transgeneracional de los Daños Causados por el Terrorismo de Estado. In BRINKMANN, Beatriz (org.). Daño Transgeneracional: consecuencias de la represión política en el Cono Sur. Santiago/ Chile: Gráfica LOM. 2009,p.266. A experiência relatada pelo GTNM foi analisada a partir das sessões de grupoterapias realizadas com jovens, filhos de ex-perseguidos políticos que foram vítimas da tortura e de outras violações pela ditadura civil militar brasileira.  

Estado. Segundo explicação da autora, são jovens que muitas vezes, não conheceram seus pais, tendo apenas fotos ou lembranças relatadas por outros familiares sobre eles; ou então: ...crianças que nasceram na prisão ou no meio das famílias submetidas à violência da tortura psicológica pela morte ou desaparecimento forçado de algum de seus entes queridos, sem poder dar nenhum sentido a isso; ou que estavam com os seus pais no momento da prisão, sendo abruptamente separados deles e entregues a desconhecidos, ou ainda presenciando e participando dos fatos sem poder entender a situação de sequestro e tortura18.

Não obstante, cabe fazer a ressalva de que o caso brasileiro de inibição do testemunho durante a reabertura democrática não foi o único na América do Sul. Pelo contrário, mesmo nos países que tiveram uma transição política sob a forma da ruptura, com forte protagonismo dos movimentos dos familiares das vítimas da ditadura - como

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KOLKER, Tania, ob. cit. p. 268. Neste último aspecto importa relembrar as muitas histórias de ameaças de tortura aos filhos, para se conseguir informações dos pais.  Há casos singulares das crianças torturadas antes mesmo do nascimento, como o de João Carlos Grabois – o Joca – quem conheceu a tortura no ventre da mãe, Criméia Schmidt de Almeida, nascido na cadeia durante o sequestro de sua progenitora. Não esquecendo que tanto o pai quanto o avô de João Carlos (André e Maurício Grabois) são desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia. Na mesma família, os tios do Joca, Maria Amélia Teles e César Teles foram sequestrados e torturados, seus filhos Janaína e Edson muitas vezes deram seu testemunho recordando as ameaças de sofrerem torturas na frente dos pais e de terem visto seus pais nos intervalos das sessões de tortura, além dos vários dias que estiveram sequestrados/ detidos, ambos com idade entre 04 a 08 anos. A trajetória da família Teles ficou nacionalmente reconhecida pela ação civil movida em São Paulo, na qual, eles conseguiram declarar em primeira e segunda instância o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra como Torturador. Conforme relatado no livro Direito à Memória e à Verdade, histórias de meninas e meninos marcados pela ditadura: “a mãe de João Carlos, Criméia, estava com oito meses de gravidez ao ser presa na Operação Bandeirante (OBAN) em São Paulo, um dos mais temidos centros de interrogatórios do regime, mantido inclusive por empresários brasileiros. Ela foi espancada e recebeu choques elétricos no seio e órgãos genitais. Depois do parto, permaneceu com o bebê por 52 dias na cela. Com a irmã de Criméia, Maria Amélia, a situação se repetiu. Ela e o marido César estavam tão feridos que os próprios filhos Janaína e Edson – presos um dia depois – custaram a reconhecê-los”. Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Direito à Memória e à Verdade: histórias de meninas e meninos marcados pela ditadura / Secretaria Especial dos Direitos Humanos. – Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009. p.66. Rose Nogueira também teve seu filho, Carlos Guilherme Clauset ameaçado com poucos dias de vida, quando da invasão da sua casa, por ser ativista da Ação Libertadora Nacional (ALN). “Mas nenhuma tortura ou doença superou o pavor de ver o filho ameaçado. Um dia, uma companheira que voltava do interrogatório lhe perguntou: “Por acaso o seu bebê é bem clarinho e tem um moisés azul?” Sim, tinha. Era ele. Rose gritou, perguntando pelo filho. A resposta que ouviu do torturador foi: “Pergunta quem faz aqui sou eu. E vamos ver se o nenê chora mais do que você quando a gente for buscar ele de novo”. Ob.cit.p.69. Há ainda, os casos de diversas crianças, filhos do exílio, nascidos durante a fuga forçada de seus pais, como Eduarda Crispim Leite e Christopher Goulart. Há o caso singular de André e Priscila que contavam com apenas 3 e 4 anos quando foram presos em Alagoas junto com seus pais Aldo Arantes e Dodora, militantes do PCdoB, assim permanecendo por mais de 4 meses. Além disso, há inúmeros casos de crianças separadas de suas famílias e enviadas a reformatórios ou “juizados de menores”, de crianças traumatizadas por presenciar a brutalidade dos arrestos e por vezes dos assassinatos de seus pais, marcas que as constituíram como sujeitos, traumas que precisam ser tidos como públicos, como parte de nossa história, não relegados a dramas intrafamiliares. A consequencia mais trágica da ocorrência desse tipo de trauma infelizmente aconteceu com Carlos Alexandre Azevedo, filho de Dermi Azevedo, que no dia 17 de Fevereiro de 2013 se suicidou com 40 anos de idade, por não mais suportar as consequencias advindas do fato de ter sido torturado com apenas 1 ano e oito meses de idade.

na Argentina - nota-se que a etapa inicial da busca pela verdade, teve características mais investigativas do que de escuta dos testemunhos. Tanto que a CONADEP (Comissão Nacional sobre o Desparecimento de Pessoas) é criticada pelos movimentos de direitos humanos argentinos19 por não haver desenvolvido um papel de Comissão da Verdade. No Chile, as críticas também são acentuadas em relação ao trabalho da Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação e da Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura: El mecanismo fundamental para imponer esta situación ha sido el silenciamiento o la tergiversación desde el poder de lo que realmente ocurrió durante la dictadura: a quién le ocurrió, cómo ocurrió, por qué ocurrió y con qué propósito. En lugar de una elaboración social, desentrañando toda la verdad histórica -sin duda dolorosa, contradictoria y conflictiva- se han ido entregando sólo fragmentos de los hechos represivos, como los contenidos en los Informes de la Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación y la Comisión Nacional sobre Prisión Política y Tortura, desconectados de la finalidad política que les subyace y les da sentido.20

Ainda que com procedimentos diferenciados de reparação às vítimas e seus familiares, percebe-se que na nossa região ocorreu a tendência da privatização de memórias, isto é, do tratamento do trauma como algo integrante somente da esfera privada. Dita prática gerou a privatização da “psicologização” da violência social, como se a coletividade não fora vítima dos anos nefastos de terrorismo de Estado, como se a violência da democracia não fosse carregada com uma herança autoritária. Portanto, a opção política de preferir o silêncio público sobre os crimes da ditadura, mas especificamente, de não permitir a linguagem do testemunho em seu caráter mais amplo de “dar voz aos que já não têm voz”, transformou o sofrimento, o martírio dos centros clandestinos de detenção, das perseguições, do medo e da paranoia social instalados, em um segredo, que muitas vezes transbordou a capacidade de quem tinha o fardo de guardá-lo. Conforme o estudo chileno acima referido, este segredo (fruto do silenciamento) foi transmitido para a geração seguinte na forma do fantasma, visto evoluir do indizível para aquilo que não tinha mais lugar de ser verbalizado: o inominável. Tal patologia, para a “geração que vem”, pode se configurar como o “impensável21”, se não houver a elaboração do trauma, a simbolização da violência, a 19

                                                                                                                       

Especialmente a organização com seccionais em todo o país, H.I.J.O.S. 20 CINTRAS, ob. cit. p.44-45. 21 “El secreto inconfesable, habitante de la cripta, es transmisible a otra generación, en la cual reaparece como fantasma en la forma de actos, signos, síntomas incomprensibles por el sujeto, que no está en condiciones de desencriptar el secreto. El contenido de la cripta constituye para el sujeto un indecible, por cuanto, a pesar de estar presente psíquicamente en quien lo ha vivido, no puede hablar de ello. Al ser transmitido a la generación siguiente en forma de fantasma, por no ser susceptible de ser objeto de representación verbal, se convierte en innombrable, sus contenidos son ignorados, pero su existencia

conexão entre autores, mandantes, lugares, estrutura política e social e os fatos que possibilitaram regimes ditatoriais com ápices do terror estatal22. A esta transmissão do dano como o “impensável”, René Kaes qualifica como “agenciamentos catastróficos” que atacam tanto as condições intermediárias de vida dos indivíduos, quanto as condições sociais e culturais de um povo. A perpetuação das injustiças da catástrofe social tende a inverter o pacto firmado, que passa a ser constituído basicamente de sua função negativa, do apagamento dos sofrimentos, do sacrifício de uns para a continuação da comunidade, o que em longo prazo afasta o sujeito de sua historicidade. He puesto el acento de esta manera sobre las dos polaridades del pacto denegativo: una organizadora del vínculo y del conjunto transubjetivo, la otra defensiva. (…) El pacto denegativo contribuye a esta doble organización. Crea en el conjunto del no-significante, del no-transformable, zona de silencio, bolsas de intoxicación, espacios residuales o líneas de escape que mantienen al sujeto extraño a su propia historia. Detectamos los efectos en las parejas, en las familias, en los grupos y en las instituciones23.

Ou seja, se a política do testemunho não se traduzir efetivamente em uma política de escuta das vítimas, há caminhos ainda mais perversos que o do silêncio, entre eles, o esquecimento dado pelo “impensado” não elaborado, e com este, o risco de revitimizar as vítimas, deixando-as no pólo passivo, sem reconhecer sua importância social pela resistência; criando novos estigmas para elas e seus descendentes. Urge que a ressalva coletiva acompanhe a política do testemunho, caso contrário, os grupos permanecerão esquecidos, desarticulados; visto que, pensar o terrorismo de Estado, exige-nos pensar acerca de uma política organizada de combate a uma cultura de resistência; de uma violência que mais do que aniquilar o sujeito, intentou desarticular                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             puede ser generadora de disturbios psíquicos. En la generación de los nietos ocasionará impensables, pues ésta ignora la existencia misma de un secreto que pesa sobre un trauma no superado, pudiendo generar síntomas, sensaciones y emociones bizarras, que se presentan sin correlato aparente con la vida psíquica familiar”. CINTRAS, ob. cit.p.49. 22 Esta linha de pensamento vai ao encontro dos argumentos sobre os efeitos perversos da negação dos crimes da ditadura brasileira, elencados por Márcio Seligmann-Silva: “mas o negacionismo também é perverso, porque toca no sentimento de irrealidade da situação vivida. O teor da irrealidade é sabidamente característico quando se trata da percepção da memória do trauma. Mas, para o sobrevivente, esta “irrealidade” da cena encriptada desconstrói o próprio teor de realidade do restante do mundo. E mais, o negacionista parece coincidir com o sentimento comum que afirma a impossibilidade de algo tão excepcional”. SELIGMANN-SILVA. O local do testemunho, p.67. Resta também observar que na Argentina, estes procedimentos ganharam força com os “juízos pela verdade”, durante a década de 1990 e posteriormente, com a nulidade das leis do perdão e dos indultos, têm fundamental importância na condução dos julgamentos por crimes contra a humanidade, ocorridos desde 2006. 23 KAES, ob.cit.p170.

os vínculos que mantinham o particular; por isto, a perspectiva precisa ser coletiva e tais questões, encaradas como problemas ou desafios sociais. Sobretudo, quando nos referimos aos testemunhos e seu papel para a simbolização da violência, estamos tratando de uma reparação política, necessariamente coletiva, de reconstrução ou instauração de novas relações sociais com o poder. Eis o porquê da necessidade de tais testemunhos serem públicos, para que existam ouvintes, para que se tenha a possibilidade de contar: “foi assim que aconteceu”, “isso me fizeram” e também de silenciar, deixando nas entrelinhas o que já não pode mais ser verbalizado, mas que ainda poder ser vivido de outra forma; sentido com a cumplicidade coletiva de compartilhar histórias e memórias, para além da cumplicidade “perversa” de desconfiança e medo, instaurada pelo terrorismo de Estado. Todavia, não se desconsidera o aspecto privado da memória do trauma, o qual Paul Ricoeur24 equaciona como: a) singular, “minhas lembranças não são as suas”; b) vinculado com o passado; c) transverso, pois memória e orientação se relacionam com a passagem do tempo não linear. Importa ressaltar que tal dimensão particular da memória, involucra-se com a sua dimensão coletiva e ambas trazem as dúvidas: como narrar o trauma e conjuntamente representar a catástrofe vivida? Há que se ter o cuidado, em diferenciar o lugar do testemunho nos espaços públicos de escuta das vítimas, mas sem deixar para segundo plano, o acompanhamento e o acolhimento terapêutico das testemunhas, visto que existem situações de invasão da intimidade, da sexualidade, de outras formas de tortura, que precisam ser elaboradas fora do âmbito coletivo. Por outro lado, para a construção permanente das subjetividades, a teoria psicanalítica - desde os tempos de Freud e Lacan - reconhece as marcas externas dos traumas individuais, sendo que em momentos de barbárie, como o são as catástrofes sociais, a violência do entorno passa a ser “aceita” pelo indivíduo. Seja para defesa da “nação” contra um “inimigo” confuso, obscuro e permeável, seja para o “progresso e desenvolvimento”, ainda que a custas de muitas vidas, ou então, numa guerra insana que produz territórios de ninguém, sem lei, nem amparo coletivo, mesmo em eras “democráticas”.

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No aspecto de inscrição social do trauma, o símbolo máximo de tal transgressão feita pelo terrorismo de Estado é a figura do desaparecido25. Em uma situação de normalidade, quando ocorre a perda, acabam surgindo relações de angústia e reconciliação com o objeto perdido, simbolizadas através das grandes celebrações, a exemplo dos rituais funerários. Já nos períodos de catástrofes sociais, dita simbolização não é feita, nem o luto, nem o duelo são realizados. Devido ao fato de optar-se por tratar dos efeitos do trauma que transcendem o indivíduo, torna-se preciso entender dita ruptura do inconsciente, que transforma o corpo violado em corpo que acusa e que julga, provocando no âmbito coletivo que assiste e escuta, uma reação imediata; seja de choque diante do testemunho, seja de cumplicidade com o sofrimento alheio ou de responsabilidade diante das injustiças cometidas. Quando se dá tal assunção de responsabilidade diante do outro, pode-se dizer que ocorre o “despertar traumático”, como ação e não como mero acidente, desenvolvido por Lacan, ao realizar uma releitura da “Interpretação dos Sonhos” de Freud26. Enquanto a pergunta de Freud girava em torno de porquê dormir, Lacan expandiu o conceito de trauma freudiano, pois estendeu o sentido do confronto com a morte ao ato de acordar: “o acordar na leitura que Lacan faz do sonho, é em si mesmo o lugar do trauma, do trauma provocado pela necessidade e pela impossibilidade de responder à morte de um outro27”. Lacan pontuou a necessidade de cuidar o “intervalo que constitui o acordar”, visto que, o sonho é um instante diário entre a vida e a morte, entre o que não mais está 25

                                                                                                                       

“Podemos dizer que o paradigma da negação da responsabilidade do Estado repressivo foi o desaparecimento forçado de pessoas, como inscrição simbólica desse trágico acontecimento. As respostas das autoridades, na época, aos familiares – com repercussões até os dias atuais – foram não somente evasivas; elas sugeriam uma variada gama de possibilidades sobre o destino dos desaparecidos: o autoexílio, o autodesaparecimento, a clandestinidade, o extermínio cometido pelos próprios companheiros de luta”. BRASIL, Vera Vital. Dano e Reparação no Contexto da Comissão Da Verdade: a questão do testemunho. In: Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, n.6, jul./dez 2012. p.247. 26 Uma das maiores estudiosas do conceito de trauma em Freud e Lacan e suas relações com a memória e com a ética é a inglesa Cathy Caruth, por isto nos utilizamos a sua análise neste artigo, como referência cruzada acerca do trabalho de Lacan. A autora nos ensina que “ao relacionar, portanto, o trauma à própria identidade do eu e à própria relação com os outros, a leitura de Lacan nos mostra que o choque de visão traumática revela, no coração da subjetividade humana, não tanto uma relação epistemológica, mas antes uma relação que pode ser definida como ética, com o real”. CARUTH, Cathy. Modalidades do Despertar Traumático (Freud, Lacan e a ética da memória). Tradução de Claúdia Valladão de Mattos. In:   NESTROVSKI, Artur. SELIGMANN-SILVA, Márcio (orgs.). Catástrofe e representação: ensaios. São Paulo: Escuta, 2000, p.112. 27 CARUTH, Cathy, ob. cit. p.120. A autora analisa as interpretações realizadas por Freud e Lacan, em relação ao sonho de um pai que vê sua filha queimando, diante da morte que não consegue suportar. Enquanto que para Freud, o sonho seria uma rota de fuga para o sofrimento do pai, pois “mantém o pai dormindo”, para Lacan, o sonho deixa de ser uma função do sono para ser um imperativo do acordar, para narrar a morte presenciada aos demais. pp.118-119.

e a reação do sujeito com suas perdas. Para o autor, o acordar é endereçado através da narrativa, constituindo uma forma de transmitir a experiência do sonho28. Ao deslocar o foco da análise para o despertar, Lacan transformou o fardo pela morte do outro, em uma responsabilidade absoluta, quase um imperativo do acordar. E esta responsabilidade urgente, numa relação ética com o real é, em outros termos, uma expressão da alteridade, pois reflete a “consciência de uma culpabilidade” devido à falta de justiça29. Enquanto para Levinas o imperativo ético se realiza ao se olhar e acolher o “rosto do outro30” – a parte mais vulnerável para o assassinato e ao mesmo tempo sua impossibilidade absoluta- para Lacan, o imperativo acontece no acordar, com a transmissão do horror “que se coloca entre uma repetição traumática e o fardo ético da sobrevivência31”. Ou seja, um acordar que ainda está “por acontecer” no tempo que resta, e que encontra como momento de acontecer, aquele em que se dá lugar ao testemunho. Se as técnicas subterrâneas de desvaler a vida, praticadas pelo terror de Estado das ditaduras de segurança nacional do Cone Sul, acabaram por fundir o limite entre a vida e a morte, com a tentativa de minar a pluralidade e de matar simbolicamente o

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“Explorando, portanto, implicitamente a consciência tal como ela aparece ao sobrevivente, cuja vida está intrinsecamente vinculada à morte que ele testemunha Lacan resitua a relação da psique com o real, compreendendo-a não apenas como uma questão de ver ou saber a natureza dos eventos empíricos, não como aquilo que pode ser conhecido ou não sobre a realidade, mas como a história de uma responsabilidade urgente, ou como aquilo que Lacan define nessa conjuntura, como uma relação ética com a realidade”. CARUTH, Cathy, ob.cit.p.124. 29   Levinas aponta para uma precedência da ética em relação à ontologia, demarcando a infinitude do Outro diante dos esforços de sua assimilação ao Mesmo, tão presentes no pensamento ocidental e cuja expressão extrema é o assassinato. Diante do Outro fulgura nossa responsabilidade e diante da sua negação impõem-se a justiça, vinculando a linguagem a uma dimensão não totalmente representativa e marcadamente ética. "O elo entre a expressão e a responsabilidade - condição ou essência ética da linguagem - essa função da linguagem anterior a todo o desvelamento do ser e ao seu frio esplendor permitem subtrair a linguagem à sua sujeição relativamente a um pensamento preexistente, cujos movimentos interiores ela teria unicamente a servil função de traduzir cá para fora ou de universalizar. (...) O pretenso escândalo da alteridade supõe a identidade tranquila do Mesmo, uma liberdade segura de si própria, que se exerce sem escrúpulos e à qual o estranho apenas traz incômodo e limitação. A identidade sem falha, liberta de toda a participação, independente no eu, pode no entanto perder a sua tranquilidade se o outro, em vez de chocar com ela ao surgir no mesmo plano que ela, lhe fala, ou seja, se mostra na expressão, no rosto, e vem de cima. A liberdade inibe-se então, não porque chocada por uma resistência, mas como arbitrária, culpada e tímida que é; mas na sua culpabilidade eleva-se à responsabilidade" (LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 1988. págs.179 e 182).   30 Fábio Landa traça uma reflexão do trabalho do trauma pela psicanálise e do “estatuto ético do terceiro” a partir da filosofia da alteridade de E. Levinas. LANDA, Fábio. E. Lévinas e N. Abraham: um encadeamento a partir da Shoah. O estatuto ético do terceiro na constituição do símbolo em psicanálise. IN SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). História, memória e literatura: o Testemunho na Era das Catástrofes. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. p.113-124. 31 CARUTH, Cathy, ob. cit.p.131.

outro; o despertar traumático é o momento de ruptura com este horror. Isto porque o despertar como ação (que gera seus reflexos) acontece quando os excluídos, as vítimas da violência histórica expressam a linguagem de sua dor, de seu sofrimento: A transmissão de Lacan do futuro do texto de Freud sobre a repetição, e de uma forma geral, a transmissão da escrita psicanalítica, não consiste no conhecimento de uma morte que pode simplesmente ser vista, mas, precisamente, na transmissão do ato de acordar. Abrindo os olhos outro, o acordar consiste não apenas em ver, mas em passar a outro (e outro futuro) o ver que ele não contém e nem pode conter32. (grifo nosso).

Destarte, o trabalho terapêutico precisa ser compreendido dentro do “dever de memória” e do resgate dos testemunhos e das narrativas do trauma, visto que os espaços de escuta destas narrativas são os momentos de se assumir a responsabilidade compartilhada pelo outro violado. E aqui, terapêutico adquire um sentido para além da clínica, pois é preciso haver a terapia social, capaz de cicatrizar as “feridas na memória coletiva33”. Portanto, para que ocorra uma reparação integral – claro que dentro daquilo que ainda é possível reparar – torna-se necessário o estabelecimento de políticas públicas de memória, verdade e justiça que abram espaços e tempos para o testemunho, com o desejo político de escutar suas narrativas. Neste sentido, se o analista, na sessão analítica, é o fiador de um tempo em que a violência não é autorizada, realização, ao longo de todo o tratamento, da prescrição ética 'Não matarás'34; no âmbito coletivo, nós somos os analistas e fiadores deste tempo. 3. O Processo Transicional Brasileiro e a Escuta das vítimas Partindo dos delineamentos teóricos feitos na primeira parte deste artigo, bem como das referências ao cenário transicional latino-americano, vamos agora tratar mais de perto do contexto específico da transição política brasileira em relação à ditadura civil-militar. Cabe, antes de tudo, indagar se no processo de transição política brasileira o indispensável espaço de acolhimento público do testemunho ocorreu e em que medida. O marco jurídico e político da transição brasileira foi a Lei N° 6683/1979, a Lei de Anistia. A partir dela, iniciou-se de modo irreversível e paulatino a transição política 32

                                                                                                                       

CARUTH, Cathy, ob.cit.p.135. 33 Expressão utilizada por Paul Ricoeur, na obra já citada, “A memória, a história, o esquecimento”.     34  LANDA, ob.bit., p.24.

rumo à democracia. Muito embora a Lei tenha surgido como uma espécie de concessão do governo militar, ela só foi possível porque a forte mobilização popular em torno da Anistia, que já vinha se desenrolando desde alguns anos, criou um ambiente político e social propício para que a ala ditatorial favorável ao abrandamento do regime ganhasse a queda de braço com a chamada linha dura. A Lei N° 6683/79 foi fruto de uma batalha política que instantaneamente beneficiou milhares de pessoas, permitindo o retorno dos exilados e a progressiva libertação dos presos políticos. Paradoxalmente, e apesar de tudo isto, a Lei de Anistia foi também o passaporte dos agentes da ditadura para uma transição na qual nenhum dos seus crimes viria a ser investigado e punido. Foi uma anistia abstrata, sem individualizações35, sem espaço para que se conhecesse os fatos e as narrativas da violência sofrida e praticada. Aqui a anistia assumiu o seu sentido clássico de esquecimento, alimentando o negacionismo dos crimes praticados pela ditadura e dos atos de resistência e militância política, protagonizados pelas vítimas do regime de força. Em um cenário como este, a insistência da vítima em abrir espaço para o seu testemunho exige um esforço colossal e uma enorme capacidade de superação, e figura aos olhares incrédulos e à escuta indiferente como um ato de ressentimento, ou, para usar o termo mais comumente adotado pelos que defenderam e defendem a ditadura, de "revanchismo". Quando a memória do horror vivido em um contexto de violência massiva não encontra espaço para ser narrada na sociedade ainda traumatizada e seduzida pela falsa ideia de que é "civilizada" e não tem nenhuma conta a prestar, o ressentimento das vítimas pode se transformar em uma barreira para o esquecimento do trauma social, assumindo no plano político uma atitude de interpelação das autoridades inertes e amortecidas e da sociedade incrédula. Em situações assim, as manifestações de ressentimento podem não ser um abuso de memória, mas sim, um último recurso que resta às vítimas dessas violências para recolocar a necessária questão do reconhecimento da gravidade do que ocorreu e do papel de resistência política exercido36. De todo modo, o puro ressentimento, assim como o próprio trauma não 35

                                                                                                                       

Com exceção dos que já estavam condenados pelos chamados "crimes de sangue", que foram explicitamente excluídos da anistia, todos dos movimentos de resistência armada à ditadura e nenhum dos agentes da repressão que praticaram terrorismo de Estado, já que estes não foram investigados até hoje. 36 É o que anota Reyes Mate: "O ressentimento como atitude moral nasce quando os sobreviventes constatam que a história se vai construir como sempre, de costas para os vencidos. (...) O ressentimento pessoal protesta contra essa cicatrização do tempo que converte o esquecimento numa segunda natureza, como se a sociedade amnésica fosse o natural e o recordar uma agressão á natureza." (MATE, op.cit.,p.222-223). Também Maria Rita Kehl indica que a pecha de "ressentidos" atinge muitas vezes aqueles que simplesmente procuram lutar pelo reconhecimento das violências que sofreram mas que não

enfrentado terapeuticamente pela memória, não são capazes de desarmar a violência e sua reprodução mimética37. O lugar do testemunho é aquele que possibilita a reconstrução simbólica da estima perdida. A luta pela sua abertura e conquista jamais pode

ser

confundida

depreciativamente

como

vingança,

"revanchismo"

ou

ressentimento. Designar de "ressentido" o sobrevivente que luta para abrir este espaço em uma sociedade amortecida pela amnésia e pelo negacionismo é cometer uma segunda violência, não só com a vítima, mas com toda a sociedade. O apelo pela narração da memória traumática não é apenas uma necessidade terapêutica para as pessoas que sofreram a violência diretamente, mas também o é para a sociedade e suas instituições, que ainda não estão conscientes do que se passou e consequentemente não puderam regenerar a perversão do espaço comunitário, desviado para o apoio e a prática de crimes contra a humanidade. É, em verdade, uma questão de princípios. É não achar normal que o espaço público, mediante as suas instituições e grupos, possa tratar pessoas como coisas, adotando a tortura, o extermínio e a censura como práticas e políticas sistemáticas contra os próprios cidadãos. É não achar normal que o sistema político e as leis que dele emanam possam se dar às espaldas da participação popular. Em uma sociedade ainda refém do negacionismo a tendência é estigmatizar o reclamo da vítima e, ainda pior, torná-la culpada pela sua própria desventura, afinal a sociedade não teria nenhuma culpa a reconhecer. É em situações sociais como essa que se torna tão fácil, por exemplo, dizer que os frades dominicanos torturados pela "equipe" de Sérgio Fleury foram culpados pela morte de Carlos Marighella; ou de afirmar que a culpa pelo incremento da brutalidade das ações da polícia política da ditadura adveio do sequestro do Embaixador estadunidense operado por um consórcio de organizações clandestinas de combate à ditadura em 1969. O que se oculta na primeira afirmação é que "a fala na tortura é obra do torturador, não do torturado"38. A tortura consiste justamente em retirar do torturado a                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             são bem-vindos em sua luta. "O expediente corriqueiro - por má-fé ou mal-entendido? - de chamar de 'ressentidos'aqueles que não desistiram de lutar por seus direitos e pela reparação das injustiças sofridas não passa de uma forma de desqualificar a luta política em nome de uma paz social imposta de cima para baixo" (KEHL, Maria Rita. Tortura e sintoma social. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir [orgs.]. O que resta da ditadura? - a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p.123). 37  RUIZ, Castor Bartolomé. (In)justiça, violência e memória: o que se oculta pelo esquecimento, tornará a repetir-se pela impunidade. In: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da; TORELLY, Marcelo Dalmás; ABRAO, Paulo (Orgs.). Justiça de Transição nas Américas - olhares interdiscilinares, fundamentos e padrões de efetivação. Belo Horizonte: Forum, 2013. prelo   38 MAGALHÃES, Mário. Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p.564.

sua autonomia e em obrigá-lo a uma espécie de fratura moral, na qual o alívio do suplício físico pode se tornar justamente uma fratura moral perene. A informação extraída a fórceps não é obra da vontade da vítima, e por ela não deveria sentir-se culpada. O negacionismo ou a normalização da tortura e da violência fazem, contudo, que só reste a própria vítima como responsável pela prisão, tortura ou morte dos seus próprios companheiros, e que a já torturada consciência da vítima some-se o coro do senso comum da sociedade e até dos seus próprios camaradas. Isto leva a identificar o que fica oculto na segunda afirmação, o fato de que não foram os grupos de resistência que instauraram a ditadura, que depuseram um Presidente eleito pelo voto popular, que rasgaram uma Constituição construída por uma autêntica Assembleia Nacional Constituinte e que colocaram em ação um governo que assume como política sistemática a violação de direitos básicos da população. Quem fez isto foram os militares golpistas e os grupos sociais que os apoiaram. O culpado pela resistência não é quem resiste, mas sim o agressor que viola os seus legítimos e fundamentais direitos, ainda mais quando o faz a partir do assalto das estruturas e aparelhos do Estado. Não se pode culpar os jovens que aderiram à luta armada pela opção que fizeram, uma escolha dificílima e abnegada, mas antes disto, deve-se identificar a responsabilidade na instauração de uma ditadura que impedia de modo brutal a manifestação de qualquer ação política que lhe fosse contrária. Em suma, o aumento da brutalidade da ditadura deve-se a ela própria e aos agentes públicos e civis que a apoiaram. Até a Constituição de 1988, o cenário da transição brasileira quanto ao reconhecimento das vítimas da ditadura era o do negacionismo pleno. Até mesmo as reparações profissionais presentes na Lei N° 6683/1979 e na EC N° 26/1985 eram submergidas na ideia de apagamento da violência praticada pelo Estado e do sofrimento experimentado pelas vítimas. Muito embora a Constituinte tenha reacendido a ação política dos movimentos sociais e tenha gerado uma Constituição que trouxe muito mais direitos e princípios democráticos e de respeito aos direitos humanos que o controle ditatorial da transição estivesse disposto a tolerar, o fato é que não foram içadas à luz as contas não pagas da ditadura. Este cenário começa a experimentar alguma mudança com a constituição, em 1991 de uma Comissão de Representação Externa da Câmara dos Deputados para acompanhar as buscas no cemitério de Perus em São Paulo e apoiar as famílias dos desaparecidos. Iniciativa do Deputado Nilmário Miranda esta Comissão funcionou por

três anos e construiu um importante acúmulo para que surgisse em 1995, também por obra de Nilmário Miranda a Comissão Permanente de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que assumiu como primeira questão o reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pelos crimes da ditadura. Diante deste cenário e a partir da pressão feita sobre o então Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi editada a Lei N° 9.140/1995, que reconhece a responsabilidade do Estado brasileiro pelo desaparecimento de 136 pessoas e institui a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos para averiguar outros casos de desaparecimento e também de mortes, chegando-se ao montante, até agora, de 396 mortos e desaparecidos políticos. No ano de 2007 a CEMDP publicou o seu relatório no formato de um livro, intitulado "Direito à Memória e à Verdade"39, e que se tornou a primeira grande publicação estatal de reconhecimento dos crimes praticados pela ditadura. Muito embora, a Comissão tenha contado com comissionados que foram vítimas da ditadura e em suas investigações tenha contado também com o depoimento de tantas outras, ela não constituiu um espaço público de escuta das vítimas. Houve uma priorização do perfil investigativo da Comissão para elucidar as circunstâncias dos assassinatos e desaparecimentos. No ano de 2001, passada mais de uma década da promulgação da Constituição de 1988, é que finalmente veio a regulamentação do Art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Tal previsão constitucional é o marco jurídico-legal de um novo conceito de anistia no processo transicional brasileiro. Em primeiro lugar, é preciso registrar que ali o constituinte firmou, com clareza inequívoca, que a anistia era devida aos que “foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares”. Ou seja, nenhuma palavra aqui nem no resto do texto constitucional sobre anistia a crimes conexos ou aos que tenham promovido a repressão. Portanto, ao contrário do que foi argumentado no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 153 no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a anistia aos agentes da ditadura não foi recebida pelo texto constitucional de

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BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007.

198840. Por outro lado, também não foi expressamente repudiada. De todo modo, ao não mencionar o tema e ao assinalar o forte repúdio à tortura, considerada crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia41, a partir dos seus princípios e direitos fundamentais, a Constituição revela-se um local muito pouco confortável para abrigar a anistia aos crimes conexos, entendida como a anistia aos crimes dos agentes da ditadura. Há uma evidente contradição principiológica e valorativa no argumento de que a Constituição brasileira de 1988 endossa a anistia a tais crimes. Além de excluir da sua apreciação a anistia aos crimes da ditadura, o Artigo 8º do ADCT lançou as bases de uma verdadeira política de reparação aos ex-perseguidos políticos. Porém, como era de se esperar naquele ambiente ainda mutilado politicamente, contaminado pelo esquecimento forçado e seguido de perto pelo autoritarismo, a lei regulamentadora dessa política de reparação sinalizada pelo texto constitucional só viria à luz mais de 20 anos depois, mais precisamente em 2001. Os anistiandos brasileiros, organizados em Associações representativas, finalmente conseguiram se articular o suficiente para pressionar o governo Fernando Henrique Cardoso a regulamentar o Art.8° do ADCT via Medida Provisória, a MP N° 2.151 de 2001, com a participação do então Ministro da Justiça José Gregori. Registrese que o mesmo governo já tinha o mérito da instauração da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e do reconhecimento oficial da prática do desaparecimento forçado por parte do Estado brasileiro na Lei N° 9.140 de 1995, o que também foi o resultado da decisiva mobilização dos amigos e familiares de mortos e desaparecidos políticos42. Posteriormente, a MP N° 2.151/2001 foi convertida na Lei N° 10.559/2002. A nova lei de anistia, além de prever direitos como a declaração de anistiado político, a reparação econômica, a contagem do tempo e a continuação de curso superior 40

                                                                                                                       

Nesta altura, nos servimos dos apontamentos realizados em: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. A ambiguidade da anistia no Brasil: memória e esquecimento na transição inacabada. In: PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virginia Prado (orgs.). Direito à verdade e à justiça. Belo Horizonte: Forum, 2013. prelo. 41 No Art. 5º, XLIII a Constituição estabelece esta condição, complementada pela Lei 9.455/97. Importa mencionar, além disso, o Art. 5º, §4º que reconhece a submissão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional. O Tratado de Roma penetra a ordem jurídica interna brasileira por força do Decreto Legislativo Nº 4.388/2002, estabelecendo explicitamente que a tortura praticada de forma sistemática a parcelas da população civil, ou seja, como prática de um crime contra a humanidade é imprescritível. Por fim, a Constituição demarca no Art. 5º, XLIV que "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". Ora não foi exatamente isto que fizeram os militares golpistas de 1964, com o apoio de grupos civis? 42 Importante também mencionar os esforços de diversas Comissões especiais formadas nos diferentes Estados da Federação com o intuito de fornecer reparações civis aos que sofreram sevícias e maus tratos nas mãos dos agentes da ditadura.

interrompido ou reconhecimento de diploma obtido no exterior, institui a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, e que fica responsável pela apreciação e julgamento dos requerimentos de anistia43. Observando a atuação da Comissão de Anistia, desde a sua criação, e, especialmente, durante o segundo mandato do Presidente Lula, a condução do Ministério da Justiça por Tarso Genro e a presidência da Comissão por Paulo Abrão Pires Junior, percebe-se uma radical mudança na concepção da anistia como política de esquecimento. Em primeiro lugar, ao exigir a verificação e comprovação da perseguição política sofrida44, a lei de anistia acaba suscitando a apresentação de documentos e narrativas que trazem de volta do esquecimento os fatos que haviam sido desprezados pela anistia de 1979. Passa a ser condição para a anistia a comprovação e detalhamento das violências sofridas pelos perseguidos políticos. Nas sessões de julgamento da Comissão de Anistia, os requerentes que estão presentes são convidados a se manifestarem, proporcionando em muitos casos importantes testemunhos, que são devidamente registrados. Os autos dos processos contêm uma narrativa muito diferente daquela que está registrada nos arquivos oficiais. Os processos da Comissão de Anistia fornecem a versão daqueles que foram perseguidos políticos pela ditadura militar, contrastando com a visão, normalmente pejorativa que sobre eles recai a partir dos documentos produzidos pelos órgãos de informação do período. Durante a gestão de Tarso Genro no Ministério da Justiça e de Paulo Abrão Pires Junior como Presidente da Comissão de Anistia, a Comissão passou a implementar políticas de memória. Umas das mais expressivas e que vem alcançando grande repercussão nacional são as Caravanas da Anistia. Nelas, a Comissão se desaloja das instalações do Palácio da Justiça em Brasília e percorre os diferentes Estados brasileiros para julgar requerimentos de anistia emblemáticos nos locais onde as

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A Comissão é composta hoje por 25 Conselheiros e Conselheiras escolhidos e nomeados pelo Ministro da Justiça, e liderados pelo Presidente da Comissão de Anistia, também escolhido pelo Ministro. Dos membros da Comissão um necessariamente representa o Ministério da Defesa e outro representa os anistiandos. Os membros da Comissão possuem, quase todos, formação jurídica, e, de um modo geral, atuam na área dos direitos humanos. Os Conselheiros não recebem pagamento pelo seu trabalho, considerado, de acordo com a lei, de relevante interesse público. O conselho funciona como um tribunal administrativo, mas a responsabilidade final da decisão é do Ministro da Justiça, completando-se o processo de anistia apenas após a assinatura e publicação da Portaria Ministerial. 44 Em seu art. 2º, a Lei 10.559/2002 prevê ao todo 17 situações de perseguição por motivação exclusivamente política que justificam o reconhecimento da condição de anistiado político e os direitos dela decorrentes. Aqui estão prisões, perda de emprego, ser compelido ao exílio, ser atingido por atos institucionais, entre outras situações.

perseguições aconteceram, realizando os julgamentos em ambientes educativos como Universidades e espaços públicos e comunitários45. Durante esses julgamentos, todos os procedimentos, inclusive os debates e as divergências entre os Conselheiros e as Conselheiras, são realizados às claras, diante de todos os presentes e contando sempre com o testemunho emocionado de muitos anistiandos e anistiandas. Esses testemunhos expressam de modo cristalino as características do testemunho como ligação entre memória e história. A experiência das Caravanas da Anistia permite que se vivencie algo insubstituível: testemunhar o testemunho. A narrativa do sofrimento é quase impossível, mas, como disse Adorno, é a condição de toda verdade46. É a possibilidade de recolocar no plano simbólico a violência negada e repetitiva47. Os efeitos multiplicadores e educadores das Caravanas são visíveis. Elas dialogam com públicos de jovens, adultos e idosos provenientes dos mais diferentes grupos sociais, projetando-se igualmente em inúmeros registros da mídia impressa48 e televisiva. O momento alto das Caravanas e de todas as sessões de apreciação de requerimentos de anistia é, sem dúvida alguma, a realização dos testemunhos sempre que os requerentes ou seus conhecidos e familiares encontram-se presentes. Significativo também, o que já indica a mudança de sentido da anistia a partir das 45

                                                                                                                       

Até março de 2013, 66 Caravanas foram realizadas em todo o Brasil. Em recente publicação, apoiada pelo Projeto Marcas da Memória, está o detalhamento das primeiras 50 Caravanas realizadas acompanhado de textos escritos sobre o significado das Caravanas, de autoria de diversas personalidades dentre artistas, intelectuais, pesquisadores, ex-perseguidos políticos, juristas, jornalistas, entre outros. Ver: COELHO, Maria José H.; ROTTA, Vera (orgs.). Caravanas da Anistia: o Brasil pede perdão. Brasília: Ministério da Justiça; Florianópolis: Comunicação, Estudos e Consultoria, 2012. Uma descrição mais sucinta de todas as Caravanas realizadas de 2007 a 2010 pode ser vista em: Ações Educativas da Comissão de Anistia - relatório de gestão 2007-2010. Brasília: Ministério da Justiça, 2010. Para as Caravanas mais recentes, inclusive com vídeos, entrevistas e transcrição de depoimentos, ver o Blog do Ministério da Justiça no site: http://blog.justica.gov.br. 46 ADORNO, Theodor W. Dialectica negativa. Tradução de Alfredo Brotons Muñoz. Madrid: Akal, 2005. p.28. 47  Em 2012, em meio ao Festival de Cinema do Rio de Janeiro, ocorreu o lançamento do documentário "Eu me lembro", de Luiz Fernando Lobo, que faz um registro das Caravanas da Anistia a partir das filmagens feitas em todas as Caravanas ocorridas e contando com entrevistas das pessoas que foram anistiadas nessas Caravanas. O filme foi financiado com verba do Edital Marcas da Memória. Divulgado anualmente desde 2010 o Edital Marcas da Memória faz parte das políticas de memória executadas pela Comissão de Anistia e tem por objetivo destinar verba pública a projetos culturais, artísticos e científicos voltados ao resgate da memória política brasileira. Ver: BAGGIO, Roberta Camineiro. Marcas da Memória: a atuação da Comissão de Anistia no campo das políticas públicas de transição no Brasil. In: Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, Vol. 48, N. 2, p. 111-118, mai/ago 2012. 48 Ver: SILVA FILHO, José Carlos. A Comissão de Anistia e a Concretização da Justiça de Transição no Brasil - Repercussão na Mídia Impressa Brasileira - Jornal O Globo - 2001 a 2010. In: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da; TORELLY, Marcelo Dalmás; ABRAO, Paulo (Orgs.). Justiça de Transição nas Américas - olhares interdiscilinares, fundamentos e padrões de efetivação. Belo Horizonte: Forum, 2013. prelo.

práticas da Comissão e do que estabelece o texto constitucional, é o pedido formal de desculpas em nome do Estado brasileiro aos que por ele foram perseguidos no passado49. Tal pedido é formulado de viva voz pelo Presidente da sessão ao comunicar o resultado de deferimento do pedido e integra o texto do voto vencedor50. 49

                                                                                                                       

Diante disto e de tantas outras ações que vem sendo desenvolvidas pela Comissão de Anistia soa no mínimo incompreensível a crítica feita por Glenda Mezarobba de que o fato de a Comissão ser chamada de Comissão de "Anistia" seja o suficiente para desacreditar as suas ações. A autora parece não perceber o aspecto libertário e memorialístico presente na palavra "anistia" e o seu caráter historicamente ambíguo no Brasil. Ela ainda afirma o seguinte: "Como se pode conceber que tais perseguidos precisem, ainda hoje, ingressar no órgão instalado no Ministério da Justiça com um pedido de anistia política e, em caso de tal pedido ser aceito, aguardar pela publicação da 'concessão do benefício' no Diário Oficial da União, exatamente como era no governo do general João Baptista Figueiredo, depois da aprovação da anistia? Por que as vítimas, e não o Estado, têm de pedir perdão pelos sofrimentos que lhes foram impingidos? Isso sem mencionar as recém-criadas Caravanas da Anistia, parte integrante de um projeto de educação em direitos humanos da comissão, cuja proposta é percorrer todos os estados do país, difundindo 'conhecimento histórico' e buscando mobilizar a sociedade para o tema, inclusive com o julgamento de casos, algumas vezes na presença do próprio ministro da Justiça. Se em sentido amplo o significado da anistia é esquecimento, o que seria isso, senão a permanência da lógica do arbítrio, da falta de memória, da omissão, ainda que em sua concepção os objetivos a serem realizados possam ser outros?" (MEZAROBBA, Glenda. O processo de acerto de contas e a lógica do arbítrio. In: SAFATLE, Vladimir; TELES, Edson [Orgs.]. O que resta da ditadura - a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010. p.117). Ora, pressupõe-se que todo o pesquisador quando se debruça sobre um fato da realidade que estuda busque fazê-lo aproximando-se deste fato. Diante das observações feitas pela autora, é possível deduzir que não ocorreu, no seu caso e com relação às Caravanas da Anistia, tal aproximação. Para começar, quem pede perdão, como já foi mencionado, não são as vítimas e sim o Estado. Em segundo lugar, a anistia da qual trata a Lei N° 10.559/2002 e a Constituição em seu Art. 8° do ADCT não é a anistia penal, volta-se para o aspecto da reparação. Tanto a Lei N° 6683/1979 como a EC N° 26/1985, além de tratarem da anistia penal, também estabeleceram, ainda que de modo restrito, o direito à reparação, o que ajuda a explicar porque o tema da reparação ficou vinculado ao tema da anistia. Porém, a Constituição de 1988 desvincula a reparação da idéia de "crime político" e a aproxima do conceito de "perseguição política", mudando radicalmente o sinal. O fato de esta reparação, que não é só econômica, mas é também moral, ser chamada de "anistia" não a torna algo arbitrário e tampouco a vincula à noção de esquecimento. O significante anistia comporta outros significados, especialmente em um país como o Brasil, no qual o termo tem experimentado flagrante ambiguidade, já que expressa igualmente uma conquista obtida por impressionante mobilização popular e estabelece o marco da redemocratização brasileira (Ver: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. A ambiguidade da anistia no Brasil: memória e esquecimento na transição inacabada. In: PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virginia Prado [orgs.]. Direito à verdade e à justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2013. prelo). Quanto ao reclamo de Mezarobba de que o procedimento da concessão da reparação seja igual ao da época de Figueiredo, importa dizer que o Estado não deve mesmo conceder de ofício tal reparação. É um direito do ex-perseguido político querê-la ou não, havendo até mesmo os que a repudiam. E é claro que o pedido deverá ser analisado e, caso concedido, que a decisão seja publicada mesmo no Diário Oficial da União, como o devem ser todos os atos públicos. Basta lembrar que cerca de 34% dos pedidos feitos à Comissão foram indeferidos, e que muitos não guardavam qualquer relação com a perseguição política praticada na ditadura. Por fim, as aspas que a autora coloca na expressão "conhecimento histórico", atribui uma conotação pejorativa às Caravanas da Anistia, o que é grave caso nos lembremos de que nelas o ponto alto é justamente o testemunho dos que foram perseguidos politicamente. Figuras como Clara Scharf, Teodomiro Romeiro dos Santos, Gilney Vianna, João Vicente Goulart Filho, Joseph Comblin, Rose Nogueira, Alípio Freire, Maurice Politti, Perly Cipriano, Suzana Lisboa, Iara Xavier Pereira, Raul Pont, Hildegard Angel, Carlos Eugênio da Paz, Denise Crispim, e tantos outros já deram seu testemunho em Caravanas que reunem jovens, adultos e idosos em locais públicos e espaços educativos. Afirmar que estes e tantos outros testemunhos não contribuem para divulgar conhecimento histórico sobre a ditadura é no mínimo estranho. 50   Reforçando o reconhecimento do dano transgeracional, a Comissão de Anistia, tanto em meio às Caravanas como em meio às suas audiências regulares em Brasília já promoveu sessões de apreciação de requerimentos de filhos de perseguidos políticos, que reivindicavam prejuízos próprios pela perseguição

Ampliando a reparação e evidenciando o cuidado e a preocupação com o olhar das vítimas da repressão ditatorial, a Comissão de Anistia lançou em março de 2013 o Projeto Clínicas do Testemunho, que pretende fornecer assistência psicológica aos que foram atingidos pela repressão política. O projeto contou em sua preparação com o auxílio de especialistas da área e será executado em parceria com instituições aprovadas em Edital público que receberão verba, apoio e estrutura para dar conta de prover essa assistência51. Na prática, portanto, a Comissão de Anistia tem se revelado o único espaço público de escuta das vítimas da ditadura civil-militar no conjunto dos mecanismos transicionais implementados no Brasil. Mas não deveria ser assim. Em nosso entendimento, a Comissão Nacional da Verdade, instalada no início de 2012 a partir da Lei N° 12.528/2011 deveria igualmente se transformar em um espaço público do testemunho dos perseguidos pela ditadura. Uma das principais razões é a alta visibilidade e mobilização social das quais se revestiu o processo de discussão, criação e constituição da CNV. Seria a ocasião perfeita para ampliar os importantes e necessários efeitos da escuta pública do testemunho, o que poderia ser feito até mesmo mediante convênios com canais públicos de televisão para amplificar o impacto dos testemunhos,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             que seus pais sofreram, seja por terem sido diretamente atingidos pela brutalidade dos agentes da repressão, seja por terem sido forçados a viver no exílio ou na clandestinidade ou serem estigmatizados como filhos de terroristas e subversivos. Alguns dos casos mais marcantes são os de Eduarda Crispim Leite e Carlos Alexandre Azevedo. Eduarda Crispim Leit teve o seu requerimento de anistia apreciado e deferido no dia 06/03/2009. Emocionada, em seu testemunho narrou sobre o drama de nunca ter conhecido pessoalmente o seu pai, Eduardo Leite, o Bacuri, morto após intermináveis torturas praticadas pelos agentes da repressão quando ela ainda estava no ventre materno, e do seu pai não ter quase nenhum registro ou objeto pessoal, já que ele vivia mergulhado na clandestinidade. O caso de Eduarda e também de Denise Crispim, sua mãe, é contado de modo profundo e delicado no filme "Repare Bem", dirigido pela atriz portuguesa Maria de Medeiros e financiado por verba oriunda do Edital Marcas da Memória. O filme "Repare Bem" foi lançado em meio à 55a. Caravana da Anistia, feita na Cinemateca em São Paulo no dia 08/03/2012 em homenagem ao dia da mulher. Já o caso de Carlos Alexandre Azevedo foi apreciado e deferido no dia 13/01/2010, e em seu testemunho ele afirmou o quanto era importante poder falar do que passou e se sentir compreendido pelo Estado ali representado pela Comissão. Em matéria publicada na Revista Isto É em janeiro de 2010 afirmou: “Muita gente ainda acha que não houve ditadura nem tortura no Brasil. No julgamento, em Brasília, me senti compreendido. As pessoas sabiam que o que eu vivi foi verdade. A indenização não vai apagar nada do que aconteceu na minha vida. Mas a anistia é o reconhecimento oficial de que o Estado falhou comigo. Para mim, a ditadura não acabou. Até hoje sofro os seus efeitos. Tomo antidepressivo e antipsicótico. Tenho fobia social” (AZEVEDO, Solange. "A ditadura não acabou". In: Isto É independente, n.2099, 29 janeiro de 2010. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/46424_A+DITADURA+NAO+ACABOU+. Acesso em 19/04/2013). Como já foi destacado acima, infelizmente Carlos Alexandre não resistiu às sequelas nele deixadas pela brutalidade da ditadura e veio a se suicidar em fevereriro de 2013. 51 O projeto será executado primeiramente nas cidades de São Paulo, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro, com a expectativa de ampliação para outras cidades em uma segunda fase. Para maiores informações ver: http://blog.justica.gov.br/inicio/tag/clinicas-do-testemunho/ (Acesso em 14.04.2013). Outro aspecto digno de nota é que a experiência das Clínicas do Testemunho poderá ser aproveitada para que se efetive um projeto semelhante para o tratamento de vítimas das atuais práticas criminosas de agentes públicos, especialmente, da tortura, ainda numerosa no país.

lembrando, por exemplo, o que ocorreu na Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul. Todavia, passado já um ano da constituição da CNV, o que se percebe é a eleição de uma estratégia eminentemente investigativa, o que traz dois graves problemas: o testemunho vira depoimento, e as audiências são secretas52. Membros da CNV tem repetido que o produto principal da Comissão será o relatório final e que, portanto, os depoimentos das vítimas, assim como o dos perpetradores deverá ser secreto, pois do contrário as investigações seriam prejudicadas. Cremos, porém, que o tom investigativo deveria se concentrar mais em relação às falas dos perpetradores, estas sim entendidas como depoimentos. Não vemos razão para fazer o mesmo com os testemunhos das vítimas. Os testemunhos se traduzem em práticas terapêuticas para as vítimas; ao mesmo tempo em que são momentos pedagógicos para o conjunto social, pois este passa ao menos, a discutir a eleição dos “bodes expiatórios” e rever os rótulos de “inimigos sociais” impostos por quem usurpara o poder. Neste aspecto, o caso brasileiro, tão repleto de singularidades, ainda que pesem os longos anos de política do esquecimento, de impedimento dos testemunhos, de instrumentalização com a posterior “banalização” da tortura; pode apresentar soluções diferenciadas e mais integradas para uma política pública de reparação das vítimas. Em outras palavras, uma das grandes vantagens de se fazer uma Comissão da Verdade muitos anos depois da reabertura democrática, é que já não será preciso ou justificável, que tal Comissão se curve aos vícios do poder (como aconteceu nos países vizinhos). Outro fator importante, é que a Comissão da Verdade brasileira, pode aprender com os erros cometidos pelas Comissões da Verdade anteriores, no

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Compartilham dessa avaliação Marcelo Cattoni e Emilio Peluso: "(...) há uma série de razões para que uma comissão estabeleça audiências públicas. Elas podem permitir um envolvimento maior da sociedade na questão de revolver devidamente seu passado em prol de um dever consciente de memória; encorajam o conhecimento do sofrimento de vítimas que pode cooperar para a diminuição da negação da verdade por amplos setores da sociedade; e, também, tornam o próprio trabalho da comissão mais suscetível de ser compreendido por toda a esfera pública. Isto torna possível mudar o foco para unicamente a produção do relatório final, deslocando-o para o próprio processo de desenvolvimento da busca pela verdade. O exemplo sul-africano, neste ponto, é marcante: horas de relatos eram transmitidos ao vivo pelas rádios, assim como um programa semanal de resumo dos depoimentos alcançou um dos maiores índices de audiência da televisão local (OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; MEYER, Emilio Peluso Neder. Comissão Nacional da Verdade e sigilo: direito à memória e à verdade? Revista Internacional Direito e Cidadania, São Paulo, Edição Especial Dr. Rômulo Gonçalves: A verdade e o acesso à informação como direitos humanos, 2013).

continente53; neste caso, sendo de suma importância o espaço dado ao testemunho como espaço de escuta das vítimas. Neste sentido, há uma brutal diferença no tratamento dado à palavra das vítimas, dentro do âmbito do testemunho e na maneira de se acolher a palavra dos seus algozes, esta última sob a forma de depoimento. Enquanto a primeira possibilita a narrativa do trauma, com a aceitação da linguagem no sentido mais amplo, com a publicização dos testemunhos para que mais pessoas possam ser ouvintes da história revivida; a segunda tem a necessidade de buscar informações que até hoje foram negadas, constituindo-se do aspecto investigativo, assim como se faz em qualquer produção de inquérito. Tal decisão não é uma tarefa fácil, porém, é o que diferencia uma Comissão comprometida com o direito à verdade, de outras constituídas apenas formalmente pelo Estado. Contudo, a Comissão brasileira se aproxima de quase 01 ano de funcionamento, sem estabelecer vínculos de transparência com a sociedade sobre o trabalho até então desenvolvido. Apesar do site da Comissão ter ganhado muito em qualidade nos últimos meses54, tornando-se mais acessível ao cidadão, ainda falta o estabelecimento da comunicação direta com os grupos sociais e a prestação de contas das atividades desenvolvidas, por meio de relatórios periódicos, para que seja possível haver certa ciência de qual caminho será traçado até o relatório final55.

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Um dos estudos recentes sobre as Comissões da verdade foi o de Eduardo González Cuevas, no qual o autor disserta acerca da evolução das Comissões conforme os Estados e as situações de violência massiva, em que surgiam, inclusive refere que, hoje em dia, as Comissões da verdade tem se desenrolado de uma maneira mais complexa e com a tendência a tratar de temas de violência massiva que se perpetuam também nos Estados com regimes democráticos: “assim, por exemplo, hoje seria provavelmente inaceitável que o mandato de uma comissão não mencionasse explicitamente a violência contra as mulheres, contra as crianças e outros setores especialmente vulneráveis ou marginalizados. Ao mesmo tempo, este compromisso com as diversidades resulta em uma ampliação das capacidades técnicas desejadas às pessoas das comissões.” CUEVA, Eduardo González. Até onde vão as comissões da verdade? In: REÁTEGUI, Félix (org.). Justiça de transição: manual para a América Latina. Brasília: Comissão de Anistia, Ministério da Justiça; Nova Iorque: Centro Internacional para a Justiça de Transição , 2011.p.348. 54  Ver: http://www.cnv.gov.br (Acesso em 19/04/2013). 55 Em matéria vinculada no dia 31 de janeiro de 2013, o jornal Brasil de Fato, trouxe as análises parciais do observatório da Comissão da Verdade, realizado por três pesquisadoras do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Segundo a reportagem “Um dos pontos destacados pelo relatório é a ausência de divulgação sistemática dos trabalhos da CNV, algo que poderia ser aprimorado para viabilizar uma mobilização mais intensa da sociedade. A publicação de relatórios parciais seria o caminho adequado, porém essa prestação de contas tem acontecido apenas por meio de notícias no site que são replicadas nas redes sociais Facebook e Twitter. “Essa prestação de contas com notícias é vaga em vários sentidos e essa é a transparência que tem se delineado”, aponta Moniza. Segundo o relatório, não é possível identificar nem mesmo quantas pessoas foram ouvidas pelos comissionados até agora, tampouco todos os assuntos abordados nas oitivas” (VIRISSIMO, Vivian. Métodos da Comissão da Verdade dificultam monitoramento. In: Brasil de Fato, 30 jan. 2013. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/11780 . Acesso em 19/04/2013).

Por outro lado, ressalta-se a importância da atuação das Comissões Estaduais da Verdade, criadas via decreto dos governadores ou via procedimento legislativo (como por exemplo, a Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” de São Paulo). O trabalho destas Comissões pode auxiliar qualitativa e quantitativamente as investigações da Comissão Nacional. Mas para isto, é necessário em primeiro lugar o aparelhamento de suas estruturas físicas - pois seus membros também são poucos – que pode ocorrer com a cessão de funcionários públicos pelos poderes que as instituíram. Contudo, mais além de um corpo de funcionários é preciso também que tais Comissões estejam dispostas a trabalhar em rede, por meio de Convênios de pesquisa com Universidades e também com outros órgãos ou organizações que tratem dos demais aspectos envolvidos na reparação às vítimas. 4. Considerações Finais O que é necessário compreender é que o testemunho não se esgota e nem se inicia com o ato performativo diante das Comissões da Verdade, pois necessita de um acolhimento anterior, prestado pelas redes e de um acompanhamento profissional posterior, dado por especialistas no tratamento de traumas sociais, a fim de que a vítima não seja “torturada” novamente pelas lembranças traumáticas. As ações empreendidas pela Comissão de Anistia tem servido de importante contraponto a esta tendência, mas é preciso que elas sejam ampliadas nas práticas das instituições e da sociedade. Ressaltamos a intermitência do testemunho, porque a incipiente experiência brasileira tem demonstrado dificuldades em atuar de maneira transdisciplinar no tratamento do trauma, o que pode gerar sérios danos futuros, como o de transformar o que deveriam ser espaços do testemunho, em lugares de inquisição das vítimas, sem sua escuta, verticalizados, construídos sem a participação social ou sem o objetivo de instaurar novos vínculos políticos. O risco que se corre é o de transformar os testemunhos, ora experiência, linguagem performativa e sentimentos de histórias particulares e coletivas, em letras mortas consignadas no relatório final, sem o caráter imprescindível da cumplicidade popular. Como as Caravanas da Anistia têm mostrado plenamente, o essencial nesta batalha pela memória é a promoção de um processo de educação em Direitos Humanos e sensibilização de jovens, adultos e idosos, que tem a oportunidade de presenciar o testemunho dos ex-perseguidos políticos. Tratar o testemunho apenas como depoimento

é desperdiçar uma grande chance. No momento em que se escreve este artigo resta ainda mais um ano de trabalho para a CNV, com alguma possibilidade de que haja uma ampliação do prazo de funcionamento, dadas as pressões que já se iniciam a partir de movimentos sociais organizados. Esperamos que ainda seja possível reverter a tendência até aqui esboçada de deixar em segundo plano o testemunho. De todo modo, independentemente dos rumos que a CNV venha a tomar até a conclusão dos seus trabalhos, são promissores os resultados a serem colhidos pelas ações de acolhimento dos testemunhos das vítimas que vem sendo praticadas pela Comissão de Anistia. E, certamente, a apresentação do relatório final da CNV não encerrará o processo transicional brasileiro, ainda carente de muitos avanços e etapas, como nos mostra a pendência de uma condenação internacional do país diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja sentença ainda está longe de ser plenamente cumprida, e como nos mostra a timidez do Brasil em promover a necessária reforma das suas instituições de segurança pública. A simbolização da violência sofrida pode e deve ser promovida e incentivada por políticas públicas, mas não se esgota nas medidas oficiais, pelo contrário, adquire força e significado pela participação do povo que sofreu tamanhas injustiças, quando se colore a rua, de memórias e de esperanças. 5. Referências bibliográficas Ações Educativas da Comissão de Anistia - relatório de gestão 2007-2010. Brasília: Ministério da Justiça, 2010. ADORNO, Theodor W. Dialectica negativa. Tradução de Alfredo Brotons Muñoz. Madrid: Akal, 2005. AZEVEDO, Solange. "A ditadura não acabou". In: Isto É independente, n.2099, 29 janeiro de 2010. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/46424_A+DITADURA+NAO+ACABOU+. Acesso em 19/04/2013. BAGGIO, Roberta Camineiro. Marcas da Memória: a atuação da Comissão de Anistia no campo das políticas públicas de transição no Brasil. In: Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, Vol. 48, N. 2, p. 111-118, mai/ago 2012. BENJAMIN, Walter. O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura – Obras escolhidas I. 7.ed. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet . São Paulo: Brasiliense, 1994. [Obras Escolhidas; v.1]. p. 197-221.

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