Os trombones do Honk Rio: A presença do trombone no movimento Neo fanfarrista do Rio de Janeiro.

June 25, 2017 | Autor: O. Estevam Júnior | Categoria: Trombone, Rio de Janeiro, Honk! Bands, Trombone Performance, Honky Tonk
Share Embed


Descrição do Produto

IV Simpósio Acadêmico da Associação Brasileira de Trombonistas, apresentado em 23/09/2015, na UFPB, em João Pessoa, Paraíba.

Relato de experiência apresentado em forma de artigo por Osmário Estevam Júnior, Bacharel em Composição em Regência pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP) e mestre em Musicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os trombones do Honk Rio: A presença do trombone no movimento Neo fanfarrista do Rio de Janeiro.

Resumo: Este artigo traz um relato de experiência, ilustrando a participação dos trombonistas no Festival Honk Rio. É feita uma breve descrição sobre o movimento Neo fanfarrista no Rio de Janeiro. Realiza-se uma análise do desempenho de alguns trombonistas durante o festival. São colhidos depoimentos destes sobre as suas performances e posturas dentro de uma fanfarra ativista. Palavras chave: Fanfarra de rua, trombone, ativismo, Honk Rio, performance musical, ensino de música.

Abstract: This paper presents an experience report, illustrating the participation of trombonists in Festival "Honk Rio". A brief description of the movement "Neo fanfarrista" in Rio de Janeiro is made. A performance analysis of some trombonists during the festival takes place. These are statements collected about their performances and attitudes within an activist fanfare. Keywords: street fanfare, trombone, activism, Honk Rio, musical performance, music education.

Entre os dias 6 e 9 de agosto, a cidade do Rio de Janeiro foi palco do primeiro festival de fanfarras ativistas realizado no Brasil, o Honk Rio 2015. Este festival foi idealizado por membros de fanfarras cariocas e teve verba custeada por doações realizadas através de um “Crownfounding”1. O termo “Fanfarra”, neste caso, é usado para definir qualquer tipo de banda de rua. Acredita-se foi usado desta maneira no Rio de Janeiro por influência de músicos europeus, em especial franceses, que atuaram no Brasil. O surgimento do movimento Neo Fanfarrista no Rio de Janeiro está relacionado com o ressurgimento dos blocos de rua nos últimos 10 anos, fazendo com que muitos músicos se articulassem para montar grupos, sendo que alguns destes acabaram sobrevivendo durante o ano todo. Além disso, a melhoria da condição de alguns bairros da cidade, possibilitou uma melhor ocupação dos espaços públicos, criando-se coletivos urbanos

1

Sistema de doação pela internet.

organizados pelas comunidades dos bairros e responsáveis por incentivar a arte e a cultura local. Assim, muitas destas fanfarras encontram refúgio para seus ensaios e apresentações. Entre os grupos que se destacaram desde a origem do movimento estão blocos como O Céu na Terra, Cordão do Boitatá e a Orquestra Voadora. Esta última criou uma oficina que funciona durante todo o ano e tem trabalhado com uma quantidade bastante grande de alunos. Existem muitas outras fanfarras, cada uma com uma temática. Alguns voltados para rock e suas versões, como Os Siderais2. Há outras que contém muitos músicos de formação acadêmica, como a Fanfarrada, de música Latina, e a Go East Orkestar, de música balcânica. Também vale o destaque para uma fanfarra só com mulheres, as Damas de Ferro. De um modo geral, a cada ano surgem vários grupos e a tendência é que o movimento cresça, sendo que a oficina da orquestra voadora é uma das principais responsáveis pela formação destes músicos, mas também há a Escola Portátil de Música e uma série de professores que ajudam a preparar todo este pessoal. A Oficina da Orquestra Voadora valoriza o engajamento cultural através da prática coletiva. Ao fim das lições a lei é tocar, ‘botar a boca no trombone’, literalmente ou não. A maioria destas Fanfarras se envolve em manifestações políticas dentro das mais variadas causas, mas também em grandes mobilizações culturais produzidas pelos coletivos urbanos, como feiras, sarais, festivais, e demais eventos deste tipo. É por isso que eles chamam o movimento de Fanfarrismo Ativista, por causa do engajamento com os movimentos populares militantes. Porém, no carnaval, onde as fanfarras sempre se fazem presente, não existe necessariamente um compromisso político e ideológico, mas existe sim o compromisso com a alegria e com a confraternização. Sendo assim, o espirito de comunidade é fortalecido entre os “fanfarrões” do Rio e podemos identificar a criação de uma legítima “Comunidade de Prática”. Este termo, “Comunidade de Prática” (Community of Pratice – CoP), foi criado por Etienne Wenger e pela antropóloga Jean Lave, em 1919. Para Wenger (2006), esta expressão se refere a um grupo de pessoas envolvidas em torno de um aprendizado coletivo ou que partilhem um interesse comum. Sendo assim, a prática torna-se um fator essencial para caracterização do grupo como tal e a aprendizagem um fator relativo. Para Wenger são necessários o domínio (tema de interesse), a comunidade e a prática. Em seu

2

Os Siderais foi a primeira fanfarra brasileira a participar do Festival Honk Tonk, nos Estados Unidos, em 2014. Um de seus músicos, o tubista e trombonista Juliano Pires, o Juba, foi o principal idealizados do Festival Honk Rio.

livro Communities of Practice: Learning, Meaning, and Identity (1991), Wenger se refere à prática como a fonte de coerência (engajamento mútuo, empreendimento conjunto e repertório compartilhado) dessas comunidades. Diante disso, ao analisarmos as pessoas envolvidas em eventos como o do Honk Rio como uma Comunidade de Prática, podemos identificar alguns elementos que caracterizam o engajamento desta coletividade. Entre eles está a prática, que é algo valorizado pelos próprios professores das oficinas que são oferecidas durante o festival. Preocupado em entender melhor a importância desta prática para os trombonistas alunos destas fanfarras, pensando de um modo a desenvolver futuramente uma pedagogia que auxilie no desenvolvimento técnico instrumental deles, mas sem oprimir o seu direito à livre expressão, resolvi entrevistar alguns músicos do trombone, afim de entender como eles pensam a performance deles dentro de todo este contexto. Escolhi 6 trombonistas, sendo dois estrangeiros, duas brasileiras e outros dois brasileiros. A seguir estarão os relatos de depoimentos concedidos por e-mail com temas sobre formação musical, motivação para tocar trombone numa fanfarra ativista, técnica e interpretação. O primeiro depoimento foi de A. C. Muñoz. Ele tem 28 anos, é trombonista da Fanfarra Rim Bam Bum, de Santiago, no Chile. Esta fanfarra foi um dos destaques do Honk Rio, apresentando música latina e mostrando um alto nível musical, além de uma excelente presença visual. Ele começou seus estudos aos 19 anos, na Banda dos Bombeiros de Santiago, estudando técnica de trombone, leitura e teoria musical. Depois manteve-se por conta própria, através de livros de estudo! Muñoz diz tentar trazer a consciência social para todas as suas atividades, sendo a banda uma ferramenta útil para o ativismo. Além disso, ele afirma que seus músicos favoritos usaram a música como arma de luta social e pretende fazer o mesmo. Ele considera uma banda ativista aquela que se une a manifestações ou que participa de organizações, e não apenas aquela que só toque música. Com relação a maneira de tocar neste tipo de grupo, Muñoz afirma: Como o terreno de uma fanfarra ativista é geralmente a rua, um trombonista desta formação necessita de uma boa técnica para poder executar uma música com o volume e sonoridade, além de uma boa resistência, necessários para contagiar o público com energia e movimento, já que o público não espera apenas uma banda que soe bem, também espera um espetáculo de formas, cores e movimentos (MUNÕZ, depoimento em agosto de 2015).

O segundo depoimento foi de C. Dixon, 26 anos, trombonista da fanfarra (Street Band) Environmental Encroachment, de Chicago, nos Estados Unidos. Ele começou a tocar trombone na High School, sendo que antes participava de um coral. Tocou em uma

banda ativista pela primeira vez por ser a única Marching Band ou Brass Band que conseguiu encontrar, mas afirma ter aprendido mais sobre como bandas deste tipo podem ajudar a trazer apoio e mudança social no mundo, pois ele se tornou um “viciado pela vida”! Dixon entende que o termo “Fanfarra Ativista” significa que existe um grupo que irá utilizar seus talentos musicais para ajudar a promover causas que julguem ser importantes para o bem do ser humano. Para ele “a música é uma energia muito poderosa que pode afetar as pessoas, e quando essa energia é aplicada em uma boa causa, as possibilidades são infinitas” (DIXON, depoimento em 2015). Além disso, Dixon diz que para tocar trombone numa banda independente é necessário no mínimo saber o básico do domínio técnico trombone, mas é importante conhecer o papel e a natureza do instrumento bem. Ele afirma que o trombone pode ser um instrumento de grande versatilidade, pois “tem uma natureza voltada para ser solidário com os outros instrumentos, ajudando ao tocar notas da harmonia, linhas de baixo e melodias em contracanto, mas, apesar disso, costuma ir muito bem tocando melodias principais” (DIXON, 2015). C. Schavarosk, 28 anos, começou a tocar trombone com 25 e atua na Fanfarra Damas de Ferro. Antes disso ela era flautista, mas com o trombone fez algumas aulas particulares e depois se matriculou na Escola Portátil de Música (EPM) e na oficina da Orquestra Voadora. Atualmente voltou às aulas particulares e participa da oficina do Bloco do Boitatá. Schavarosk resolveu tocar música popular e seus subgêneros no trombone e optou por “utilizar os espaços públicos como palco, por ser mais horizontal e agregador. Essa prática é amplamente utilizada em diversos países e estamos percebendo um resgate a cultura de rua e música instrumental aqui no Rio de Janeiro” (SCHAVAROSK, depoimento em agosto de 2015). Com relação ao seu desenvolvimento com o instrumento, ela afirma ter bastante consciência de suas limitações devido ao pouco tempo de prática, em comparação aos trombonistas de formação acadêmica, apesar disso, ela acredita que “a arte de rua demanda vários fatores além da técnica instrumental, sendo necessário desenvolve-los em paralelo” de modo que imperfeições técnicas venham a ser uma realidade. ” Além disso, ela acredita que “ consciência política e histórica, intenção de utilização dos espaços ao ar livre, interação com o público, o desenvolvimento do "eu artista"” são características fundamentais das fanfarras de rua do Rio de Janeiro, sendo que “todos esses aspectos possuem a mesma importância na prática”. (SCHAVAROSK, 2015) Schavarosk foi uma das idealizadoras do grupo Damas de Ferro, tendo por objetivo

estimular mais meninas a procurar os metais e “mostrar ao público que as mulheres podem e devem existir mais neste meio”, sendo que “muitas meninas que antes apenas observavam o movimento como público, começaram a ter interesse em aprender um instrumento de sopro” (SCHAVAROSK, 2015). Ela também destaca que já existem diversas novas fanfarras com formação mista e acredita que com o passar dos anos a tendência seja a melhora do nível do domínio técnico instrumental por parte dos integrantes dos grupos. Do mesmo grupo Damas de Ferro, temos I. Milhomens, 29 anos, começou a estudar trombone com 27. Iniciou seus estudos na Escola Portátil de Música, onde continua atualmente, mas também frequenta algumas oficinas da Orquestra Voadora. Irene afirma tocar em fanfarras por acreditar no poder da música na rua como elemento transformador. Ela entende que fanfarras ativistas são grupos engajados em alguma causa, para além da música em si, politicamente falando. Irene acredita que o domínio técnico pode depender da proposta de cada grupo. “Alguns prezam mais as minúcias, os detalhes, a qualidade musical, propriamente falando. Enquanto outras prezam mais outras qualidades, como presença. ” (MILHOMENS, depoimento em agosto de 2015). Ao ser questionada sobre a importância das mulheres tocando trombone, Irene explica que não diferencia da dos homens trombonistas, mas que nos últimos tempos houve um aumento da presença de mulheres em geral. “Eu mesma ouvi comentários depreciativos quando fui comprar o meu (um "é para você?" Acompanhado de uma cara de surpresa). Acho muito positivo, que mais mulheres estejam se interessando em fanfarras”. (MILHOMENS, 2015). Outro depoimento foi do artista circense e trombonista A. Magalhães. Ele tem 50 anos e começou a tocar com 40. Ele aprendeu muita coisa sozinho, mas fez algumas aulas particulares com músicos militares e acadêmicos. Ele toca na Fanfarra Os Siderias e acredita que o fato de tocar na rua já é por si só um fato ativista, mesmo que não se esteja levantando uma bandeira específica. Quanto ao som de sua Fanfarra, ele explica que o estilo de som é o fator mais importante que o atrai, assim como a energia contagiante que envolve grupos e espectadores. “O que é tocado é tocado com grande energia e paixão. Gosto muito disso, independente da qualidade musical dos integrantes. (MAGALHÃES, depoimento em agosto de 2015). Sobre a organização do grupo, Magalhães explica que existem vários níveis musicais entre as fanfarras, o que influencia no repertório. Além disso, “no geral, as fanfarras têm duas formações. Uma básica que se compõe do núcleo

da fanfarra, e um outro flutuante, onde os naipes se ampliam”. Por fim, Magalhães aponta que para tocar em fanfarras existe a necessidade de um bom ritmo e um bom ouvido, além de conhecer bem as posições do instrumento e dominá-lo minimamente. Quanto à interpretação, “o ideal seria a capacidade de alternar diferentes possibilidades interpretativas. Saber tocar em diferentes volumes, dominar com segurança o staccato, o ligado e o glissando. Enfim, quanto melhor o músico tocar, melhor. ” (MAGALHÃES, 2105). O último depoimento foi do trombonista M. O. Nicolau, de 34 anos, mas que toca desde os 28. Ele estudou na Escola Portátil, mas admite ter aprendido muito na prática livre e coletiva das fanfarras, blocos, rodas de samba e jam sessions, além de ter pesquisado sobre trombone na internet. Para Nicolau, fanfarra ativista é uma “ampla postura militante, tanto em relação a defesa de uma bandeira, uma causa, com também a postura de realizar performances em espaço públicos de maneira espontâneas e sem fins lucrativos”. (NICOLAU, depoimento em 2015). Ele participa de blocos de carnaval e de maneira agregada ao coletivo Os Siderais. Também participa do bloco da Orquestra Voadora, que incentiva a formação de novos músicos que tocam em espaços públicos. “Toquei nas Manifestações de 2013, porém sem levantar a bandeira de nenhum projeto. Colaborei com a Fanfarra Planta na Mente que militava pela causa da Descriminalização das Drogas e conduzia musicalmente a Marcha da Maconha no RJ”. (NICOLAU, 2015). Nicolau explica que existem os mais diversos protocolos em relação às exigências de cada grupo. “Um fundamento necessário é estar atento ao que se está sendo feito, em todos os aspectos performáticos (não apenas musical) e se alinhar a ele, em termos musicais”. Apesar disso, ele afirma que “há grupos que cobram mais a postura (coerência com a identidade do projeto) do que a exatidão de notas do arranjo”. Para entender como se adaptar ao grupo é necessário responder “Qual a proposta do coletivo? ” (NICOLAU, 2015). Diante dos depoimentos acima citados, podemos entender que apesar do aprendizado ser relativo em uma Comunidade de Prática, ele acontece de maneira constante e bem evidente. Aulas são dadas, as técnicas instrumentais são explicadas, mas a maior dificuldade está no tempo que os alunos têm para estudar em casa, pois a maioria são adultos cheios de compromisso e muitos nunca estudaram música antes. Sendo assim, a prática é o momento onde grande parte dos aprendizes tem para condicionar o seu sopro e trabalhar a sua embocadura. A audição e visualização são essenciais para o aprendizado,

que acontece muito através da imitação. Por todos estes fatores, os Neo fanfarristas ativistas do Rio de Janeiro mostram que podem evoluir muito, e um festival como o Honk Rio serve para o estímulo de que a cada ano uma determinada Fanfarra se apresente melhor. Além disso, este movimento tem sido um ambiente de grande incentivo ao estudo do trombone, contrastando com o problema da diminuição das bandas de músicas por todo o país.

Referências:

WENGER, Etienne. [Comunidades de prática]. Lisboa, Portugal. 2001. Entrevista concedida a Ana Neves para knowman - Consultadoria em Gestão, Lda em 01/06/2001.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.