Os ursos tocam corneta

June 14, 2017 | Autor: J. Nogueira | Categoria: Music Education
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Os ursos tocam cornetas
José Henrique Nogueira Espaço 23 – Rio de Janeiro

Estamos vivendo um momento em que a precocidade infantil em diversas áreas infesta a "midiaweb", com vídeos de crianças cada vez menores assumindo papéis, funções e agindo, às vezes com muita graça, é claro, como pequenos adultos. Este fenômeno, que não é novidade na História da Infância, e foi evidenciado por vários pintores no século XV, é chamado por especialistas e pesquisadores de "adultização" infantil.
Agora, em pleno século XXI, podemos observar novamente que a infância, etapa necessária para o indivíduo fortalecer valores, vínculos, virtudes e conhecimento de mundo a partir do lúdico e da fantasia, vem sendo ocupada com atividades, temas e assuntos que pertencem a outra fase, a vida adulta.
Li, há pouco tempo, um artigo no qual a pediatra Filomena do Vale faz o seguinte comentário: "A sensação que eu tenho é que estão colocando a criança para pilotar um avião, mas ela ainda não sabe dirigir nem um velotrol. Etapas estão sendo queimadas".
Na área musical, a que supostamente me compete opinar, não é diferente. Não resta dúvida que é encantador ver uma criança, já aos três anos de idade, tocar bateria, violão, piano etc. etc. O Facebook está infestado de vídeos assim. O que não podemos é deixar que tais impressões se tornem referência, padrão de um desejo dos pais sobre seus filhos. Um violino, para crianças bem pequenas, lhe servem como tambor.
Todas as informações da mídia, independente da área em destaque, precisam ser avaliadas, a partir de uma reflexão. É um exercício conter a vontade de direcionar a criança ao encontro do desejo do adulto. É preciso respeitar o tempo, aceitar seu andamento, lento e infinito, sem urgência. Estamos, a cada dia, comendo mais e mais frutas não maduras.
Crianças, quando fazem o que seus pais desejam, gastam o precioso tempo de sua maturação e pesquisa de mundo sonoro, visual, olfativo, táctil e subjetivo, em troca de horas de exaustivos ensaios repetitivos sobre a batuta de seus "mestres". E não raramente, quando crescem, e percebem que fizeram durante anos o que os outros mandaram, abandonam seus instrumentos e vão tentar outra trilha, criar seu próprio caminho.
Os ursos tocam cornetas e dançam.

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