Os vínculos políticos da militância na composição do parlamento: uma abordagem geográfica da 54ª legislatura (2011-2015)

June 4, 2017 | Autor: G. Machado Filho | Categoria: Geography
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza Instituto de Geociências Departamento de Geografia

OS VÍNCULOS POLÍTICOS DA MILITÂNCIA NA COMPOSIÇÃO DO PARLAMENTO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA 54ª LEGISLATURA (2011-2015)

Guilherme Felix Machado Filho

Orientadora: Prof . Dr a. Iná Elias de Castro a

Rio de Janeiro 2015

GUILHERME FELIX MACHADO FILHO

OS VÍNCULOS POLÍTICOS DA MILITÂNCIA NA COMPOSIÇÃO DO PARLAMENTO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA 54ª LEGISLATURA (2011-2015)

Monografia apresentada ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção de título de Bacharel em Geografia.

Orientadora: Professora Dr a. Iná Elias de Castro

JANEIRO 2015 2

FICHA CATALOGRÁFICA

MACHADO, GUILHERME FELIX

Os vínculos políticos da militância na composição do parlamento: uma abordagem geográfica da representação política dos deputados federais da 54ª legislatura (2011-2015). Rio de Janeiro, janeiro de 2014. Orientador: Profª. Drª. Iná Elias de Castro Monografia (Bacharel em Geografia), Departamento de Geografia, Instituto de Geociências (IGEO), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2015. Monografia – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências. 1. Unidades de Conservação; 2. Faixa de Fronteira; 3. Conservação Ambiental

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GUILHERME FELIX MACHADO FILHO

OS VÍNCULOS POLÍTICOS DA MILITÂNCIA NA COMPOSIÇÃO DO PARLAMENTO: UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA 54ª LEGISLATURA (2011-2015)

Monografia apresentada ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção de título de Bacharel em Geografia.

Data da aprovação: __/__/____ Banca examinadora: Profª. Drª. __________________________________ - Orientador Iná Elias de Castro Prof. Dr. __________________________________ - Avaliador Rafael Winter Ribeiro

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AGRADECIMENTOS

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ÍNDICE DE MAPAS E GRÁFICOS Mapa 1 – Distribuição regional dos deputados com e sem histórico de militância na sociedade. Mapa 2 - Porcentagem da população com 15 anos ou mais e Deputados Federais de acordo com o nível de instrução de Ensino Superior Completo. Mapa 3 - Porcentagem da população com 15 anos ou mais e Deputados Federais de acordo com o nível de instrução de Ensino Fundamental Incompleto e Sem Instrução. Mapa 4 - Porcentagem dos Deputados Federais com perfil de militância de acordo com o nível de instrução de Ensino Superior, Ensino Fundamental Incompleto e Sem Instrução. Tabela 1 - Porcentagem dos deputados com e sem perfil de militância Gráfico 1 - Escalas de atuação inicial Gráfico 2 - Escalas de atuação na trajetória de militância. Tabela 2 – Tabela da distribuição regional da militância em números absolutos. Gráfico 3 – Gráfico da distribuição regional da militância em números absolutos. Tabela 3 - Tabela da distribuição regional da militância em porcentagem (total de deputados na região por categoria). Tabela 4 - Tabela da distribuição regional da militância em porcentagem (total de deputados na categoria por região).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................

CAPÍTULO 1 - O QUE REPRESENTA A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA?.............. 1.1 – A representação política e seus vínculos........................................................ 1.2 – A militância política como instrumento de análise........................................ CAPÍTULO 2 – A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E SEUS VÍNCULOS COM AMILITÂNCIA POLÍTICA........................................................................................... 2.1 - Deputados com ou sem histórico de militância............................................... 2.2 - A escolaridade como critério de análise da representação política................. 2.3 - A política de escalas como abordagem...........................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................

BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................

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INTRODUÇÃO A representação política é um dos mais importantes recursos utilizados na organização política das sociedades modernas. Sem dúvida, esse tema enseja discussões complexas que perfazem relações mais abrangentes do que seu núcleo normativo, no qual um conjunto de pessoas elege um determinado número de representantes que devem atuar politicamente em prol de seus interesses e da sociedade como um todo. Para além desse conteúdo substantivo, outros elementos influem à complexificação desse fenômeno político, e que são diferentemente explorados por diferentes áreas das ciências sociais. Pelo fato de a representação política constituir um conceito multidimensional, tanto em prática quanto em teoria, é possível que o mesmo possa ser interpretado à luz de outra perspectiva, para além do seu tão conhecido vínculo eleitoral. Assim, partindo de outro ângulo analítico, diferentes fatores podem também condicionar a expressão desse fenômeno político. Nesse sentido, a militância política constitui-se como um caminho profícuo a sua análise, ao retratar não só um vínculo político, mas também social. Como instrumento de análise, portanto, a militância apresenta grande potencial analítico para certos contextos e fatores que ajudem a explicar o que está expresso nas instâncias políticas representativas e, sobretudo, no processo de recrutamento na sociedade daqueles autorizados a tomar as decisões e que comporão a elite política. A militância política, desse modo, será considerada por nós como um fator decisivo a esse recrutamento A geografia política, tem na representação um dos seus temas de estudo, cabendo-lhe, portanto, a contribuição singular de como o espaço ajuda a revelar as formas pelas quais esses vínculos políticos presentes na representação política estão postas como estratégias no recrutamento à política. Mediante a investigação geográfica, tornar-se-ia possível o reconhecimento dos mecanismos ou mesmo esboços das estratégias utilizadas para a entrada na política, uma vez que toda a organização política, inclusive o sistema eleitoral, tem por base o espaço. Tal tarefa agrega maior importância em virtude da análise de informações sobre o perfil parlamentar e sobre o seu processo de recrutamento, ainda pouco explorados pela geografia, apesar dos estudos eleitorais serem tradicionalmente trabalhados pela geografia eleitoral. Nesse sentido, tem-se como objetivo central deste trabalho compreender de que forma a militância social afeta a representação política no Brasil. Tal objetivo 8

fundamenta-se na suposição de que muitos parlamentares possuem um passado relacionado à militância em diferentes tipos de organizações civis. Além disso, do ponto de vista teórico, pretende-se contribuir à discussão sobre a importância da militância dos atuais parlamentares antes de ingressarem no parlamento, além de trazer para o cerne do debate o peso dessa atuação nas diferentes regiões do país. Acreditamos que a proposta amplia a reflexão acerca das relações entre os representantes políticos e as complexas relações entre suas atuações na sociedade e suas conexões territoriais. Para tanto, esta nova proposta de estudo sobre a representação política se estrutura em dois grandes eixos. O primeiro deles é a discussão conceitual. Esta etapa, pelo fato da relação entre a militância e a representação política se tratar de um tema pouco estudado pela geografia, assim como pelas ciências sociais, é entendida não só como necessária, mas como parte estruturante da pesquisa como um todo. O objetivo, portanto, nesta primeira parte é discutir a relação entre representantes e representados, e como ela é diferentemente entendida, quer conceitualmente, quer historicamente, através tanto do ponto de vista do conceito da representação política quanto da militância política. De forma heurística à reflexão conceitual, pospõe-se uma parte empírica, que utiliza como objeto de pesquisa os deputados federais da 54a Legislatura (2011-2015). Busca-se, fundamentalmente, analisar empiricamente a composição parlamentar brasileira a partir do estudo das biografias de cada deputados federal, tendo como instrumento de análise a militância política. Desse modo, previamente, será identificado o peso dos deputados que possuem ou não histórico de militância política. A discrição destes dois grupos constitui, dessa forma, o ponto de partida para as diferentes explorações que serão empreendidas na tentativa de avaliar a influência da militância na representação política. Esta análise empírica em tela será promovida através de três direções diferentes com o intuito de investigar como o fator da militância política se comporta segundo estas perspectivas. Dessa forma, a primeira perspectiva está direcionada à mensuração e comparação dos níveis de escolaridade entre os deputados federais e a média da sociedade. A aplicação desta variável tem como objetivo aferir a validade do pressuposto teórico sobre a condição que a representação política carrega em torno de sua possível representatividade sociológica, através da hipótese de que a militância é um fator que aproxima socialmente os representantes dos representados.

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Logo em seguida, de acordo com a proposta analítica apresentada, a escala política apresenta-se também como um indicador que nos permite avaliar os fatores que impulsionaram os deputados a ingressarem na política. Ela pode ser vista como um recurso imprescindível aos militantes, uma vez que define um campo de possibilidades e, em termos eleitorais, um potencial eleitorado que possa conduzir o então ativista/militante à política formal. A análise das trajetórias de militância quanto às escalas políticas pode, assim, nos fornecer um esboço daqueles recursos que foram mais profícuos à sua eleição, não só aqueles no qual obteve maior êxito do ponto de vista eleitoral, mas qual a dimensão do grupo que o conduziu ao cargo político. Por fim, a última direção analítica concerne à sistematização de uma tipologia dos deputados com histórico de militância, organizados em categorias segundo os tipos de militância encontrados nas suas biografias. Pressupõe-se que o atual quadro de distribuição dos deputados pelo tipo de militância coloca-se como uma provável síntese das condições analisadas por trás da atividade militante. Este quadro, além disso, pode ser considerado como os casos que expressariam os vínculos políticos bem-sucedidos diante da disputa eleitoral e das conjunturas políticas de cada região. Acreditamos que a perspectiva de análise da representação política aqui empregada é enriquecedora, já que amplia a reflexão acerca das relações entre os representantes políticos e as complexas relações entre suas atuações na sociedade e suas conexões territoriais. Além disso, o presente trabalho visa contribuir com novas abordagens da geografia sobre o tema, ampliando dessa maneira seu cabedal de análises. Mostrando, desse modo, de que forma o espaço pode revelar as estratégias do recrutamento para a política, as características políticas para além das partidárias, isto é, explorar outros vínculos políticos que interferem na representação política dos deputados, e de que forma isto está expresso de acordo com a origem regional do parlamentar.

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CAPÍTULO 1 - O QUE PODE REPRESENTAR A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA? Na maioria dos trabalhos sobre representação política o enfoque é dado ao momento eleitoral em detrimento de outros componentes que também constituem a representação. Não há dúvida de que a questão eleitoral fundamente o fenômeno da representação política, uma vez que é pelo processo eleitoral que tal relação de representação é constituída. Contudo, ela expressa mais do que isso. Não obstante a democracia moderna se assentar em um tipo de governo eletivo, cujos governantes fazem parte da própria sociedade que governam, a representação política de alguma forma expressa e mantém vínculos sociais e políticos que influenciam diretamente no tipo de perfil e comportamento político desempenhado no Legislativo. Dessa forma, concomitante ao vínculo eleitoral, a representação política também pode ser interpretada à luz de outra perspectiva, expondo assim a partir de outro ângulo - e tipos de vínculos - diferentes fatores que condicionam este comportamento. Nesse sentido, a militância expressa não só um vínculo político, mas também social, constituindo-se como um caminho profícuo à análise dos deputados federais, podendo revelar certos contextos e fatores que ajudem a explicar o que está expresso no Parlamento. Cabe, portanto, à geografia a contribuição singular de como o espaço pode ajudar a revelar as formas pelas quais esses vínculos políticos presentes na representação política estão postas como estratégias do recrutamento à política

1.1 - A representação política e seus vínculos De origem medieval1, as instituições representativas são consideradas um dos mais importantes recursos usados na organização política das sociedades modernas (Bobbio, 2006; Dahl, 2012). Ela é identificada por Bobbio (2006) como a principal responsável da resolução, ante o processo de formação das democracias modernas, do que denominou de problema da escala2: limitação capital na aplicação da experiência

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A representação política tem sua origem situada na Idade Média, surgida mais precisamente na Inglaterra medieval. Ver Dahl (2012). 2 Dahl ao analisar o processo de constituição da democracia, tendo como cerne de seu estudo a formação da democracia moderna, traduz esse processo no que identifica por duas grandes transformações na vida política. A primeira é o surgimento na sociedade grega, mais precisamente na ateniense, dos governos populares, em suas palavras “(...) uma nova visão de um sistema político possível, no qual um povo soberano não somente tem direito a se governar, mas possui todos os recursos e instituições necessários para fazê-lo” (op.cit., 2012:17). A segunda é o aumento na escala da ordem política produzido na mudança do lugar histórico do governo democrático da cidade-Estado para o Estado nacional, o qual “(...)

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democrática grega, situadas até então em pequenas cidades-Estado, como Atenas – berço da democracia –, ao contexto de amplitude territorial e populacional proporcionados pelos nascentes Estados-nações na Idade Moderna. Apontada como verdadeira “transformação revolucionária da democracia” pelos autores da época, a representação política tornou-se fundamental à consolidação das democracias modernas. Dessa forma, como aponta Castro (2005:142-143), o sistema representativo “foi a solução progressivamente elaborada e aprimorada para permitir que os conflitos de interesses nas sociedades modernas, de massa, complexas, altamente diferenciadas e, em muitos casos, fortemente desiguais pudessem ser deslocados do interior dessas sociedades para a arena legal das casas legislativas”. Partindo do âmbito epistemológico, representar, que deriva de re-praesentare, possui como significado geral o ato de tornar presente, agir no lugar, substituir algo ou alguém, que existe na realidade ou simbolicamente, que não está presente (Cotta, 2007). Em sua conotação na política, portanto, significa a possibilidade de tornar presentes, talvez efetivos, os interesses políticos e de controlar o poder político por parte daqueles que não podem pessoalmente exercer este poder (Lima, 2006; Cotta, 2007). Significado este que é secularmente debatido em torno dos princípios confrontantes da democracia moderna, que é representativa, e da democracia direta. Como conceito, a representação política “tanto em suas implicações teóricas como em suas traduções práticas, é sem dúvida um dos elementos-chaves da história política moderna” (Cotta, 2007:1101-1102), que ao longo do tempo preservou sua função constituinte (a representação de um grupo por determinados indivíduos), mas que apresentou mudanças quanto ao papel desempenhado pelos representantes dentro do sistema político. Com efeito, de acordo com os diversos autores que discutem o tema (Manin, 1995; Young, 2000; Pitkin, 2006; Bobbio, 2006; Lima, 2006; Cotta, 2007; Dahl, 2012), as transformações sofridas pelo conceito de representação política, assim como as diferentes relações entre representantes e representados, podem ser sinteticamente representado em três principais modelos interpretativos3: a delegação ou do mandato imperativo, o fiduciário (confiança) ou da responsabilidade e o da semelhança ou representatividade. Estes modelos expressam o secular debate em torno transformou profundamente o modo pelo qual a noção de um processo democrático foi, ou pode ser, alcançada” (op.cit, 2012:338). Para mais detalhes, ver Dahl (2012). 3 Bernard Manin, outro grande estudioso do tema, propõe que a representação, inserida no contexto do governo representativo, passou por três transformações ao longo da história, do qual ele atribui por “metamorfoses”. Ele identifica, portanto, três tipos de metamorfoses: o parlamentarismo, a democracia de partido e a democracia do público.

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de dois temas que catalisam as divergências internas do termo, que são os poderes dos representantes e o conteúdo da representação (Bobbio, 2006). No primeiro modelo, o de delegação, o representante é destituído de livre iniciativa e de autonomia, cabendo-lhe o papel de executor, ou seja, alguém a quem se delega a execução de um ato. Sob um mandato imperativo, deve atuar estritamente de acordo com as instruções que lhe foram passadas por aqueles a quem representa. No modelo fiduciário, também chamado de confiança ou responsabilidade, ao representante é concebido capacidade de ação independente, isto é, autonomia quanto a orientação de suas ações. Segundo este modelo, a representação é encarada como um ato de responsabilidade, cuja relação repousa na confiança que os representados depositam na conduta responsável de seu representante ao atendimento de seus interesses, de acordo com a sua própria consciência e competência. Enquanto isso, o modelo da semelhança, ou da representatividade sociológica, concebe o organismo representativo como um microcosmo que fielmente reproduz as características da sociedade. Os representantes dentro desse modelo seriam uma reprodução das características do corpo social, tal qual a figura de um mapa ou espelho, reproduzindo – ou refletindo - assim os seus traços mais distintivos, seja de grupo, de classe ou de profissão. Alheio ao debate em torno da legitimidade de tal ou qual modelo, cabe ressaltar que na realidade dos sistemas políticos representativos nenhum destes modelos é encontrado em sua forma pura (Cotta, 2007), e que as dicotomias que daí surgem, sobretudo entre o modelo de delegação e o fiduciário, que aparentemente são conceitualizações divergentes, na verdade constituem aspectos diversos de um mesmo conjunto complexo de instituições e práticas representativas (Pitkin, 1971 apud Young, 2000). Destarte, certamente o tema da representação política enseja discussões complexas, que perfazem relações mais abrangentes do que seu núcleo normativo, no qual um conjunto de pessoas elege um determinado número de representantes que devem atuar politicamente em prol de seus interesses e do interesse geral. Para além desse

conteúdo

substantivo

da

representação,

outros

elementos

influem

à

complexificação desse fenômeno político, e que são diferentemente explorados pelos estudiosos do tema. Junto à sociologia e, sobretudo, à ciência política, a geografia, mais especificamente a geografia política, também tem na representação política um dos seus

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temas de estudo4. Dessa forma, como contribuição original, associado à dimensão institucional, eleitoral, social e política, presentes nas discussões sobre representação política, está o território, que atua como “agente estruturador da ação do representante político, por meio de forças que fazem parte dos jogos partidário, eleitoral e sócioespacial” (Magdaleno, 2010: 85), mas que, ao mesmo tempo, acabam por requalificá-lo. Posto que o espaço geográfico é intrinsecamente político, sendo arena de conflitos e, consequentemente, de normas para a regulação que permitem o seu controle (Castro, 2005), quando se amplia essa lógica ao contexto democrático encontra-se também um espaço político entendido como uma arena de conflitos, mas, além disso, circunscrito por um aparato político institucional, no qual media e regula as negociações estratégicas entre representantes políticos, eleitores, partidos e grupos de interesses (Magdaleno, 2010: 73). Nesse sentido, a compreensão do fenômeno da representação política “significa interpretar a estratégia geográfica de controle de pessoas e coisas sobre os territórios que se formam a partir da prática política institucionalizada” (Magdaleno, 2010: 80). Para tanto, os representantes se utilizam de um conjunto de práticas a fim de promover a criação ou manutenção de um território, no qual é possível a identificação desses efeitos políticos. Dessa forma, mesmo que “a lei permita que os candidatos peçam votos em qual região de seus estados (...) na realidade, a maioria limita geograficamente suas campanhas” (Ames, 2003: 64), - lógica válida para a manutenção das bases eleitorais em posteriores candidaturas. Isso implica a formação de certos padrões espaciais correspondentes à territorialidade da representação política (Ames, 2003; Carvalho, 2003). Dentro desse contexto, o tipo de sistema político apresenta também papel fundamental no processo de configuração política-territorial. O Brasil, neste caso, adota o sistema proporcional – como é o caso do processo de composição do Congresso Nacional -, objetivando a distribuição proporcional da representação parlamentar entre os partidos. Essa representação “exerceria a função de proporcionar o compartilhamento e a dispersão do poder por entre diversos grupos” (Magdaleno, 2010: 58), e com isso limitar o monopólio de seu exercício, como se verifica em sistemas majoritários. A proporcionalidade, em tese, permite que o Parlamento reflita o perfil do eleitorado e que todas as correntes de opinião no Legislativo estejam presentes.

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Tradicionalmente, a geografia eleitoral é a que mais se engajou quanto aos estudos sobre representação política, parte fundamental do seu campo de investigação.

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Todavia, o entendimento da representação política como um recurso de poder, principalmente quando da sua relação intrínseca com o território, não garante uma análise tão profunda. Destacar os vínculos territoriais por si só não fornece modelo explicativo efetivo da relação primaz que a representação política estabelece entre representante e representado. Subjacente à estratégia de constituição de territórios políticos, esta não só se refere apenas a uma base territorial, mas também a uma base social, que anima e orienta as territorialidades que daí se constituem. Sendo assim, “em toda disputa política há interesses que estão vinculados aos territórios em que os atores sociais habitam, trabalham, produzem riqueza e lutam para se apropriar de parte dela” (Castro, 2005: 140), sendo estes territórios, em si, um feixe de relações sociais (Lima, 2006). Dessa forma, pode-se afirmar que a representação política apresenta uma natureza bifacetada, no qual além de seu lado institucional, possui uma face nãoinstitucional, oriunda das redes políticas que operam no território (Magdaleno, 2010). Uma dos reflexos mais consagrados dessa faceta não-institucional são as políticas públicas. Recorrendo novamente a Magdaleno (2010), para a compreensão das políticas públicas devem-se levar em consideração as atuações dos representantes, entendidas a partir de suas naturezas racional e estratégica, e de seus vínculos territoriais, uma vez que as instituições, a ver a representação política, “representam caminhos, por meio dos quais a sociedade pode ter acesso ao processo de decisão e implementação efetiva das políticas públicas, podendo significar uma via direta de participação social no processo decisório, como no caso das instituições políticas, ou podendo atuar apenas como porta-vozes de determinados grupos de interesses, como no caso das instituições de caráter não-governamental” (Putnam, 1996 apud Magdaleno, 2010).

Partindo-se desse pressuposto, Rodrigues (2002), em estudo sobre o sistema partidário brasileiro, ao analisar sua composição sociocupacional ressalta o peso de cada seguimento socio-profissional na composição de alguns partidos previamente selecionados. Com efeito, ao fim de suas análises destaca a significância da identificação dos segmentos da sociedade para o entendimento da dinâmica partidária, no qual:

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“os partidos brasileiros se diferenciam não apenas quanto à ideologia e à orientação política (a face mais visível da vida partidária), mas também quanto aos segmentos sociais neles representados. Essa face sociológica permite supor – sem ignorar a dinâmica interna das disputas parlamentares e a ambição individual dos políticos – que os conflitos e as opções partidárias na Câmara dos Deputados não podem ser adequadamente entendidos sem referência aos interesses que a composição social dominante dos partidos sugere” (Rodrigues, 2002: p.42-43).

Outros elementos também se encontram imiscuídos no fenômeno da representação política e que desempenham papel de importância na sua dinâmica e expressão. Da mesma forma que para Rodrigues a composição social também revela e explica a dinâmica partidária, para o presente estudo o estudo da militância igualmente se coloca como elemento fundamental à análise da dinâmica da representação política, e que passa ao largo nos estudos deste tema. Para tanto, como componente importante associado às análises em torno da representação política, o processo de recrutamento parlamentar no meio social apresenta-se como um caminho promissor de estudo. A geografia, à vista disso, mostrase capaz de desvelar, a partir de suas análises espaciais, fatores que influenciem neste processo, uma vez que “na realidade, a representação política, em sua essência, sempre incorporou o cidadão e seu espaço de vida, ou o espaço dos seus interesses – o território -, [no qual] nenhuma engenharia política, ao longo da história da democracia, prescindiu da incorporação do recorte territorial à equação da relação entre sociedade e a composição do Parlamento que a representa.” (Castro, 2005:149). É, portanto, a partir desse pressuposto que as análises em torno da representação política serão desenvolvidas. 1.2– A militância como instrumento de análise

Como visto anteriormente, a representação política, seja como teoria ou prática, possui como cerne ou núcleo substantivo a relação entre representantes e representados. Entretanto, embora tratada recorrentemente pela ciência política na sua forma mais individualizante, como sinônimo de representação eleitoral (Lima, 2006), concordando com Cotta (2007) e Magdaleno (2010), entendemos que a representação política é um conceito multidimensional que deve ser entendido em uma condição mais ampla, no qual, ao mesmo tempo em que conserva sua finalidade e lógica causal unitária, refere-se 16

a um conceito sintético de um fenômeno político de complexos elementos constitutivos e prática. De acordo com isso, como introduzido anteriormente, identificamos na militância um elemento fundamental que compõe este fenômeno político, e que pode elucidar outros fatores que influam a sua expressão. Adotamos, então, a noção de representação política no sentido atribuído por Young (2000), como algo processual, dinâmico e amplo, que procura avaliar tal processo de representação segundo o relacionamento entre representantes e representados, no qual mesmo atendendo a posições políticas diferentes não deixam de estar necessariamente de alguma forma conectados. Tal sentido é atribuído considerando o significado da representação política para além de um elemento da vida social democrática, visto como um recurso de poder, de controle do poder político e decisório (Lima, 2006; Cotta, 2007; Magdaleno, 2010). Destarte, a representação se insere num contexto de competição entre organizações partidárias e diferentes segmentos sociais no qual é pelos representantes que estes “possuem acesso privilegiado aos mecanismos decisórios dotados de um poder de regulação e transferência de recursos para o território mais efetivo” (Magdaleno, 2010:34). Ao encontro disso, Bobbio (2006) e Dahl (2012), ao desconstruírem a ideia da democracia na teoria em relação a como ela se apresenta na prática durante a história, concebem a sociedade democrática, portanto, como poliárquica, diferente daquela idealizada unitária, fundada na soberania popular rousseauniana. Os grupos e não os indivíduos seriam então os verdadeiros protagonistas numa sociedade democrática. Assim, asseveram que a democracia moderna é de fato pluralista, uma situação objetiva no qual lutam entre si diversos movimentos políticos e grupos que representam interesses diversos pela conquista temporária do poder (Bobbio, 2006). Sendo assim, podemos relacionar isso à ideia da composição do Parlamento nas democracias representativas, no qual a entrada na política retrata um êxito – parcial - destes grupos na disputa pelo controle do poder, cuja militância pode ser vista como um instrumento muito importante ao recrutamento à esfera política. As diversas organizações sociais, como os sindicatos, associações diversas, etc., que são em essência políticas, seriam o ponto de irradiação dessas militâncias, responsáveis pelo papel de organizar e fornecer base à prática política dos indivíduos na sociedade. Face à carência de estudos – e também de vigor conceitual - sobre o tema, do qual durante muito tempo esteve diretamente associado às investigações sobre ação coletiva e movimentos sociais (Oliveira, 2013), a discussão em torno do conceito de 17

sociedade civil, sempre em voga no campo das ciências sociais, concede grande utilidade para pensarmos o sentido que estamos atribuíndo à militância. A discussão em torno do conceito de sociedade civil agrega importância na medida que esclarece e delimita o campo no qual se insere a precedente militância desempenhada pelo atual parlamentar. Este conceito é o mais próximo teoricamente que pode expressar a acepção a uma parcela da sociedade ativa politicamente, no sentido da participação e influência nas discussões políticas. Apesar do caráter plástico do conceito, comportando em suas definições uma série de elementos e distintos sentidos, o fenômeno social geralmente referido por sociedade civil, como argumenta Young (2000), pode ser definido a partir de atividades associativas (auto-organizadas) e políticas que se distinguem da esfera do Estado e da economia. Bobbio (1994; 2006), neste caso, atribui à sociedade civil a atividade política que emana da sociedade. Isso permite o entendimento de suas características distintivas para com a “sociedade mais geral”, assim como se refere Gohn (2005), e as demais instâncias da sociedade, como o Estado e o mercado (de acordo com a visão de esfera pública habermasiana), bem como o papel de interface entre sociedade e Estado, de significativa relevância quando ao pleito a uma cadeira no Parlamento. Ainda assim, trazendo a discussão para o contexto brasileiro, percebe-se que o termo sofre algumas modificações de acordo com o andamento sócio-político do país. De acordo com Gohn, o conceito de sociedade civil surge de fato no Brasil no final da década de 70, período denominado de trajetórias das transições demográficas. Nesse aspecto, “na linguagem política corrente ele se tornou sinônimo de participação e organização de população civil do país na luta contra o regime militar” (Gohn, 2005: 70). Além disso, os anos 70 e 80 significaram uma renovação no cenário da participação sociedade civil, com o surgimento de novos atores sociais, defendendo causas que saiam do universo ideológico, como, por exemplo, a questão do gênero, raça, sexo e meio ambiente. Essa pluralização também se verificou em relação aos grupos organizados, a partir da criação de movimentos, associações, instituições e ONGs. Nos anos 90, o movimento de ampliação da sociedade civil se estende até a sociedade política, culminando no desenvolvimento de um novo espaço púbico, os espaços deliberativos, que são uma “articulação entre a sociedade civil e representantes do poder público para a gestão de parcelas da coisa pública que dizem respeito ao atendimento das demandas sociais.” (Gohn, 2005: 77). Essa situação corrobora para, desde o final da década de 80, o declínio das manifestações de rua, em grande parte 18

explicados pela perda de um inimigo principal (a ditadura militar), ao passo da criação e crescimento de formas mais institucionalizadas de militâncias” (Gohn, 2011: 20). Desta correspondência estabelecida, outro ponto profícuo para delinearmos o que se entende por militância política e, sobretudo, qual o seu papel em relação à representação política, encontra-se na participação política. De acordo com o sentido empregado pelo conceito de sociedade civil e pela noção de militância, um dos traços que os define é a participação política, justamente um dos que mais claramente poderia distingue a sociedade civil da sociedade como um todo. De acordo com ideal democrático, os cidadãos deveriam se envolver em diferentes atividades da vida política, cuja participação política seria um dos fundamentos do cotidiano das pessoas. A participação política, portanto, estaria ligada à ideia de soberania popular, como um instrumento de legitimação e fortalecimentos das instituições democráticas e da ampliação dos direitos da cidadania (Avelar, 2007). Contudo, não há uma teoria consensual da participação política, sendo ela um termo polissêmico, entendida de forma geral como a ação de indivíduos e grupos com o objetivo de influenciar o processo político e relacionada à atuação sobre questões políticas em diferentes arenas, visando influenciar ou chamar atenção dos políticos e governos para determinados problemas (Avelar, 2007; Bonifácio, 2012). As atividades diversas que a militância política contemplaria, como a participação em sindicatos, associações, grupos estudantis, ONGs etc., são claros exemplos de participação política presente na sociedade. Nesse sentido, Avelar (2007) destaca três vias ou canais de participação política: o canal eleitoral, o canal corporativo e o canal organizacional. Por canal eleitoral, tem-se todo tipo de participação eleitoral e partidária, conforme as regras constitucionais e do sistema eleitoral adotado em cada país, enquanto o canal corporativo diz respeito às instâncias intermediárias de organização de categorias e associações de classe para defender seus interesses no âmbito fechado dos governos e do sistema estatal. Esta duas primeiras seriam formas institucionalizadas de participação política. Enquanto isso, o canal organizacional consiste em formas não-institucionalizadas de organização coletiva, como os movimentos sociais, as atividades das organizações não-governamentais de natureza cívica e as experiências de gestão pública em parceria com grupos organizados da sociedade, como o orçamento participativo, os conselhos gestores etc. Exceto o canal eleitoral, os outros dois canais seriam ativados por muitos dos parlamentares em momento anterior a sua entrada na política formal. Como será 19

apresentado na parte seguinte, a grande maioria dos deputados federais possui histórico de militância política de diferentes tipos, o que indica a participação política como um importante fator de recrutamentos dos cidadãos ao parlamento. Levando-se em consideração que, a partir do levantamento dos perfis parlamentares destes deputados, a maioria absoluta deles ocupou algum tipo de cargo de chefia nessas organizações civis, chega-se a uma hipótese muito forte de que a precedente participação política, enquanto ainda cidadãos ativos na sociedade, constitui fator primaz ao ingresso na política, no sentido da constituição de capital político e visibilidade que é proporcionado não só pelo ambiente e engajamento, como também pela posição de poder ocupada dentro desta militância. Vinculado a estas duas discussões, Oliveira (2013), ao examinar o papel das estruturas social, política e cultural na constituição dos engajamentos e militâncias políticas, fornece profícua explanação acerca do contexto de constituição da militância. Ao discutir através de outros autores quais são as dinâmicas de socialização que conduzem à participação ativa dos indivíduos nos grupos organizados, este autor destaca a multiplicidade de fatores e lógicas sociais, que não apenas políticas, relacionadas a estas atividades. Desta forma, as lógicas que os conduziriam seriam resultados de constrangimentos específicos relacionados aos locais, aos itinerários individuais e aos espaços sociais aos quais os ativistas estariam inseridos (Fillieule, 2001; Passy, 1998 apud Oliveira, 2013). Como síntese desse processo de militância, apresenta a distinção entre fase prémilitante, militante e ex-militante (Agrikoliansky, 2002; Fillieule, 2005 apud Oliveira, 2013. Nesse sentido, após a fase pré-militante, que consiste em contatos e aproximação inicial com pessoas que conhecem ou participam de determinada associação, têm-se a fase militante, que é a inserção e participação de fato na associação, do qual quase sempre é acompanhada pela ocupação de posições e cargos de direção. Em alguns casos, esta fase é sucedida pela fase de ex-militante, compreendendo momentos de desengajamento temporário ou definitivo da associação.

Tal percurso é emblemático à

representação do processo de recrutamento deste militante e sua entrada na política, uma vez que às tendências gerais identificados pelo autor na emergência e no desenvolvimento de organizações e mobilizações coletivas, entre a institucionalização dos movimentos sociais, destaca-se a profissionalização políticas dos militantes. Além disso, de acordo com Rodrigues (2014), em pesquisa sobre a Câmara dos Deputados, a militância, sobretudo nas organizações de massa poderosas, vista no 20

exemplo cabal das centrais sindicais e grandes sindicatos, constitui um trunfo muito importante à entrada a essa instância política5. Para o autor, tal fenômeno estaria associado a “massificação do campo político com o aumento não apenas do número de eleitores, como também de organizações e entidades coletivas competindo por mais poder e benefícios. O resultado é um volume extremamente elevado de atores políticos e de interesses sociais fragmentados em numerosas instituições, organizações e associações (sindicatos especialmente) que estabelecem vínculos com os partidos políticos e por eles elegem suas lideranças para influenciar ou controlar o sistema decisório”. (Rodrigues, 2014: 17-18).

Entre a diferença, apontada por ele, de recursos dispostos pelos diversos candidatos ao pleito, sobretudo entre pobres e ricos, a militância é um importante trunfo que permite a entrada dos mais pobres às instâncias políticas de nível nacional, em detrimento de vias mais utilizadas, como as câmaras municipais (vereadores) e assembleias (deputados estaduais). Num quadro geral, a militância - em menor grau em relação ao grupo dos mais ricos - constitui-se como um trunfo fundamental à entrada na vida política, não só estritamente por questões eleitorais, isto é, a base eleitoral, mas por, entre outras coisas, propiciar um “aprendizado” político prévio, rede de contatos e visibilidade. Estes constituem diferentes recursos mobilizados em torno da militância e que garantem maior êxito na disputa a cargos políticos.

5

Leôncio Martins Rodrigues, em seu trabalho, considera como trunfo meios que auxiliem os candidatos a se eleger, isto é, tudo aquilo que favorece ou possibilita a entrada na profissão política, em qualquer uma de suas instâncias. Nas palavras do autor, “(...) trunfos podem ser recursos financeiros, redes familiares, cargos no governo, sobrenomes de parentes, padrinhos políticos, sindicatos, associações de bairros, igrejas, meios de comunicação de massas, máquinas partidárias e outros meios que ajudem candidatos a se transformar em político, basicamente vencer a primeira eleição”. (op.cit., 2014:131)

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CAPÍTULO 2 – COMO A MILITÂNCIA CONDUZ A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL Partindo de uma definição mínima de democracia representativa, entendida como um conjunto de regras, primárias ou fundamentais, que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas, prevendo junto a isso a participação dos interessados em fazê-las (Bobbio, 2006), interessa-nos analisar os mecanismos por trás desse processo. Em específico, centramos a nossa análise desse arranjo político através do processo de recrutamento na sociedade daqueles autorizados a tomar as decisões e que comporão a elite política. A militância, desse modo, será considerada por nós como um fator decisivo a esse recrutamento, hipótese esta que guiará as subsequentes investigações acerca dos deputados federais da 54a Legislatura (2011-2015). A partir disso, e tendo em vista do que se apresenta na literatura, a militância configura-se como um relevante instrumento de análise à representação política, que pode elucidar e contribuir ao estudo do processo de recrutamento de indivíduos da sociedade (civil) à política; tipo de pesquisa pouco realizada no campo das ciências sociais. Ademais, mediante investigação geográfica, agrega importância ao revelar os mecanismos ou mesmo mostrar esboços das estratégias utilizadas para a entrada na política, uma vez que toda a organização política, inclusive o sistema eleitoral, tem por base o espaço. Do ponto de vista empírico, outras pesquisas que trabalharam com o mesmo tema trazem questões importantes. Nesse cenário, destacam-se estudos no tocante a padrões encontrados na distribuição dos votos, articulados a diferentes formas de se estabelecer o que é conhecido por conexão eleitoral6. Ames (2003) e Carvalho (2003), por exemplo, destacam a conjuntura política que se forma a partir desse contexto, no qual por meio das diferentes estratégias engendradas pelos representantes políticos7, assinalam a influência das regras eleitorais na predisposição de sucesso ao pleito eleitoral. Tendo como componente fundamental a base geográfica, evidenciariam-se verdadeiros mercados políticos, cujos possíveis padrões na distribuição dos votos dos representantes eleitos representariam tipos diferentes de expressões políticas, como a 6

A conexão eleitoral, em linhas gerais, constitui-se pela relação entre representantes políticos e seus representados mediante, essencialmente, a concessão do voto. É, portanto, a partir do voto que se estabelece fundamentalmente a relação entre as partes, ou seja, a requisição do atendimento de seus interesses, pelos representados, e a manutenção do seu cargo, pelos representantes. 7 que, como os autores frisam, concentram-se na eficiência eleitoral em despender o mínimo de recursos e obter o máximo de apoio e votos, o que aumentam as chances de eleição e reeleição. Os autores destacam também que nestas estratégias a variável geográfica ocupa lugar central, justamente por ser a base material que condiciona a distribuição e condições da votação.

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permanência de oligarquias políticas locais (“coroneis”) e a representação ideológica, como a representação de uma dada classe, etnia etc. Contudo, os objetivos destas pesquisas estão sobremaneira centrados no momento eleitoral. Retiram, portanto, de questões relacionadas à distribuição do voto as suas principais relações. Rodrigues (2014), por outro lado, em estudo semelhante ao que propomos aqui, ao avaliar as mudanças recentes na composição socioeconômica da classe política brasileira, tendo também como objeto de pesquisa a 54ª Legislatura, ressalta como ponto fulcral, por intermédio das organizações e entidades coletivas, o papel da militância (vista por ele como trunfo) nas mudanças que se verificam na atual legislatura. Se por um lado Rodrigues (2014) tem por objetivo geral identificar e localizar os principais meios socio-profissionais de onde vêm os que nos governam, o presente trabalho apresenta como objetivo identificar os meio políticos em que ocorre a passagem da representação profissional e social para a representação política. Não obstante, como apresentado anteriormente, mediante a escolha da militância como instrumento de análise, nos propomos a explorar diferente contexto ao qual se vincula a representação política, que apesar de conservar muitas correspondências com a questão eleitoral e do voto, mostra-se capaz de tecer outras relações em que se constituem este dado fenômeno. Mediante isso, a fim de responder a questão de fundo a que se propõe o trabalho, que é de avaliar como a militância afeta a representação política na atual legislatura, definiu-se fundamentalmente como metodologia o levantamento dos dados referentes a cada deputado federal presentes nos sites da Câmara dos Deputados, do Portal Excelências-Transparência Brasil8 e nos blogs e páginas virtuais dos próprios deputados. Para isso, a análise da Câmara dos Deputados se põe como a instância política mais adequada para podermos avaliar esta relação em tela. Como afirma Rodrigues (2014), a Câmara dos Deputados é a maior porta de entrada à política, onde muitos começam suas carreiras políticas. Ela também se configura como um quadro representativo do grupo de profissionais que conseguiu ascender na vida pública brasileira e das mudanças políticas em regiões da Federação com características político-partidárias diversas. Assim, porquanto o objetivo de analisarmos como se dá o 8

Os sites da Câmara dos deputados e do Portal Excelências-Brasil são, respectivamente, http://www2.camara.leg.br/ e http://www.transparencia.org.br/.

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processo de recrutamento à política a partir da militância dos deputados, esta casa legislativa se apresenta como o lugar mais adequado no qual poderemos avaliá-la. Ademais, tal análise será feira tendo por base a distribuição regional dos dados extraídos destes perfis. A intenção de se trabalhar com as regiões do Brasil é compor um quadro de análise que possa manter unidades que guardem diferenças entre si, sobretudo político-partidárias e sociais. Esta escolha é inclusive adotada alhures em trabalhados do mesmo cunho empírico (Carvalho, 2003; Ames, 2003), tendo eles apresentado bastante êxito face ao que fora proposto como pesquisa. Sendo assim, ao utilizarmos as regiões da federação poderemos analisar de forma mais consistente os resultados obtidos, uma vez que, ao enquadrá-los nas regiões, o processo analítico fica, portanto, mais acessível a formulação de algumas conclusões. Em suma, esta parte que se segue tem como objetivo, a partir exame dos perfis parlamentares dos deputados federais da 54a Legislatura (2011-2015), analisar empiricamente a composição parlamentar brasileira tendo como instrumento de análise a militância. Para tanto, esta empreitada será feita através de três direções diferentes, visando investigar como o fator da militância se comporta em cada uma delas. Preliminarmente, será identificado o peso dos deputados que possuem ou não histórico de militância política. A descrição destes dois grupos será, dessa forma, o ponto de partida para diferentes explorações na tentativa de avaliar a influência da militância na representação política. Estas explorações serão direcionadas através da análise em conjunto da escolaridade, no intuito de medir a representatividade política, tendo como principal critério a militância social; através das trajetórias de militância dos deputados, em que serão analisados de que forma estão dispostas as escalas de militância ao longo das carreiras militantes dos deputados; e através da distribuídos dos tipos de militância pelas regiões do Brasil, considerados como aqueles casos que expressam os vínculos políticos bem-sucedidos diante da disputa eleitoral e das conjunturas políticas de cada região. 2.1 – A representatividade dos deputados com ou sem histórico de militância

Como parte medular das explorações empíricas que fundamentam esta pesquisa está o introdutório levantamento dos parlamentares com e sem histórico de militância social.

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Mapa 1 – Distribuição regional dos deputados com e sem histórico de militância na sociedade.Org.: Machado Filho, G.F (2012)

Sendo assim, essa primeira amostragem nos permite aferir que mais de 50% dos deputados federais possuem um histórico de militância na sociedade. Como dado significativo, percebe-se também que entre as regiões existe uma diferença regional de 10%, como por exemplo, entre as regiões Sul, com 67% (maior percentagem no geral) e o Centro-Oeste e Nordeste, com 57% (menores percentagens no geral). Contudo, não é encontrado diferenças tão expressivas, sendo a atividade de militância muito apreciada pelos deputados antes de adentrarem à política. Igualmente, isso consequentemente nos revela o peso significativo dos deputados que não possuem histórico, destacando-se nesse grupo aqueles pertencentes às famílias de tradição na política regional. Como aponta Rodrigues (2014), este grupo dos “políticos profissionais” e dos “políticos de nascimento” sempre esteve presente, sustentado pela capacidade dos caciques políticos e redes de parentesco em lograr êxito eleitoral através de suas máquinas políticas locais. Este fenômeno tanto é verificado nos antigos clãs familiares (as tradicionais elites políticas) quanto reproduzido pelas novas lideranças em ascensão, que, da mesma forma, favorecem o aparecimento de novos políticos que não tiveram outra atividade profissional a não ser a de político.

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Entretanto, como o autor também ressalta, a ligação com famílias tradicionais na política se estende também aos deputados com histórico de militância, que de maneira semelhante se utilizam deste capital político para granjear posições de direção nas organizações e associações políticas da sociedade. Todavia, o que buscamos explorar nesta pesquisa é a influência da militância como fator de entrada e de interferência para a representação política, escolha esta que nos faz desconsiderar, empiricamente, a ocorrência deste fato político, de modo que, em virtude da complexidade inerente a representação política como fenômeno político, torna-se inviável a discriminação ipsis litteris de todos os elementos a compõem. Nesse sentido, associado à aplicação da militância como instrumento de análise, será adotado como referência conceitual o modelo interpretativo da representação política como “espelho” ou representatividade sociológica. Esse modelo, diferentemente dos outros, “é centrado mais sobre o efeito de conjunto do que sobre o papel de cada representante (...) [no qual] concebe o organismo representativo como um microcosmo que fielmente reproduz as características do corpo político” (Cotta, 2007:1102). O sentido empregado por este modelo inclusive concorda com a própria noção de governo representativo, cuja matriz constitutiva está vinculada à elaboração de uma técnica que permita a instauração de um governo popular em nações populosas e diversificadas socialmente (Manin, 1995). Ademais, essa relação vai ao encontro da ideia de que no sistema proporcional “permite-se que o parlamento seja um reflexo do perfil do eleitorado e garante-se a presença no Legislativo de todas as correntes de opinião, conforme o peso eleitoral de cada uma” (Sartori, 2005 apud Magdaleno, 2010). Seguindo assim o sentido das análises em torno da representação política em correspondência com a sociedade, escolheu-se como variável analítica a escolaridade. A escolha desta variável parte do seu valor como um indicador sensível do meio social, sendo usado por diversos autores para avaliar diferentes conjunturas políticas, econômicas e sociais da sociedade (Coradini, 2002; Carvalho, 2003; Avelar, 2007; Neto & Menezes, 2008; Oliveira, 2013; Rodrigues, 2014). Como exemplo disso, ao passo que os níveis de escolaridade constituem o chamado “jogo sócio-espacial”, identificado por Magdaleno (2010), fundamental ao entendimento da constituição de um determinado território político e referenciado pela relação com a origem geográfica do representante e das características socioeconômicas dos territórios que formam sua base eleitoral, esta variável está associada também aos diferentes níveis de pobreza e desigualdade no país (Neto & Menezes, 2008), assim como a própria “multidimensionalidade do fato 26

político”, destacado por Oliveira (2013). A desigualdade social e geográfica do eleitorado brasileiro, visto nas diferentes condições sociais de origem e dos seus capitais (sociais, econômicos, políticos e culturais), representam uma multiplicidade de fatores e de lógicas sociais que concretamente interferem nas trajetórias militantes e tornam possível a participação política dos indivíduos (Carvalho, 2003; Ames, 2003; Rodrigues, 2006 e 2014). Do mesmo modo, estes mesmos autores apontam a escolaridade como um aspecto fundamental para a entrada na política. Tal indicador aglutina diversos outros fatores que não necessariamente estão ligados a escolaridade em si, como a renda, a rede de contatos e atributos individuais, que juntos fazem a diferença no pleito a um cargo político. Possuir uma alta escolaridade, então, significa portar todos esses fatores, que são de fato recursos imprescindíveis e que fazem a diferença em uma disputa eleitoral. Por isso, mesmo que seja utilizada aqui apenas uma única variável, a mesma constitui-se como um indicador de grande escopo e denso em seu conteúdo, que pode fornecer resultados consistentes à análise da relação entre representante e representado. A ideia nesta parte é, então, promover um trabalho empírico que busque aferir a hipótese, levando-se em consideração esta concepção da representação, se a militância é um fator que aproxima socialmente os representantes dos representados, isto é, testarse-á, portanto, as formulações teóricas sobre a condição que a representação política carrega, que é a de expressão aproximada do perfil médio e dos grupos expressivos da sociedade (os mais numerosos e mais organizados politicamente e eleitoralmente) na composição do Parlamento9. Então, partindo desses pressupostos, ao comparar os níveis de escolaridades de todos os deputados federais com a média da população brasileira encontrou-se um panorama que foge a essa concepção de representação política como o “reflexo” aproximado do perfil da sociedade que acabamos de descrever.

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Devem-se ressaltar as considerações que envolvem essa generalização. Por si só, toda generalização envolve distorções sobre a variedade dos dados levantados e as diferenças entre eles. Apesar do uso da variável da renda não ser possível, o que creditaria maior precisão à proposta de análise, acreditamos que o uso somente da variável escolaridade poderá nos fornecer dados valiosos e aproximados, visto que nesta variável de certa forma o fator renda também se encontra embutido.

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Mapa Porcentagem da da população população com com 15 15 anos anos ou Deputados Federais Federais de de acordo acordo Mapa 22 -- Porcentagem ou mais mais ee Deputados com o nível de instrução de Ensino Superior Completo. Fonte: TSE (2013) e IBGE – SIDRA com o nível de instrução de Ensino Superior Completo. Fonte: TSE (2013) e IBGE – SIDRA (2013). (2013). Org. Org. Machado Machado Filho, Filho, G.F. G.F. (2013). (2013).

Este primeiro mapa já aponta a discrepância nos valores entre representante e representados. Em todas as regiões há uma diferença muito grande entre os deputados e a média da sociedade, cujo destaque fica para as regiões Nordeste e Norte que apresentam níveis abaixo da média nacional. Esboça-se aqui uma marcada elitização do quadro parlamentar brasileiro. Tal quadro é reforçado quando se analisa o nível correspondente ao Ensino Fundamental Incompleto e Sem Instrução. Neste segundo mapa a seguir é percebida a continuidade da alta diferença entre os grupos. Além disso, cabe nota à região Nordeste: se antes era uma das regiões em que a população com Ensino Superior estava abaixo da média nacional, neste momento, conquanto a alta parcela da população com nível de escolaridade com apenas Ensino Fundamental Incompleto e Sem instrução (o nível mais alto em comparação aos outros estados), não apresenta neste nível de escolaridade nenhum deputado com a mesma instrução. Isso aponta para que, dentre as regiões, o Nordeste apresente um maior nível de “elitização” da política.

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Mapa 3 - Porcentagem da população com 15 anos ou mais e Deputados Federais de acordo com o nível de instrução de Ensino Fundamental Incompleto e Sem Instrução. Fonte: TSE (2013) e IBGE – SIDRA (2013). Org. Machado Filho, G.F. (2013).

Tal quadro de “elitização” que se configura até aqui também é verificado quando somente consideramos os deputados federais que apresentem histórico de militância, aqueles que, segundo nossa hipótese, pelo critério da militância, estariam mais próximos do perfil médio da sociedade.

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Mapa 4 - Porcentagem dos Deputados Federais com perfil de militância de acordo com o nível de instrução de Ensino Superior, Ensino Fundamental Incompleto e Sem Instrução. Fonte: TSE (2013) e IBGE – SIDRA (2013). Org. Machado Filho, G.F. (2013)

Em conjunto as anteriores, de acordo com a tabela abaixo, reforça-se, a priori, a nulidade desta hipótese, o que, desta maneira, não atribuiria à militância política o valor como um critério diferenciador da representação política.

Nível de Escolaridade

Com Militância Sem Militância

Ensino Superior Completo

79%

72%

Ensino Fundamental Incompleto e Sem instrução

0,7%

1%

Tabela 1 - Porcentagem dos deputados com e sem perfil de militância. Fonte: Site da Câmara dos Deputados e Excelências – Portal Transparência Brasil. Organizador: Machado Filho, G.F. (2013).

Assim, corrobora-se, em consonância aos dados levantados, às ponderações de Lima (2006) e Cotta (2007) a respeito do modelo interpretativo da representação política como representatividade sociológica aqui empregado. Como os autores destacam, conquanto a importância que recobre este modelo interpretativo em expressar um aspecto estruturante da representação, que, de um certo ângulo, efetivamente responderia às exigências de representatividade do corpo social que se espera deste fenômeno político, deve-se considerar suas distorções congênitas. Cabe, portanto, considerar que este “espelho” imaginado é em si uma construção social, do qual o risco 30

de reflexão, refrações e distorções está posto, cujo elemento problematizador recai sobre o grau maior ou menor de opacidade da imagem criada, ou seja, o corpo de representantes (Lima, 2006). Por seu turno, em pesquisa sobre o comportamento da conjuntura política nos municípios e estados brasileiros, utilizando-se também como instrumentos de análise variáveis socioeconômicas e políticas (como os perfis de carreira dos deputados), Carvalho (2003) identifica a presença de dois tipos de mercados políticos, que apresentam dinâmicas distintas10: um mercado de perfil mais concentrado de votos, identificado em geral nos municípios de estados mais pobres, cuja competição política ocorre entre um número reduzido de atores; e um outro perfil, de mercado mais fragmentado e competitivo, encontrando-se mais aberto a um número maior de competidores, identificado nos municípios de estados mais próximos. Contrário, portanto, ao que se supõe funcionar o sistema proporcional, em conformidade com os dados por nós levantados, na região Sul, junto com o Sudeste, foi identificada um mercado político mais aberto dentre todas as regiões, sobretudo em comparação a região Norte, seu polo oposto, e o Centro-Oeste. Dessa forma, segundo sua hipótese de “quanto mais concentrado o município, mais concentrado estarão os recursos de poder, como renda e educação”, Carvalho (2003) traduz nestas regiões de mercados políticos mais fechados a ocorrência de oligarquizações do processo político. Em contraponto a esse diagnóstico, Rodrigues (2014) conclui após a sua radiografia da Câmara dos Deputados, em especial da 54a Legislatura, que a classe política brasileira está passando por um processo de “popularização”, em virtude do recrutamento para a profissão política ocorrer cada vez mais nas camadas médias e, em menor medida, nas camadas mais populares. O principal fator por trás deste fenômeno que acomete o contexto político brasileiro é o recurso à militância social através de organizações e associações coletivas, sobretudo a dos sindicatos, a que dispõem em maior medida os grupos mais pobres. Como o autor argumenta, nas democracias modernas, que são de massa, estas organizações tornam-se trunfos poderosos à entrada na vida política por uma parcela da sociedade que antes se encontrava excluída da esfera política. Semelhantemente, como enseja Manin (1995; 2013), Bobbio (2006) e Dahl De acordo com os critérios que dispõe em sua análise, “(...) os sinais das correlações nos informam que: a) quanto maior a população sem instrução ou com renda inferior a um salário mínimo, menor o número de candidatos efetivos do município; b) quanto mais urbanizado o município, quanto maior a população com instrução média ou renda superior a oito salários mínimos, maior o número de candidatos efetivos, mais competitivo o mercado político. (op.cit., 2003:82) 10

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(2012), a democracia, sobretudo em sua forma representativa, passou por algumas transformações desde a sua consolidação na modernidade, da qual uma situação semelhante a esse processo delineado por Rodrigues (2014) esta em curso, seja através da emergência da democracia de público, identificado por Manin11, seja pelo papel dos diferentes grupos (centros de poder) na sociedade moderna, que disputam o poder na poliarquia, identificado por Bobbio e Dahl. Com efeito, nesse novo contexto das democracias, são estas organizações de massa que fornecem mais capital político proporcionalmente aos pobres, onde conseguem mais condições de entrada na política, enquanto os mais ricos não dispõem deste trunfo em escala equivalente, contando a seu favor de forma mais efetiva outros fatores, como o capital econômico. Como consequência a esse cenário, à guisa da composição dos quadros políticos, “por via eleitoral, as principais portas de entrada na grande política foram a Câmara dos Deputados, câmara dos vereadores e assembleias legislativas. Câmaras municipais e assembleias tendem a ser mais utilizadas pelos mais pobres, enquanto os mais ricos tendem a começar pela CD e prefeituras municipais. Ainda assim, um número significativo do grupo dos mais pobres entrou na vida pública diretamente pela CD. Na realidade, eram ex-pobres com posições importantes em organizações de massa poderosas, como centrais sindicais e grandes sindicatos” (Rodrigues, 2014: 156).

O que a emergência desse novo contexto sócio-político traduz, nas palavras de Rodrigues, é que nas democracias de massa da contemporaneidade, os que mandam não são os mais notáveis, os ricos, os membros da elite, mas as pessoas comuns, de origem mais popular, predominantemente da classe média. Através dos estudos dos valores patrimoniais declarados nas candidaturas da 54a Legislatura, o autor conclui que a maioria dos deputados pertence a seguimentos intermediários da sociedade (classe

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Manin, ao dissertar sobre os três tipos de governos representativos que tomaram forma ao longo da história, sutilmente destaca o aumento cada vez maior do povo na influência à configuração da elite política, isto é, os que representam este povo. Desde uma relação personalista e sem vínculo político, no Parlamentarismo do século XVIII, o governo representativo na atualidade estaria em amplo diálogo com o povo, no que ele denomina por democracia do público. Nesta fase contemporânea, mantendo-se a distância fundamental entre representante e representado, o povo, ou público, é ente imprescindível a elite política que se forma, esta devendo responder prontamente esta sociedade mais plural e reativa que se formou. Não mais apática, a sociedade tem na opinião pública instrumento importante de influência e que marca a sua autonomia frente a elite política da qual formou.

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média), enquanto ricos e pobres12 formam uma minoria, algo em torno de 10% do montante de deputados. Deste quadro geral, ao focalizar os mais ricos, o Centro-Oeste, com 17,1% dos casos, é região com a maior proporção, seguido da região Nordeste (13,1%), região Sudeste (7%), região Sul (6,5%) e da região Norte (5,3%). Em suma, portanto, aponta que apesar deste fenômeno da “popularização”, ainda persiste a continuidade de políticos de clãs oligárquicos nas estruturas do poder, especialmente no Nordeste. Há, assim, a ascensão de uma nova elite política, cuja militância, deste modo, coloca-se como um dos pontos-chave para entendê-la, principalmente de que forma isso pode influenciar no seu comportamento político, ou indo mais longe, na própria representação política. A partir disso, a “elitização” visualizada através dos resultados aferidos nos mostra que a composição da Câmara é um reflexo distorcido do perfil médio encontrado na sociedade brasileira e que independente de possuir ou não um histórico de militância, tal fato não altera esse distanciamento. Desta forma, a proximidade aventada como hipótese está nesses resultados em parte respondida. Como visto na literatura, o associativismo que consta na militância corresponde a uma organização que provem do seio da sociedade, ou melhor, de uma sociedade organizada, mas que mesmo assim, aparentemente, como os dados nos mostram, não reflete ou se aproxima do perfil da sociedade tendo por base os níveis de escolaridade. Mesmo que relativismos, como o fato destas organizações serem uma constituição de um determinado grupo da sociedade que se organiza em prol de interesses específicos, incidam a essa preliminar análise, esboça-se para nós que estas organizações continuam a reproduzir a mesma lógica de distanciamento vista nas instâncias representativas formais, como o Câmara dos Deputados, e que também ainda persistam tradicionais estruturas de poder, como as oligarquias políticas, mesmo que, nas palavras de Rodrigues (2014), estejam passando por uma “popularização”. Sendo assim, a partir dos dados apresentados, pode-se concluir que os deputados federais com perfil de militância, ao contrário do esperado, encontram-se tão distante da sociedade quanto o conjunto total dos eleitos. De acordo com isso, viu-se que os representantes no congresso possuem um perfil educacional mais elitizado em relação à

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Leôncio Martins Rodrigues considera em seu estudo como ricos aqueles com patrimônio superior a 4 milhões e como pobres aqueles com patrimônio inferior a 100 mil reais.

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sociedade, o que faz supor que os mecanismos do processo eleitoral reforçam o elitismo ainda presente na representação. Além disso, para além da análise dos indicadores de escolaridade, o fator regional é uma variável importante na interpretação e discernimento dos dados apresentados. Em suma, de acordo com os dados explorados nesta perspectiva do tema, a militância a priori não se apresenta como um fator decisivo, isto é, que confira maior qualidade à representação política no sentido da aproximação e correspondência entre representantes (parlamentares) e representados (sociedade). Contudo, ainda que do ponto de vista representativo não tenha desempenhado um papel diferenciador à representação, é fato que, aprioristicamente, a militância social figura como um fator importante ao recrutamento para a política formal de modo que em todas as regiões do país a maior parte dos deputados federais esteja associado a ela. 2.2 – A trajetória política dos deputados federais e suas escalas de militância Dentro da proposta apresentada aqui de analisar a representação política sobre o prisma da militância, a escala política apresenta-se também como um indicador que nos permite avaliar os fatores que impulsionaram os deputados a ingressarem na política. Ela pode ser vista como um recurso imprescindível aos militantes, uma vez que define um campo de possibilidades e, em termos eleitorais, um potencial eleitorado que possa conduzir o então ativista/militante à política formal. A análise das trajetórias de militância quanto às escalas políticas pode, assim, nos fornecer um esboço daqueles recursos que foram mais profícuos à sua eleição, não só aqueles no qual obteve maior êxito do ponto de vista eleitoral, mas qual a dimensão do grupo que o conduziu ao cargo político. Ao encontro disso, Oliveira (2013) destaca como nos últimos tempos as análises em torno das trajetórias e carreiras militantes tomaram vulto, tornando-se uma das principais ferramentas para o tratamento conceitual e metodológico do que constitui a dimensão processual ou sequencial da ação militante. Sob o prisma dessas trajetórias seria possível reconstituir o espaço social e político ocupado por estas organizações e movimentos políticos e contextualizar os recursos e estratégias mobilizados por estes atores. Também, sob outra perspectiva, insere-se nisso a discussão feita por Cox (1998), que destaca a escala como um problema crucial à geografia política e a existência de 34

uma política de escalas inerente aos fenômenos políticos. Nesse sentido, Cox sustenta que não existe uma escala privilegiada para a política, e ao centrar sua análise sobre os interesses locais, argumenta que tais interesses por mais que estejam inscritos a uma determinada escala (space of dependence) podem mobilizar diferentes redes de associação, isto é, níveis de escalas (space of engagement), que interagem entre si, configurando assim uma política de escalas. Outrossim, ao nos remetermos novamente à militância dos deputados federais, é possível identificar em suas trajetórias de militância diferentes escalas de atuação. Cada atividade de militância que desempenham corresponde a uma determinada abrangência e limite relacional, que, por sua vez, corresponde, desse modo, a uma determinada escala onde atua aquele a organização civil do qual o deputado fez parte. Assim, a escala de militância representaria, grosso modo, a escala de atuação política desses militantes. A importância das escalas é apreendida melhor se as identificarmos inseridas dentro do contexto dos perfis dos deputados. Ao observar mais de perto estes dados, vêse que cada um dos deputados possui uma trajetória de militância característica e que ao todo apresentam uma diversidade de percursos e escalas de atuação. Preliminarmente, ao analisarmos os perfis, notou-se a ausência de um padrão que indique um percurso definido, no qual há uma variedade de situações que indicam diferentes tipos de trajetórias relacionados principalmente a história e contexto – sobretudo profissional - de cada deputado. As trajetórias, bem como a inserção na militância, variam irregularmente, de modo que foi possível, por exemplo, identificar tanto a entrada pela escala local como já em escalas maiores, influenciada por um determinado contexto profissional. Ainda assim, muitas vezes os deputados militam simultaneamente em escalas diferentes ou são eleitos a um cargo e depois voltam a militância, ou continuam a militar durante o engajamento. E, além disso, ao longo de suas trajetórias ocorre uma articulação entre distintos níveis de escalas de atuação, verificadas tanto separadas quanto simultaneamente em diferentes momentos de suas trajetórias. Existem alguns casos que ilustram bem os aspectos acima expostos, como é o caso do deputado Marcus Pestana (PSDB/MG), que ao longo da sua trajetória de militância se manteve na mesma escala de atuação local: iniciou-se na militância estudantil como coordenador e presidente de diretório acadêmico e, em um momento posterior, sendo diretor de uma associação de professores de Juiz de Fora. Outro 35

exemplo deste tipo é o deputado João Dado (PDT/SP), que possui uma trajetória predominante na escala estadual, engajado com a militância dos agentes fiscais de renda e dos servidores públicos do estado de São Paulo, e que em determinado momento atuou na escala nacional, voltando posteriormente à escala estadual. Casos, como o de Eduardo Barbosa (PSDB/MG) e Eleuses Paiva (PSD/SP), diferentemente, mostram trajetórias diversas, expressando justamente a inexistência de um padrão definido mediante a diversidade de trajetórias que apresenta. O deputado Eduardo Barbosa, desse modo, apresenta uma trajetória que se inicia na escala local, como presidente da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) de Pará de Minas; em momentos posteriores ocupa a presidência da Federação das APAES do Estado de Minas e, depois, a do Brasil; por fim ocupando a vice-presidência da Confederação Interamericana de Inclusão. Enquanto sua trajetória consiste na passagem por escalas de atuação que vão da escala local à escala internacional, o deputado Eleuses Paiva, por outro lado, já inicia a sua trajetória na escala nacional, ocupando a diretoria da Sociedade Brasileira de Biologia e Medicina Nuclear, tendo, em seguida, passado a atuar na escala local, na presidência da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São José do Rio Preto, e, posteriormente, ocupando, na escala estadual, a presidência da Associação Paulista de Medicina, e, na escala nacional, a presidência da Associação Médica Brasileira. Este caso mostra não só a alternância e relação entre diferentes escalas de atuação como também a transição entre escalas distantes, no qual deslocou-se de uma escala nacional direto para a escala local, sem antes passar por uma escala intermediária, como a escala estadual, por exemplo. Assim, no intuito de analisar quais são as escalas de atuação presentes nos históricos de militância dos deputados federais e como elas estão expressas e constituem as suas trajetórias de militância, dividiu-se essa análise em duas etapas: a primeira, com a identificação das escalas de atuação inicial, que seria a escala de entrada, o primeiro momento, a primeira escala de atuação na trajetória de militância dos deputados; e, a segunda, com a confecção de um quadro das trajetórias de militância dos deputados, que apresentam as escalas de atuação em diferentes momentos desta. Para tanto, foram escolhidas três regiões, a Nordeste, a Sudeste e a Sul, visto suas características eleitoral e política distintas. As regiões Nordeste e Sudeste foram assim escolhidas por apresentar os maiores colégios eleitorais do país, bem como os maiores números de deputados com histórico de militância e uma maior diversidade delas. A região Sul, enquanto isso, foi escolhida pela sua tradição quanto à participação e engajamento 36

político na sociedade, como os orçamentos participativos e conselhos gestores municipais de políticas públicas. Dessa forma, quanto às escalas de atuação inicial, percebe-se o peso expressivo da escala local em todas as regiões, chegando a atingir cerca de 70% nas regiões Nordeste e Sudeste. Outro aspecto que se destaca é o peso significativo da escala estadual, sendo um pouco mais expressiva no Nordeste, como podemos observar nos gráficos abaixo.

Gráfico 2 - Escalas de atuação inicial. Org.: Machado Filho, G.F. (2012)

Enquanto isso, quanto às escalas de atuação na trajetória de militância, identifica-se, logo de início, a diversidade de trajetórias de militância, o que expressa a disposição de diferentes escalas na atuação dos deputados, que podem se concentrar em um determinada escala ou perpassar escalas diferentes; militar em escalas próximas ou não; e não possuir um padrão ou trajetória definida. Mais uma vez percebe-se com o segundo conjunto de gráficos, o peso significativo da escala local, tanto de forma isolada, quanto associada a outras escalas de atuação. Como pode ser visto nos gráficos abaixo, considerando estas duas situações, a escala local está presente em mais de 50% das trajetórias identificadas nas regiões, atingindo na região Sudeste cerca de 75%. Além disso, as escalas local e estadual, aquelas mais significativas do ponto de vista eleitoral para os deputados federais, apresentam os maiores valores. Ainda que a escala local isolada apresenta sua maior 37

porcentagem na região Sudeste (40% dos casos), a escala estadual apresenta peso maior nas outras duas regiões. Esta última, curiosamente, como escala de entrada, apresenta maior peso no Nordeste, entretanto ao longo das trajetórias está mais presente na região Sul. Enquanto isso, a região Nordeste se destaca por apresentar a maior porcentagem (38%) de trajetórias formadas por escalas estadual, nacional, e internacional.

Gráfico 3 - Escalas de atuação na trajetória de militância.Org.: Machado Filho, G.F. (2012)

As diferentes trajetórias registradas nos gráficos podem ser entendidas como expressões de efetivas estratégias relacionadas às militância, no qual estes deputados eleitos souberam utilizar melhor os diversos recursos e trunfos que dispunham. Dessa forma, de acordo com as analises anteriormente realizadas, nota-se que aquele persistente cenário descrito sobre a região Nordeste, de controle político por parte de algumas oligarquias, é reforçado diante dos dados encontrados nesta outra exploração empírica do mesmo objeto. Para tanto, considerando que a entrada na política envolve diversas barreiras, sobretudo quanto ao alto custo das disputas eleitorais, a presença no Nordeste de trajetórias mais direcionadas às instâncias maiores condiz às condições que envolvem este mercado político fechado (Carvalho, 2003), que são a concentração de recursos de poder importantes, como a renda educação e, de acordo com a característica destacada, de poder político. Esta causalidade se justifica ainda posto a existência de vias preferenciais de ingresso na vida política relacionados ao seu meio de origem, cujos ricos e mais influentes dispõem de trunfos mais fortes que os encaminham à instancias 38

mais importantes (Rodrigues, 2014), neste caso, a escalas de militância mais abrangentes. Da mesma forma, em mercados políticos mais abertos, porquanto mais competitivos e de votos mais dispersos, como o da região Sudeste, pressupõe-se uma disputa política no qual os recursos de poder também se encontram dispersos, sendo a escala local - eleitoral e politicamente menos custosa - o caminho mais acessível à entrada na política. Destarte, subjacente à lógica de constituição de territórios, a militância estaria condicionada à forma como estão dispostas as escala política na carreira de militância de cada deputado, fator este pouco ou nada considerado nos estudos sobre este tema, mas que seria primaz à melhor compreensão da dinâmica concernente à representação política. Nesse sentido, a atuação em uma dada escala seria responsável por acarretar maior ou menor visibilidade e capital político ao militante. E que, segundo as escalas de atuação presentes nas trajetórias de militância dos deputados, não existe uma hierarquia de escalas, uma escala mais importante na política, mas sim uma articulação entre diferentes escalas. Isso é ipso facto traduzido na existência de diferentes formas de entrada e de escalas de atuação na trajetória de militância dos parlamentares, cuja escala local expressaria o canal mais efetivo eleitoralmente à atividade militante. 2.2 – Os tipos de militância presentes no Parlamento como expressão de vínculos políticos bem-sucedidos Como continuidade das análises em torno da atual composição parlamentar, e como uma provável síntese das condições analisadas por trás da militância, estabeleceuse uma tipologia dos deputados com histórico de militância, organizados em categorias segundo os tipos de militância encontrados nas suas biografias. Do ponto de vista empírico e analítico, o quadro de distribuição gerado a partir deste terceiro campo investigativo que compõe a pesquisa, expressaria, espacial e tipologicamente, quais foram os tipos bem-sucedidos nesta atual legislatura. Em vista disso, a estipulação das categorias consideradas nesta tipologia foi delimitada de acordo com a quantidade significativa de cada tipo de militância e a influência política dos grupos aos quais elas estão relacionadas13. O enquadramento dos

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Um exemplo disso é a categoria profissões liberais, na qual boa parte dos deputados ali presentes poderia ser categorizada como dos trabalhadores urbanos e rurais e do funcionalismo, ou mesmo separadamente, por profissões de maior frequência, como a dos professores.

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deputados nestas categorias foi feito levando-se em consideração o cargo no qual o deputado ocupara quando ainda militante, valorizando-se para isso cargos de maior relevância e visibilidade, como, por exemplo, a presidência e diretoria, e o tempo que os mesmos ocuparam nesse tipo de militância, cujo principal fator de escolha tem por base o maior tempo de participação e frequência na mesma. Dessa forma, chegou-se a 12 categorias: empresarial e trabalhadores (categorias profissionais de trabalho– meio urbano), pequeno produtor e grande produtor (categorias profissionais de trabalho – meio rural), profissões liberais4, organização religiosa, esporte e lazer, funcionalismo, militância institucional, movimento estudantil sociedade filantrópica e outros14. A distribuição dessas categorias pode ser visualizada melhor na tabela e gráfico abaixo

Tabela 2 – Tabela da distribuição regional da militância em números absolutos. Org.: Machado Filho, G.F. (2012)

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A categoria de profissões liberais está de acordo com o que é definido como profissional liberal pela CNPL (Confederação Nacional das Profissões Liberais), no qual o liberal é designado para aquele profissional que tem total liberdade para exercer a sua profissão, ser sempre de nível universitário ou técnico e deve está registrado em uma ordem ou conselho profissional e é o único que pode exercer determinada atividade.

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Gráfico 1 – Gráfico da distribuição regional da militância em números absolutos. Org.: Machado Filho, G.F. (2012)

O gráfico acima, mais especificamente, permite estabelecer duas considerações relevantes. A primeira é que Sudeste e Nordeste congregam as maiores quantidades de deputados federais, e, além disso, que as duas regiões também apresentam uma distribuição mais heterogênea das categorias quando comparadas com as demais regiões. Essas considerações tornam-se relevantes pelo fato do gráfico em questão expressar somente o quantitativo dos deputados que apresentam histórico de militância, e não o total de deputados federais. Dessa tabela mais geral é possível proceder a duas diferentes interpretações: uma acerca da distribuição dos deputados por cada região e a outra da distribuição regional dos deputados por categorias de militância. A primeira forma de interpretação concerne à distribuição percentual do total de deputados de uma mesma região por cada categoria. A partir disso, foi elaborada a tabela a seguir.

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Tabela 3 - Tabela da distribuição regional da militância em porcentagem (total de deputados na região por categoria). Org.: Machado Filho, G.F. (2012)

Nessa tabela foram destacados alguns dados mais expressivos em que se verifica a maior concentração do grupo empresarial (entendido como os integrantes das categorias empresarial e grande produtor) nas regiões Centro-Oeste, Norte e Sul, chegando a 30% nesta primeira. Outro dado a se destacar é o peso percentual de cerca de 15% em todas as regiões das categorias dos profissionais liberais e do grupo trabalhista (entendido como os integrantes das categorias trabalhadores e dos pequenos produtores) A segunda forma de interpretação diz respeito à distribuição percentual do total de deputados na categoria por região, no qual, também, propiciou a elaboração de uma tabela, vista logo abaixo.

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Tabela 4 - Tabela da distribuição regional da militância em porcentagem (total de deputados na categoria por região).Org.: Machado Filho, G.F. (2012)

Mais uma vez alguns dados expressivos foram destacados, no qual nota-se que alguns deles se assemelham a tabela anterior, condição que reforça sua relevância. Além disso, a tabela acima apresenta dados importantes que não foram expressos anteriormente, marca da ligação entre esses dois tipos de interpretação que se pode extrair, a qual mostra, justamente, a composição da distribuição geral dos deputados de cada região por categoria. Dessa forma, de acordo com a tabela acima, pode-se notar que certas categorias apresentam maior destaque por região, como as categorias organização religiosa (46%) e movimento estudantil (43%) no Sudeste; a categoria sociedade filantrópica no Nordeste, atingindo 56%; a categoria militância institucional no Sul, chegando a 39%; as categorias profissionais liberais, trabalhadores e movimento estudantil, concentrados na região Sudeste e Nordeste, atingindo juntas mais de 50%; e, expresso também na tabela anterior, o peso significativo da categoria outros na região Sudeste A título de comparação, e, sobretudo, para melhor elucidação dos dados levantados, aproveitaremos como suporte às análises nesta parte a semelhante pesquisa enveredada por Rodrigues (2002; 2014), cuja pesquisa recente à 54ª legislatura (20112015) tem como lastro de estudos e análises as três legislaturas anteriores. A confrontação com os dados encontrados pelo autor se torna fundamental não só pelo 43

volume e densidade de informações e análises nela encontrados, mas pelo fato de, assim como nós, tratar pioneiramente a militância social como instrumento de análise para a compreensão do quadro representativo brasileiro. Todavia, cabe ressaltar que Rodrigues (2014) ao levantar e analisar os trunfos por categorias profissionais não espacializa estes resultados, dando apenas uma perspectiva de conjunto e não o seu comportamento regional. A grande diferença entre os dois trabalhos - a par daquelas diferenças quanto à análise da biografia dos deputados, em que apenas considera 100 casos (os 50 mais ricos e os 50 mais pobres deputados federais), e quanto à consideração apenas dos seguimentos profissionais está na avaliação do comportamento dos deputados de acordo com suas regiões de origem, matéria que implica distintas considerações quanto a atuação destes trunfos em vista das diferentes conjunturas e modus operandi da política nas regiões do Brasil (Carvalho, 2003). Nesse sentido, como explorado anteriormente, Rodrigues (2014) considera a militância social, vista na participação em organizações e associações coletivas, como um trunfo importante ao sucesso eleitoral e, assim, a entrada na profissão política. Tais trunfos que define são considerados como instrumentos utilizados e não como uma condição social - mesmo que de alguma forma estejam ligados a isso -, que facilitam a vitória em disputas eleitorais15, sobretudo aos mais pobres. De modo geral, a militância mediante a ocupação de posições de comando dentro dessas organizações, além do apoio material e eleitoral, prepara seus dirigentes para a futura função de representante político, sendo verdadeiras escolas de aprendizado político, habilidades estas essenciais para o êxito na política. Guardadas as devidas diferenças metodológicas, análogo aos nossos resultados, o autor nesta atual legislatura, assim como em outras, também identifica o peso significativo do grupo dos empresários na ocupação das cadeiras do Congresso (46%), sendo os empresários urbanos o setor mais importante. Em ordem de importância, após

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Rodrigues atrela a eficiência destes trunfos especificamente a inícios de carreira e não a carreiras já estabelecidas. Apesar de argumentar que, neste segundo caso, os políticos requerem outros trunfos para poderem seguir em frente, pois a continuidade destes vínculos tende a encontrar obstáculos no processo de utilização mesmo trunfo - a organização da qual fez parte - pela entrada de novas lideranças, consideramos em nossas análises a efetividade destes trunfos em ambos os casos. Esta ponderação é inclusive, mais a frente, justificada pelo próprio autor ao considerar que “alguns trunfos, porém, podem continuar a ser muito úteis a carreiras políticas já iniciadas. É, notadamente, o caso do capital econômico que pode servir a início de carreiras e em posteriores disputas eleitorais. De modo geral, os políticos tentam manter, depois de eleitos, os trunfos que serviram para entrar na política e, se possível, acrescentar outros”. (op.cit.:135, grifo nosso)

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os empresários seguem-se os profissionais liberais16 (27%) e os funcionários públicos (11%) como os segmentos de maior importância. A partir disso, para o autor, num quadro geral, a Câmara dos Deputados nesta como

nas

legislaturas

anteriores

revelou-se

uma

instituição

socialmente

e

profissionalmente heterogênea, porém fortemente desigual em termos de renda, poder e influência. Contudo, em referência ao que indica pelo fenômeno da “popularização”, no âmbito social, as classes médias tornaram-se predominantes nesta casa legislativa, fato ocorrido às custas do recuo dos proprietários rurais e elites políticas tradicionais. Estas mudanças indicariam, portanto, a “democratização da vida política” na atualidade. A respeito deste fenômeno enunciado, grande mérito foi depositado na utilização do trunfo da militância, fundamentalmente pela classe média. Ainda assim, Rodrigues ressalta que estes trunfos, dentro desta lógica, foram utilizados sobremaneira pela maior parte das categorias de militância identificadas por nós, como as categorias laboral (trabalhadores urbanos e pequenos produtores), profissionais liberais, organização religiosa, esporte e lazer e militância estudantil. Dentre estes, a militância nos sindicatos de massa foi elencada como o trunfo de maior relevo para os mais pobres, sendo consideradas “uma das mais poderosas máquinas eleitorais e política das sociedades democráticas”. Da mesma maneira, tais trunfos também são dispostos pelos mais ricos, que apesar das relações de parentesco constituir, essencialmente, o principal trunfo para a entrada na política, a vinculação com associações profissionais e entidades de classe foi identificada também como um trunfo relevante para este grupo. Assim como visualizado em nosso levantamento, visto pela expressiva presença da categoria empresarial entre as regiões do país,

Rodrigues assinala, neste caso, o trunfo da

militância como um notável ajuda à propagação e legitimação política para os presidentes e diretores destas associações patronais. Frente às comparações realizadas entre os dois trabalhos, deve-se ressaltar que, juntamente à majoritária presença das categorias consideradas de classe média, como a da categoria laboral (trabalhadores urbanos e pequenos produtores), a dos profissionais 16

Como a metodologia empregada por Rodrigues para o levantamento dos dados é diferente da utilizada por nós, pois separa analiticamente nas categorias profissionais liberais, profissões intelectuais e professores, o que nós consideramos em uma única categoria,como a categoria de profissionais liberais apenas, à título de concordância analítica, considerou-se aquelas categorias em uma só, da mesma forma por nós utilizado. A modificação em curso não prejudica o conteúdo dos dados encontrados, uma vez que as categorias usadas pelo referido autor quando aglutinadas mantém a mesma posição na ordem de importância.

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liberais, a da organização religiosa, a do esporte e lazer e a da militância estudantil, e do peso já conhecido dos empresário, na composição da atual legislatura, tais categorias se expressam diferentemente pelas regiões. Levando-se em consideração ao que foi trabalhado no decorrer desta parte empírica, tais diferenças estão de alguma forma relacionadas àquelas fatores destacados anteriormente. Diante disso, da forma como estão expressas as categorias pelas regiões, ao passo que essa tendência geral de ascensão da representação da classe média pode ser verificada na presença significativa da categorias dos profissionais liberais e das organizações religiosas em todas as regiões, do mesmo modo, questão mais regionais também tomam relevo. Neste caso, algumas situações são mais expressivas. A primeira delas é a concentração nas regiões Nordeste e Sudeste não só do maior número de deputados com militância, perfazendo pouco mais de 60% destes, bem como os maiores percentuais das categorias de militância de maior frequência entre os deputados. Tal situação pode ser relacionada pelo fato destas duas regiões também serem os maiores colégios eleitorais do país, além de congregarem no geral as maiores e mais importantes metrópoles. Em separado, estas duas regiões apresentaram algumas características relevantes. Por um lado, a região Sudeste obteve concentração expressiva da categoria dos trabalhadores urbanos, profissionais liberais, organização religiosa, movimento estudantil, além da categoria outros, como já era esperado. Esta última categoria aglutina militância de diferentes naturezas que aparecem em menor frequência, e, a considerar a sua majoritária concentração, sugere sobremaneira a maior competitividade e dispersão dos votos nesta região, como endossado anteriormente por Carvalho (2003). Por outro lado, a região Nordeste apresentou um quadro que podemos denominar de híbrido. Apresenta, portanto, ao mesmo tempo um viés de oligarquização política, a notar pela concentração expressiva, em números absolutos, da categoria empresarial e da sociedade filantrópica, vinculada principalmente aos grupos de maior poder econômico e político, e um viés mais democratizado, com a maior distribuição de representações presenciado pelas porcentagens de relevo em algumas categorias, como a dos trabalhadores urbanos e rurais, os profissionais liberais, funcionalismo e militância estudantil, que obtiveram expressivo percentual tanto dentro da região quanto comparado às outras.

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As demais regiões também inferem notáveis valores percentuais. A região Centro-Oeste, por exemplo, a categoria do empresariado rural e urbano, que juntas perfazer 30% das militâncias na região, contexto que é semelhante a da região Norte. Enquanto isso, na região Sul, três categorias são destacadas: a de grande e pequeno produtor e a da militância institucional. A duas primeiras podem estar associadas a tradição da região na agropecuária, tipo de militância muito presentes entre os deputados identificados, Já a terceira categoria, a da militância institucional, pode estar ligada às diversas experiências em associativismo do tipo consórcios municipais, uma vez que esta categoria esta relacionada aos deputados que militam principalmente em organizações e associações de políticos, sobretudo a dos prefeitos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho, a partir dos aspectos apresentados e debatidos tanto conceitualmente quanto empiricamente pelos dados levantados, pretendeu contribuir para as discussões acerca do tema da representação política na geografia, tendo em vista ser pouco explorada. Ao analisar sob diferentes perspectivas o perfil dos deputados federais em relação ao seu histórico de militância, cumpriu-se o objetivo de trazer ao debate, tanto pela discussão conceitual quanto pelo trabalho empírico, fatores que possivelmente condicionam o recrutamento dos cidadãos à política formal. Para tanto, a militância apresentou-se como um caminho de estudo promissor, encarado, desta forma, como um elemento fundamental à análise da composição do quadro legislativo, visto o papel que desempenha na interface entre representantes e representados. Contudo, cabe ressaltar que os estudos e empiria realizados ao longo do trabalho conseguiram apenas apresentar um quadro geral da distribuição da influência da militância social no processo representativo brasileiro e no perfil composicional da atual legislatura. Com isso, não foi possível analisar com maior profundidade quais foram os mecanismo políticos que condicionam a entrada na política engendrados em cada região, mas apenas esboçar algumas correlações. Para que estas análises mais aprofundadas fossem realizadas seria necessária outra metodologia, que se leva em consideração fatores mais arrojados, como a distribuição dos votos por candidatos e seu comportamento político no legislativo. Mesmo assim, através das analises realizadas foi possível encontramos resultados relevantes diante dos objetivos a que nos propusemos cumprir. Viu-se que a militância é um fator significativo à entrada na política, no qual a maior parte dos deputados federais possui histórico de militância política. Todavia, também pode ser visto que, ao se considerar a proximidade entre o corpo social e o corpo político dele formado, como aventado na literatura, aferiu-se, tomando como critério os níveis de escolaridade, que a composição da Câmara é um reflexo distorcido do perfil médio encontrado na sociedade brasileira e que independente de possuir ou não um histórico de militância, tal fato não altera esse distanciamento. Dessa forma, a priori, a militância não se apresentaria com um fator que incidiria a maior proximidade entre o corpo social e o corpo político, embora, como destacado por Rodrigues (2014), desempenhe um importante papel acerca da entrada na política, sobretudo entre a parcela mais pobre da sociedade. 48

Além disso, subjacente à esta lógica, estariam relacionados à representação política elementos como a participação política e a escala política, que são pouco ou nada considerados nos estudos sobre este tema, mas que seriam primazes à melhor compreensão da dinâmica concernente à representação política. Nesse sentido, estes elementos seriam responsáveis por acarretar em uma maior visibilidade e capital político ao militante. E que, a respeito das escalas de atuação presentes nas trajetórias de militância política dos deputados, existiriam diferentes formas de entrada e de escalas de atuação na trajetória de militância dos parlamentares, cuja escala local apresentaria grande importância nessa trajetória. Outro ponto foi, afora a presumida presença da categoria empresarial, a majoritária presença das categorias consideradas de classe média, como a da categoria laboral (trabalhadores urbanos e pequenos produtores), a dos profissionais liberais, a da organização religiosa, a do esporte e lazer e a da militância estudantil. Neste caso, dentre as regiões, o Sudeste e o Nordeste apresentaram números bastante expressivos, no qual esta última apresentou um quadro que podemos denominar de híbrido, com concentrações ao mesmo tempo expressando um viés de oligarquização política, quanto um viés mais democratizado. Enquanto isso, as demais se destacaram em categorias específicas, como a categoria do empresariado rural e urbano, nas regiões Centro-Oeste e Norte, e das categorias de grande e pequeno produtor e a da militância institucional, na região Sul. Além disso. De acordo com esses resultados mais expressivos do quadro representativo brasileiro estariam, portanto, de encontro a tendência geral de ascensão da representação da classe média identificado por Rodrigues (2014), naquilo que definiu por “popularização” e “democratização” do contexto representativo brasileiro. Nesse sentido, esses dados encontrados endossariam também a relevância da militância social como um dos mais importantes trunfos à entrada na política. Assim, analisar e descrever essas correspondências significa, também, entender como ocorreu o processo de recrutamento desse deputado, que de certa forma também representava determinado grupo (e seus interesses) da sociedade, e que nesse momento passa a fazer isso na esfera política formal.

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