Osteobiografia de Uma Amostra Esquelética Proveniente do Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli

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José Francisco Taborda Curate Departamento de Antropologia Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra

Ad memoriam custodiam ossium Osteobiografia de Uma Amostra Esquelética Proveniente do Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli

Monografia de Investigação em Ciências Humanas Efectuado Sob a Orientação da Dr.ª Eugénia Cunha

Coimbra | dois mil e um

Preâmbulo Se o passado é um país distante, como afirma L.P. Hartley em The Go-Between (in Ingold, 1996), então, também nesta dissertação se realiza, uma vez mais, a viagem ao encontro do Outro, verdadeira metáfora da experiência antropológica. O caminho, agora percorrido, alonga-se através do espaço, e, sobretudo, através do tempo.

A osteologia humana permite descodificar as mensagens inscritas nos restos esqueléticos humanos, que funcionam como pistas preciosas na recuperação das memórias do passado. A investigação osteológica, enquanto fonte de informação acerca do comportamento biocultural e adaptação humanos, baseia-se, sobretudo, na reconstrução da vida de populações pretéritas através de evidências esqueléticas (e.g., paleodemografia, paleopatologia, reconstrução morfológica) e na interpretação das práticas funerárias associadas à inumação dos indivíduos fenecidos (e.g., tipo de sepultura, tafonomia). Este trabalho insere-se numa tentativa mais vasta de reconstrução da história biológica e cultural das religiosas do Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli, em Alcácer do Sal. A amostra estudada, datada dos sécs. XVI a XIX, é constituída predominantemente por ossos isolados, sem qualquer tipo de conexão anatómica. Presume-se, pois, que os dados osteológicos obtidos, providenciam informações bio-históricas relevantes acerca dos indivíduos representados e da comunidade religiosa de onde provêm os remanescentes ósseos.

Índice Índice de Figuras............................................................................................................. i’ Índice de Tabelas............................................................................................................ ii’

1. Introdução.................................................................................................................... 1 1.1. Objectivos do Trabalho........................................................................................ 3

2. O Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli............................................................................ 5 2.1. Situação Geográfica e Condições Geológicas...................................................... 6 2.2. Considerações Históricas...................................................................................... 6 2.3. A Ordem Franciscana das Clarissas..................................................................... 8

3. Material Osteológico Exumado no Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli................... 10 3.1. Cronologia.......................................................................................................... 11 3.2. Perfil da Escavação Antropológica.................................................................... 11 3.3. Caracterização da Amostra................................................................................. 12 3.4. Procedimento em Laboratório............................................................................ 12 3.5. Metodologia........................................................................................................ 13

4. Tafonomia.................................................................................................................. 14 Metodologia......................................................................................................... 16 Resultados e Discussão........................................................................................ 16

5. Estudo Paleodemográfico......................................................................................... 19 5.1. Cálculo do Número mínimo de Indivíduos........................................................ 20 Metodologia......................................................................................................... 20 Resultados e Discussão........................................................................................ 21 5.2. Diagnose Sexual................................................................................................. 25 Metodologia......................................................................................................... 26 Resultados e Discussão........................................................................................ 31 5.3. Estimativa da Idade à morte............................................................................... 39 Metodologia......................................................................................................... 40 Resultados e Discussão....................................................................................... 41

6. Estudo Morfológico................................................................................................... 46 6.1. Caracteres Métricos............................................................................................ 47 Metodologia......................................................................................................... 48 Resultados e Discussão........................................................................................ 48 6.2. Estatura............................................................................................................... 52 Metodologia......................................................................................................... 53 Resultados e Discussão........................................................................................ 55 6.3. Caracteres Discretos........................................................................................... 59 Metodologia......................................................................................................... 60 Resultados e Discussão........................................................................................ 61

7. Paleopatologia............................................................................................................ 65 Metodologia......................................................................................................... 67 7.1. Patologia Oral..................................................................................................... 67 7.1.1. Cárie........................................................................................................... 68 Metodologia......................................................................................................... 69 Resultados e Discussão........................................................................................ 70 7.1.2. Tártaro........................................................................................................ 71 Metodologia......................................................................................................... 71 Resultados e Discussão........................................................................................ 72 7.1.3. Doença Periodontal.................................................................................... 72 Metodologia......................................................................................................... 73 Resultados e Discussão........................................................................................ 73 7.1.4. Perda de Dentes Ante Mortem................................................................... 74 Metodologia......................................................................................................... 74 Resultados e Discussão........................................................................................ 74 7.1.5. Desgaste Dentário...................................................................................... 75 Metodologia......................................................................................................... 76 Resultados e Discussão........................................................................................ 76 7.2. Patologia Traumática.......................................................................................... 77 7.2.1. Fracturas.................................................................................................... 78 Resultados e Discussão........................................................................................ 79 7.3. Patologia Degenerativa Articular....................................................................... 81

7.3.1. Artrose....................................................................................................... 81 Metodologia......................................................................................................... 82 Resultados e Discussão........................................................................................ 82 7.3.2. Outras Patologias Articulares.................................................................... 88 Gota...................................................................................................................... 88 Osteocondrose Vertebral..................................................................................... 89 7.4. Patologia Degenerativa Não Articular................................................................ 90 Metodologia......................................................................................................... 91 Resultados e Discussão........................................................................................ 92 7.5. Patologia Infecciosa............................................................................................ 95 Resultados e Discussão........................................................................................ 96 7.6. Patologia Congénita............................................................................................ 97 Resultados e Discussão........................................................................................ 98 7.7. Patologia Neoplástica......................................................................................... 99 Resultados e Discussão...................................................................................... 100 7.8. Indicadores de Stress........................................................................................ 101 7.8.1. Hipoplasias do Esmalte Dentário............................................................. 102 Metodologia....................................................................................................... 103 Resultados e Discussão...................................................................................... 104

8. Conclusões.......................................................................................................... 105

Bibliografia............................................................................................................. 109

Índice de Figuras Fig. 1: Localização de Alcácer do Sal............................................................................. 9 Fig. 2: Percentagem de fragmentação do total de ossos exumados................................ 16 Fig. 3: Aspecto da fragmentação de alguns ossos longos.............................................. 17 Fig. 4: Arte nobiliar na diáfise de um osso longo.......................................................... 18 Fig. 5: Número mínimo e máximo de indivíduos.......................................................... 23 Fig. 6: Elementos esqueléticos com uma representatividade inferior a 50%................ 24 Fig. 7: Mandíbula masculina (em cima) e mandíbula feminina (em baixo)................... 28 Fig. 8: Percentagem de ossos inteiros ou fragmentados, categorizados pelo sexo......... 38 Fig. 9: Distribuição etária dos indivíduos exumados no Claustro e Coro Baixo............ 43 Fig. 10: Distribuição etária dos indivíduos inumados no Claustro................................. 44 Fig. 11: Distribuição dos indivíduos do Coro Baixo por classes etárias........................ 44 Fig. 12: Medições do calcâneo e talus (adaptado de Holland, 1995)............................ 54 Fig. 13: Valores médios de estatura fornecidos pelos ossos longos............................... 56 Fig. 14: Valores médios de estatura, obtidos através do úmero e fémur........................ 56 Fig. 15: Comparação dos valores médios da estatura..................................................... 58 Fig. 16: Fossa rombóide................................................................................................. 62 Fig.17: Foramina transversos bipartidos........................................................................ 63 Fig. 18: Frequência de cáries, por tipo de dente............................................................. 70 Fig. 19: Frequência média de tártaro, segundo o grau de severidade............................ 72 Fig. 20: Fragmento de maxilar com perda de dentes ante mortem................................. 75 Fig. 21: Desgaste médio, por tipo de dente.................................................................... 77 Figura22: Diferentes tipos de fractura............................................................................ 78 Fig. 23: Fractura de Colles, no rádio AS/CA.L.OSS.223............................................... 79 Fig. 24: Calcificação na metade esternal da costela AS/CA.L.OSS.1078...................... 80 Fig. 25: Artrose de grau máximo na rótula AS/CA.L.OSS.267..................................... 83 Fig. 26: Fusão de duas falanges (AS/CA.L.OSS.396).................................................... 83 Fig. 27: Nódulos de Heberdeen numa falange intermédia da mão................................. 84 Fig. 28: Nódulo de Schmorl na parte inferior de uma vértebra torácica........................ 87 Fig. 29: Metatarsianos evidenciando depressões na extremidade distal........................ 89 Fig. 30: Lesão degenerativa em forma de “crescente” numa vértebra lombar............... 89 Fig. 31: Entesopatia de severidade máxima, na rótula AS/CA.L.OSS.247.................... 93 Fig. 32: Lesão perióstea activa no fragmento de tíbia AS/CA.L.OSS.768.................... 96

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Fig. 33: Reacção perióstea remodelada no calcâneo AS/CA.H.OSS.81....................... 97 Fig. 34: Vértebra lombar (L5) apresentando evidências de hemi-sacralização.............. 99 Fig. 35: Osteoma de “botão”, tumor benigno detectado num fragmento craniano...... 101 Fig. 36: Percentagem de hipoplasias lineares, por tipo de dente.................................. 104

Índice de Tabelas Tabela 1: Percentagem de fragmentação por tipo de osso.............................................. 17 Tabela 2: Número mínimo de indivíduos calculados no Claustro.................................. 21 Tabela 3: Número mínimo de indivíduos calculados no Coro Baixo............................. 22 Tabela 4: Resultados da diagnose sexual efectuada por intermédio da mandíbula........ 31 Tabela 5: Resultados do diagnóstico sexual realizado a partir da escápula................... 32 Tabela 6: Resultados do diagnóstico sexual realizado aos os coxae.............................. 32 Tabela 7 : Resultados da diagnose sexual realizada a partir do calcâneo....................... 33 Tabela 8: Resultados da diagnose sexual realizada através do talus.............................. 33 Tabela 9: Resultados do diagnóstico do sexo realizado através do úmero..................... 35 Tabela 10: Resultados da diagnose sexual realizada a partir do rádio........................... 35 Tabela 11:Resultados do diagnóstico sexual efectuado através da ulna........................ 36 Tabela 12: Diagnose sexual realizada no fémur............................................................. 36 Tabela 13: Diagnóstico sexual realizado a partir da tíbia............................................... 37 Tabela 14: Resultados da estimativa da idade à morte (não adultos)............................. 42 Tabela 15: Resultados da estimativa da idade à morte (adultos).................................... 42 Tabela 16: Índice de robustez da clavícula..................................................................... 48 Tabela 17: Índice de robustez do úmero......................................................................... 49 Tabela 18: Índice diafisário (de achatamento) do úmero............................................... 49 Tabela 19: Índice de robustez da ulna............................................................................ 49 Tabela 20: Índice de platolenia da ulna.......................................................................... 49 Tabela 21: Índice de robustez do rádio........................................................................... 50 Tabela 22: Índice de robustez do fémur......................................................................... 50 Tabela 23: Índice platimérico do fémur......................................................................... 50 Tabela 24: Índice pilástrico do fémur............................................................................. 51 Tabela 25: Índice de robustez da tíbia........................................................................... 51 Tabela 26: Índice cnémico da tíbia~............................................................................... 51 Tabela 27: Resultados da determinação estatura a partir dos ossos longos.................... 55 ii

Tabela 28: Resultados da determinação da estatura através do úmero e fémur............. 56 Tabela 29: Resultados da determinação da estatura a partir do talus e calcâneo........... 57 Tabela 30: Resultados do cálculo da estatura, realizado através dos metacarpianos..... 57 Tabela 31: Resultados da determinação da estatura a partir dos metatarsianos............. 58 Tabela 32: Estatura média de algumas populações femininas....................................... 59 Tabela 33: Lista dos caracteres discretos pesquisados neste estudo.............................. 61 Tabela 35: Frequência dos caracteres discretos da mandíbula e infra-cranianos........... 63 Tabela 36: Distribuição das lesões cariogénicas quanto ao loci..................................... 71 Tabela 37: Frequência de artrose observada no esqueleto apendicular.......................... 84 Tabela 38: Prevalência de artrose nas três regiões da coluna......................................... 86 Tabela 39: Entesopatias analisadas, por tipo de osso..................................................... 91 Tabela 40: Incidência de entesopatias nos membros superior e inferior........................ 93 Tabela 41: Incidência de espigas laminares nas vértebras torácicas e lombares........... 94

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1. Introdução

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1. Introdução Há mais de um século que foi reconhecida a importância dos restos esqueléticos humanos na análise e compreensão da evolução e variação humanas (Ubelaker, 1989b). A viagem no tempo, ao encontro do passado, é possível através da paleobiologia (Cunha, 1996), que, descodificando as mensagens inscritas nos ossos e dentes, permite visionar as populações humanas pretéritas como entidades vivas e funcionais. O osso, considerado na Idade Média a parte mais nobre do corpo, porque a mais durável (Ariès, 1977), constitui-se como o tecido corporal que preserva o maior conteúdo de informação biológica relevante acerca do passado (Larsen, 1997). Para além do estudo dos sistemas biológicos do passado, tem sido demonstrado que variados aspectos culturais podem ser observados directamente no sistema esquelético, a partir dos efeitos por si provocados (Ubelaker, 1989b). Exemplos bem conhecidos incluem as deformações cranianas, a mutilação dos dentes ou o canibalismo ritualizado. Os ossos e dentes registam e gravam múltiplos eventos desfavoráveis, a que os indivíduos estiveram sujeitos durante a sua vida, funcionando como um fecundo armazém de incidentes biográficos, que ajudam a reconstruir a história de vida dos indivíduos e populações do passado (Cunha, 1996; Larsen, 1997). O antropólogo, ao interpretar o manancial de informação que dimana dos remanescentes ósseos humanos, permite, não só complementar as informações arqueológicas e históricas (Cunha, 1996; Saunders et al., 1995), como também proporcionar informações inéditas acerca da história biológica das populações. Para que isto suceda, é de uma importância basilar que se verifique uma cooperação frutífera entre o antropólogo e o arqueólogo, o que nem sempre aconteceu (Cunha, 1996). De facto, até há bem pouco tempo (anos 60 –70), os ossos eram considerados irrelevantes e mesmo um estorvo (Larsen, 1997), o que reduzia substancialmente o potencial da pesquisa osteológica, enquanto fonte de informação acerca do comportamento biocultural e adaptação humanos. Actualmente, esta visão redutora da paleobiologia e da osteologia humana encontra-se, felizmente, exaurida e sem razão de ser. Tal se pode corroborar através das palavras do arqueólogo americano C. S. Peebles (1977 in Harrington e Blakely, 1995): “[a] human burial contains more anthropological information per cubic meter of deposit than any other type of archaeological feature”. A reconstrução da vida a partir do esqueleto engloba a reconstrução morfológica dos indivíduos (e.g., estatura, caracteres osteométricos e discretos), a paleodemografia e 2

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a paleopatologia (Cunha, 1996). Por outro lado, reconhece-se também que o corpo humano é um símbolo poderoso, que depois da morte é utilizado como um produto cultural em variados contextos mortuários (Harrington e Blakely, 1995). Dessa forma, é importante o conhecimento do tipo de sepulcro utilizado na inumação do cadáver, a organização espacial do cemitério, a frequência de indivíduos por sepultura, o espólio arqueológico que acompanha o indivíduo fenecido e o modo como ocorreu a decomposição do cadáver (tafonomia) (Cunha, 1996), que providenciam dados importantes acerca do mundo dos mortos e das práticas funerárias e, através deles, acerca da sociedade e da estrutura socioeconómica dos vivos (Silva, 1996).

1.1.

Objectivos do Trabalho

A amostra estudada é constituída, predominantemente, por ossos isolados, sem qualquer tipo de conexão anatómica. Assume-se, dessa forma, que é possível retirar dados significativos acerca dos indivíduos representados na amostra (e.g., sexo, idade à morte, estatura) com uma aceitável, e inevitável, margem de erro. Presume-se, também, que esses dados, tomados colectivamente, providenciam informações relevantes acerca da população, enquanto um todo, de onde provêm os restos esqueléticos analisados. Ou seja, apesar desta série se constituir como uma população de ossos e não de indivíduos (Rothschild e Rothschild, 1994), considera-se que é possível, através da análise osteológica, realizar assunções válidas acerca da comunidade religiosa de Aracoelli. Os objectivos deste trabalho encontram-se basicamente ligados a 4 áreas de pesquisa: a tafonomia, isto é, o modo como se processa a decomposição do cadáver desde que este é deposto na terra (Micozzi, 1991); a paleodemografia, que, através da análise de estatísticas vitais das populações, se constitui como uma das mais importantes medidas biológicas das populações humanas do passado (Winchell et al., 1995); a reconstrução morfológica, que permite, entre outras coisas, o estudo dos padrões de migração e o reconhecimento de zonas familiares na organização dos cemitérios (Cunha, 1996; Larsen, 1997) e, finalmente, a paleopatologia, que possibilita, por exemplo, a avaliação do estado sanitário das comunidades humanas pretéritas (Cunha, 1994). Este trabalho centra-se, pois, na tentativa de reconstrução da história biológica e cultural das religiosas do Convento de Aracoelli a partir dos seus restos esqueléticos. Será dada, também, uma posição prioritária ao longo deste estudo, à possibilidade de

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encadeamento dos resultados obtidos com os dados osteológicos já conhecidos acerca do Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli, em Alcácer do Sal, com as informações disponíveis acerca de outros conventos similares (designadamente o Convento de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra) e, ainda, com as informações históricas disponíveis.

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2. O Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli

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2. O Convento de Nossa Senhora de Aracoelli (Alcácer do Sal) 2.1. Situação Geográfica e Condições Geológicas O Castelo de Alcácer do Sal, ao qual é contíguo o Convento de Aracoelli, erguese num pequeno morro sobranceiro ao Sado, situado em plena malha urbana. A cidade de Alcácer do Sal é sede de concelho de 2ª ordem e comarca de 2ª classe, do distrito de Setúbal, diocese de Évora. Integra-se na Província do Baixo Alentejo (deixou de fazer parte da Província de Estremadura em 1926). Situa-se na margem direita do rio Sado, a 30 metros acima do nível do mar, distando 40 Km da foz do referido rio (Paixão et al., 1994). A Comarca congloba os concelhos de Alcácer do Sal, Grândola e a freguesia de S. Mamede, do concelho de Ferreira do Alentejo. O concelho é constituído por dez freguesias: Alcácer, Santa Susana, Palma, Monte Vil, S. Martinho, Sítimos, Torrão, S. Romão do Sado, Vale de Reis e Vale de Guiso (Marrafa, 1996). Geologicamente, a formação de Alcácer do Sal pertence ao Miocénico médio a superior. A bacia do Sado preserva indícios de uma transgressão marinha e é formada por um agregado de assentadas detríticas, ordenadas sequencialmente pela granulometria decrescente: conglomerados mais importantes, na base e periferia da bacia, biocalcarenitos, areias médias e finas, níveis carbonatados e escassez de argilas. A análise paleontológica compreende moluscos, equinódeos, crustáceos, vertebrados e muitos outros. A fauna incorpora seláceos e teleósteos (Antunes, 1983 in Paixão et al., 1994).

2.2. Considerações Históricas O Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli, inserido no Castelo de Alcácer do Sal, encontra-se edificado numa posição destacada e sobrelevada relativamente ao conglomerado urbano que o rodeia. Todavia, as suas estruturas arquitectónicas, designadamente aquelas que, encontrando-se de pé, resistiram às agruras do tempo, estão profundamente ligadas a construções cronologicamente anteriores. É, pois, virtualmente impossível analisar historicamente o Convento de Aracoelli, dissociando-o da fortaleza cujas muralhas circunscrevem os seus espaços ou da cidade onde se situa.

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Na parte mais elevada do outeiro onde sita o Castelo, foram reconhecidos alguns materiais cerâmicos, datados do Neolítico final. A descoberta na mesma área de estruturas de adobe, às quais estavam associados fragmentos de cerâmicas púnicas do Sul da Península Ibérica (datáveis dos sécs. VII-VI a.C.), constituem um indício significativo de uma intensa actividade comercial com Cartago, sendo mesmo bastante provável a permanência prolongada de mercadores Cartagineses em Alcácer do Sal. Em níveis estratigráficos adjudicados ao séc. IV a.C. foram também referenciados resquícios de casas de habitação de paredes caiadas (Paixão et al., 1994). Até ao momento, as estruturas arqueológicas mais expressivas surgidas em Alcácer do Sal pertencem ao povoado Romano, devendo-se a Plínio a designação honorífica Salacia Urbs Imperatoria deste aglomerado populacional, com cunhagem de moeda própria e estatuto de capital administrativa. O período Romano caracterizou-se por uma navegação intensa no Sado (Callipus), pesca e indústria de conservas Os vestígios arqueológicos do período Visigótico são incomuns, todavia, fontes históricas indicam que Alcácer do Sal foi cidade episcopal no séc. IV d.C. e que o seu primeiro bispo foi São Januário Mártir. Têm sido pouco numerosos os achados arqueológicos do período Muçulmano. Todavia, o nome de Alcácer é de ascendência árabe, provindo a sua designação, ao que se julga, de Cacer ou Alcacer (palácio ou castelo de Abu Deniz ou Daniz), família a quem Abdamarrão III (séc. X) confiou o povoado. Após o desmembramento do Califado, Alcácer foi incorporada no reino Taifa de Badajoz (ibidem). A partir de meados do séc. XII o Castelo de Alcácer do Sal tornou-se palco de luta entre Mouros e Cristãos. Foi conquistado em 1158 por D. Afonso Henriques, tendo sido reconquistado pelos Almoadas em 1198 durante o reinado de Sancho I, sendo então denominada Alcácer da Vitória (Alcacer Al-Fath). Em 1217 o Castelo foi retomado definitivamente pelas forças Cristãs comandadas pelo rei D. Afonso II. Nesse mesmo ano é mandada erigir, por D. Afonso II, a Igreja de Santa Maria do Castelo, considerado o primeiro núcleo congregador da vida religiosa comunitária (ibidem). No oitavo mês do ano de 1218, em Coimbra, foi atribuído foral antigo a Alcácer do Sal. Mais tarde, em 23 de Abril de 1515 foi concedido novo foral, por D. Manuel I (Marrafa, 1996). O Convento de Nossa Senhora de Aracoelli (originalmente Ara Coeli) foi fundado em 1573 por D. Ruy Salema, fidalgo da terra e da casa do Infante D. Luís, e Dona Catarina Souto Maior, sua mulher. Foi o rei D. Sebastião que lhes concedeu as 7

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instalações do palácio preexistente situado no recinto interior do castelo, o que permitiu a Ruy Salema ampliar as instalações das religiosas Clarissas. O Convento conheceu uma era de prosperidade no final do séc. XVI e ainda, no decurso do séc. XVII, datando do início deste a construção da igreja monumental (Paixão et al., 1994; Viana, 1948). Entre as estruturas arquitectónicas degradadas do Convento, evidenciam-se pela peculiaridade da sua construção, o claustro e a igreja de assinalável dimensão. Das restantes divisões do velho edifício religioso é possível, ainda hoje, reconhecer a sala do capítulo, o refeitório e a cozinha, assim como o deambulatório localizado no piso sobreposto às arcadas do claustro. Relativamente às celas onde as religiosas se recolhiam durante a noite, os únicos remanescentes da sua existência são as superfícies entaipadas que se recortam ao longo das superfícies interior e exterior das paredes (Paixão et al., 1994). O Convento de Aracoelli foi abandonado desde a extinção das ordens religiosas, encontrando-se em estado ruinoso desde finais do séc. XIX, depois de ter sido um local privilegiado para a ocorrência de inumações desde o séc. XVI até meados do séc. XIX (ibidem).

2.3. A Ordem Franciscana das Clarissas A ordem religiosa das Clarissas (também conhecidas como Clarisses, Claristas, Senhoras Pobres e Damistas) foi fundada por Santa Clara de Assis em 1212. Clara Scifi era filha de uma ilustre e fidalga família da cidade de Assis, em Itália. Ainda criança, já se mortificava e usava junto à pele uma corda bem apertada e cheia de nós. Na noite do Domingo de Ramos de 18 de Abril de 1212 despediu-se dos prazeres do mundo e professou os três votos conventuais: pobreza, castidade e obediência. Em 1215, o Papa Inocêncio III aprovou esta regra, dando origem à 2ª Ordem dos Franciscanos (Carvalho, 1992). A Ordem de Santa Clara era apologista da despossessão de qualquer bem terreno e, ao ingressarem na vida secular, as noviças abdicavam de todos os seus haveres em função dos mais necessitados. A lei da clausura, em conjunto com uma panóplia de sacrifícios e jejuns, era uma condição sine qua non na vida de muitas Monjas. Em cada convento existiam religiosas dedicadas exclusivamente à vida contemplativa, de acordo com a regra Servatis de jure servandis. Podiam existir, ainda, irmãs serventes fora do convento (chamadas “externas”) ou irmãs dedicadas ao serviço interno do convento. Os

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trabalhos efectuados pelas Claristas eram feitos em harmonia com a vida de contemplação e, consequentemente, não realizavam actividades que exigissem demasiadas forças ou exigissem excessivos cuidados e atenção do espírito (Barreira, 1973 in Marrafa, 1996; Carvalho, 1992). As religiosas regiam-se pelo “Privilégio da Pobreza”, que com o decorrer do tempo foi sofrendo alterações, até ao texto da regra de Santa Clara, aprovado por Inocêncio IV, em 1253. Esta regra era extremamente austera e, em 1262, Urbano IV concedeu-lhes uma outra, menos rigorosa. O hábito das Clarissas era (e é) constituído por uma túnica exterior (o hábito), de tecido tosco cinzento escuro ou preto, atado à cintura por uma corda, e pelo manto, escapulário e sandálias de madeira (Carvalho, 1994). Proibidos os mosteiros de receberem noviças em Portugal, por decreto de 5 de Agosto de 1832, todos os mosteiros de Clarissas foram encerrando com a morte da última religiosa (ibidem).

Fig. 1: Localização de Alcácer do Sal, de acordo com a “Carta Geológica de Portugal”, serviços Geológicos de Portugal, Escala: 1: 50.000, Folha 39-C, Alcácer do Sal, 1993

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3. Material Osteológico Exumado no Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli

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3. Material Osteológico Exumado no Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli 3.1. Cronologia As informações prestadas pelos arqueólogos, Dr. João Carlos Faria, da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, e Dr. António Cavaleiro Paixão, do IPPAR, indicam que o material osteológico proveniente de Aracoelli data do período cronológico compreendido entre os sécs. XVI e XIX. O espólio colidido nas sepulturas (cerâmica e outros) data, também, dos sécs. XVI a XIX.

3.2. Perfil da Escavação Antropológica 1 A transformação do Convento em Pousada de Portugal inseriu-se num vasto projecto de reconversão de edifícios históricos promovido pelo Ministério do Comércio e Turismo. Devido às características específicas do Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli, com estruturas arquitectónicas de assinalável valor histórico e a existência de sucessivos enterramentos datados dos sécs. XVI a XIX, tornou-se imperiosa a constituição de uma equipa constituída por arqueólogos e especialistas em Antropologia Biológica. Dessa forma, os arqueólogos responsáveis pelo projecto, Drs. António Cavaleiro Paixão e João Carlos Faria, entraram em contacto com o Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade Coimbra que nomeou como responsáveis da parte antropológica da escavação, a Dr.ª Eugénia Cunha, Dr.ª Ana Luisa Santos e Dr.ª Ana Maria Silva, que contaram com a colaboração de alguns estudantes do curso de Antropologia. As áreas preferenciais de intervenção antropológica foram o Capítulo, o Claustro, o Coro Baixo e a Igreja. Nas três primeiras zonas, os ossários eram assaz frequentes nos níveis superiores, enquanto que nas camadas estratigráficas inferiores prevaleciam as sepulturas individuais. Todos os enterramentos se encontravam acompanhados de maior ou menor quantidade de espólio arqueológico (contas, anéis, tiaras, entre outros). Em algumas sepulturas do Claustro e Capítulo foram detectados resquícios de caixões, na forma de pregos metálicos e restos de matéria orgânica (madeira). A metodologia empregue no decorrer da escavação antropológica teve como

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Para informações mais pormenorizadas, consultar os trabalhos de Carmo Marrafa (1996) e Carmen Carvalho (1999).

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objectivo central a recolha da maior quantidade possível de informação contida em cada sepultura e, especialmente, nos ossos (Cunha et al., 1994).

3.3. Caracterização da Amostra Os remanescentes ósseos analisados neste trabalho provêm do Claustro e Coro Baixo do Convento de Aracoelli, em Alcácer do Sal, correspondendo a uma fracção da totalidade do material esquelético exumado nas escavações de emergência que decorreram entre Fevereiro e Setembro de 1994. A presente amostra é constituída por elementos ósseos sem qualquer tipo de conexão anatómica, provenientes de reduções situadas junto às sepulturas individuais. As reduções correspondem a um reagrupamento de todos os ossos de um indivíduo ou, pelo menos, da sua maioria, no interior do espaço onde foi efectuado o depósito original (Duday et al., 1990). As sucessivas reduções foram evoluindo para os ossários referidos anteriormente (Cap. 3.2.). O termo ossário refere-se a um depósito secundário de material esquelético, representando indivíduos inicialmente depostos num outro local, mas será aqui utilizado para designar o conjunto de reduções que formaram um complexo de enterramentos múltiplos no espaço adjacente às sepulturas (ver, e.g., Ubelaker, 1974). As reduções, que se alicerçam como a base deste trabalho de investigação, são o resultado do sucessivo amontoamento de corpos no reduzido espaço do Convento, algo profundamente característico em toda a cristandade latina (ver, e.g., Ariès, 1977), e funcionavam como autênticos depósitos de ossos (ossium conditorium). Estas reduções eram feitas, muito provavelmente, sem a mediação de qualquer prática funerária e numa situação de “desumanização” das ossadas. Jean Leclerc (1990), analisando o contexto geral da transferência dos ossos da sepultura original, para uma outra, num outro local, utiliza o termo “desumanização”, não num sentido pejorativo, mas para realçar o fenómeno de translação dos restos esqueléticos para ossários sem a mediação de gestos funerários.

3.4. Procedimento em Laboratório O material esquelético analisado no presente estudo, proveniente do Convento de Aracoelli em Alcácer do Sal, encontrava-se armazenado em caixotes de papelão e

12

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sacos de plástico, com o local de origem devidamente assinalado, no Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra. Cerca de um terço do material já se encontrava limpo, marcado e inventariado no momento em que esta investigação se iniciou. Os restantes elementos ósseos foram sujeitos a uma limpeza e posterior catalogação com tinta da china sobre uma fina capa de verniz. No catálogo do material osteológico foram utilizadas as siglas “AS/CA” (Alcácer do Sal / Convento de Aracoelli), seguidas da sigla correspondente à zona do Convento de onde o elemento ósseo provinha, ou seja, “L” se provinha do Claustro e, “H”, se o seu local de origem foi o Coro Baixo. A sigla seguin.te, “OSS”, reflecte a proveniência de um ossário e, finalmente, foi marcado o número de cada elemento ósseo. Posteriormente, foi passada uma nova camada de verniz sobre as siglas em cada osso. Finalmente, completou-se a inventariação dos restos esqueléticos que compunham esta amostra e executou-se a reconstrução de algum do material com o auxílio de cola e fita adesiva.

3.5. Metodologia A metodologia empregue na análise laboratorial será discutida, em pormenor, ao longo de cada capítulo. De uma maneira geral, os métodos foram seleccionados tendo em conta vários factores, designadamente o seu grau de precisão e fiabilidade, o seu desenvolvimento em populações portuguesas e/ou congéneres 1 e, alguns, pela sua originalidade e inovação técnica.

1

Muitas vezes isso foi, como é óbvio, impossível. Todavia, tentou-se dar um especial relevo aos métodos desenvolvidos na Colecção de Esqueletos Identificados do Museu Antropológico da Universidade de Coimbra (C.E.I.M.A.). Esta colecção, para além de englobar, na sua maioria, indivíduos de origem biológica semelhante aos indivíduos constituintes da amostra sob estudo, é, também, uma amostra préindustrial, e por isso, encontra-se mais uma vez em consonância com a presente série.

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4. Tafonomia

14

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4. Tafonomia Em 1940, J. A. Efremov, um paleontólogo russo, propôs um novo ramo da paleontologia, a tafonomia (do grego taphos: enterramento e nomos: lei ou sistema de leis) (Garland e Janaway, 1989; Shipman, 1993). A tafonomia é um mecanismo heurístico que visa a compreensão dos processos de transferência (em todos os seus detalhes) dos restos orgânicos da biosfera para a litosfera (Micozzi, 1991; Shipman, 1993). Esta sub-disciplina da paleontologia ocupa-se da retrospecção e interpretação das sequências processuais que operam nos remanescentes orgânicos depois da sua morte (Garland, 1987 in Coimbra, 1991; Garland e Janaway, 1989; Micozzi, 1991), permitindo o reconhecimento de explicações alternativas a fenómenos observados (Nawrocki, 1993), tais como a preservação diferencial dos ossos ou a ubiquidade de fracturas em séries esqueléticas provindas de contextos arqueológicos, ocorrências frequentemente sujeitas a interpretações erróneas. Num contexto humano, a tafonomia está relacionada, por um lado, com a tanatologia (os fenómenos que acompanham a morte: a autólise, a putrefacção, a esqueletonização, a mumificação e outros) e a necrologia (o decaimento e corrupção dos restos humanos) e, por outro lado, com o sistema fenomenológico responsável pela preservação dos restos orgânicos (Garland e Janaway, 1989). Desse modo, a história tafonómica de um corpo pode ser entrevista como uma complexa inter-relação entre os processos antagónicos de destruição e preservação. A preservação potencial de um osso depende de um complexo de variáveis que se podem dividir em três grandes classes: os factores individuais, como a idade ou composição do corpo; os factores ambientais, como o clima ou a existência de animais antropofágicos e por último, os factores culturais, que são um subconjunto de variáveis que caracterizam as actividades mortuárias humanas. Os factores ambientais podem ser subdivididos nas categorias abiótica (agentes físicos) e biótica (agentes biológicos) (Nawrocki, 1993). Os agentes biológicos (plantas, animais, fungos, etc.) e físicos (calor, frio, pH do solo, etc.), componentes da matriz arqueológica, interagem de forma dinâmica com os ossos, influenciando a probabilidade de sobrevivência destes. Muitas vezes, a única fonte directa de informação acerca de um indivíduo morto é a esquelética, consequentemente, a relativa integridade do esqueleto é crucial na consecução de qualquer estudo paleodemográfico, paleopatológico ou forense. De facto, ao reconhecer-se que qualquer amostra composta por restos esqueléticos humanos 15

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apresenta variações no grau de preservação dos diferentes ossos e que essa diversidade requer uma explicação, então a tafonomia emerge como um corpo teórico susceptível de facilitar a dedução retrospectiva dos acontecimentos decorridos depois da morte de um indivíduo ou animal.

Metodologia

Os diferentes componentes do sistema esquelético foram observados macroscopicamente com o intuito de registar alterações na sua aparência geral. Estas alterações (de cor, de forma, de textura) foram classificadas como tafonómicas quando se verificou que não possuíam qualquer conexão com a ilimitada variação individual existente na morfologia óssea ou com condições patológicas.

Resultados e Discussão Na sua grande maioria, as alterações tafonómicas encontradas na amostra estudada são de natureza mecânica, especificamente sob a forma de fracturas post mortem. A percentagem de fragmentação dos diferentes elementos constituintes do esqueleto (a análise da fragmentação não foi efectuada nos ossos das mãos e pés, nas costelas e nas vértebras) é bastante elevada, como se pode verificar na Fig. 2.

14%

Fragmentados Completos

86%

Fig. 2: Percentagem de fragmentação do total de ossos exumados nas deposições secundárias das Áreas L e H do Convento de Nª Sr.ª de Aracoelli

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A percentagem de fragmentação apresenta uma considerável latitude de variação, consoante os ossos observados. Assim, registam-se valores percentuais de fragmentação que se situam entre os 41.03%, no caso da clavícula; e os 100%, no caso do crânio, omoplata e inominados.

Tabela 1: Percentagem de fragmentação por tipo de osso OSSO Crânio Clavícula Omoplata Úmero Rádio Cúbito Inominados Fémur Tíbia Fíbula

% de Fragmentação 100% 41.03% 100% 88.23% 90.00% 81.25% 100% 96.72% 88.57% 71.87%

Fig. 3: Aspecto da fragmentação de alguns ossos longos

Na amostra estudada por Carvalho (1999), provinda do mesmo Convento que a presente série, a percentagem de fragmentação é também elevada. A autora considera, apoiando-se nos relatórios mensais de escavação, que tal se deve, possivelmente, à profundidade a que foram efectuados os enterramentos. Todavia, a natureza diversa das duas amostras (uma é composta por esqueletos individualizados e a outra por ossos maioritariamente desarticulados) é um factor de importância primordial na análise dos

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processos que levaram à fragmentação do material esquelético. Dessa forma, e tendo em conta que a amostra osteológica analisada no presente estudo provém de deposições secundárias, pode considerar-se que uma parte substancial da fragmentação dos ossos pode ter sido causada por factores relacionados com as actividades mortuárias humanas. De facto, num Convento em que o espaço para novas inumações era restrito, a única possibilidade para efectuar enterramentos ao longo de cerca de dois séculos seria disturbar as sepulturas existentes e redispor os restos ósseos que nelas se encontravam num outro local (neste caso, ao lado das sepulturas). A contínua manipulação e remeximento dos restos esqueléticos terá fomentado, então, a degradação destes últimos. Foram reconhecidas outras modificações nos ossos com manifesto carácter tafonómico, tais como marcas produzidas por raízes de plantas (arte nobiliar), coloração verde, possivelmente causada pelas fibras do revestimento interior do caixão e ainda, escurecimento e corrosão provocados por cal. Estas alterações estão, no entanto, infimamente representadas nesta série.

Fig. 4: Arte nobiliar na diáfise de um osso longo (seta verde)

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5. Estudo Paleodemográfico

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5. Estudo Paleodemográfico A paleodemografia, fundamentada na análise precisa de restos humanos recuperados de contextos arqueológicos, busca a reconstrução das características básicas de populações pretéritas (Angel, 1969), como a sua composição etária, a proporção dos sexos, a mortalidade e fecundidade diferenciais e a estrutura social e familiar. As necrópoles, os restos ósseos humanos e a cultura material a eles associada são os documentos que vão permitir viajar ao passado (Cunha, 1996) para recolher as histórias de vida de uma população. Todavia, a validade das assunções paleodemográficas depende da precisão e fiabilidade dos métodos utilizados na reconstrução demográfica das populações passadas (White, 1999). Apesar de tudo, os dados obtidos poderão ser agrupados em frequências

e

correlacionados

com

informações

históricas,

permitindo

uma

interpretação antropológica mais vasta dos eventos do passado.

5.1. Número Mínimo de Indivíduos Os ossários são depósitos secundários, constituídos essencialmente por elementos ósseos sem qualquer tipo conexão anatómica (Ubelaker, 1974). Assim, tornase absolutamente necessária a determinação do número mínimo e máximo de indivíduos representados na amostra em estudo, já que isso vai reflectir o número provável de indivíduos presentes nas reduções existentes nas diferentes áreas do Convento de Aracoelli. O inventário osso a osso permite conhecer, não só o número de indivíduos representados na amostra, mas também a representação numérica de cada componente ósseo recuperado e a sua variabilidade representativa.

Metodologia Para o cálculo simultâneo do número mínimo e máximo de indivíduos a partir dos ossos longos, foi aplicado o método de Herrman et al. (1991 in Silva, 1993). Para os demais elementos ósseos do esqueleto, foi utilizado o método de Ubelaker (1974), em que foram considerados ossos inteiros e fragmentos ósseos de regiões particulares identificáveis, que não deixassem dúvidas de pertencer a um só indivíduo. No crânio, foram somente considerados na estimativa do número de indivíduos, o osso temporal, o frontal e a mandíbula. O grau de fragmentação dos outros ossos

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cranianos obstou à sua inclusão nesta análise, uma vez que foi impossível relacioná-los com um único indivíduo. Nos ossos longos, foram utilizados aqueles que não deixassem dúvidas em relação à sua lateralidade. As costelas (excepto a primeira), as vértebras (excepto o Atlas, o Áxis e o Sacro) e as falanges não foram sujeitas a qualquer observação no sentido de determinar o número de indivíduos, já que foi impossível a sua colocação em categorias discretas de individualização.

Resultados e Discussão Os resultados conjuntos obtidos através dos métodos de Ubelaker (1974) e de Herrman et al. (1991 in Silva 1993), são apresentados nas tabelas 2 e 3, respeitantes ao Claustro (Área L) e ao Coro Baixo (Área H), respectivamente. Tabela 2: Número mínimo de indivíduos (a azul), calculado a partir de diferentes elementos ósseos provenientes do Claustro Osso

Esquerdos



Direitos

Fémur

20

17

Clavícula Talus Mandíbula Úmero 1º Metatarsiano Tíbia 2º Metacarpiano Áxis 3º Metatarsiano Calcâneo 2º Metatarsiano 3º Metacarpiano Rádio 5º Metacarpiano Rótula Navicular Perónio Cúbito 5º Metatarsiano 1º Cuneiforme Atlas Omoplata

14 17

17 13 17

13 15 14 11

16 8 9 14 14

7 12 12 11 10 11 11 11 10 10 5 2

13 12 10 12 12 7 9 3 10 10 10 10 10

5

9

Representação (%) 100 85 85 85 80 75 70 70 70 65 60 60 60 60 55 55 55 50 50 50 50 50 45

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Tabela 2: (Continuação) 1ª Costela 1º Metacarpiano Cubóide 4º Metatarsiano Temporal Frontal 4º Metacarpiano Esterno Escafóide Sacro Unciforme Coxal 3º Cuneiforme Capitato Trapézio Semilunar Trapezóide 2º Cuneiforme Pisiforme

8 8 5 5 4

9 7 7 7 7

45 40 35 35 35 30 30 25 25 20 20 15 15 15 10 10 5 5 5

6 6

5 5

2

5 4

1 3 3 1 1 0 1 0 1

4 3 2 3 2 2 1 1 0

Para a amostra de adultos proveniente do Claustro, foi estimado um número mínimo de vinte indivíduos, valor obtido através da frequência do fémur esquerdo. O número máximo foi também estimado a partir do fémur esquerdo, obtendo-se um valor de trinta e cinco indivíduos (ver Fig. 5). A disparidade entre o número mínimo e o número máximo de indivíduos é, provavelmente, um reflexo do estado fragmentário dos fémures (e também de muitos outros elementos esqueléticos) desta amostra. Tabela 3: Número mínimo de indivíduos (a azul), calculado a partir de diferentes elementos ósseos provenientes do Coro Baixo Osso Mandíbula Rótula 1º Metatarsiano Talus Calcâneo Úmero Atlas Áxis 3º Metatarsiano 4º Metatarsiano Coxal Esterno 2º Metacarpiano

Esquerdos



Direitos

7 3 1 4 3 3

6 6 5 5 5 4 4

3 1

4 4 3 3

3

3

Representação (%) 100 85.7 85.7 71.4 71.4 71.4 57.1 57.1 57.1 57.1 42.9 42.9 42.9 22

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Tabela 3: (Continuação) 3º Metacarpiano 4º Metacarpiano Tíbia Clavícula Rádio Omoplata 2º Metatarsiano 1ª Costela Perónio Sacro Navicular Fémur

3 2 2 3 2 1 3 1 3

2 3 3 2 3 3 1 3 1

2 1

2 2

Cúbito Frontal Temporal Cubóide Trapézio 1º Cuneiforme

2

1

2

1 1 1 1 0

1 1 0 1

42.9 42.9 42.9 42.9 42.9 42.9 42.9 42.9 42.9 28.6 28.6 28.6 28.6 14.3 14.3 14.3 14.3 14.3

Na área H, o número mínimo de indivíduos representados é sete. Esta estimativa foi obtida através da mandíbula, que é o osso mais bem representado, ao considerarmos as duas áreas conjuntamente. O número máximo de indivíduos representados na zona do Coro Baixo é nove, valor obtido também através da mandíbula (ver Fig. 5). A grande representação da mandíbula nos dois locais de origem dos diversos elementos ósseos em análise é, de certa forma, normal, pois a mandíbula é um componente ósseo que se preserva relativamente bem, já que é formada por osso cortical denso.

40 N 35

30 25 20 15 10 5 0

Nº Mínimo de Indivíduos Nº Máximo de Indivíduos

Claustro

Coro Baixo

Fig. 5: Número mínimo e máximo de indivíduos representados no Claustro e Coro Baixo

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O número mínimo de indivíduos representados nas duas áreas examinadas no presente estudo é vinte e sete. Conjuntamente, o número máximo de indivíduos nas duas áreas é quarenta e quatro. A representatividade óssea nas duas áreas analisadas apresenta alguns aspectos dissemelhantes, visíveis sobretudo na “não sobrevivência” post mortem dos ossos do antebraço e membro inferior, na Área H. O crânio (calvarium), a pélvis, a omoplata, o esterno e os ossos do carpo não estão bem representados, nas duas áreas do Convento.

Claustro

Coro Baixo

Fig. 6: Elementos esqueléticos com uma representatividade inferior a 50% (coloridos), na amostra analisada ( as costelas e vértebras não são contabilizadas) A ausência de crânios bem preservados, e mesmo muito fragmentados, não deixa de ser particularmente estranha, já que o crânio é das partes esqueléticas que se preserva melhor. Esta vacuidade de crânios bem preservados nas reduções das Áreas L e H pode ter como causa uma redisposição destes e outros componentes ósseos num outro local. De facto, na Área H, encontramos uma maior percentagem de ossos pequenos, como a rótula e os ossos dos pés, relativamente aos ossos longos e crânio, que usualmente se preservam melhor. Esta circunstância faz supor a transladação destes últimos elementos do esqueleto para um outro local. Tendo em conta o espaço finito do subsolo do Convento, sujeito a uma ocupação contínua durante um período de mais de dois séculos, poderá considerar-se esta hipótese como factível. 24

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5.2. Diagnose Sexual A diagnose sexual é, sem dúvida, um dos elementos básicos no estabelecimento de um perfil paleodemográfico de uma população do passado. A estimativa precisa da proporção dos sexos numa amostra de esqueletos, é um factor indispensável no processo de reconstrução da sua composição demográfica e do seu padrão de mortalidade (Cunha, 1989; Mays, 1998), permitindo, também, discernir as diferenças ligadas ao sexo referentes ao tipo de dieta, aos padrões de saúde e actividade e às práticas mortuárias (Buikstra e Ubelaker, 1994) em populações pré-históricas e históricas. O sexo é expresso numa clara distribuição bimodal, determinada e mantida pelo mecanismo genético-reprodutivo humano (Thieme e Schull, 1957), manifestando-se fenotipicamente através de diferenças complexas ao nível do comportamento, da fisiologia e da anatomia (White, 1999). Os esqueletos de homens e mulheres adultos apresentam caracteres sexualmente dimórficos, apesar de existir uma tendência generalizada para uma diminuição do dimorfismo sexual, desde o Pleistoceno Inferior até à actualidade (Brace, 1973; Frayer, 1980; Wolpoff, 1976 in Cunha, 1989). O dimorfismo sexual no esqueleto tem a sua origem proximal em diferenças genéticas e hormonais entre homens e mulheres, sendo os androgénios (hormonas masculinas), os principais responsáveis pela condução do padrão de desenvolvimento secundário das características físicas masculinas (Mays, 1998; Tague, 1995) e, dessa forma, por grande parte do dimorfismo sexual nos humanos. As diferenças sexuais começam a desenvolver-se in utero (sendo, todavia, ainda muito esbatidas) e através da infância e adolescência tornam-se mais marcadas, atingindo a sua maior expressão no estado adulto (Ubelaker, 1989a). Desse modo, e apesar do interesse pela pesquisa da extensão da variação sexual em indivíduos nãoadultos (ver, e.g., Schutkowski, 1993), a diagnose sexual de esqueletos imaturos é, de momento, impraticável. Por outro lado, também o envelhecimento pode modificar a magnitude da variação do dimorfismo sexual (Hamilton, 1982 in Cunha, 1989), verificando-se muitas vezes, um esvaimento das características discriminantes em certas partes do esqueleto, especialmente no crânio, que, em mulheres de idade avançada, adquire tendencialmente um certo grau de masculinização (Buikstra e Ubelaker, 1994). As diferenças entre os sexos, no esqueleto, relacionam-se com o tamanho e a função (Ubelaker, 1989a), sendo particularmente evidentes nos ossos da bacia, e, em

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menor grau, no crânio e ossos longos (Buikstra e Ubelaker, 1994; Ferembach et al., 1980; Krogman e Iscan, 1986; Mays, 1998). Na cintura pélvica, o dimorfismo sexual deriva principalmente dos diferentes requerimentos funcionais e reprodutivos entre os sexos (Houët et al., 1995; Cunha, 1989; Hager, 1996; Thieme e Schull, 1957). Nos homens, uma pélvis estreita torna-se mais eficiente, pois facilita a locomoção; nas mulheres, a pélvis é mais larga, sendo o resultado de uma adaptação à função reprodutora. Assim, a causa principal da evolução do dimorfismo sexual pélvico no homem e em outros primatas, é a pressão selectiva que a função reprodutora exerce nas fêmeas (Tague, 1995), privilegiando as que têm bacias largas e portanto, menos dificuldades obstétricas.

Metodologia Embora as estimativas da idade à morte, sexo e estatura, nunca sejam totalmente exactas, os erros podem ser minimizados com uma escolha inteligente da metodologia e interpretação cuidada dos dados (Ubelaker, 1989a). Assim, e porque estamos na presença de um ossário, em que a unidade de análise não é o esqueleto completo, mas ossos individuais; optámos por tentar discriminar sexualmente, não só os ossos pélvicos, o crânio (através das apófises mastóides) e os ossos longos, mas também elementos menos discriminantes, como o talus, o calcâneo, a mandíbula, a omoplata, a clavícula e o áxis (2ª vértebra cervical). O estado de conservação do material também influenciou a adopção de métodos alternativos, focalizados em elementos esqueléticos menos discriminantes, já que os ossos mais discriminantes são também os que apresentam um carácter mais fragmentário na presente amostra. No esqueleto, as características femininas e masculinas distribuem-se através de um continuum de configurações morfológicas e valores métricos. As dimensões dos ossos por si só, não são os melhores indicadores sexuais, já que existe uma sobreposição da variação individual entre os sexos (White, 1999) e muitas das equações discriminantes, baseadas nas dimensões ósseas, são específicas para uma determinada população (Ferembach et al.,1980; Ubelaker, 1989a). Por outro lado, as diferenças morfológicas vinculadas ao mecanismo genético de desenvolvimento sexual, permitem uma boa separação dos sexos (Loth e Henneberg, 1996) e podem ser utilizados em material fragmentado, ao contrário de muitos métodos métricos.

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Dessa forma, optou-se por determinar o sexo através de métodos baseados em características morfológicas discretas (e.g., sulco pré-auricular) e métodos baseados em estatística multivariada (e.g., indíces de medidas sexualmente dimórficas)

Crânio Devido à elevada condição fragmentária dos crânios presentes nesta amostra, só foi possível aplicar o método de Giles e Eliott (1964 in Ferembach et al., 1980) a uma apófise mastóide 1.

Mandíbula

A mandíbula é uma peça extremamente interessante do ponto de vista anatómico e antropológico, não só pela sua condição de único elemento móvel do crânio, mas também pela sua importância estomatológica (Albuquerque, 1952). Como parte integrante do crânio, a mandíbula partilha com este uma boa capacidade de discriminar os sexos (embora não seja tão precisa como o calvarium) (Giles, 1964). A diagnose sexual foi feita com base nas técnicas de Albuquerque (1952), Giles (1964) e Loth e Henneberg (1996). O método de Loth e Henneberg (1996) alicerça-se na descoberta de um possível caracter morfológico sexualmente discriminante. Os autores observaram uma angulação distinta no ramus posterior da mandíbula, ao nível da superfície oclusal dos molares em homens adultos, que só aparece depois da adolescência e que parece derivar do processo de desenvolvimento sexual masculino. Na maioria das mulheres, o ramus posterior da mandíbula retém a forma recta dos espécimens jovens ou então a angulação ocorre superiormente, perto do côndilo, ou inferiormente, em associação com a proeminência gonial (Fig. 7). Para cada ramus é dada uma classificação: +1, se a angulação estiver presente; 1, se for observado um ramus recto e 0, se a forma não se apresentar claramente distinguível. Se a classificação somada dos dois rami observados for maior ou igual que zero, classifica-se a mandíbula como masculina.

1

O plano de Frankfurt tem que ser obrigatoriamente respeitado, para a correcta aplicação da metodologia de Giles e Elliot (1964 in Ferembach et al., 1980). Um único crânio permitiu este tipo de análise, devido ao grau de fragmentação deste elemento ósseo nesta amostra.

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Fig. 7: Mandíbula masculina (em cima) e mandíbula feminina (em baixo) (adaptado de Loth e Henneberg, 1996)

Áxis

O áxis é um osso que normalmente se encontra bem preservado (Silva, 1993), devido à sua constituição resistente e à protecção oferecida pela sua localização na topografia esquelética. O método de Helmuth e Rempe (1968 in Silva, 1993) foi aplicado de forma a determinar o sexo através deste elemento ósseo.

Clavícula A precisão da estimativa do sexo através da clavícula experimentou um grau de sucesso variável (Bass, 1995), conforme a metodologia usada. Nesta amostra, a determinação sexual foi efectuada usando a metodologia de Cunha e Morais (1961), fundamentada na Colecção de Esqueletos Identificados (C.E.I.M.A.) do Museu Antropológico da Universidade de Coimbra.

Omoplata A omoplata é um osso frágil, que, inúmeras vezes, não permite um número adequado de medições osteométricas (Krogman e Iscan, 1986), sendo por isso pouco utilizado na diagnose sexual. Apesar disso, a discriminação sexual neste elemento ósseo

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foi tentada através dos métodos de Stewart (1979 in Bass, 1995) e Iordanidis (1961 in Krogman e Iscan), técnicas que podem ser aplicadas em material fragmentado.

Pélvis O dimorfismo sexual da cintura pélvica resulta das adaptações às forças opostas da locomoção e reprodução (Hoüet et al., 1995), sendo estável e idêntico em todas as populações humanas. Grande parte do dimorfismo sexual dos ossos pélvicos não é mais que uma questão de tamanho, mas a variação de forma é também facilmente distinguível (Arsuaga et al., 1995). Como os inominados são extremamente frágeis e se encontram bastante fragmentados, dificultando a recolha de medidas, foram aplicados dois métodos morfológicos de diagnose sexual através da pélvis, o de Ferembach et al. (1980) e o de Phenice (1969), e apenas um método baseado em medições osteométricas, o de Houët et al. (1995), baseado na C.E.I.M.A da Universidade de Coimbra.

Calcâneo e Talus O calcâneo e o talus são dois elementos ósseos que se preservam bastante bem, apresentando, segundo Steele (1976 in Silva, 1995), um dimorfismo sexual relativamente bem marcado. As técnicas para determinação sexual, aplicadas a estes dois componentes esqueléticos, foram as de Silva (1995) e Wasterlain (2000), ambas desenvolvidas na C.E.I.M.A. da Universidade de Coimbra.

Ossos Longos Geralmente, os ossos femininos são mais curtos e finos que os masculinos (Ferembach et al., 1980) e apresentam inserções musculares menos pronunciadas. Depois da bacia e do crânio, são os ossos que apresentam um maior dimorfismo sexual.

Úmero O úmero, ao invés do que se possa ajuizar, é um osso extremamente útil para o diagnóstico sexual de restos esqueléticos (Carretero et al., 1995), sendo o osso mais discriminante do membro superior (Bass, 1995). As metodologias aplicadas na determinação do sexo através deste osso foram as de France (1985 in Bass, 1995), de Carretero et al. (1995) e de Wasterlain (2000). Estes dois últimos métodos foram implementados com base na Colecção de Esqueletos Identificados do Museu de Antropologia da Universidade de Coimbra. 29

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Rádio O diagnóstico sexual do rádio foi realizado utilizando os métodos de Holman e Bennett (1991) e de Wasterlain (2000).

Cúbito Na determinação sexual através do cúbito foram aplicados os métodos de Holman e Bennett (1991) e Singh et al. (1974 in Krogman e Iscan, 1986) 1. Fémur O fémur é um dos ossos que se encontra frequentemente mais bem representado (Cardoso, 1999), sendo o mais dimórfico dos ossos longos (Ubelaker, 1989). O grau de fragmentação dos fémures na presente amostra levou-nos a aplicar métodos passíveis de utilizar, não só fémures intactos, mas também os que se encontravam fragmentados. Todos os métodos utilizados foram desenvolvidos em séries identificadas portuguesas, nomeadamente os métodos de Santos (1993) e Wasterlain (2000), baseados na C.E.I.M.A. da Universidade de Coimbra e o método de Cardoso (1999), desenvolvido a partir da Colecção Luís Lopes, alojada no Museu e Laboratório Zoológico e Antropológico da Universidade de Lisboa.

Tíbia A tíbia é um dos elementos do esqueletos que suporta mais constrangimentos mecânicos, exibindo por isso, uma considerável gradação de dimorfismo sexual (Holland, 1991). As diferenças sexuais na tíbia são também o resultado da estrutura genética da população (Iscan e Miller-Shaivitz, 1984), principalmente nas superfícies articulares (Larsen, 1997). Os métodos alicerçados neste elemento esquelético, empregues na prescrição do sexo, foram o de Holland (1991), o de Bruzek (1995) e o de Wasterlain (2000).

1

O método de Singh et al. (1974 in Krogman e Iscan, 1986), foi originalmente designado para uma utilização na ulna esquerda. No entanto, neste trabalho, foi aplicado também aos ossos do lado direito, de forma a possibilitar a diagnose sexual no maior número de elementos ósseos possível.

30

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Resultados e Discussão 1 Apófise Mastóide O único crânio (AS/CA.L.OSS.199) passível de ser submetido a esta análise, foi referenciado como feminino. Áxis Os doze áxis analisados pertenciam provavelmente a indivíduos do sexo feminino. Mandíbula Foram observadas cinco mandíbulas, que permitiram a diagnose sexual de dois dos vinte indivíduos representados na Área L (10% do total) e três dos sete indivíduos figurados na Área H (42.9% do total). Uma das partes esqueléticas (AS/CA.H.OSS.25), foi classificada como masculina quando submetida à técnica de Loth e Henneberg (1996). Esta mandíbula apresenta, no entanto, claros sinais patológicos, facto que os autores consideram deletério na diferenciação sexual através deste método 2. Tabela 4: Resultados da diagnose sexual efectuada por intermédio da mandíbula Osso

Método de Albuquerque (1952)

Método de Giles (1964)

Método de Loth e Henneberg (1996)

AS/CA.L.OSS. 993 AS/CA.L.OSS.994 AS/CA.H.OSS.25 AS/CA.H.OSS.98 AS/CA.H.OSS.191

Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino

Omoplata As doze escápulas analisadas na amostra pertencem, muito provavelmente, ao sexo feminino (Tabela 5). Apenas um dos elementos em análise provém do Coro Baixo.

1

Quando foi utilizado mais que um método de diagnose sexual, os resultados aparecem em tabelas. Parece claro, de acordo com a nossa experiência, que o método de Loth e Henneberg (1996) não é de uso recomendável na diagnose sexual. Para além de ser extremamente ambíguo, com grandes erros intrae inter-observador; apresenta também, segundo Haun (2000) e Hill (2000), graves deficiências em relação à precisão do diagnóstico.

2

31

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Tabela 5: Resultados do diagnóstico sexual realizado a partir da escápula Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS. 745 AS/CA.L.OSS.1171 AS/CA.L.OSS.738 AS/CA.L.OSS.1173 AS/CA.L.OSS.17 AS/CA.L.OSS.1172 AS/CA.L.OSS.1329 AS/CA.L.OSS.302 AS/CA.L.OSS.335 AS/CA.L.OSS.737 AS/CA.L.OSS.1380 AS/CA.H.OSS.70

Esquerda Esquerda Esquerda Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita

Método de Iordanidis (1961) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino ---Feminino Feminino

Método de Stewart (1979) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino ---Feminino ---Feminino

Clavícula Todas as clavículas (n=20) diferenciadas sexualmente pelo método de Cunha e Morais (1961) foram classificadas como femininas. Pélvis Os inominados permitiram a diagnose sexual de pelo menos um indivíduo do Claustro e três do Coro Baixo. Os resultados obtidos referenciam os indivíduos como sendo pertencentes ao sexo feminino. Tabela 6: Resultados do diagnóstico sexual realizado aos os coxae Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS.340 AS/CA.L.OSS.31 AS/CA.H.OSS.23 AS/CA.H.OSS.370 AS/CA.H.OSS.74 AS/CA.H.OSS.20 AS/CA.H.OSS.94

Direita Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Direita Direita

Método de Método de Phenice (1969) Ferembach et al. (1980) Feminino --Feminino --Feminino Feminino Feminino ----Feminino Feminino Feminino Feminino ---

Método de Houët et al. 1995) ----Feminino ----Feminino ---

Calcâneo O calcâneo outorgou a diferenciação sexual em pelo menos doze indivíduos na Área L e três indivíduos na Área H, ou seja, 60% (12/20) e 42.9% (3/7), do número mínimo de indivíduos para cada uma das áreas analisadas neste trabalho. Um calcâneo (AS/CA.L.OSS.904) foi classificado como masculino pelos dois métodos utilizados. 32

_________________________________________________________ Ad memoriam custodiam ossium

Outros dois elementos esqueléticos (AS/CA.L.OSS.905 e AS/CA.L.OSS.907) foram assim classificados, através do método de Wasterlain (2000).

Tabela 7 : Resultados da diagnose sexual realizada a partir do calcâneo Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS.364 AS/CA.L.OSS.1392 AS/CA.L.OSS.152 AS/CA.L.OSS.172 AS/CA.L.OSS.125 AS/CA.L.OSS.905 AS/CA.L.OSS.71 AS/CA.L.OSS.25 AS/CA.L.OSS.208 AS/CA.L.OSS.209 AS/CA.L.OSS.300 AS/CA.L.OSS.907 AS/CA.L.OSS.1 AS/CA.L.OSS.906 AS/CA.L.OSS.210 AS/CA.L.OSS.336 AS/CA.L.OSS.53 AS/CA.L.OSS.1396 AS/CA.L.OSS.1391 AS/CA.L.OSS.904 AS/CA.H.OSS.73 AS/CA.H.OSS.99a AS/CA.H.OSS.54 AS/CA.H.OSS.117 AS/CA.H.OSS.11

Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Esquerda Esquerda Direita Direita Direita

Método de Silva (1995) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Método de Wasterlain (2000) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Talus O talus foi o elemento ósseo que permitiu diagnosticar sexualmente o maior número de indivíduos (n=16) da zona do Claustro, 80% do número mínimo de indivíduos calculados para esta área. Tabela 8: Resultados da diagnose sexual realizada através do talus Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS.761 AS/CA.L.OSS.762 AS/CA.L.OSS.5 AS/CA.L.OSS.130

Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda

Método de Silva (1995) Feminino Feminino Feminino Feminino

Método de Wasterlain (2000) Feminino Feminino Feminino Feminino

33

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Tabela 8: (Continuação) AS/CA.L.OSS.341 Esquerda AS/CA.L.OSS.1439 Esquerda AS/CA.L.OSS.383 Esquerda AS/CA.L.OSS.912 Esquerda AS/CA.L.OSS.910 Esquerda AS/CA.L.OSS.206 Esquerda AS/CA.L.OSS.100 Esquerda AS/CA.L.OSS.245 Esquerda AS/CA.L.OSS.909 Esquerda AS/CA.L.OSS.911 Esquerda AS/CA.L.OSS.1281 Esquerda AS/CA.L.OSS.1394 Esquerda AS/CA.L.OSS.1333 Direita AS/CA.L.OSS.353 Direita AS/CA.L.OSS.207 Direita AS/CA.L.OSS.1393 Direita AS/CA.L.OSS.908 Direita AS/CA.L.OSS.358 Direita AS/CA.L.OSS.34 Direita AS/CA.L.OSS.307 Direita AS/CA.L.OSS.153 Direita AS/CA.L.OSS.293 Direita AS/CA.L.OSS.422 Direita AS/CA.L.OSS.564 Direita AS/CA.L.OSS.205 Direita AS/CA.H.OSS.164 Direita AS/CA.H.OSS.113 Direita AS/CA.H.OSS.88 Direita AS/CA.H.OSS.71 Direita AS/CA.H.OSS.12 Direita AS/CA.H.OSS.139 Esquerda AS/CA.H.OSS.159 Esquerda AS/CA.H.OSS.99B Esquerda AS/CA.H.OSS.49 Esquerda

Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino --Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino ----Feminino Feminino Feminino Feminino --Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Ossos Longos

Úmero A diagnose sexual foi exequível em vinte e um úmeros inteiros ou fragmentados. O diagnóstico feminino foi auferido na quase totalidade dos elementos analisados.

34

_________________________________________________________ Ad memoriam custodiam ossium

Tabela 9: Resultados do diagnóstico do sexo realizado através do úmero Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS.21 AS/CA.L.OSS.48 AS/CA.L.OSS.114 AS/CA.L.OSS.321 AS/CA.L.OSS.975 AS/CA.L.OSS.314 AS/CA.L.OSS.976 AS/CA.L.OSS.146 AS/CA.L.OSS.312 AS/CA.L.OSS.173 AS/CA.L.OSS.361 AS/CA.L.OSS.1291 AS/CA.L.OSS.323 AS/CA.L.OSS.375 AS/CA.L.OSS.1302 AS/CA.L.OSS.973 AS/CA.L.OSS.439 AS/CA.H.OSS.237 AS/CA.H.OSS.172 AS/CA.H.OSS.59 AS/CA.H.OSS.3

Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Esquerda Esquerda

Método de France (1985 in Bass, 1995) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino --Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Método de Carretero et al. (1995)

Método de Wasterlain (2000)

Feminino ----------Feminino Feminino ---------------------------

Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino --Feminino --Feminino Indeterminado Feminino

Rádio Dos 22 rádios completos ou fragmentados da zona do Claustro e dos 5 fragmentos provenientes do Coro Baixo, foi possível a determinação do sexo em apenas cinco deles, todos originários do Claustro. Os resultados indiciam a sua pertença a indivíduos do sexo feminino (Tabela 10).

Tabela 10: Resultados da diagnose sexual a partir do rádio Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS.222 AS/CA.L.OSS.240 AS/CA.L.OSS.327 AS/CA.L.OSS.974 AS/CA.L.OSS.983

Direita Direita Direita Direita Esquerda

Método de Holman e Bennett (2000) Feminino Feminino Feminino Feminino ----

Método de Wasterlain (2000) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

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Cúbito Nos sete cúbitos sujeitos à discriminação sexual, todos os indivíduos representados pertencem ao sexo feminino (Tabela 11). Como já se tinha verificado em relação ao rádio, não foi possível diagnosticar o sexo em nenhum dos três fragmentos ulnares, provenientes do Coro Baixo. Tabela 11:Resultados do diagnóstico sexual efectuado através da ulna Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS.45 AS/CA.L.OSS.13 AS/CA.L.OSS.982 AS/CA.L.OSS.334 AS/CA.L.OSS.1311 AS/CA.L.OSS.15 AS/CA.L.OSS.315

Direita Direita Direita Direita Esquerda Esquerda Esquerda

Método de Holman e Bennett (1991) Feminino Feminino Feminino ------Feminino Feminino

Método de Singh et al. (1974) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Fémur Foi viável a recolha da informação concernente à diagnose sexual em vinte e um fémures inteiros ou fragmentados. Os resultados são apresentados na Tabela 12. Tabela 12: Diagnose sexual realizada no fémur Osso

Lateralidade

Método de Santos (1995)

AS/CA.L.OSS.770 AS/CA.L.OSS.322 AS/CA.L.OSS.817 AS/CA.L.OSS.313 AS/CA.L.OSS.213 AS/CA.L.OSS.815 AS/CA.L.OSS.170 AS/CA.L.OSS.8 AS/CA.L.OSS.212 AS/CA.L.OSS.93 AS/CA.L.OSS.260 AS/CA.L.OSS.1290 AS/CA.L.OSS.73 AS/CA.L.OSS.1440 AS/CA.L.OSS.771 AS/CA.L.OSS.772 AS/CA.L.OSS.812 AS/CA.L.OSS.?

Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Direita Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda

--------------Feminino ---------------------

Método de Cardoso (2000) Feminino ----Feminino Feminino --Feminino Feminino --Feminino Feminino Feminino --Feminino Feminino ----Feminino

Método de Wasterlain (2000) Feminino Feminino Feminino --Feminino Feminino --Feminino Feminino Feminino ----Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

36

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Tabela 12: (Continuação) AS/CA.L.OSS.47 Esquerda AS/CA.L.OSS.30 Esquerda AS/CA.H.OSS.1 Direita

----Feminino

--Feminino Feminino

Feminino Feminino Feminino

Tíbia Foram quinze as tíbias completas ou fragmentadas, que possibilitaram a aplicação de métodos de diagnose sexual. Todas as classificações obtidas indicam a presença de indivíduos do sexo feminino (Tabela 13).

Tabela 13: Diagnóstico sexual realizado a partir da tíbia Osso

Lateralidade

AS/CA.L.OSS.732 AS/CA.L.OSS.1296 AS/CA.L.OSS.16 AS/CA.L.OSS.281 AS/CA.L.OSS.756 AS/CA.L.OSS.9 AS/CA.L.OSS.731 AS/CA.L.OSS.753 AS/CA.L.OSS.1297 AS/CA.L.OSS.733 AS/CA.L.OSS.20 AS/CA.H.OSS.60 AS/CA.H.OSS.236 AS/CA.H.OSS.2 AS/CA.H.OSS.22

Direita Direita Direita Direita Direita Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Esquerda Direita Direita Esquerda Esquerda

Método de Holland (1991) --Feminino Feminino ----Feminino Feminino --------Feminino --Feminino Feminino

Método de Bruzek (1995) --Feminino Feminino ----Feminino Feminino --------Feminino --Feminino Feminino

Método de Wasterlain (2000) Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

Os cinco elementos ósseos classificados alguma vez como pertencentes a indivíduos do sexo masculino apresentam algumas particularidades que demonstram o carácter dúbio da sua classificação. Como foi visto anteriormente, existem sérias dúvidas em relação ao sexo imputado à mandíbula AS/CA.L.OSS.25 pelo método de Loth e Henneberg (1999). Dessa forma e em concordância com os outros dois métodos utilizados na diferenciação sexual da mandíbula, este osso foi classificado como feminino. Dois calcâneos foram classificados como masculinos (AS/CA.L.OSS.905 e AS/CA.L.OSS.907) pelo método de Wasterlain (2000) e femininos pelo método de Silva (1995), sendo por isso categorizados como indeterminados. O calcâneo 37

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AS/CA.L.OSS.904

obteve

uma

classificação

masculina

nos

dois

métodos

discriminatórios utilizados. Wasterlain (2000) refere, no entanto, que a capacidade discriminatória do seu método, baseado neste elemento ósseo, diminui quando aplicado a amostras independentes. A grande maioria dos elementos esqueléticos, inteiros ou fragmentados, sujeitos ao diagnóstico sexual através de diversas metodologias, foram classificados como femininos (Fig. 9). Os casos assinalados como masculinos ou indeterminados são, provavelmente, o resultado da variabilidade individual e da sobreposição dessa variabilidade nas populações humanas.

1,1% 0,5% Feminino Masculino Indeterminado 98,4%

Fig. 8: Percentagem de ossos inteiros ou fragmentados, categorizados pelo sexo

A análise dos resultados permite colher uma ilação importante acerca da natureza da presente amostra e que vem corroborar as informações de cariz histórico e paleodemográfico previamente disponíveis (ver, e.g., Marrafa, 1995; Carvalho, 1999) acerca do convento de Aracoelli. De facto, pode afirmar-se que a amostra estudada é composta inteiramente por indivíduos do sexo feminino, ou pelo menos, por uma maioria esmagadora de elementos femininos, sendo portanto, uma amostra seleccionada relativamente ao parâmetro biológico estudado neste capítulo.

38

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5.3. Estimativa da Idade à Morte O conhecimento da estrutura etária de uma população esquelética é um factor instrumental na determinação e reconstrução dos perfis paleodemográficos dessa mesma população (Marrafa, 1992; Roberts e Manchester, 1995; Steele e Bramblett, 1988). Durante a vida, inúmeros acontecimentos são amplamente influenciados pela idade (casamento, paternidade, reforma, doenças, e outros) (Molleson e Cox, 1993), de tal modo que o conhecimento da idade à morte de um indivíduo através de evidências esqueléticas é importantíssimo para o antropólogo e arqueólogo. A determinação da idade à morte, ajuda também a providenciar uma identificação positiva de um indivíduo (Santos, 1995; Steele e Bramblett, 1988), sendo claramente requerida para interpretações legais em contextos forenses. Os tecidos esqueléticos participam no metabolismo geral dos organismos (Marrafa, 1992), através de processos de crescimento e remodelação decorrentes de agentes exógenos e endógenos que se manifestam diferencialmente ao longo do ciclo de vida. Desse modo, a primeira atitude adoptada ao examinar um espécimen de idade desconhecida é determinar se é uma criança, adolescente ou adulto (Ubelaker, 1989a), e de seguida seleccionar a metodologia adequada à categoria etária sob análise. Os métodos passíveis de utilização na determinação da idade podem ser divididos em dois grupos: os critérios aplicáveis a sub-adultos e os critérios adaptados a adultos. Nos restos esqueléticos imaturos, a idade à morte pode ser estimada utilizando aspectos do crescimento e desenvolvimento do esqueleto. Os principais critérios para estimar a idade em sub-adultos são o desenvolvimento dos dentes (calcificação e erupção), o comprimento dos ossos longos e o aparecimento e união das epífises (Ubelaker, 1989a), observando-se uma maior correlação do primeiro critério com a idade biológica dos indivíduos. Efectivamente, o desenvolvimento dentário é controlado sobretudo por factores genéticos, com uma interferência ambiental insignificante. A fase adulta é marcada por uma degradação e degeneração gradual do sistema esquelético (Mays, 1998; Santos, 1995; Steele e Bramblett, 1988). A progressão degenerativa que se verifica no esqueleto providencia as fundações dos estudos que possibilitam a determinação da idade à morte em adultos. Os métodos que visam estimar a idade em adultos, ao contrário dos métodos específicos dos sub-adultos, logram uma diminuta correlação com a idade (Mays, 1998), sendo bastante imperfeitos 39

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e demonstrando um elevado grau de imprecisão 1 (Cunha, 1994: Jackes, 2000), o que pressupõe uma atitude bastante céptica do investigador ao utilizá-los. O facto das mudanças esqueléticas se manifestarem heterogeneamente entre diferentes populações (Galera et al., 1998 in Jackes, 2000) e dentro da mesma amostra (Bass, 1995), e da determinação da idade envolver uma complexa divisão do continuum do crescimento e da remodelação ósseas (White, 1999), aumenta amiúde a margem de erro na estimativa da idade, prejudicando seriamente qualquer asserção sobre as características humanas dependentes da idade.

Metodologia A amostra sob estudo é constituída quase inteiramente por ossos desarticulados, o que torna inexequível o uso de esqueletos completos na determinação da idade à morte. Dessa forma, os ossos isolados formarão o padrão básico de análise deste parâmetro demográfico. Para a estimativa da idade em não-adultos, utilizaram-se os trabalhos sintetizados em Ferembach et al.(1980) e em Brothwell (1981), que se fundamentam na união das epífises dos ossos longos e na ossificação de outros elementos esqueléticos. A união das epífises com as diáfises ocorre em momentos cronológicos distintos, nos diferentes ossos. É por isso uma característica do desenvolvimento esquelético extremamente frutífera na estimativa da idade em não-adultos, sobretudo entre os dez e os vinte anos, quando os dados fornecidos pelo desenvolvimento dentário e comprimento dos ossos longos usufruem de um valor limitado (Ubelaker, 1989a). Também foi aplicado o método de Bagousse (1988 in Silva, 1993), o que possibilitou a estimativa da idade de dois indivíduos juvenis representados por dois calcâneos. Esta metodologia baseia-se na correlação entre o comprimento máximo dos calcâneos imaturos e a idade biológica dos indivíduos. Finalmente, foi aplicada a metodologia desenvolvida por MacLaughlin (1990), a duas clavículas presumivelmente oriundas do mesmo indivíduo.

1

Um dos problemas que os métodos de determinação da idade existentes apresentam, relaciona-se com a impossibilidade de estimar correctamente a idade a indivíduos com mais de cinquenta anos. De facto, os métodos actuais demonstram uma tendência generalizada para atribuir idades menores a indivíduos mais velhos (Molleson e Cox, 1993).

40

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Relativamente aos indivíduos adultos, somente dois métodos de diagnóstico da idade à morte puderam ser aplicados 1, nomeadamente as técnicas de Suchey e Brooks (1990) e de Lovejoy et al. (1985). A metodologia desenvolvida por Suchey e Brooks (1990) baseia-se na presença de uma superfície sinfíseal em cada um dos os coxae, que de acordo com Todd (1920 in Krogman e Iscan, 1986), sofre metamorfoses degenerativas com o aumento gradual da idade. As alterações na articulação cartilaginosa da púbis são as características de degenerescência esquelética mais utilizadas para determinar a idade à morte, quer em contextos arqueológicos, quer em casos forenses (Jackes, 2000; White, 1999). Não obstante, este indicador da idade não tem recebido apoio na literatura (ver Santos, 1995). As diferentes fases etárias foram reconhecidas em laboratório, com o apoio das definições das gradações degenerativas, sugeridas pelos autores, e dos moldes das áreas sinfíseais realizados por France Casting (1986). A metodologia proposta por Lovejoy et al. (1985) explora as remodelações sistemáticas a que a superfície articular está sujeita, relacionando-as com a idade dos indivíduos (Buikstra e Ubelaker, 1994; Marrafa, 1996). Os estágios de senescência da superfície auricular são mais complexos e subjectivos que as diferentes categorias degenerativas da sínfise púbica, no entanto esta tem um grau de preservação menor que a primeira, em contextos arqueológicos (Lovejoy et al., 1985 ; Meindl e Lovejoy, 1989 in Buikstra e Ubelaker, 1994). As associações entre modificações específicas da superfície auricular e categorias de idade foram apreciadas em detalhe com a ajuda das descrições de Lovejoy et al. (1985) e de slides produzidos por Bedford et al. (1989). Resultados e Discussão Os resultados obtidos através da análise da união das epífises sugerem a existência de pelo menos quatro indivíduos não-adultos na amostra em estudo. Esta estimativa é o resultado da combinação dos dados etários obtidos a partir de diferentes componentes ósseos presentes na amostra. Assim, as operações lógicas efectuadas nesta análise, prognosticam a presença no Claustro de um indivíduo com menos de 15 anos e 1

O desgaste dentário é também referenciado por alguns autores (Hillson, 1996; Mays, 1998) como um bom método de determinação da idade à morte. Todavia, decidiu-se a sua não inclusão neste estudo, devido à forte relação que mantém com os hábitos alimentares dos indivíduos e populações (Santos, 1995) e também devido ao reduzido número de dentes disponíveis nesta amostra. De salientar também, que apenas um inominado (AS/CA.H.20), permitiu a aplicação dos dois métodos simultaneamente.

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outro com uma idade compreendida entre os 15 e os 21 anos. No Coro Baixo, presumese a existência de um indivíduo com cerca de 11 ou 12 anos e outro com 12 ou 13 anos de idade (Tabela 14). Tabela 14: Resultados da estimativa da idade à morte, realizada com base nos tempos de união das epífises em diferentes elementos esqueléticos N.º AS/CA.L.OSS.812 AS/CA.L.OSS.124 AS/CA.L.OSS.27 AS/CA.L.OSS.964/262 AS/CA.H.OSS.31 AS/CA.H.OSS.81 AS/CA.H.OSS.32 AS/CA.H.OSS.30 AS/CA.H.OSS.366

DESCRIÇÃO Epífise de Tíbia Epífise de Fémur Direito Ilium Esquerdo Clavícula Direita/Esquerda Epífise de Fémur Direito Calcâneo Direito Calcâneo Esquerdo Escápula Direita Falange da Mão

IDADE
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