Ouspensky - uma filosofia não euclidiana a partir de Kant (Projeto de Mestrado).doc

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Lucas Sariom















OUSPENSKY – UMA FILOSOFIA NÃO EUCLIDIANA A PARTIR DE KANT






Projeto de Mestrado apresentado ao
Departamento de Filosofia (Centro de
Ciência Humanas e Sociais) da
Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste), Campus de Toledo,
para seleção.
Linha de pesquisa: Metafísica.
Orientador: Marcelo do Amaral Penna
Forte
E-mail: [email protected]
Telefone: (45) 9855-6533





















Toledo / PR – Setembro de 2015.
INTRODUÇÃO


O tema deste projeto é precisamente uma confrontação entre a filosofia
multidimensional de Ouspensky (filósofo outsider russo, do início do século
XX) e a filosofia crítica de Kant. Desta forma o problema da presente
pesquisa parte do pressuposto de que Kant elaborou sua epistemologia tendo
em mente a ciência de seu tempo. No entanto, um século depois se
consolidava uma revolução na matemática e na física com o surgimento da
geometria não euclidiana, alterando significativamente nossa concepção de
tempo e espaço – conceitos tão caros para a filosofia crítica. Diante
disso, enquanto as ciências exatas comemoravam um novo grande avanço, os
filósofos se viam diante de um novo grande problema: é possível pensar a
epistemologia kantiana sem com isso negar a dita superação do modelo
euclidiano? Ouspensky não só foi um dos que buscaram um tratamento
filosófico para este problema, mais ainda o fez de uma forma completamente
original. Sendo assim, investigaremos a tese de Ouspensky contida em seu
livro Tertium Organum acerca da possibilidade da construção de uma
"filosofia não euclidiana" a partir dos pressupostos críticos deixados por
Kant. Para isso, teremos inevitavelmente que realizar: uma exposição da
filosofia de Ouspensky; depois, uma devida análise da sua concordância em
relação à filosofia de Kant; e por último extrairmos o saldo – a relevância
(ou não) do Tertium Organum como uma filosofia não euclidiana a partir de
Kant.


OBJETIVOS

1) Geral:
a) Investigar o Tertium Organum de Ouspensky na medida do seu diálogo com
a epistemologia de Kant a partir do ponto de vista de uma leitura não
euclidiana.
2) Específicos:
a) Contextualizar o pensamento de Ouspensky, por não ser um filósofo
pertencente à tradição.
b) Descrever a tentativa de construção de Ouspensky de uma filosofia
multidimensional, tendo em vista seus alicerces kantianos somados à
ampliação fornecida pela superação euclidiana.
c) Estabelecer as possibilidades adotáveis de leitura da filosofia de
Kant a partir da perspectiva da relativização do tempo e do espaço.
d) Avaliar a consonância do diálogo proposto por Ouspensky dentro das
restrições impostas pela filosofia crítica kantiana.
e) Ponderar a relevância filosófica deste diálogo enquanto uma filosofia
não euclidiana construída ou não a partir da filosofia de Kant.


JUSTIFICATIVA

A obra de Ouspensky como um todo, por uma razão ou por outra –
desconhecida ao certo – não se inseriu na tradição filosófica; e apesar de
ser a figura central deste trabalho, seria difícil se servir por si só como
justificativa, pois justamente sua relevância e importância se admitiria ao
se inserir na tradição. Por isso, podemos já estabelecer que esta é a razão
pela qual decidimos estuda-lo neste trabalho, i.e.: mostrar a relevância
que ele possui no diálogo com a história da filosofia. Com isso, já
dissemos tudo quanto se refere à justificação do estudo da filosofia de
Ouspensky ela mesma – todo o restante da justificativa competirá à
descrição de sua filosofia na própria fundamentação teórica, como a única
possibilidade que temos para demonstrar sua originalidade e profundidade no
tratamento das questões a que se propõe.
Por outro lado, observemos agora o tema a partir do ponto de vista de
Kant – assim poderemos entender melhor o importante contexto a que nossa
questão se insere, já que de início não precisamos arquitetar uma apologia
à importância do filósofo que queremos tratar.
A partir da Crítica da Razão Pura, Kant estabelece toda a base de seu
sistema filosófico a partir dos limites de "o que podemos conhecer" – esta
é a pergunta que todo o livro busca responder; e a fundamentação de todo o
livro podemos ainda resumir à sua primeira parte, a Estética
Transcendental, que estabelece que tempo e espaço são intuições puras a
priori, condições de toda experiência possível. Esses elementos são
cruciais na filosofia crítica e qualquer fragilidade nestes princípios
poderia ser fatal. O problema é que se mantemos isso em mente e
acrescentamos ainda os avanços que a física e a matemática tiveram já no
fim do século XIX, ou seja, a descoberta de que tempo e espaço não podem
mais ser considerados absolutos (como Kant supunha) mas relativos, e que
não somente existe o "nosso espaço" (tridimensional) como outros espaços
(multidimensionais), seremos obrigados a nos perguntar que influências
esses avanços teriam em nossa compreensão da antiga filosofia crítica.
Mas não só isso. Se observarmos com atenção esses avanços científicos,
perceberemos que eles nos franqueiam um novo leque na filosofia, ou seja, a
possibilidade da relativização da filosofia, assim como houve a
relativização da física por Einstein; ou ainda, o renascimento de um
sistema filosófico ignorado, fundamentado não somente em uma visão de mundo
limitada por três dimensões, mas – muito mais do que isso – uma visão de
mundo hiperespacial[1], ou até multidimensional. E dessa forma vamos nos
aproximando da relevância do experimento do filósofo e matemático russo.

METODOLOGIA


Para cumprir com o propósito desta pesquisa, acima de tudo teórica,
nos utilizaremos neste projeto de uma metodologia de caráter essencialmente
bibliográfico. Grande parte de nossas pesquisas se servirão da leitura e
interpretação dos textos de Kant, de Ouspensky e de literatura secundária.
Será necessário realizar uma investigação do Tertium Organum, buscando nele
tudo o que toque nos pressupostos kantianos; assim também uma análise de
igual proporção em Kant, com vistas de encontrar nele a devida concatenação
com a interpretação não euclidiana proposta; finalmente, depois de expostas
as duas perspectivas, estaremos aptos para a análise do diálogo já seja
pelos dois filósofos, seja por comentadores que nos permitam esclarecer a
questão.




EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA E DE SUA FUNDAMENTAÇÃO


O fundamento das três dimensões do espaço ainda é
desconhecido. (...) A ciência de todos estes possíveis
tipos de espaço indubitavelmente seriam o maior
empreendimento que um entendimento finito poderia aceitar
(KANT, 2012, 23-24).




O CONTEXTO E INTENÇÃO DO TERTIUM ORGANUM

Ouspensky, formado em ciências na Universidade de Moscou, manteve-se
sempre um homem profundamente movido por duas questões: o avanço do
conhecimento científico por um lado, e aquilo que ele chamava de "a busca
pelo milagroso" por outro. Pode-se ver claramente como essas duas questões
permeiam através de todas as suas obras. Estudou incansavelmente o
positivismo ao mesmo tempo que a teosofia; se mudou para a Europa e viajou
ao Egito e a vários lugares do oriente; se aprofundou na matemática e ao
mesmo tempo conheceu místicos, doutrinas aparentemente irracionais, e teve
várias experiências[2].
Sua formação acadêmica e seus interesses íntimos o levaram a escrever
seu primeiro livro, onde unia seus conhecimentos sobre o método científico,
a matemática, a filosofia de Kant e do "milagroso" – que até então nenhum
conhecimento que possuía explicava o que havia experimentado. É neste
contexto em que o livro Tertium Organum[3] foi escrito.
Para elucidar um pouco melhor os pressupostos do livro em questão,
podemos listar: a) Kant, em seu sistema filosófico deixou não só as bases
para a metafísica senão também que fundamentou a veracidade do conhecimento
científico; b) o positivismo, pelo contrário, se gestou inescrupulosamente
a partir de adulterações dos princípios kantianos e, no entanto, é
largamente acolhido pelos homens de ciência; c) felizmente a geometria não
euclidiana nos franqueia uma nova possibilidade que, se bem aproveitada,
poderemos tanto compreender melhor a Kant como ainda corrigir os problemas
deixados pelo positivismo.
Com estes pressupostos, Ouspensky tem um objetivo muito claro, e temos
que admitir que o que o filósofo queria realmente é: de alguma forma
encontrar a base em que poderiam ser compreendidas as experiências místicas
às quais teve acesso direto. Com isso, nas palavras de Burch, "Ouspensky
demonstrou a possibilidade do misticismo de uma maneira similar com que
Kant demonstrou a possibilidade da ciência e, portanto, Ouspensky está
relacionado a Kant tal como Kant está relacionado com Hume" (BURCH, 1951,
p. 266). Ou seja, considerando que Kant buscava resolver o problema
proposto por Hume de que é impossível o conhecimento, e que para fazê-lo
levantou limites que barrassem este tipo de especulação infundada
(separando o que era lícito e o que não era lícito à razão); Ouspensky
buscou resolver o problema deixado por Kant, isto é, de que é impossível a
experiência mística como um conhecimento de algo real, pois transcende os
limites da razão.
O argumento de Ouspensky sobre isso é que quando Kant levantou os
muros do que é lícito e ilícito à razão especulativa, o fazia perfeita e
exclusivamente à razão. Isso significa que realmente é ilícito à razão
especular fora de seus limites, no entanto não haveria porque estes limites
deveriam continuar intransponíveis se houvessem outras faculdades (que não
a razão) que ultrapassassem estes limites.
A princípio, apesar do estranho e fantástico que possa parecer este
argumento, se bem observado seremos capazes de ver como está bem
fundamentado. E além disso, que limites são estes que deverão ser
ultrapassados? São dois: 1) que Kant estabelece que todo conhecimento deve
estar fundamentado na experiência (juízos sintéticos a priori); e 2) que
todo o conhecimento que recebemos pela experiência só chega até nós através
das intuições puras a priori de tempo e espaço, condições de toda
experiência. E, finalmente, antes de partirmos para a explicação destes
dois pontos, temos que compreender que Ouspensky só pôde formular esta
possibilidade porque desde o princípio possuía três elementos muito bem
definidos em mãos: a) o conhecimento teórico do sistema kantiano; b) o
conhecimento teórico da geometria não euclidiana e a teoria da
relatividade; c) experiências místicas perfeitamente lúcidas que por um
lado extrapolavam o que Kant havia estabelecido na estética transcendental
(acerca do tempo e do espaço), e por outro poderiam estar contempladas nos
avanços na matemática e na física (que relativizaram tempo e espaço).
Quanto ao primeiro ponto, logo no início da Crítica da Razão Pura Kant
estabelece toda a metafísica como calcada única e exclusivamente a partir
de juízos sintéticos a priori, ou seja, que qualquer proposição só pode ser
verdadeira se ela está baseada na experiência e com uma certeza
absolutamente necessária (apodítica); e neste momento Kant diz que todos os
juízos da matemática são juízos sintéticos a priori. Assim é como nos vemos
diante da primeira saída que Ouspensky encontra nas afirmações de Kant: se
os juízos sintéticos a priori são verdadeiros e são fundamentados na
experiência, então como pode a matemática mostrar a existência da quarta
dimensão e isso ser verdadeiro se não possuímos nenhuma faculdade que a
apreende? Por um lado, a matemática diz que a quarta dimensão existe e é um
fato (e, portanto, é verdadeiro, pois está baseado na experiência); por
outro lado, não possuímos nenhuma intuição da quarta dimensão (e, portanto,
é falsa, pois não está baseado na experiência). Esta é a primeira
justificativa para o argumento de Ouspensky: se houvesse uma faculdade que
apreendesse essa quarta dimensão, então tanto a matemática continuaria
totalmente válida, como também a experiência nos estaria mostrando algo
real.
Quanto ao segundo ponto, teremos que dedicar uma explicação um pouco
mais longa, pois nisso consiste em compreender como as intuições puras de
tempo e espaço tal como aparecem na Estética Transcendental de Kant se
conjugam com a relativização de tempo e espaço pela matemática e pela
física. Ou então, bem como poderíamos dizer: como se dá a relativização da
filosofia de Kant da maneira com que propõe Ouspensky?


A RELATIVIZAÇÃO DA FILOSOFIA DE KANT


Havíamos dito antes que realmente é ilícito à razão especular fora de
seus limites, no entanto não haveria porque estes limites deveriam
continuar intransponíveis se houvessem outras faculdades que ultrapassassem
estes limites. O que devemos, portanto, buscar compreender agora é
compreender como ultrapassar o limite de que todo o conhecimento que
recebemos pela experiência só chega até nós através das intuições puras a
priori de tempo e espaço, condições de toda experiência.
O diferencial no método de Ouspensky com a vista de cumprir com o
objetivo de responder essa questão, se resume em unir dois elementos: o que
a geometria estabelece como sendo as leis das diversas dimensões ou
superfícies[4], juntamente com nossas faculdades da sensibilidade e do
entendimento tal como expostas por Kant. Ou seja, se por um lado (para a
matemática) é possível dizermos que a partir da primeira, segunda e
terceira dimensão, deve existir uma quarta dimensão; então por outro lado
(em Kant) é possível dizermos por analogia que possuímos uma faculdade que
apreende a primeira, segunda e terceira dimensão, e que, portanto, deve
existir uma quarta faculdade que apreenda a quarta dimensão[5].
Sendo assim, para investigar a dimensionalidade de nossas faculdades,
o caminho que Ouspensky toma é o mesmo da matemática: a) se a matemática
com seu método das analogias, ao analisar as relações entre as três
primeiras dimensões, pôde concluir com segurança como deve ser a quarta
dimensão; b) assim também poderemos, analisando como percebemos as três
dimensões, ou ainda, por quais faculdades percebemos as três dimensões,
poderemos então compreender como ou por qual faculdade percebemos a quarta
dimensão.
Vejamos, portanto, as analogias matemáticas[6]: se imaginarmos um ser
(neste caso um ponto) que vive em uma linha (com somente uma dimensão (1D),
largura), o único que ele poderá fazer em toda sua vida é ir 'para frente
ou para traz', e nunca em todo o seu mundo ele poderá perceber o que é o
plano (2D), pois o plano está "fora" de seu mundo e, portanto, é invisível
para ele. Se avançamos no exemplo e pensamos um ser que viva em um plano
(2D, largura e profundidade), o único que ele poderá fazer em toda sua vida
é ir 'para frente ou para traz' e 'para a direita ou para a esquerda', e
nunca em todo o seu mundo ele poderá perceber o que é um sólido (3D), pois
o sólido está "fora" de seu mundo e, portanto, é invisível para ele. E se
avançamos mais um pouco chegaremos em nosso mundo euclidiano tridimensional
(3D, largura, altura e profundidade), onde o único que podemos fazer em
toda a nossa vida é ir 'para frente ou para traz', 'para a direita ou para
a esquerda' e 'para cima ou para baixo', e nunca em todo o nosso mundo
poderemos perceber o que é um hiper-sólido (4D), pois ele está "fora" do
nosso mundo e, portanto, é invisível para nós.
Estas são as analogias matemáticas. Delas Ouspensky conclui que se
transpomos esse raciocínio às nossas faculdades de apreensão do mundo,
teremos que concluir que vemos o mundo tridimensional por três faculdades
(relacionadas cada uma delas com uma dimensão): sensação (1D), percepção
(2D) e conceito (3D). E para demonstrar como isso é possível, Ouspensky o
mostra por uma analogia com os animais.
Sensação (1D): a unidade fundamental da receptividade do mundo é a
sensação que chega até nós pelos órgãos dos sentidos. Toda sensação é
unidimensional, pois simplesmente sentimos 'duro', 'mole', 'frio', 'calor',
'verde', 'azul' etc. Com isso podemos perceber que as sensações nos dão uma
única "linha", ou seja, a linha do tempo, onde sucessivamente podemos ir
vendo as sensações passando uma a uma. Como exemplo de seres que vivam em
um mundo unidimensional, temos todos os animais inferiores (caracol,
minhoca, mosca etc.).
Percepção (2D): além da "linha das sensações" podemos perceber que as
sensações deixam um outro traço em nossa memória; e as memórias acumuladas
ao se unirem ou se oporem por grupos, e de acordo com certa semelhança ou
diferença, elas formam as percepções. Desta forma, unimos 'verde', 'duro',
'frescor' etc. e formamos a percepção 'aquela árvore'. Com isso podemos
perceber que as sensações nos dão não só uma só linha, mas duas, e com isso
aquilo que para o ser unidimensional aparecia somente através do tempo,
aparece agora para o ser bidimensional como espaço (ou seja, a árvore para
a lagarta está no tempo, no caminho em que ele percorreu, pois não é capaz
de uni-la em um todo, enquanto para um cão a árvore está na percepção
espacial que ele uniu com sua simples intuição). Como exemplo de seres que
vivam em um mundo bidimensional, temos todos os animais superiores
(cachorro, gato, cavalo etc.).
Conceito (3D): agora, da mesma maneira que as percepções são
agrupamentos de sensações, assim também o conceito é o agrupamento de
percepções. Desta forma, unimos 'esta árvore' e 'aquela árvore' etc. e
formamos o conceito de 'árvore em geral'. Como exemplo de seres que vivam
na terceira dimensão, temos que admitir que só conhecemos o ser humano,
pois é o único que possui linguagem, o que demonstra a existência de
conceitos. E se reparamos um pouco mais, veremos que a terceira dimensão é
totalmente conceitual, a começar porque nós não vemos a terceira dimensão,
mas somente a pensamos. Se víssemos a terceira dimensão, veríamos os
objetos por dentro e pelas costas, e não somente uma imagem (2D) – este é o
porquê que temos que constantemente "corrigir racionalmente" o erro dos
sentidos.
Para um caracol, o mundo aparece como uma série de sensações que
transcorrem para ele no tempo: ele não vê a rua, vê 'duro', não vê a folha,
vê 'comida'; para ele, tudo o que vemos (a rua, as árvores etc.) ou não são
percebidos, ou simplesmente são percebidos como movimento, como tempo; seu
mundo é uma linha reta, não importa quantas curvas seu corpo faça; a rua,
que enquanto objeto é para nós um fenômeno no espaço, para ele é um
fenômeno no tempo.
Para um cachorro, o mundo aparece como uma série de sensações e
percepções, ou melhor, uma série de superfícies móveis complicadas e com
movimentos fantásticos: o gato não vê que o inseto na tela do computador é
falso; o cachorro não vê que o carro se movimenta por um motor, nem o
entenderia; o cavalo é incapaz de montar um mapa na sua cabeça, mas
simplesmente voltar pelo caminho por onde foi; a dificuldade nos animais de
verem o vidro etc. Tudo o que para nós aparece como um espaço (perspectiva)
é para os animais somente perceptível através do tempo, do movimento
(rodeando uma casa, conhecendo um terreno, aprendendo pela repetição etc.,
mas nunca "pensado"). Seu mundo é um plano, não importa que se movimente
perfeitamente na terceira dimensão.
Para nós, humanos, o mundo aparece como uma série de sensações,
percepções e conceitos, mas de uma forma tão absurda que nós mesmos não
somos capazes de distinguir. O mundo é para nós como para o "viajante
idiota" que pensa que a cidade de onde partiu deixou de existir, e que a
cidade para onde está indo está sendo construída: pensamos que o mundo é
assim, pois pensamos que o passado é o que foi, não existe mais; e que o
futuro é o que vai ser, não existe ainda.


A primeira conclusão que teremos que tirar de todo este raciocínio de
Ouspensky é sobre as intuições puras de tempo e espaço: quanto maior o
espaço, menor o tempo. Não é possível que uma determinada consciência
perceba mais espaço (ou mais dimensões) se com isso não perceber menos
tempo. O caracol que não percebe a rua, mas somente o 'duro', projeta para
fora de si uma irrealidade que nós sabemos que não existe; o cachorro que
não vê que seu dono continua sendo o mesmo ainda que use um chapéu
diferente, projeta para fora de si uma irrealidade que não existe. O tempo
está para o irreal tanto quanto o espaço está para o real. Podemos concluir
que o tempo é para nós a percepção irreal da dimensão superior[7], e o
espaço, a percepção da realidade.
A segunda conclusão é sobre a pergunta: qual é a quarta faculdade?
Se a apreensão da primeira, segunda e terceira dimensões do espaço são
dadas pelas sensações, percepções e conceitos, temos que considerar esta
quarta faculdade como algo que apesar de tudo esteja acima dos conceitos.
Mas o que transcendem os conceitos? O que é inexprimível por um conceito?
Para Ouspensky, a experiência emocional, acima de tudo a do artista e a do
místico. Nossa comum dificuldade em tentarmos compreender esta "experiência
emocional" se apresentando como uma quarta faculdade é que a dimensão
superior é sempre invisível para a dimensão inferior. Assim, "a notória
irracionalidade da literatura mística é realmente inevitável" (BURCH, 1951,
p. 261). Assim também nas artes nobres possuímos a técnica através da qual
belezas e significados indefiníveis conceitualmente são intuídos
emocionalmente, ainda que somente por aqueles que são capazes de tal
intuição.
O que é isso que Kant chama de fenômeno neste contexto de um espaço
multidimensional? O que é o númeno? A conclusão de Ouspensky é
perfeitamente possível que o númeno seja nesse espaço infinito
multidimensional e o fenômeno esta parte meramente tridimensional que
captamos a partir de nosso "aparato psíquico tridimensional". Ou nas
palavras dele mesmo:


O fenômeno é o reflexo tridimensional do númeno em nossa
esfera. O fenômeno é uma imagem do númeno. E mediante o
fenômeno é possível conhecer o númeno. O único detalhe é
que aqui os reativos químicos e o espectroscópio não
conseguirão nada. (...) O reflexo do númeno no fenômeno
poderá ser sentido e entendido somente mediante aquele
sutil aparelho que se chama a "alma do artista". O
"ocultismo" – ou seja, o lado oculto da vida – deve ser
estudado na arte. (...) De uma maneira mais mística,
podemos dizer que um artista deve ser um clarividente,
deve ver o que os demais não veem; o artista no fim deve
ser um mago, deve possuir o dom de fazer com que os demais
vejam o que não veem por si mesmos, porém que ele vê.
(OUSPENSKY, 1922, p. 161-162)


Einstein não refutou a Newton: ele simplesmente o relativizou, pois se
encontram em mundos de atuação totalmente diferentes, sendo ambos úteis em
sua própria área. Da mesma forma toda a linguagem conceitual pode ser útil
em tudo quanto se refira à terceira dimensão, tal como Kant, que em sua
filosofia crítica estabelece perfeitamente bem a razão no que se refere à
terceira dimensão. No entanto, "há aspectos da vida os quais só a arte tem
o direito de falar" (OUSPENSKY, 1922, p. 161), este é o mundo numênico.


SUMÁRIO
1. A Filosofia de Ouspensky.

1. Contexto da filosofia de Ouspensky.

2. O método de investigação e o objetivo do Tertium Organum.

3. "O que sabemos": as intuições puras a priori de tempo e espaço.

4. A prova da 4D pelo argumento das analogias matemáticas.

5. A "quarta unidade da razão": a faculdade de percepção da 4D.

6. A relativização da razão como tridimensional.

2. A Filosofia de Kant: é Ouspensky um fiel kantiano?

1. Como fazer uma leitura de Kant a partir da matemática não euclidiana?

2. É possível pensar a filosofia kantiana como limitada à
tridimensionalidade.

3. A relativização dos conceitos de Tempo e Espaço em Kant.

4. Intuição em Ouspensky e juízo sintético a priori em Kant.

5. Uma nova compreensão de númeno e fenômeno?

6. É o Tertium Organum propriamente o que Kant chama de Organum?

3. A relativização da filosofia de Kant.

1. Kant como preparador para o surgimento da relativização do espaço na
geometria.

2. O objetivo da filosofia de Kant e acordo com Palmquist.

3. O "Misticismo Crítico" em Kant.

4. O Opus Postumus de Kant.

5. Porque a relativização de Kant não é uma transgressão do seu próprio
sistema.

6. O diferencial da leitura de Ouspensky do sistema kantiano.


CRONOGRAMA

"ETAPAS "1º/2016 "2º/2016 "1º/2017 "2º/2017 "
"Levantamento Bibliográfico "X "X "X "X "
"Preparação e redação do 1º capítulo"X "X " " "
"Preparação e redação do 2º capítulo" "X "X " "
"Qualificação " " "X " "
"Preparação e redação do 3º capítulo" " "X "X "
"Redação da introdução e conclusão " " "X "X "
"Revisão do texto " " " "X "
"Entrega e defesa da dissertação " " " "X "


BIBLIOGRAFIA


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[1] Tetra-sólido, hiper-sólido, sólido tetradimensional, hiperespacial ou
da quarta dimensão: são todos sinônimos utilizados em uma linguagem não
euclidiana.
[2] Em alguns seus livros conta várias anedotas, dentre as quais podemos
selecionar talvez a mais intensa, em agosto de 1916, e registrada em seu
livro "Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido", durante todo o capítulo
XIII, ou seja, é um relato larguíssimo, a cada parágrafo mais intrigante,
no que nos atemos a relatar a parte inicial: tudo começa quando Ouspensky e
outras duas pessoas conversavam com Gurdjieff, no que relata que "posso
assegurar que G. (...) não me deu nenhum narcótico e não me hipnotizou
segundo nenhum dos métodos conhecidos. Tudo se desencadeou quando comecei a
ouvir seus pensamentos (...) ouvi sua voz dentro de mim como se ela
estivesse em meu peito, perto do coração. Ele me fazia uma pergunta
precisa. Meus olhos voltaram-se para ele: estava imóvel e sorria. Sua
pergunta me abalara fortemente. No entanto, respondi-lhe afirmativamente.
"Porque ele diz isso?" – perguntou G. olhando sucessivamente aos outros
dois presentes na sala – "Perguntei-lhe alguma coisa?". E imediatamente me
fez outra pergunta mentalmente" (OUSPENSKY, 2006).
[3] A primeira edição foi publicada em russo em 1912, ou seja, na mesma
década da teoria da relatividade geral de Einstein; já a segunda edição
(revisada e traduzida para o inglês) saiu somente em 1920.
[4] Ou seja, que existe uma primeira dimensão (1D), segunda dimensão (2D),
terceira dimensão (3D) e quarta dimensão (4D). Para o nosso uso aqui é
suficiente estas quatro primeiras, ainda que devamos levar em consideração
que a matemática obviamente admite infinitas dimensões.
[5] De todos os capítulos do Tertium Organum (23 ao total), Ouspensky se
utiliza de sete capítulos para demonstrar a quarta dimensão tal como
matematicamente a podemos compreender; posteriormente até o décimo terceiro
capítulo para demonstrar a quarta faculdade; e por último, o restante do
livro se dedica à estabelecer o que é o Tertium Organum e a demonstrar as
compreensões que podemos extrair se nos utilizamos dele como ferramenta.
[6] Para uma ilustração deste exemplo, vide na bibliografia a "Planolândia"
de Edwin Abbot, de 1884. Recentemente reproduziram em vídeo essa história e
outra, ainda mais atual chamada "Esferolândia".
[7] Dimensão superior aqui se refere à dimensão que está "acima" da
anterior ou inferior, ou seja, a 2D é superior à 1D; a 3D é superior à 2D;
e a 4D é superior à 3D.
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