Outros caminhos para os meios de comunicação

July 3, 2017 | Autor: Katia Mendonca | Categoria: Political Philosophy, Ethics, Comunicação
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04/09/2015

   

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Outros caminhos para os meios de comunicação Kátia Mendonça

Nossa interpretação da violência quase sempre se limita aos atos contra a integridade física do homem. Porém, se ao contrário dessa visão limitada, começamos por perceber a violência como um processo com diversas facetas, simbólica, psicológica e física que se expressam tanto no plano privado quanto no público, as coisas mudam de sentido, ou seja, entramos no campo da responsabilidade ética pelo Outro, seja o Outro coletivo, seja o Outro que me é próximo e assim se dá a união entre o institucional e o pessoal, entre o público e o privado, eticamente indissociáveis. Deste modo a violência está tanto na intimidade exposta em programas como Big Brother e similares, quanto na mentira ou corrupção do homem público ou nas pequenas e cotidianas traições aos colegas de escritório. Esse prisma exigirá uma visão integral do homem. Só vendo­o como portador de dimensões diversas e interligadas podemos compreender seus atos e nesse sentido adotar uma perspectiva que parta do indivíduo para o coletivo, do micro­universo para o macro­universo ético. E assim entenderemos que o homem que se constrói no e pelo diálogo, na relação com o Outro e, através desta, com Deus, sendo irredutível a sistemas e a instituições. É neste sentido que podemos afirmar que a ética precede as relações econômicas e políticas e assim podemos conceber a violência como a relação dialógica não­estabelecida, o encontro não­realizado, o face a face interditado. A relação não­violenta é na verdade uma travessia em direção ao Outro, ocorrendo no sentido de se olhar para ele como meu igual, aquele que, sendo ou não meu adversário, compartilha comigo uma raiz fundamental: a humanidade. Deste modo a emancipação do homem não se esgota na mudança de estruturas econômicas e políticas, mas implica antecipadamente uma relação de eticidade com o Outro. A relação dialógica prevê um respeito e fundamentalmente uma relação não­instrumental entre as partes. Portanto isso irá exigir relações pautadas na verdade e na não­violência. Em uma sociedade cujas relações sociais são marcadas pelo uso de tecnologias de comunicação e informação, retomar essas questões faz­se necessário a fim de se analisar outras possibilidades do uso da mídia alternativas às usualmente marcadas pela violência presente no espetáculo, na mentira e na falsidade, isso em um momento no qual no mundo moderno se aprofundam ainda mais a indiferença em relação ao Outro exposta na apologia ao mercado, na política espetacular e em massas miseráveis jogadas na barbárie sutil, porém, não menos cruel do que Auschwitz. Os meios de informação e comunicação são meios neutros em si mesmos, o que determina seu uso é, e sempre será, uma escolha ética e uma responsabilidade de cada qual para com o receptor. Isso é intransferível. Pensar a partir da pessoa até atingir o coletivo é o que se propõe aqui, antes de tudo. Medidas institucionais acerca do uso dos meios de comunicação podem e devem ser adotadas, mas adotá­las sem pensar na responsabilidade ética de quem as utiliza é, mais uma vez,promover a ruptura entre ética e esfera pública. Lembremos que as possibilidades de uso não­violento dos meios de comunicação são ilimitadas e nosso desafio é pensar como essas tecnologias podem nos ajudar a tecer relações que ultrapassem o vazio ético no qual vivemos. O papel das tecnologias de comunicação é decisivo para a formação de uma cultura não­violenta e para a verdadeira educação voltada para a Paz. Neste sentido educação difere muito da propaganda e do espetáculo aos quais se escraviza a mídia. Mas, como diz Martin Buber, o último grande profeta judeu do século XX, "a luta deve começar na alma de cada, todo o resto será conseqüência disto". Isso não implica em isolamento, mas um deslocamento em direção ao Outro e na percepção da pessoa como ponto de partida e ponto de chegada de qualquer relação, incluindo a existente entre emissor e receptor dos meios de comunicação. http://www.aptafurg.org.br/textos/texto5.html

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Refletir sobre a comunicação, portanto, só terá sentido se o fizermos a partir do primado da pessoa sobre as tecnologias, do primado da eticidade sobre as instituições. Isso exige a busca de uma espiritualidade, ou raiz transcendental comum através da qual poderemos ultrapassar os limites que se impõem, ou como ressalta Václav Havel: "Não se trata evidentemente de constranger o homem a adorar tal ou qual divindade arcaica, a se ajoelhar diante dela (...). Trata­se de outra coisa: as diferentes formas de nossa espiritualidade devem ter consciência de sua conexão mútua ou de seu parentesco, se lembrar dos conteúdos espirituais que nela estavam nas origens e que são provenientes desta experiência essencial e fundamental da humanidade. Eu creio que lá reside a única via de renovação da responsabilidade real do homem em relação a si mesmo e ao mundo. E, ao mesmo tempo a única via em direção a esta compreensão aprofundada entre culturas que lhe permita cooperar de uma maneira verdadeiramente ecumênica na elaboração de uma nova ordem mundial". E aqui mais uma vez retomemos Buber, para quem a dialogia diz respeito a uma relação não­ instrumental e não mediada por papéis que pode dar­se inclusive no silêncio que é comunicação: "pois onde a ausência de reserva reinou entre os homens, embora sem palavras, aconteceu a palavra dialógica de uma forma sacramental". Ora, isso se dá no mundo e não fora dele, se dá na relação, mesmo despida de sons e gestos, com o Outro, se dá quando a comunicação se transforma em comunhão. Relembrando o Rabi Nakhman, Buber destacará que " A comunicação para ele não significava um acontecimento comum sobre o qual não se deveria refletir porque nos é familiar e bem conhecida. Ao contrário, era rara e maravilhosa, como algo recém­criado. Sentimos sua surpresa diante do curso das palavras, quando diz: "a palavra move a partícula de ar e assim a seguinte, até alcançar o homem que a recebe de seu amigo, e recebe com isso a alma, e é com isso despertado" (...) mas a palavra que ascende do fundo da alma é, para ele, algo elevado cuja atividade viva não constitui mais o trabalho da alma, porém a própria alma". Para retomarmos a sacralidade das palavras e do ato de comunicarmo­nos é necessário estarmos presentes enquanto profissionais não separados de sua humanidade, ou como ensina a sabedoria tolteca, temos que como o jaguar estarmos à espreita avaliando nossos gestos, ações e palavras. Em última instância temos que nos permitir pensar em outros caminhos para a utilização da mídia que tenham como ponto de partida e ponto de chegada a pessoa humana e sua espiritualidade, a solução possível diante da angústia do homem contemporâneo. Kátia Mendonça ­   Doutora em Ciência Política e professora do Mestrado em Sociologia da UFPA. E membro da Brahma Kumaris.

    APTAFURG ­ Associação do Pessoal Técnico­Administrativo da Furg ­Rua Padre Nilo Gollo, 76 ­ CEP: 96203­270   /    Rio Grande  ­  RS Fone: (053) 230­2284 / 230­5417  ­  email: [email protected]   Produção web: Ricardo Almeida

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