(P) As tapeçarias de Rafael e as cortinas pintadas

June 30, 2017 | Autor: P. Martins Oliveira | Categoria: Arte renascentista
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AS TAPEÇARIAS DE RAFAEL E AS CORTINAS PINTADAS PAULO MARTINS OLIVEIRA

Durante os períodos medieval e renascentista, tornou-se relativamente comum que, nas igrejas, se ocultassem determinadas relíquias ou mesmo peças de arte, as quais eram temporariamente descerradas apenas em certas ocasiões solenes. Este ritual simbólico prenunciava o Apocalipse, literalmente “Revelação”, que culminará com os eleitos a poderem testemunhar a plenitude da glória divina, até lá oculta. Por exemplo, em Sto. Agostinho de Nicósia (Itália), uma pintura de Álvaro Pires de Évora era coberta por uma cortina, descerrada unicamente em dias especiais1. Já a famosa Virgem dos Rochedos, de Leonardo, destinava-se a ocultar uma antiga escultura em madeira, apenas mostrada no dia da Imaculada Conceição2. Um caso de especial interesse verificava-se então na Sé do Funchal, cujo monumental retábulo era coberto por grandes cortinas que, quando deslocadas, amplificavam o sentimento de esplendor e de espectacularidade do templo, já por si uma antecipação da Jerusalém Celeste. Este contexto permite entender melhor a utilização das tapeçarias que Rafael idealizou para a Capela Sistina, nomeadamente para a faixa inferior das paredes laterais, onde por sua vez estão pintadas cortinas fechadas. Sabendo-se que a Capela Sistina era palco quer de sessões quotidianas, quer de eventos especiais, e sendo também já conhecido que as tapeçarias de Rafael eram colocadas apenas pontualmente, a utilização destes panos parece ter seguido um modelo original, mas coerente: nas sessões quotidianas, as tapeçarias estavam retiradas, ficando visíveis as cortinas pintadas 1 2

Cf. Reynaldo dos Santos: Álvaro Pires d’Évora, p.25. Cf. Frank Zöllner: Leonardo, pp.29-30. 1/2

nas paredes (que assim têm um importante papel simbólico); já nos eventos de maior solenidade, estas cortinas eram “descerradas” com a colocação fronteira das tapeçarias; quando estes panos eram novamente retirados, as cortinas fechadas ressurgiam, e a Capela voltava à sua rotina (por exemplo com a missa papal diária). Ainda que invulgar, tal procedimento insere-se no contexto da época, e explica a bizarra pintura de cortinas fechadas nas paredes, harmonizando-as com as tapeçarias de Rafael. Valorizava-se assim o trabalho de um afamado artista sem lhe ferir as susceptibilidades, pois tratava-se de um declarado rival e antagonista de Michelangelo, o qual havia trabalhado a parte superior da Capela. Mais importante, com este sistema intensificava-se a teatralidade e o dinamismo de um espaço já de si magnificente.

Disponibilizado para consulta Setembro de 2015

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