(P) O cripto-Bosch de Guimarães (I)

July 4, 2017 | Autor: P. Martins Oliveira | Categoria: Hieronymus Bosch
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O CRIPTO-BOSCH DE GUIMARÃES (I) Paulo Martins Oliveira _____________________________________________________________

Durante os séculos XV e XVI não era raro que também artistas menos conhecidos se fizessem integrar nas respectivas composições, nomeadamente através de auto-retratos simbólicos e sugestivos, por vezes mesclando-se com os seus mestres directos ou outros mentores que admiravam particularmente. Uma grande referência assim emulada foi Jheronimus Bosch, como se observa no Tríptico da Lamentação, datável de inícios do século XVI e actualmente no Museu Alberto Sampaio (Guimarães). O nome do artista é hoje desconhecido, sendo aqui designado por cripto-Bosch por via de um importante detalhe associável ao famoso pintor contemporâneo da Borgonha Neerlandesa.

Det. do Tríptico da Lamentação (Guimarães)

Det. do Carregamento da Cruz, por Bosch (Gand)

Em primeiro lugar, este aspecto integra o artista anónimo no ciclo flamengo, notando-se por exemplo um artifício análogo no MNAA, desenvolvido pelo também contemporâneo (e nórdico) Francisco Henriques.

Det. de A Apanha do Maná (Francisco Henriques)

Det. de As Tentações de Santo Antão (Bosch)

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Quanto ao auto-retrato simbólico e penitente do próprio Bosch no quadro de Gand, o artista assinalou o contraste com Santa Verónica. Deste modo, Bosch assumia-se como um dos pecadores que desrespeitam Cristo, i.e. o mártir Carlos o Temerário, ou melhor dizendo o orgulho independentista neerlandês.

Seguindo códigos precisos que eram partilhados em certos círculos artísticos, esta imagem seria então adaptada pelo criador da obra de Guimarães, nomeadamente do seguinte modo:

Fig.3 ee1

Fig.1 ee1 Fig.2 ee1

A figura 1 representa o anónimo cripto-Bosch mesclado com a sua grande referência artística, Jheronimus Bosch; a figura 2 é uma caricatura do artista anónimo, agora autonomizado (estes desdobramentos e versões especificadas eram relativamente comuns à época); a figura 3 é uma variante da Verónica original de Bosch, e encontra-se aqui, por um lado, a representar a dualidade do próprio pintor anónimo, e por outro lado a ser importunada pelo mesmo artista, que assim codifica (e confessa) o seu principal pecado – a luxúria (suplementarmente, poderá ainda representar a sua esposa, exercício também habitual nesse tempo, jogando-se sempre na ambiguidade expressiva). A título comparativo, veja-se um esquema algo similar de Leonardo na Última Ceia de Milão, onde um ameaçador Pedro assedia João/Madalena (figura compósita que se deixa seduzir).

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Leonardo está representado em Pedro, tal como Salai está em João/Madalena, que se deixa seduzir. De notar que existiam contactos entre Jheronimus Bosch e Leonardo, pelo que a referência do cripto-Bosch à obra milanesa deverá ser indirecta (via Bosch). Mas ainda a propósito do tríptico hoje em Guimarães, existem outros aspectos que reforçam a inspiração em Bosch, caso da pequena personagem no painel esquerdo, a qual desempenha o seu papel num desenvolto programa simbólico que abrange toda a obra, como será apresentado na segunda parte desta análise.

2015

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