Padrões de negação sentencial no português brasileiro e nos crioulos palenquero e são-tomense.

July 31, 2017 | Autor: R. Cavalcante de ... | Categoria: Syntax, Negation, Brazilian Portuguese, Creole languages
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Padrões de negação sentencial no português brasileiro e nos crioulos palenqueiro e são-tomense Rerisson Cavalcante — USP / FAPESP [email protected]

1. Introdução - Objeto: negação sentencial em três variedades lingüísticas surgidas do contato entre de línguas ibéricas com línguas africanas: português brasileiro (PB) e os crioulos são-tomense e palenquero. - Justificativa: coexistência de dois marcadores negativos, um pré-V e outro final de sentença (padrão distinto do de outras línguas, em que o marcador se encontra em adjacência ao verbo flexionado: préVfinito e/ou pós-Vfinito). Variação entre três estratégias de negação: (1)

a. negação pré-verbal:

[Neg VP]

b. negação final:

[VP neg]

c. negação descontínua ou dupla: [Neg VP neg]

- Problema: estudos específicos propõem análises distintas para a derivação das estruturas; descrevem adequadamente cada língua, mas perdem generalizações sobre as propriedades compartilhadas. - Objetivo: buscar uma proposta unificada para a derivação das estruturas sentenciais nessas três línguas, de acordo com os desenvolvimentos recentes da teoria gerativa, em sua versão minimalista. - Hipótese: análise de Cavalcante (2007, 2008) para o PB pode ser adotada para os dois crioulos1.

1. Características da negação sentencial nas três línguas Padrão não-marcado ou default: diferentes escolhas da estrutura não-marcada / default2: Português Brasileiro: negação pré-verbal [Neg VP] (cf. 2) Palenqueiro: negação final [VP neg] (cf. 3) São Tomense: negação dupla [Neg VP neg] (cf. 4)

(2)

(3)

Português Brasileiro a. Num quero sair de casa hoje.

[Neg VP]

b. Num quero sair de casa hoje não.

[Neg VP neg]

c. Quero sair de casa hoje não.

[VP neg]

(negação não-marcada)

Palenqueiro (Dieck, 2000) a. Si Ana nu keba regañadolo, ané á keba aséloba. [Neg VP] Se Ana NEG M/ANT dado-pron.3ª, eles T M/A fazer-ANT (= ‘Se Ana não os tivesse dado, eles não teriam feito’)

1

Os dados sobre os crioulos são retirados da análise de Dieck (2000) sobre o palenqueiro e da de Hagemeijer (2007) sobre o são tomense. 2

Estrutura não-marcada ou default: estatisticamente mais freqüente e obrigatória em contextos declarativos de sentenças matrizes.

1

b. Nu krelo nu. Neg crer NEG

[Neg VP neg] (= ‘Não acredite!’)

c. Í kelé traje mu prieto nu. 1sg querer roupa muito preto NEG

(4)

[VP neg]

(negação não-marcada)

(=’Eu não quero uma roupa muito escura’)

São tomense (Hagemeijer, 2007) a. Milhon pa bô na b’êlê.

[Neg VP]

Melhor compl você neg ver ele (= ‘Melhor que você não veja ele’)

b. Ê na sê piska fa.

[Neg VP neg]

(negação não-marcada)

Eu neg saber pescar neg. (= ‘Eu não sei pescar não’)

c. Ni glêntu d’awa? Sabi kyê nê fô! Em dentro d’água? Chave cair em+ela neg

[VP neg] (‘Dentro da água? A chave caiu lá não!’)

- Periferia esquerda da sentença: as três línguas apresentam restrições semelhantes envolvendo construções com o marcador negativo final e a periferia esquerda da sentença3.

1.1. Português brasileiro - Negação não-marcada [Neg VP] ocorre em todos os tipos de sentença. Cavalcante (2007) mostra que as estruturais marcadas [Neg VP neg] e [VP neg] apresentam as seguintes restrições: (i) tanto [Neg VP neg] quanto [VP neg]: agramaticais em interrogativas QU. (ii) [VP neg]: é agramatical em qualquer sentença subordinada. (iii) [Neg VP neg]: agramatical em quase todas as subordinadas. Exceção: completivas introduzidas por QUE.

- Generalização: marcador negativo final, tanto em [Neg VP neg] quanto em [VP neg], é incompatível (ou tem sérias restrições de co-ocorrência) com elementos do CP, como complementizadores e elementos QU deslocados.

1.1.1. Negação sentencial em interrogativas QU no PB4 (5)

[Neg V] em perguntas QU a. O que ele não fez?

b. Por que ele não saiu de casa?

c. Que horas você não está ocupado?

(6)

[Neg V neg] em perguntas QU a. * O que (foi que) ele não fez não?

b. * Por que ele não saiu de casa não?

c. * Que horas você não está ocupado não?

3

Categorias funcionais do sistema CP, que marcam relações inter- e extra-sentenciais, como: foco, tópico, força ilocucionária, subordinação. 4 Note-se que tal incompatibilidade não existe nas interrogativas polares, em que, no PB, não há elemento preenchendo a categoria funcional CP: a. Você não terminou o trabalho? c. Você terminou o trabalho não?

b. Você não terminou o trabalho não? d. [CP Ø [TP Você [T’ num terminou [ ... ]

2

(7)

[V neg] em perguntas QU a. * O que (foi que) ele fez não?

b. * Por que ele saiu de casa não?

c. * Que horas você está ocupado não?

1.1.2. Negação sentencial em sentenças encaixadas no PB (8)

[Neg VP] em encaixadas a. Se a banda num tocar, o show vai ser cancelado.

(Adverbial)

b. Quando ela num voltou para casa, eu fiquei preocupado. (Adverbial)

(6)

c. Conheço um político que num rouba.

(Relativa)

d. Tenho vários alunos que num gostam de sintaxe.

(Relativa)

e. É bom para a saúde num comer gordura.

(Subjetiva)

f. Ele disse que num conseguiu.

(Completiva)

[VP neg] em sentenças encaixadas a. * Se a banda tocar não, o show vai ser cancelado.

(Adverbial)

b. * Quando ela voltou para casa não, eu fiquei preocupado. (Adverbial)

(7)

c. *? Conheço um político que rouba não.

(Relativa)

d. *? Tenho vários alunos que gostam de sintaxe não.

(Relativa)

e. * É bom para a saúde comer gordura não.

(Subjetiva)

f. * Ele disse que conseguiu não.

(Completiva)

[Neg VP neg] em sentenças encaixadas a. * Se a banda num tocar não, o show vai ser cancelado.

(Adverbial)

b. * Quando ela num voltou para casa não, eu fiquei preocupado.

(Adverbial)

c. ?? Conheço um político que num rouba não.

(Relativa)

d. ?? Tenho vários alunos que num gostam de sintaxe não.

(Relativa)

e. * É bom para a saúde comer gordura não.

(Subjetiva)

f. Ele disse que num conseguiu não.

(Completiva)

1.2. Análise de Cavalcante (2007, 2008) sobre o PB: - Categoria funcional assertiva: marcador final é a mesma partícula assertiva inicial que alterna com SIM, É. Existência de uma categoria funcional assertiva acima do sistema CP encabeçada por essas partículas e que tem escopo sobre um tópico nulo, em Spec, que retoma uma proposição. (8)

— Você fez isso? a. É, eu fiz.

b. Não, eu não fiz.

c. Sim, eu fiz.

d.

3

- Negação dupla e final: geradas por movimento de toda a sentença (que equivale à pressuposição) para o Spec dessa categoria funcional, funcionando como um tópico, sobre o qual a negação recai. (9)

a. Eu (num) fiz isso não.

b.

- Vantagens da análise: (i) relação de seleção entre NEG “final” e o CP explica restrições envolvendo ambos; (ii) capta intuição de que a sentença funciona como um tópico e a negação como uma predicação (Martins, 1997).

1.2. Palenqueiro - A negação não-marcada não é a pré-verbal como no PB, mas a final [VP neg]. Apesar disso, essa construção apresenta restrições semelhantes às do PB em contextos que envolvem CP: (10)

(i) sentenças encaixadas introduzidas pelos complementadores PA, SI, KUMO e pelo complementador relativo LO KE não aceitam [VP neg]; exigem [Neg VP] ou [Neg VP neg].

(ii) perguntas retóricas não aceitam [VP neg]; exigem [Neg VP]. (iii) interrogativas exigem [Neg VP neg].

- Generalização para o palenqueiro: NEG final é impossível de ocorrer em alguns contextos encaixados, sendo ou totalmente excluído ou exigindo a co-ocorrência com o NEG pré-verbal.

1.2.1. Negação sentencial em encaixadas no palenqueiro (11)

Adverbiais (finais): [Neg VP] a. P’í

nu tem má monasito. (Dieck, 2000: 46)

COMP 1sg NEG ter mais criança

(= ‘Para eu não ter mais filhos’)

b. Pa suto nu tra água akí má. (Dieck, 2000: 46) COMP 1pl NEG trazer água aqui mais

c. Pa

e nu sabé kuá jué suto salí.

COMP 3sg NEG saber qual ir

(12)

(= ‘Para nós não trazermos mais água para cá’)

1pl

sair. (= ‘Para ela não saber por qual foi que nós saímos’)

Adverbiais (condicionais): [Neg VP neg] a. Á ten ke tá rregando, i si nu tené água pa rregá nu, á sé morí. (Dieck, 2000: 43) M tem que estar regando, e COMPL NEG tem água para regar NEG, M HAB morrer (= ‘Tem que estar regando, e se não tiver água para regar, morre’)

b. Kumo água nu tá yobé nu, sino e puro só, á sé mori ese aló. (Dieck, 2000: 43) COMP água NEG está chover NEG, mas é puro sol, FUT REFL morrer esse arroz (= ‘Como não está chovendo, mas fazendo sol, o arroz vai morrer’)

4

(13)

Relativa: [Neg VP] a.

Jende lo ke nu siribí. (Dieck, 2000: 56) gente REL

NEG servir

(= ‘Gente que não presta’)

1.2.2. Negação sentencial em perguntas retóricas e em imperativas no palenqueiro (14) Suto nu ta trabaja? [Neg VP] 1pl

NEG estar trabalhar

(15) Aora nu ba arí nu! Agora NEG ir rir NEG

(= ‘Nós não estamos trabalhando?’)

[Neg VP neg] (= ‘Agora não vá rir não’)

1.2.3. Análise de Dieck (2000): NU pré-verbal como núcleo da categoria negativa NegP. NU final como advérbio adjungido à direita de VP. (16)

- Problema: análise não prevê incompatibilidade entre [VP neg] e sentenças com complementadores PA, SI, KUMO e LO QUE, não explicando, portanto, agramaticalidade dessa negativa nesses contextos.

1.2.4. Análise para o PB aplicada ao palenqueiro - Proposta: análise de Cavalcante (2007, 2008): NU encabeçando uma categoria mais alta e desencadeando movimento obrigatório da sentença para o seu Spec.

1.3. São tomense - negação não-marcada é [Neg VP neg], mas vários contextos encaixados exigem a estrutura [Neg VP]: (17)

(i) Encaixadas adverbiais finais introduzidas por PA e sentenças de advertência encabeçadas por MILHON e KWIDADU exigem [Neg VP].

(ii) Interrogativas polares, quando exibem o marcador interrogativo AN, não aceitam o marcador final; exigem [Neg VP]. (iii) Sentenças negativas enfáticas.

(18)

Encaixada com complementador PA N fuji

fala

pa fala na lêlê mu.

1ag fugir rumor COMP rumor neg seguir 1sg

(19)

(=’Eu fugi dos rumores, para eles não me seguirem’)

Sentenças de advertência a. Milhon pa bô na b’êlê. Melhor COMPL 2sg neg ver 3sg.

(= ‘Melhor que você não veja ele’)

5

b. Kwidadu pa manjinga se ku n sa ku ê na subli mu. careful

for aggressive person SP REL 1SG be with 3SG NEG go up 1SG

(= ‘Be careful that the aggressive person in me doesn’t take over.’)

(20)

Interrogativas com marcador AN Kloson na ka dwê sun an (*fa)? Coração NEG ASP doer 2sg INT

(=’Seu coração não odói?’)

1.3.1. Análise de Hagemeijer (2007) sobre o São tomense - duas categorias funcionais negativas: NegP1 (para o marcador pré-verbal) e NegP2 (para o pós-verbal). Rejeita proposta em que NegP2 esteja acima de NegP1 e em que haja movimento de toda a sentença. - Adota análise em que NegP1 está acima de TP, que está acima de NegP2; há movimento para Spec,NegP2, mas não de toda a sentença. NegP2 não seria categoria do sistema CP. - O principal argumento de Hagemeijer é o fato de alguns tipos de adjuntos, como os causais, poderem ocorrer opcionalmente à direita e à esquerda do segundo marcador negativo, com leituras distintas: caindo sob o escopo negativo ou fora do escopo. Marcador pós-verbal visto como um tipo de delimitador do limite de escopo. (21)

a.

(22)

a. Inen na fla fa da vlegonha. 3sg NEG fala NEG por-causa-da vergonha

(= ‘ele não fala e o motivo disso é o vergonha’)

b. Inen na fla da vlegonha fa. 3sg NEG fala por-causa-da vergonha NEG

(= ‘o motivo não disso é o vergonha’)

3. Adjuntos causais dentro e fora do escopo da negação

- Mesma diferença de posição e leitura dos adjuntos causais em relação à negação ocorre no PB (e outras línguas), mesmo em estruturas sem negação pós-verbal. (23)

a. Maria num foi promovida porque é negra. Ambígua: (i) ser negra é foi o motivo da não-promoção e (ii) ser negra não foi o motivo da promoção.

6

b. Maria não foi promovida não, porque é negra. Não ambígua. Única leitura: adjunto não está sob o escopo da negação (ser negra foi o motivo).

c. Maria não foi promovida porque é negra não, (foi promovida porque é competente). Não ambígua: adjunto não está sob o escopo da negação.

- Cavalcante (em preparação): ambigüidade de (23a) pode ser captada sem postulação de posições diferentes de adjunção, adotando-se a proposta de adjunção sem rótulo, de Hornstein & Nunes (2008). - Hornstein & Nunes (2008): sem entrar em detalhes técnicos sobre o funcionamento da proposta, uma conseqüência dela é que um adjunto pode estar completamente integrado ao elemento ao qual se adjunge ou estar apenas concatenado, sem estar integrado. -

Um

predicado

com

um

adjunto

totalmente

integrado

se

torna

um

objeto

atômico

que,

conseqüentemente, pode ser afetado por outras operações gramaticais, como o movimento. Mas um adjunto sem rótulo não está totalmente integrado ao predicado, não sendo movido junto com ele. (25)

a. [Viajar], eu vou, no fim de semana. b. [Viajar no fim de semana], eu vou.

- Rotulação e adjuntos: quando a negação pré-verbal tem escopo sobre o adjunto em (23a), trata-se de uma estrutura em que o adjunto está totalmente integrado ao predicado. Quando o adjunto está fora do escopo da negação, então o adjunto não está integrado ao predicado.

- Rotulação e negação pós-verbal: posição do adjunto em relação à negação como conseqüência da integração à estrutura. Quando há movimento, adjunto deve obrigatoriamente estar integrado, portanto, não tendo como escapar do escopo da negação. (26)

a. [[Maria não foi promovida porque é negra] [não [Maria não foi promovida porque é negra]] b.

c. [[Maria não foi promovida] [não, [Maria não foi promovida]]^[porque é negra]

7

4. Conclusões - Vantagens da análise unificada: (i) epistemologicamente desejável, pois implica economia teórica; (ii) proporciona uma generalização quanto às línguas com negação em posição final de sentença. - Generalização: línguas de negação final podem não apresentar restrição em contextos idênticos (com mesmo tipo de complementadores, etc), mas apresentam sensibilidade a traços codificados pelo sistema CP. Por ex.: Fongbe apresenta um marcador final que só é utilizado em encaixadas condicionais; caso oposto ao do PB, palenqueiro e são tomense, mas que confirma a relação com o sistema CP.

Referências CAVALCANTE, Rerisson. (2007). A negação pós-verbal no português brasileiro: análise descritiva e teórica de dialetos rurais de afro-descendentes. Salvador: UFBA. Dissertação de Mestrado. CAVALCANTE, Rerisson. (2008). Post-Sentential Negation in Brazilian Portuguese. Comunicação apresentada no VII Workshop on Formal Linguistics. Curitiba: UFPR. 28-29 de agosto de 2008. CAVALCANTE, Rerisson. (em preparação). Negação sentencial, adjuntos causais e adjunção sem rótulo. DIECK, Marianne. (2000). La negación en palenquero: análisis sincrónico, estudio comparativo y consecuencias teóricas. Frankfurt: Vervuert. (Iberoamericana). FONSECA, Hely Dutra Cabral da. (2005). Aquisição da sintaxe da negação no português brasileiro como segunda língua (L2). Campinas: UNICAMP. Tese de Doutorado. HAGEMEIJER, Tjerk. (2007). Clause Structure in Santome. Lisboa: Universidade de Lisboa. Tese de doutorado. HORNSTEIN, Norbert; NUNES, Jairo. (2008). Adjunction, Labeling, and Bare Phrase Structure. Biolinguistics 2.1: 057–086.

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