Páginas de Plínio Salgado: Estado, história e revolução na propaganda integralista de 1932 a 1937. In: Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integralista - volume 2

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E61

Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integralistaJ Leandro Pereira Gonçalves; Renata Duarte Simões, organizadores - Guaíba: Sob Medida, 2012.440 p. v.2

ISBN 978-85-62846-08-3 1. História da Imprensa: Brasil. 2. Integralismo. L Gonçalves, Leandro Pereira; 11.Sirnões, Renata Duarte. CDU070.18

CIP - BRASIL. CATALOGAÇÃO

NA PUBLICAÇÃO

Bibliotecária Responsável: Vanessa I. Souza CRB- 10/1468

suMÁRIo Apresentação António Costa Pinto

Prefácio René E. Gertz

21 - As capas da revista Anauê! (1935-1937): ideologia, doutrina e política através das imagens Rodolfo Fiorucci

45 - A Panorama - o "pensamento novo" e a revolução conservadora Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro Cintia Rufino Franco da Silva

77 - Construindo a imagem pública do integralismo: o uso de imagens em Anauê! e A Offensiva Tatiana da Silva Bulhões

103 - A enfermagem e a mulher na Ação Integralista Brasileira"Pelo bem do Brasil!" Renata Duarte Simões

139 - A Offensiva e os japoneses: imigração japonesa, questão racial e nacionalismo no periódico integralista Jaqueline Tondato Sentinelo Rosângela Kimura

159 - A Guerra Civil Espanhola na imprensa integralista: solidariedade fascista contra o inimigo comum

303 - Integralistas no poder em Joinville: um fenômeno eleitoral efêmero e sem precedentes

João Fábio Bertonha Murilo Antonio Paschoaleto

Daniely Wendland

183 - Páginas de Plínio Salgado: Estado, história e revolução na propaganda integralista de 1932 a 1937

323 - "Educar quer dizer: educar brincando!" - aspectos da prática educacional na juventude integralista de Joinville1934/1937

Leandro Pereira Gonçalves Pedro Ivo Dias Tanagino

Giovanny Noceti Viana

207 - Liberalismo e Comunismo: "as duas faces de Satanás" no jornal A Offensiva

343 - Em busca de si mesmo: a memória integralista no jornal Idade Nova (1946-1951) Rogério Lustosa Victor

Luiz Mário Ferreira Costa

221 - Miguel Reale e o jornal Acção: aspectos do projeto político econômico do Estado Integral

361 - Retomando questões esquecidas - a análise de alguns jornais de grande circulação e suas críticas ao Integralismo dos anos 1950

Jefferson Rodrigues Barbosa

Rodrigo Christofoletti

245 - A Offensiva e o integralismo nas páginas da Tribuna de Petrópolis: recortes de uma estratégia de doutrinação

379 - O Sigma da atualidade: a Democracia Orgânica e a crítica da Modernidade

Alexandre Luis de Oliveira Priscila Musquim Alcântara

Natalia dos Reis Cruz

399 - Nem vermelho, nem racista: os Skinzines integralistas 261 - O antissemitismo na imprensa baiana e a contribuição integralista

Alexandre de Almeida

David Costa Rehem

277 - Integralismo, educação e assistência social no discurso do jornal O Imparcial Laís Mônica Reis Ferreira

421 - Neointegralismo e novas mídias: uma análise sobre a "Ação dos Blogs Integralistas" Fábio Chang de Almeida Odilon Caldeira Neto

Páginas de Plínio Salgado: Estado, história e revolução na propaganda integralista de 1932 a 1937 Leandro Pereira Gonçalves 1 Pedra Ivo Dias Tanagino ' Escrevo estas linhas, meus caros camisas-verdes, como subsídio para a História da nossa Pátria. Um dia, o historiador terá de estudar este momento que atravessamos. Dentro deste momento, a Posteridade encontrará o integralismo. Terá de estudá-lo, na sua significação, na sua extensão, no seu volume, na sua projeção nacional e na sua repercussão no estrangeiro. Terão, ainda os pósteros, de estudar, na hora presente, o surto comunista, a penetração da propaganda e das organizações secretas de Moscou. O crítico da História examinará o que representou o integralismo como reação do organismo nacional penetrado do vírus deletério da corrupção. Estudará a atuação dos partidos de governo. Deduzirá conclusões para os julgamentos que pertencem ao Futuro. 3

I Doutorando em História Social pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com estágio (Investigador Visitante Júnior) no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). Bolsista da Fundação Calouste Gulbenkian e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Investigador estrangeiro associado do Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa (VCP). Integrante dos Grupos de Pesquisa: Integralismo e outros movimentos nacionalistas (UFF/CNPq), Cidadania, Trabalho e Exclusão (UFJF/CNPq) e Literatura e Autoritarismo (UFSM/CNPq). 2 Mestrando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Integrante do Grupo de Pesquisa integralismo e outros movimentos nacionalistas (UFF/CNPq). 3 SALGADO, Plínio. Perante o Tribunal da História. In: Páginas de combate. Rio de Janeiro: Antunes, 1937. p. 53. Artigo publicado originalmente em: A Offensiva, Rio de Janeiro, 25 abr. 1936. Por opção dos autores, as citações e referências dos artigos de Plínio Salgado, publicados no jornal A Offensiva, foram retiradas de: A doutrina do Sigma. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1935; Cartas aos camisas verdes. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935a; Palavra nova dos tempos novos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936; Páginas de combate. Rio de Janeiro: Antunes, 1937. As obras constituem uma organização bibliográfica com coletâneas de artigos do autor no principal jornal da Ação Integralista Brasileira. Segundo o

Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integraJista

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disci rOs camisas-verdes . ,na déeca d a de 1930, queriam ordem naci~n~~a. ~speIto ao princípi? de autoridade e o culto das tradiçõ e uma c IS. mnav~m estar cnando uma unidade de pensamento es

SOCieda:tu:Pi~:~~::~e brasileira,que se irradiavampel: política de que dispunham aves dos vanos meIOS de propaganda . . ' ao passo em que a Aç- Int li rasileira (AIB) se tomava o rimeir . ao egra ista B Neste estudo li p o partido de massa do Brasil , ana Isamos a propag d . 1 . jornais, em particular os t ~ a veICUada por meio de 1975) fundad do i ex~os produzidos por Plínio Salgado (1895a fon~e oficia~r d~ ~~~~ahs~o brasileiro. Se~do o Chefe Nacional, teórica das principais idei~:' qu~mamos. seu dISCurSO.como síntese essas princi ais ideia orgamza:am o movimento. Dentre Salgado proIuziu sobres~ ~::~~~a:~s e mter-rela.cion~mos o que papel da revolução, sobremodo da egr~l ~ue.almeJa~a Implantar e o _ a História Nacional fmalista re:o~ç.ao mtegrahsta, na História Salgado contou. e m itrva que o próprio Plínio Para realizar o presente tr b lh d textos publicados pel . 'd~ a o.' ebruçamo-nos sobre os considerado canal oficialode peno ~co _ mtegralista A Offensiva, Plínio Salgado destacou-se ccomu~~caçao entre o .Chefe e as massas. foi sua ação através da . orno 1 erato modermsta e político, mas todo o país. Como afi rma Rodrizo popularizou a sua doutrina por jornais integralistas é quase o o IgO Santos de Oliveira, "falar em integralismo nos anos de 193;'~s~0 que falar da.história do próprio . esse modo, o Jornal A Offensiva,

que era de circulação nacional, demonstrou-se o veículo privilegiado para a difusão da política integralista de forma organizada. O 5 subtítulo "Orientação de Plínio Salgado", a partir do número cinquenta e três, segundo Oliveira, transfonnou o periódico na "voz 6

oficial do líder". O projeto integralista delineou um Estado autoritário, corporativista e de natureza burocrático-totalitária, sendo sua principal atribuição garantir a paz social. Salgado era defensor de ideias grandiloquentes, como a de se fundar uma nova sociedade elaborada a partir de uma concepção espiritualista e orgânica, respaldada por um Estado forte e cristão. Declarou no Manifesto de Outubro de 1932 que a criação do Estado e da sociedade estaria ligada à concepção do próprio universo, assim a ideia de uma "ordem suprema" deveria suprimir todas às vontades individuais em prol de um "bem maior": a unidade do Brasil. Para tanto, seria necessária a criação de uma sociedade integral homogeneizada e, consequentemente, a supressão de todas as diferenças de classe, raça ou cor. Considerando o integralismo como estágio último do projeto de Deus para a Humanidade,7 universalmente, Salgado se entende não somente como líder da pequena burguesia decadente, nem como porta-voz do bacharelismo, tão pouco como guia da redenção nacionalista brasileira, se projeta, no discurso, enquanto líder da "nova Humanidade" por antonomásia. Desse modo, a criação da narrativa era legitimada através do poder entregue a Salgado, uma mistura de misticismo e política que se firmava justamente na fonte oficial da doutrina. Em artigo publicado em A Offensiva de 9 de

Cont. da nota anterior.

Rodrigo Santos de Oliveira, "A Offensiva foi o . . ~ed: de periódicos que a Ação Inte lista Jornal d~ maior expressão dentro da orgao do partido e uma das pri . gra ti montou', Tinha o caráter de principal verdes' junto à sociedade brasil:~I~als, ormas ?e inserção social dos 'camisaspara outros jornais do movi t a epoca. O Jornal também servia de exemplo . men o e mesmo q cap.acldadeem termos de recursos ' . _ ue nao possuíssem a mesma penódicos". OLIVEIRA R dri PSarapubhcaçao'.A Offensiva era o norte desses Brasr'1'eira em perspectiva. ' In: o GONÇALVES' go antos de LA rmprensa. da Açao - lntegralista Duarte (O ) E . ' eandro Pereira: SIMÔES R rg.. ntre tipos e recortes' histórias d . .' , enata o Medida 2011 p 34 D c: . .a Imprensa integralista. Guaíba/Rê: S b 0«" ' ,.. essa rorma os artigo d Plí . . 'JJenslva apresentam particular importa" . s. e mro Salgado no jornal A do Ch ti neta no sentido da -' . e: para o crescimento e fortalecimento d . co~preensao do discurso as cltaçoes foram estabelecidas de a d o rnovimento integralista, Por opção assi . cor o com a nova ' ' 4 OLmrv' a Citaçãooriginal da língua portuguesa d dé d rdegraortografica, alterando, EIRA, 2010, p. 25. a eca a e 1930.

184 I Entre tipos e recortes: histórias . ,. da imprensa integralista

OLIVEIRA, 2010, p. 32. 6lbidem. 7 "A História deve revelar-nos as posições do Ser Humano na sua permanente gravitação. No desenvolvimento desses ritmos é que vamos surpreender as três etapas, que poderemos denominar: de adição, de fusão e de desagregação. A formação das sociedades obedeceu a esses movimentos. A Primeira Humanidade veio da caverna, até a criação do Politeísmo; a Segunda vem do politeísmo ao Monoteísmo; a Terceira vem do Monoteísmo ao Ateísmo; e a Quarta, que é a nossa, encontra-se na mesma situação trágica da Primeira, diante do mistério universal. Depois da adição, da fusão e da desagregação, chegou a hora da síntese". SALGADO, Plínio. politeísmo - Monoteísmo - Ateísmo - Integralismo. In: A quarta humanidade. 5. ed. São Paulo: GRD, 1995. p. 9. 185 Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integralista 1

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agosto de 1934 "Elo i d ~. Jaboticabal" S l' d figo a Ausência: aos bacharelandos d , a ga o a Irma que" Ch J:". - , e uma ideia".8 o ele nao e uma pessoa, lUas . Assim, a revolução constitui uma transforma , . ~:~~~nal, operada pela n~va. consciência coletiva ~~~e~~a~:PInto Força. O portador da ideia prescinde do "di it d ~ela posto ser ele a tradução da vontade' irei o .e r~voluçao", a autoridade de contar a História nacI~nal, sendo-lhe mdIspensável destino necessário ao Brasil. Retiran~~e da~:~:s ~stado Integral UlU de construtores do processo histórico d . os h~m~ns o papel motriz de todas as mudanças com etin' epo.sIta na. ideia a força obedecer as ordens provenien~es d p . t do ao I~tegrahsta fiel apenas ldeia (Plínio Salgado o Ch J:". NasI~ erpretaçoes que o portador da , ele aciona I) faz d . d d momento histórico e aceitar a "fatalidade" d H" t~ .SOCIea e e do revolução, no integralismo de PI" S; IS ona. A verdadeira interior". mIO a gado, é a "revolução .A proposta do intelectual era interf . , _ ,. dos dIrigentes e da educação d em, atraves da açao política na organização de um novo ~~t;a nova ~u~tura p~ra os dirigidos, centralização do poder e o tr Ido brasiíeín, cUJ~ tônica era a sistema corporativo A do t~on .0 e do .setor produrivo através do . u nna mtegrahsta trai . . . elementos teóricos da Encíclica Rerum ex a1U9s~us pnncIpaIs fundamentalmente, na Doutrina Social da~ova,:,m, mspIrando-se, que outras campanhas reacioná . . greja, do mesmo modo essa diretriz a AIB nas europeI.as no mesmo período. Sob , assume um dISCU ". "harmonização social" e ne rso espmtuahsta de liberalismo e o comunism gaçao ddaluta de classes, denunciando o . . o como uas faces d matenahsmo. Para Salgado a Ri té d a mesma moeda: o , s ona os homens é a História da 8

SALGADO, Plínio. Elogio da Ausência' _. op.cit., 1935a, p. 15. Arti o ." aos ba~harelandos de Jaboticabal. In: ~e Janeiro, 9 ago. 1934. g publIcado ongmalmente em: A Offensiva, Rio A encíc1ica papal Rerum Novarum foi 1 1891, e ~inh~ por objetivo censurar o avan ~ç:da ~el.o Papa Leão ~~II, no ano de mundo mteuo, buscando uma lin a e ç s~c!al~smo entre os fiéis católicos do defendendo a "humanizaça-o" do gu·tgl·m concllIatona entre capital e trabalho I capi a isrno como 1) d' ' c asses e garantir a manutenção da tradi ão e do S orma e se eVIt~r a luta de Novan:m. (1891). Disponível em: . Acesso

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'h' .. . I es. rstonas da Imprensa integralista

eterna luta entre essas duas concepções da realidade (materialismo e espiritualismo), e sua concretização no Brasil da década de 1930 se deu no combate entre comunismo e integralismo. O nacionalismo integralista enfeixava todos os ideais e aspirações contidos na doutrina do Sigma, animava e orientava os militantes para a luta contra os inimigos eleitos pelo movimento em defesa de Deus, Pátria e Família, organizava indivíduos de classes distintas em tomo do mesmo programa político autoritário, da ambição de uma sociedade permanentemente conservadora e sob a autoridade que mantinha um rígido princípio de hierarquia. Assumindo o papel de "bandeirante" da campanha nacionalista, Plínio Salgado destacou-se na arena política da Era Vargas por inundar os meios de comunicação com sua propaganda política, gerando a necessidade de uma luta constante, sem trégua, contra os inimigos da ordem, o elemento exógeno - aquele que não veste a camisa-verde. Assumindo o "drama dos construtores de Pátrias", o líder da extrema-direita radical institucionalizada na AIB acreditava que "o espírito de uma Pátria extrai-se com a poderosa energia de um pensamento, a força de um sentimento e o fogo imortal de uma mística". 10 Desde Maquiavel até Hobbes, de Locke, Rosseau até Marx, o Estado vem sendo interpretado das mais diversas maneiras. Com Hobbes, o Estado encarnado no poderoso "Leviatã" se traduz nas experiências totalitárias do Estado Moderno, em Locke o Estado liberal age como protetor da propriedade privada. Dessa forma, todos esses pensadores contribuíram para o desenvolvimento de teorias acerca desse corpus político [o Estado] que marca a passagem da humanidade de um dito estado de natureza para um estado de vida em sociedade. De acordo com Norberto Bobbio, pode-se fazer uma divisão em duas vertentes do pensamento a respeito da conceituação dessa instituição política. Seriam elas, a vertente Jusnaturalista e o modelo Hegelo-marxista, que se opõem em suas concepções acerca do conceito de Estado. 11

10 SALGADO, Plínio. Posição. In: __ op.cit., 1937. p. 188. Artigo publicado originalmente em: A Offensiva, Rio de Janeiro, 26 jan. 1937. 11 Cf. GALLO, Sílvio. A filosofia política moderna e o conceito de estado. Canto Libertário. Disponível em: . Acesso em: 7 dez. 2011. o

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o primeiro

modelo é uma das bases do pensamento liberal e reflexo da busca de uma teoria racional para o Estado. Caberá aos Jusnaturalistas reconstruírem racionalmente o sentido do Estado, que seria a reunião de vários indivíduos na formação de um único indivíduo, com uma única vontade que expresse essa "vontade geral" da liberal-democracia. O modelo Hegelo-marxista só se constituirá como verdadeira antítese ao Jusnaturalismo ao incorporar, sobre a estrutura pensada por Hegel, as considerações levantadas mais tarde por Marx, que retoma a concepção de Rousseau do Estado como instrumento de dominação para a manutenção da riqueza de alguns em detrimento de muitos outros, mas tomando essa característica como essencial e inerente ao conceito mesmo de Estado e não como uma corrupção contingente do conceito, como o era para Rousseau. Com Marx o Estado perde sua "sacralidade", isso quer dizer que a oposição entre um estado de natureza e um estado civil é superada e a oposição apontada por ele é entre a sociedade civil e a sociedade política. Marilena Chauí, em "Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira", 12 faz uma análise profunda da organização integralista, percebendo no movimento a tendência a se atribuir ao Estado o papel de construtor da nacionalidade. A autora explica a emergência da Affi em um contexto de "ausência" de hegemonia, por parte da classe dominante; "desvio", por parte do proletariado; e heteronomia, por parte da classe média que ora está atrelada à classe dominante, ora está atrelada à classe operária, situação essa engendrada pelo "atraso" brasileiro em relação aos países capitalistas centrais, cabendo ao Estado assumir o processo de modernização, antecipando-se às classes e constituindo-as como tal. Essa leitura do problema indica uma visão que aceita, enquanto necessário, o processo de edificação do Estado-nação brasileiro, projetando, segundo a autora, "uma figuração hegeliana do Estado, encarado como resumo (zuzammenfassung) dos conflitos da sociedade civil e como seu telos necessário". 13 Em entrevista concedida ao Correio da Manhã Plínio Salgado afirmou que:

12 CHAUÍ, Marilena. Apontamentos para uma crítica da Ação lntegralista Brasileira. ln: CRAUÍ, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. São Paulo: paz e Terra, 1985. p. 17-149. 13 Ibidem, p. 21-22.

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I Entre

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d ser o Grande Revolucionário, falando em O Esta o pas~a a. _ dos desejos das aspirações nome. das mq::~~~~~~~~s de justiça d; Nação. O Estado supe~IOres, d.os uma autoridade nova, sobrepairando aos adqUlre, assim, .' políticos ou econômicos. O . de grupos SOCtalS, mteresses ., d r o mantenedor de d ssa a ser o supervlsIOna o , . Esta o pa . _ do ideal de justiça e de hberdade, equilíbrios, a concretizaçao . . 14 o criador dos ritmos SOClaiS.

:u.

16 '1 a T' d d IS Gilberto Vasconcellos e M~n Helglo nn a e, bana como o destmatano Chauí17 apontam a c~asse me~Ia. uresse o setor da sociedade privilegiado ~o~ tal dISCurSO. en~'revoluçãO" que não atentasse brasileira ma1~ mteress~dod:mm~::;;vesse o proletariado disciplinado contra a propnedade pnva, t de classes transformando em para o trabalho e, ?c~!tasse a l~ e~o político d~ tomada do Estado. "revolução do esp~nto o seu pro~. para A Offensiva, em 1934: Plínio Salgado aSSIm afirma em algo r



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andes construções nacionais está ~ui~o O segredo das b ~ .d de impulsiva do que na resistencIa menos na com a IVI a se doma com a mesma O povo é um monstro que , . 1 mora. d leõ es e tigres. Em ultima .~. m que se omam pacIencta co _, 1 ta contra o fato concreto na análise, toda revoluçao e ulmtacUontraa massa porque esta já . " , rtanto uma u a ' d Históna; e, po , . F terior agora transforma a se subordirlou a uma Ideia- orça an , em fato. 18

. t r mo dedicava-se a egra IS A nova cultura ensinadadi .'pelo msubalternos convictos em formar homens capazes de mgir e - In:._. op.cit., . h da nossa revo Iuçao. SALGADO, Plínio. Sentido e .ryt mo . da Manhã e publicada duas vezes 1935. p. 21-22. Entrevista concedIda ao CorreIO

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por aquele matutino. . f ismo brasileiro na década de 30. 2. ed. 15 TRINDADE, Hélgio. Integralzsmo: o asci

Rio de Janeiro/São Paulo: DIFEL, 1979. 1 . C rupira: análise do discurso 16 V ASCONCELLOS, Gilberto. Ideo ogia u . integralista. São Paulo: Brasiliense, 1979. . 17 CHAuí, 1985, p. 17-149. ctores de pátrias. ln: _. op.cit. 18 SALGADO, Plínio. O drama dos Gonstru . A OjJensiva, Rio de JanelfO, U 1936. p. 15-17. Artigo publicado ongmalmente em. out. p. 1, 1934.

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h' t' . s da imprensa integralista IS ona

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obedecer. Essa dura disciplina garantiria a manutenção d tru hierá . ízid . a es tura erarquica -ngrd a do nacional-corporativismo integralista po . ' . ' r meIO e uma política autoritária que tinha n a mora 1'd a e 1a b, oraçao . cnsta o seu vértice. A moral do integralismo se baseava nos deveres d hO,~em para com Deus, para com a pátria e para com sua famíli~ Plínio 1Salgado. pregava o culto da digni dade ,naClOna da honra . l' e pessoa, o bno, a. c~ragem, o sacrificio, a renúncia; e promovia o culto , ~as tradiçoes _ brasileiras," estimulando sentimentos xenofóbicos e a aversao ao cosmopolitismo r fi .d . di _ . ' e exos d e uma estn ente in ignaçao diante da situação de dependência econômica cul~a~ que acreditava subjugar o Brasil. Incitava també e ~oh~aneda~e corporativist~ e. possuía uma ideia um ta~to amo~r;::d: justiça social e independência financeira garantidas sempre p 1 Estado. ' ,e o . ~~lgado: incorrendo e~ incursões historiográficas, apresentava a História NacI~nal que destinava lugares "imutáveis e eternos" para cada um ~a sociedade Integral e que absorveria todos os brasileiros nas suas diferenças em torno do Estado providencial Em "Virtud d C . V d " . . I e e amisas- er es , ~al~ad~ e,~pnme a dureza sublime que enfrenta ~quele .que se dispõe a revolução do espírito" e adere ao integralismo no conturbado contexto social da década de 1930:

deve ser qualquer coisa de maravilhoso e de imprevisto, e só o Chefe deverá saber, no instante supremo em que o Destino dos Povos lhe falar aos ouvídos." Salgado condenava todas as formas de Estado moderno, em especial a liberal-democracia. Possuía um fundamento espiritualista do Estado,21 compreendendo-o como uma "Grande Família Nacional" que buscaria "no pequeno núcleo o segredo de seus lineamentos e de sua estrutura, o princípio da solidariedade, a essência da autoridade, da harmonia dos movimentos e atitudes em que se conjugam as diferenciações dos temperamentos". 22 Desse pressuposto conceitual deriva sua concepção de Estado que superlativiza a família como modelo ideal do Estado Integral e sua base natural e fonte de legitimidade. A respeito dessa visão que o integralismo de Plínio Salgado tem do Estado, Sérgio Buarque de Holanda, em "Raizes do Brasil",23 compreende que foi herdada da histórica falta de coesão social entre a gente lusitana que vinha para o Brasil, que só se reconhece em unidade quando sob um governo "forte", que centralize e monopolize a política e os projetos de organização social:

20SALGADO, Plínio. Virtude de Camisas-Verdes. In: __ op.cit., 1937, p. 8889. Artigo publicado originalmente em: A Offensiva, Rio de Janeiro, 21 abr. p. 2, o

Aos verdadeiros integralistas não importa o termino d I t po . bri a u a, rque os .ill~ na a própria luta. Aos camisas verdes valorosos a Idem d~ vitória chega a entristecer, pois eles são como as procelanas: amam as tempestades e respiram contentes na~ atmosferas carregadas de ameaças. Lutar: eis a grande al~gr.ladeste movimento. Encontrar dificuldades: eis a nossa vo~upla. Sermos perseguidos: eis o motivo poemático. Sermos illcompre~nd!dos: eis. ~ prazer singular que nos mostra_u,ma supenondade deliciosa. A incerteza do dia de amanha e o nosso diadema de glória. Exclamamos: 'A nossa hora chegará'; pomos nisso a nossa honra e fazemos dessa frase o nosso penache, o nosso élan, o nosso brio. Porém se nos .pergunta~: .'q~ando chegará a vossa hora?' - então, sentimo-nos diminuídos e humilhados, porque a nossa hora

SALGAD O, Plínio ' . .. Ao chefe de polícia de Santa Catharina. ln: . 14937.p. 125-126. Artigo publicado originalmente em' A Ottensiva Rio de·JOP.Clt., . 'JJ" aneiro, 2 ago. p. J, 1935. 19

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I Entre

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1936. 21A Ação Imperial Patrionovista Brasileira (1928) de Arlindo Veiga dos Santos, movimento da restauração monárquica que rejeitava a experiência brasileira "infectada" pelo liberalismo, em artigo publicado em 1932, descreve o Estado Integral: "Um conjunto orgânico, nacional, hierarquizado, e harmônico [...] onde o conceito de liberdade é profundamente humano, hierárquico e paternal, atendendo à sociabilidade do homem, a sua finalidade última, e ao bem comum geral" (TRINDADE, 1979, p. 115). 22 SALGADO, Plínio. A revolução da Família. In: __ op.cit., 1936, p. 59. Artigo publicado originalmente em: A Offensiva, Rio de Janeiro, 17 jun. p. 1, 1935; e posteriormente em: SALGADO, Plínio. Madrugada do Espírito. São Paulo: Guanumby, 1946, p. 117-124. Na referência, o autor informa que o texto é de 1934, mas, segundo indicação do original em A OjJensiva, a publicação ocorreu em 1935. O texto foi ainda publicado em: SALGADO, Plínio. A revolução da família. Brasília: Secretaria de Estudantes do PRP - Diretório do Distrito Federal. Coleção Divulgação Doutrinária, 1951; e publicado no Suplemento da Enciclopédia do Integralismo, Rio de Janeiro: Clássica brasileira, 1960, p. 223-229. 23HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das o

Letras, 2007. p. 38. Entre tipos e recorte

histórias da imprensa integralista

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profissão. [...] Só os vagabundos ficarão d~ fora, pois todo homem que trabalha terá de defender seus mteresses dentro Criando a consciência das 'diferenciações' dos gru -' . pos humanos. e das expressoes SOCiaiS, que passam a grav'tI~ harmomosamente no sentido de bem comum, cada qual c , . om sua propna natureza, sua própria função, seus própri objetivos. O Estado, por sua vez, penetra-se dessa consciênc~: ?a sU,an~tureza, da s~a ~nção e dos seus objetivos. Princípios imutáveis fixam os limites de ação de cada pessoa e de cad a . grupo, assim como de cada expressão humana (Cultura Economia, Religião). O Estado se fortalece, guardando seu~ próprios limites e defendendo e sustentando suas prerrogativas. 24

Segundo Salgado, "o Trabalho não é um direito, porque é um dever. Como direito, ele se escraviza; como dever se eleva e se liberta".25 Todo homem deve ser um produtor, o Estado deve intervir diretamente no processo produtivo através das corporações, toma~do-se patente a tendência totalitária do Estado Integral. Considerando que, para Salgado, a principal causa do caos social no Brasil seja a falta de disciplina, podemos admitir esse argumento como uma forma para compreender o autoritarismo advogado pelos líderes integralistas. Para os dirigentes da AIB, o autoritarismo seria necessário para conduzir a totalidade da nação rumo à harmonia, segundo o critério hegeliano de organização social e do Estado como telos da nação e síntese das classes que a compõem. O estado Integralista terá de substituir, imediatamente, a fim de salvar a verdadeira democracia das garras de oligarquias financeiras, o arcaico aparelhamento dos partidos pela organização corporativa da Nação. Declarados os partidos fora da lei, cada brasileiro terá de se enquadrar dentro de sua

24 SALGADO, Plínio. Estado Totalitário e Estado Integral. In: __ oop.cit., 1937, p. 175. Artigo publicado originalmente em: A Offensiva, Rio de Janeiro, 1 novo p. 2, ~9~6 e pos~eri?nnente e~: SALGADO, Plínio op.cit., 1946, p. 169-179. Nessa última referência o autor informa que o texto é de 1946, mas segundo indicação do original em A Offensiva a publicação ocorreu em 1936. 25 SALGADO, Plín~o. Concepção Integralista do Trabalho. ln: __ oop.cit., 1936, p. 148. Artigo publicado originalmente em: A Offensiva, Rio de Janeiro, 1 novo p. 2, 1936 e postenonnente em: SALGADO, Plínio op. cit., 1946, p. 169-179 e ainda no Suplemento da Enciclopédia do Integralismo, op.cit., 1960, p. 259-264.

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da sua corporaçao.

Em "Estado Totalitário e Estado Integral", Salgado 'd a a autoridade do Estado como uma força mantenedora da onSI er . . fi . e 'a Essa autoridade para o autor, não é supenor nem menor harIDOnI. " . . , . Svalores sociais como a farnilia, a corporaçao, o mUnICIplO,a a OUatrO economia e a ' religião, mas se trata de um va Ior "dif t" 1 eren e , euImra, da vid . I, ento de natureza diversa às outras esferas a VI a socia de um elem h' netra a dinâmica social e humana como um deus ex-mac ma. que pe . , . E t d Mantendo íntegras as organizações corp~ratl:as. e cIvIcas,. o ~ a o Integral também mantém íntegro a SI propno. O naclOnah~mo feria teor moral à disciplina da ordem que Salgado al~eJava eon . . 1t d 27 incutir nas massas, em particular no sempre irrequieto pro e ana O. Em 1935, no artigo "O problema da ordem", afirmou: O 'camisa-verde' aprende a ser modesto, diligente, respeitoso; adquire um exato conceito de Autori?ade; ~prende a amar a sua Pátria e a tudo sacrificar por ela, inclusive seus interesses e vaidades pessoais; aprende a sofrer, a calar, a trabalhar sem alarde; aprende a amar seus companheiro~, que constituem hoje uma família de 400.000 irmãos. No dia e~ que todos os brasileiros forem 'camisas-verdes', estara resolvida a primeira questão desse complexo problema da Ordem.

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O papel da imprensa integralista foi. ?ec~sivo .nessa obra. de cultura disciplinadora para a ordem e a obedIencIa, pOISreprodUZia a difusão dessas ideias e alimentava uma atmosfera que a~ tom~v~m coerentes e necessárias naquele contexto. Rosa Mana FeIte.Iro Cavalari, em "Integralismo: ideologia e organização de um partido

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SALGADO, Plínio. Sentido e rythmo da nossa revolução. In: __

1935, p. 23-24. SALGADO, Plinio. Estado Totalitário e Estado Integral. In: __

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o op.cit., . 1937 oop.cit., ,

°

p. 174. 8 Arti 28 SALGADO, Plínio. problema da ordem. In: __ o~p.cit., 1935, p. 3. IgO publicado originalmente em: A Offensiva, RIO de Janeiro, 7 fev. ~. 1, 1935 e posterionnente publicado no Suplemento da Enciclopédia do Integrahsmo, op.cit., 1960, p. 231-250. Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integralista

1193

de mas~a no Brasil (1932-1937)",29 aborda o a el d . educaçao e transmi~são da doutrina para os ~~tant:s~rirensa na ~erra, ~ntre comunismr, e integralismo se travou de fo e fato, a sistemática na arena da imprensa e propaganda E fi . rrna lllais que Salgado elaborou suas estratécrias di '. 01 nesse cenário líti ' . o' tscursrvas de coo t ~ po I ica, estrateglas essas que se constituí p açao fr .. Iram como o can I . equentemente utilizado pelo Chefe N' I a lllals 11 aCIOna para se c . com as massas e produzir uma campanha ti . omunlcar Segundo Cavalari, o jornal desempenhava a an Ic_omullIsta eficaz. popularizar a teoria definida elo ~~çao de atualizar e inteligível ao grande público: p grupo dmgente, tornando_a

rre homens, de desespero econômico e instabilidade social, ~:nçando o naci?n~lismo camisa-verde como a ~ca lanterna ~apaz de guiar os brasileiros pela turva tempestade de mcertezas da decada de 1930. Uma campanha nacionalista não se improvisa na hora do perigo. Trabalhei cinco anos (1926-1931) para formar os primeiros afloramentos de uma consciência definitiva brasileira; trabalhei mais cinco anos (1931-1936) para concretizar em 'fato histórico' o estado de espírito que eu gerei nos primeiros cinco anos. O 'fato histórico' não se inventa de uma hora para outra; ele é construído devagar, com paciência, tenacidade, firmeza e convicção. Tudo no Brasil será inútil como salvação nacional, contra o comunismo, se não se opuser à mística vermelha uma outra mística mais forte. 33

A palavra impressa, isto é, o livro e o jornal oc lugar de destaque na rede constituída pela ~p:~am um pnnclpalmente por seu intermédio que a d trin .":"; Era, ,ou a mtegralista che'gava ate ao militante. O livr' . ,. produzidas pelos teóricos do a~id:elculava .as ldelas popularizava. A d?u~ina mantinha-~e viva p:ra ~ i~~;~l' as graças a sua matenahzação através do jornal. 30 gr ista

Lançando um olhar retrospectiv b Salgado exprime sua incansável I o S? .r~ sua atuação política, inauguração da AIB b uta - miciada antes mesmo da em outu ro de 1932 d sociais" o projetaram no quan o seus romances ressalta seu em enho cenano ~acIO~al da década de 1920, e Sigma e seu "pa~el bist: p;,opagaçao sl.stemática da doutrina do rumo à consolida ão do co na marcha lI:exoráv~1 do integralismo textos lançados co~ ro n~vo Esta?o-n~çao brasIleiro. Através de Chefe Nacional ''u p fusao pelos jornais e revistas integralistas, o , m personagem a meio inh político e o chefe reli ioso" 32. canu o entre o chefe extrem -di . ~,onentava a "revolução cultural" da a Irelta, consolIdando o autoritarismo num cenário de luta r





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29 CAVAL '. . ARI, Rosa Mana FeIteiro Integrali .'d . rcartIdo de massa no Brasil (1932-1937) B smo. I eologia e organização de um o Ibidem p 79 . auru: EDUSC, 1999. 31

Em "O ardil totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30",34 Eliana Dutra contribui com um valoroso estudo do imaginário político e social dos anos 1930 para compreendermos o que significava a liberdade dentro da esquerda e da direita no país. O conceito de liberdade nesse período não se definia por um caráter de autonomia do sujeito. O desejo coletivo era permeado por uma noção de "pátria" que escaramuçava o conceito democrático de liberdade, dando espaço para as "amarras da dominação't." Essa ideia estava presente em ambos os discursos, tanto naquele que se opunha às ideias comunistas, e dessa forma defendia certo tipo de ordenamento totalitário, bem como no discurso comunista que defendia um projeto revolucionário. De acordo com Dutra, a noção de pátria adquiriu, portanto, ~ma potencialidade estratégica se tomando um "elemento Imprescindível dentro do conjunto de valores, práticas e normas que têm por finalidade a preservação da ordem e da estabilidade

".

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