País de muitos brasis

June 28, 2017 | Autor: Adilson Brito | Categoria: Brazilian Studies, Amazonia, Independence, Borders and Borderlands
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14/10/2015

País de muitos brasis ­ Revista de História

País de muitos brasis Onda de revoltas se alastrou pelo norte do país após a Independência. Confederados eram contra acordo político firmado Adilson Júnior Ishihara Brito 1/7/2014  

Uma sensação de horror tomou conta do pequeno povoado paraense de São Francisco Xavier de Turiaçu, na fronteira entre Pará e Maranhão, nas primeiras horas do dia 26 de agosto de 1824. Um grupo de 80 a 100 homens armados, em grande parte formado por maranhenses desertores das tropas e negros fugidos, adentrou rapidamente a povoação, invadiu as fazendas dos moradores considerados "portugueses europeus" e pilhou tudo o que podia carregar, além de libertar escravos negros e indígenas. Todos os que resistiram à ação foram espingardeados a sangue frio, de acordo com a esparsa documentação. No Quartel Militar, os rebeldes atacaram a tropa miliciana e expulsaram o comandante José Gonçalves de Azevedo. Em alto e bom som, anunciaram que todos aqueles que tinham sido contrários à Independência deveriam deixar o Pará, ameaçando de morte os que se negassem a fazê‐lo.   A revolta rapidamente se espalhou para outros distritos da região. Com a ajuda dos índios e liderados por capitães do mato e desertores das tropas paraenses, os rebeldes tomaram a vila de Ourém e os lugares de Viseu, Gurupi e Piriá. Em 21 de setembro, invadiram a vila de Bragança, sede da administração política e militar de toda a região atlântica do Grão‐Pará. Por onde passavam, usavam de violência para punir os habitantes considerados "não brasileiros" – aqueles que tinham espalhado publicamente a sua indignação contra a Independência, especialmente os moradores brancos.    Moeda cunhada nos De onde vinha o combustível da revolta? Por que tanto ódio contra os "europeus"? Havia insatisfação com a forma como foi feito o acordo político de primeiros anos da adesão à Independência brasileira entre os grupos políticos de Belém, capital da independência, com a Província do Grão‐Pará, e os dirigentes da Corte no Rio de Janeiro, o centro do fase do Imperador novo Estado brasileiro independente. A influência de D. Pedro I e José Bonifácio Pedro I. (Reprodução) de Andrada e Silva sobre os dirigentes provinciais manteve os privilégios dos homens de negócios, intelectuais e funcionários públicos que tinham se colocado contrários à emancipação do Brasil. Além disso, começaram a chegar informações sobre a revolta iniciada no Recife em 2 de julho daquele ano: uma rebelião contra o fechamento da Assembleia Constituinte pelo Imperador, em novembro de 1823, seguida da instituição do Poder Moderador, na Constituição de 1824. As medidas passaram a ser interpretadas como um retorno ao antigo despotismo português e um risco de sepultamento da Independência brasileira.   Iniciada em Pernambuco, a revolta, liderada pelo presidente da província Manoel de Carvalho Paes de Andrade, logo se espalhou por toda a região "norte" do Império, abarcando grande parcela da população de Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Foram também enviadas proclamações para a Bahia, o Maranhão e o Pará. Nelas, Paes de Andrade conclamava os povos à luta pela liberdade do Brasil, que estaria sob o perigo de voltar a ser colônia de Portugal devido à atitude centralizadora do Imperador. Em contraste com a tentativa de D. Pedro em manter a unidade do Império, espalhava‐ se uma forte tendência à fragmentação.   A expansão política dos confederados do Recife para o extremo norte do Império significava muito como estratégia para fortalecer um bloco político que estava sendo desprezado na política imperial da corte. A possível aliança com o Maranhão traria para o lado dos confederados a província do Piauí, enquanto a inserção do Grão‐Pará na rota do movimento representava a possibilidade de integrar as províncias de São José do Rio Negro (atual Amazonas), Goiás e Mato Grosso, que mantinham históricas relações econômicas e políticas entre si. O objetivo mais lógico desse plano de expansão era aumentar http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos­revista/pais­de­muitos­brasis

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o poder de negociação com as fortes lideranças da Corte imperial para restaurar o poder político das províncias. Nenhuma proclamação feita em Pernambuco ou enviada para as outras províncias defendia a República ou algum outro tipo de projeto separatista.  

Na pintura de Alexandre Rodrigues Ferreira, prospecto da cidade de S. Maria de Belém do Grão‐Pará, 1784. A cidade de Belém em 1824 foi palco de umas das reações mais fortes ao autoritarismo centralizador de D. Pedro I. (Fundação Biblioteca Nacional)   A influência da Confederação do Equador tornou a situação social e política violenta em Turiaçu, Bragança e em toda a região Nordeste da província do Grão‐Pará, porque a revolta tinha uma forte presença patriótica popular. No Maranhão, tropas populares comandadas pelo presidente Miguel dos Santos Freire Bruce, acusado de ter mantido estreita comunicação com os representantes da Confederação do Equador, corriam os sertões da província com notícias sobre a revolta do Recife e o perigo de uma recolonização portuguesa. As regiões de São Luís, capital da província, e Itapicuru‐ Mirim, no meio‐norte, eram as mais ativadas na rota da revolução de independência, por causa da grande participação dos negros e soldados desertores nas lutas contra os portugueses. Grupos de dezenas, e até centenas de soldados desertores e escravos fugidos desses lugares ‐ principalmente Peritoró, Maracassumé, Alcântara e Guimarães ‐ rumaram para o Pará e lá protagonizaram cenas de violência nas vilas, povoações e distritos rurais.    Ao percorrerem as matas, rios e estradas reais, esses revoltosos defendiam publicamente o que entendiam ser a Liberdade e a Igualdade associadas à Independência e à Confederação. Tentaram depor as autoridades de diversas vilas, povoações e lugares da fronteira entre o Grão‐Pará e Maranhão – como Salinas, Cintra, Piriá, Ourém, Tentugal, dentre outras – que consideravam "europeias" e traidoras da pátria "brasileira", por entenderem que a verdadeira Independência deveria modificar os antigos padrões de autoridade e legitimidade que limitavam a cidadania e a participação política da maioria esmagadora da população – composta de índios, negros e mestiçados. Diante dos olhos da população em geral, existia uma crise de autoridade e de legitimidade que precisava ser resolvida. A solução era a expulsão ou o extermínio do "partido dos portugueses", acompanhada da retomada do Brasil pelos "brasileiros". A defesa da Independência ou a sua oposição serviriam de referência para se definir quem eram os "brasileiros" e quem eram os "europeus".   A revolta durou 44 dias, antes de ser sufocada com grande violência pelas tropas militares do Pará e do Maranhão, no início de outubro do mesmo ano, com a prisão de dezenas de rebeldes e de seus principais líderes. Nesse período, os fugitivos maranhenses que adentravam a fronteira do Pará traziam fartas informações dos acontecimentos que se davam nas províncias levantadas pela Confederação do Equador. Cartas, proclamações e exemplares de jornais pernambucanos e cearenses eram transportados pelas estradas reais em direção às províncias do extremo norte, por onde passavam os correios de terra. Com esses impressos, notícias da revolta eram veiculadas no espaço público por soldados desertores, comerciantes e viajantes, o que sobressaltava os habitantes dos locais atravessados por eles. Pelas estradas de Sobral e do Maranhão, publicações. como o jornal Typhis Pernambucano, editado pelo carmelita Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, eram lidos em público e causavam grande convulsão.  

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Na pintura de Alexandre Rodrigues Ferreira, prospecto da cidade de S. Maria de Belém do Grão‐Pará, 1784. A cidade de Belém em 1824 foi palco de umas das reações mais fortes ao autoritarismo centralizador de D. Pedro I. (Fundação Biblioteca Nacional)   Não tardou para que as notícias chegassem a Belém. Em 16 de setembro, a Câmara Municipal realizou uma sessão extraordinária para discutir as proclamações e os impressos chegados de Fortaleza pelo correio de Sobral e Maranhão. Ao mesmo tempo, o presidente da província, José de Araújo Rozo, passou a denunciar alguns membros da Câmara como republicanos, por discordarem de sua política de alinhamento com a Corte do Rio de Janeiro.   Rebeliões, como a que aconteceu em Turiaçu e Bragança, revelam a maciça participação popular nas lutas de independência. Fica evidente que as questões políticas e sociais que integraram o processo de independência não estavam resolvidas. Não existia uma nação unida que realizara a emancipação em relação a Portugal e fundara o Brasil, como contava a famosa versão dos livros de história desde o Império até pouco tempo atrás.   No mesmo caminho, percebe‐se que as províncias do Pará e do Maranhão estavam em constante comunicação com regiões relativamente distantes, como Pernambuco e Ceará, integrando outros projetos políticos que criticavam o tipo de unidade defendida pelo Rio de Janeiro na figura do Imperador. Nacionalismo e regionalismo, que foram (e em alguns casos ainda continuam sendo) eixos de explicação de grande prestígio nas histórias regionais e na História do Brasil, precisam ser repensados a partir das experiências vividas por homens e mulheres comuns no tempo da Independência.    Adilson Júnior Ishihara Brito é professor da Universidade Federal do Pará e autor da dissertação "‘Viva a Liberté!’: cultura política popular, revolução e sentimento patriótico na independência do Grão‐Pará, 1790‐1824" (UFPE, 2008).   Saiba mais   MELLO, Evaldo Cabral de. A Ferida de Narciso: ensaio de história regional. São Paulo: Editora Senac, 2001. MOREL, Marco. Frei Caneca: entre Marília e a Pátria. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. RAIOL, Domingos Antônio. Motins Políticos: ou história dos principais acontecimentos políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835. Vol. 1. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970.  SILVA, Luís Antônio Vieira da. História da Independê3ncia da Província do Maranhão, 1822/1828. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1972.   Filme   Veneza Americana (Documentário de J. Cambieri e Ugo Falangola, 1924).

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