Paisagem, Espetáculo e Segregação: Os Impactos Sócio-espaciais do Turismo na Cidade de Holambra (SP)

May 23, 2017 | Autor: João Luiz Mello | Categoria: Cultural Landscapes, Tourim, Society of the Spectacle
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CATS 2016 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade

PAISAGEM, ESPETÁCULO E SEGREGAÇÃO: OS IMPACTOS SÓCIO-ESPACIAIS DO TURISMO NA CIDADE DE HOLAMBRA/SP.

João Luiz van Ham Mello* Bacharel em Turismo. Instituto de Geociências. Universidade Federal de Minas Gerais. Solano de Souza Braga** Mestre em Geografia. Instituto de Geociências. Universidade do Estado de Minas Gerais.

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RESUMO O presente artigo aborda a dialética entre o turismo e a paisagem no contexto urbano da cidade de Holambra, interior do Estado de São Paulo, Brasil. A pesquisa tem como objetivo apontar as consequências espaço paisagísticas urbanas de políticas urbanísticas voltadas para a turistificação da paisagem local. O turismo que se desenvolveu na localidade é baseado na valorização da cultura holandesa, dada à imigração que se estabeleceu no final da década de 1940. Desta forma, a paisagem urbana, assim como a gastronomia e os eventos são, em sua maioria, relacionados com tal identidade cultural imposta. Para incentivar o desenvolvimento turístico, o poder público local garantiu abonos fiscais àqueles que incorporassem nas fachadas dos prédios e casas, ornamentos relacionados ao renascimento holandês do século XVI e XVII. Desta forma, criou-se a partir de elementos arquitetônicos, um cenário voltado para o turismo e o consumo do estereotipo europeu. Sendo assim, tais ações foram responsáveis, segundo a hipótese da pesquisa, por consequências no espaço urbano e na paisagem que são refletidas na dinâmica urbana atingindo os âmbitos sociais, culturais, patrimoniais e econômicos. Palavras-chave: turismo; Holambra; paisagem

ABSTRACT This paper approaches the dialect between Tourism and Landscape in Holambra’s urban context, a city located in São Paulo’s (Brazil) countryside. This research aims the explication of the consequences produces on the urban landscape space by urbanistic policies towards the touristification of the local landscape. The Tourism that has been developed in the region is based on the value of the Dutch culture, given the immigration established from the 1940s onwards. Therefore, the urban landscape, the gastronomy, and the events are greatly related to such imposed cultural identity. In order to encourage Tourism development, the city’s Government has guaranteed fiscal advantages to those establishments that used ornaments related to the Dutch Renaissance from the 16th and 17th centuries on its buildings’ and houses’ façades. As a result, a touristic scenery related to an European Tourism and consumption style was created from such architectural elements. So, this research’s hypothesis is that such actions are responsible for the consequences on the urban space and on the landscape that are reflected on the urban dynamics that reach social, cultural, heritage, and economic scopes. Key-words: tourism; Holambra; landscape

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Este artigo trata de apresentar o trabalho de monografia “Holambra: Um pedacinho da Holanda no Brasil: Os atuais impactos espaço-paisagísticos de políticas urbanísticas voltadas a turistificação da paisagem” e seus resultados, defendido em junho de 2015. O trabalho monográfico compreende um diagnóstico dos reflexos de políticas de urbanismo para o desenvolvimento turístico local. Estes reflexos dizem respeito a fenômenos espaciais e sociais que foram e são responsáveis, em parte, ao que a cidade apresenta na atualidade como paisagem turística urbana. Os resultados são apontamentos críticos em direção a um desenvolvimento turístico local conflitante que busca conciliar uma cultura imigrante à criação de um cenário idealizado. O presente artigo resume o estudo monográfico na tentativa de ampliar a discussão e o caráter crítico, para isso, cria uma relação teórica que imerge no conceito de paisagem a fim de orientar o leitor nos resultados posteriormente apresentados.

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1 ABORDAGEM TEÓRICA

A fim de estabelecer os parâmetros teóricos que embasam este estudo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica que delimita, primeiramente, o conceito de “paisagem” diante das várias correntes de pensamento que, caracterizaram este termo ao longo do tempo. Embora esta definição seja mais extensa, o principal objetivo desta seção é delinear o que se entende por “paisagem turística”. Neste caso, compreender este termo, oferece base teórica preliminar ao estudo do recorte geográfico em questão. Desta forma, conforme Raimundo (2011) o conceito de paisagem se dá de formas muito distintas, dado que este termo é apreendido como objeto de estudo por diferentes áreas do conhecimento como a geografia, a arquitetura, a antropologia, as ciências sociais e o turismo. Embora na contemporaneidade, tais ângulos de conceitualização do termo sejam mais diversos, devido aos objetivos que se propõe, na sociedade ocidental, a paisagem surge na Era Moderna como instrumento para representar o mundo. Foi em fins do século XV, na Holanda, que o termo aparece pela primeira vez relacionada ao mundo das artes. Segundo Claval (2004, apud RAIMUNDO, 2011) a origem do termo se aplica aos quadros do Renascimento que apresentavam um pedaço da natureza, tal como em um enquadramento. Da Holanda, a ideia de paisagem ganhou diferentes dimensões e passou a ser estudada por outras áreas do conhecimento. A palavra de origem holandesa landskip, foi adotada na Alemanha como landschaft, e na Inglaterra como landscape, com referências sempre à representação e conformação de lugares, produto da relação entre homem e natureza O termo na Itália, associado à raiz land, aparece como paesaggio dando origem às derivações latinas, transformando-se assim, em paysage, na França; paisaje na Espanha; e paisagem em Portugal. No caso das línguas latinas, observa-se a associação ao termo pays, que para os franceses quer dizer uma região ou local de origem (id.). O autor complementa a definição afirmando que “A paisagem é assim, um recorte ou representação do pays (região). Numa comparação linguística pode-se dizer que o termo “lavagem” é a ação de lavar, enquanto ‘paisagem’ é a ação de construir (ou entender) o pays (região)” (id., p. 23). No século XIX, na Alemanha e no leste europeu, a ideia de paisagem se descola das artes e passa a contemplar os estudos da Geografia, se consolidando 23

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como um termo “que sintetizava os estudos sobre os lugares (o entendimento da paisagem), mas que se apoiava nas características da natureza, ou as valorizava” (id., p. 23-24). Na contramão desta linha de pensamento, nos países latinos, principalmente na França, o sentido do termo paisagem “assume significados com forte destaque às representações da ação humana, sendo que a natureza apresentava um papel subordinado em sua relação com a sociedade” (id., p. 24). Não cabe a este estudo, por sua vez, apresentar de maneira detalhada cada uma das correntes do pensamento que determinaram por vezes, o conceito da paisagem. Muito embora, tenham sido determinantes para as linhas atuais, estas correntes nortearam os estudos da Geografia e o entendimento das paisagens até a segunda metade do século XX. A partir desse ponto as escolas americanas de Geografia, com o advento das técnicas computacionais e dos problemas ambientais que, começavam a aparecer devido ao uso abusivo dos recursos naturais que a sociedade moderna demandava, fizeram surgir diferentes maneiras de entender a relação da sociedade com o ambiente natural (id., 2011). É diante deste novo paradoxo histórico que a paisagem é encarada pela Geografia Crítica e renovada, como “produto da manifestação de processos sociais, governada pela produção espacial de bens, na qual uma dada sociedade organiza o acesso e o uso aos recursos naturais transformando a natureza em um produto social” (MORAES, 1995 apud RAIMUNDO, 2011, p. 28). Neste sentido, Duncan & Duncan (2003 apud SOUZA, 2015) afirmam sinteticamente que “há custos humanos profundamente embebidos na paisagem que são invisíveis aos olhos” (id., p. 48). A relação estabelecida entre processos sociais, produção espacial de bens e a transformação da natureza em um produto social, oferece abertura a pensar a paisagem como um produto social, por sua vez, do fenômeno turístico. O turismo se apropria, portanto, da paisagem, seja ela natural ou antropomorfizada. O turismo entendido como fenômeno social preconiza o deslocamento de pessoas para locais fora do seu entorno de origem com previsão de retorno. Tal deslocamento implica a utilização de serviços de uma determinada localidade como alojamento, alimentação, diversão, transporte, etc., conforme Morandi & Gil (2001). O turista, de acordo com Silva (2004), é o ator central do fenômeno tem como principal interesse o aspecto visual dos lugares e aquilo que estes têm de pitoresco, de diferente e atrativo aos sentidos. 24

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O turismo na contemporaneidade, consumido em massa exige uma série de adaptações e criações de espaços para que a demanda turística seja atendida. A paisagem, portanto, sofre transformações radicais, o que acentua a cenarização1 e, portanto, uma tensão entre funções urbanas e o “espetáculo 2”. As paisagens podem, de acordo com Silva (2014),

ser entendidas como

“testemunhos visuais de elementos estéticos e simbólicos construídos historicamente e que, quando identificados e apropriados pelo viajante, despertam um renovado interesse e contribuem para estabelecer uma valorização qualitativa” (p. 27). Segundo Morandi & Gil (2001), a paisagem possui “qualidades visuais” e propriedades que exercem forte atração sobre as pessoas. A paisagem urbana quando “bem composta”, com um aspecto geral harmonioso, de construções bem conservadas, de ruas arborizadas, de praças e generosos jardins, “frequentemente são utilizadas para influenciar a escolha do turista em potencial” (SILVA, 2004, p. 21). O autor

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complementa afirmando que: A paisagem, sendo um componente essencial para o desenvolvimento do turismo, é transformada segundo critérios formais e estéticos direcionados a compor cenários elaborados ou não sobre qualidades naturais e culturais intrínsecas das cidades e do seu território, qualidades que, por sua vez, são utilizadas no processo de veiculação de uma determinada imagem (SILVA, 2004, p. 22/23).

Em sua obra sobre as “Cidades Turísticas” o autor, (2014), diz que as paisagens turísticas são cenários3 intencionalmente construídos e tem como objetivo reproduzir padrões de beleza e qualidade culturalmente estabelecidos, o que são versões de uma realidade idealizada”. As cidades turísticas tendem a reproduzir paisagens existentes em outros lugares com o intuito de expressar um passado de colonização, como por exemplo, as cidades turísticas de cenário europeu, ou as “vilas europeias” como apelidou Silva (2004). São exemplos: Campos do Jordão/SP, Monte Verde/MG, Blumenau/SC e Gramado na Serra Gaúcha. Estas cidades ao incorporarem um estilo dito como “europeu” adotam uma identidade própria que as distingue das demais. Configuram, deste modo, Uma paisagem coerente com a ideia de lazer vendida pelo mercado, facilitando o processo de consolidação de uma determinada imagem. A tematização das cidades turísticas age, sobretudo, como meio de vendê-las como produtos comerciais: cria-se uma ‘marca’ de qualidade e distinção, facilmente reconhecível por turistas, moradores 2 e pela própria indústria turística (SILVA, 2004, p. 23) 1 2

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Embora Silva trate das cidades turísticas como toda a extensão urbana do município, Hayllar et al (2011) abordam que existem “distritos” dentro das cidades que são de maior interesse turístico. Trata-se da “área funcional turística”. Segundo eles3, a “área funcional” pode ser entendida como: Uma área geográfica distinta dentro de uma área urbana mais ampla, caracterizada por uma concentração de usos de solo dedicados ao turista, atividades e visitação, com fronteiras bastante definidas. Essas áreas funcionais geralmente possuem um caráter distinto em virtude de sua mistura de atividades e do uso da terra, tais como restaurantes, atrações e vida noturna, seu tecido físico ou arquitetônico, especialmente o domínio de edifícios históricos, ou sua conexão a um grupo cultural ou étnico particular dentro da cidade. Essas características também existem em combinação (Hayllar e

Griffin, 2005 apud Hayllar et al, 2011, p. 4;5). Ainda sobre a importância da paisagem para o turismo, Urry (2001), em sua obra “O olhar do turista” diz que o olhar dos turistas é direcionado para os aspectos da paisagem que lhes são diferentes da experiência de todos os dias. Desta forma, o olhar do turista busca os signos do lugar em que se encontra. Urry reforça a ideia ao citar Culler (1981) que diz: “o turista se interessa por tudo como um sinal da coisa em si... [...] os turistas, se inflamam, à procura dos sinais das demonstrações do francesismo, do comportamento italiano típico, de cenas orientais exemplares, de autopistas americanas típicas, de pubs tradicionais ingleses” (CULLER apud URRY, 2001, p. 18).

A construção das paisagens turísticas é um processo que pode ser entendido a partir de duas perspectivas. De um lado estão as intervenções urbanísticas pelo poder público e privado e por meio da arquitetura; do outro, os meios de comunicação que veiculam as imagens e descrevem os lugares e incentivam o imaginário social. (SILVA, 2004). Conclui-se, portanto, que as paisagens turísticas são construídas socialmente e tem como intuito a caracterização dos lugares orientada para compreender interesses do poder público e da sociedade; como marco de uma identidade própria ao território e como produto do turismo.

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2 MATERIAIS E MÉTODOS

Pode-se dizer que este estudo teve caráter exploratório, pois contém informações e dados inéditos sobre o local de estudo. Primeiramente, para o referencial teórico, fez-se uso de bibliografia específica nas áreas que dialogassem sobre os temas teóricos. Para a investigação e desenvolvimento do estudo, tentou-se utilizar das variadas fontes de informações que apresentassem veracidade e confiabilidade. Fez-se uso, portanto, de coleta e análise de dados qualitativos e quantitativos, documentos, fotos, entrevistas semiestruturadas, conversas informais para coleta de dados que geraram outros materiais, etc. Fez-se uso da análise espacial do território em questão a partir do software Google Earth para que se pudesse obter uma visualização aérea deste espaço de forma mais abrangente e espacialmente mais didática.

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3 ESTUDO DE CASO: HOLAMBRA/SP

Após a Segunda Guerra Mundial que assolou a Europa dominada pelos exércitos nazistas entre 1939 e 1945, muitas famílias tinham em vista uma vida cheia de incertezas e reconstruções. Vários haviam perdido suas casas, seus parentes e buscavam em meio a tanta destruição uma nova maneira de viver. A Holanda, atacada primeiramente em 1940, tinha uma grande parcela da população vivendo da agricultura e da pecuária nos campos (WIJNEN, 2012). O Brasil e a França foram naquela época, países que aceitavam firmar acordos internacionais de migração. Estes dois, formavam imigrações em grupos, na possibilidade de formar colônias. Foi neste momento que uma associação de agricultores católicos da província de Limburgo, na Holanda decidiu investigar a possibilidade de migrar grupos de famílias inteiras para o Brasil, onde estas pudessem se instalar e criar, portanto, uma colônia agrícola (Op. cit.). Passaram alguns anos até que a vinda ao Brasil se concretizasse e as famílias pudessem enfim migrar em destino a Fazenda Ribeirão, localizada entre os municípios de Campinas e Mogi-Mirim no interior paulista. Foi em 1948 quando as primeiras famílias puderam se instalar na Fazenda comprada para o “Projeto Holambra”. A imigração perdurou por aproximadamente cinco anos. Como forma de assentamento legal dos colonos na Fazenda, criou-se a Cooperativa Holambra, o que permitiu o início das atividades agrícolas e pecuárias no local. Neste início, todos os chefes de família deveriam se afiliar à Cooperativa assim que chegassem em terras brasileiras, como forma de garantir os fundos da mesma e poder instalar as primeiras construções de uso coletivo. A economia da fazenda se baseava na produção de leite a partir do gado de raça pura holandesa que os colonos haviam trazido nos navios. A produção se comercializaria em Campinas/SP. Nos primeiros anos, os colonos tiveram grandes problemas, principalmente, porque o gabo contraiu

doenças

tropicais

e

desta

forma,

a

produção

de

laticínios

caia

incessantemente (Op. cit.). A Cooperativa Holambra faliu. O modelo econômico não agradava a maioria dos fazendeiros que em decisão conjunta decidiram desmembrar a cooperativa e os lotes da fazenda. Cada um em seu lote, produzia o que melhor lhe servisse financeiramente e os produtos destas fazendas seriam destinados às novas repartições da Cooperativa que os venderia. 28

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Foi com a vinda de alguns bulbos de gladíolos trazidos da Holanda por um colono que, a produção de flores e plantas em Holambra representou o início de uma nova fase de prosperidade para os holandeses. O mercado da região aceitou bem as flores que eram vendidas em Campinas e deste modo, mais tarde, muitos outros fazendeiros optaram pelo cultivo de flores e plantas ornamentais como principal ativo econômico. A expansão do setor foi rápida, a cooperativa criou uma divisão para flores e plantas assim como armazéns para a estocagem, comprou caminhões para entregas, entre outras melhorias. Os holandeses em Holambra sempre estiveram em contato com seus parentes e amigos na Holanda o que possibilitou a transferência de tecnologias e maquinários para o cultivo das flores (WIJNEN, 2012). Na década de 1980, Holambra ainda era uma fazenda com certo distanciamento dos outros centros urbanos próximos. A vida em Ribeirão era pacata, promissora, com aspecto rural. A venda das flores e plantas logo atingiu mercados maiores como São Paulo e Rio de Janeiro, entre outras cidades do Brasil e da América do Sul. Foi no final da década de 1980 que, com a expansão do mercado de flores e a abertura econômica da cidade, os primeiros problemas sociais começaram a surgir como a falta de segurança, saúde e acessibilidade (Op. cit.). Em 1982, portanto, criou-se a Comissão para assuntos urbanos de Holambra, em que se decidiu que a melhor solução encontrada para os problemas que atingiam a fazenda, era sua emancipação. Holambra pertencia a cinco municípios, como supracitado, e isto representava um empecilho político uma vez que não se permitia a elevação de categoria de fazenda a município sem esta ser antes, um distrito. O esforço do governo estadual em modificar o artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Construção do Estado de São Paulo de 5 de outubro de 1989 daria condições para que Holambra e diversos municípios se emancipassem. Foi, portanto, em 27 de outubro de 1991 que Holambra realizou seu primeiro plebiscito com 2.525 eleitores que aprovaram com 98% dos votos, a emancipação de Holambra. O principal motivo pelo qual Holambra tornou-se um município, como mencionado, foi devido os problemas de segurança que o assolavam. Com a pavimentação das principais vias de acesso, Holambra perdeu seu quase isolamento dos municípios da região e, portanto, teve que estruturar seu serviço de segurança. Consequência deste desenvolvimento, foi a perda substancial da tranquilidade da vida

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na ex-colônia, e a característica das casas e do comércio que tenderam a se proteger cada vez mais, ainda que, haja exemplos pelo centro na atualidade. O desenvolvimento urbano observado em Holambra a partir de sua emancipação, e consequente abertura da antiga colônia a novos negócios, fez com que postos de trabalho surgissem, e, portanto, novos moradores. A emancipação trouxe o desenvolvimento do tecido urbano, assim como a diversificação dos serviços e o aumento populacional, novamente conforme descreveu Wijnen (2012). Paralelamente a expansão do mercado de flores e plantas, conforme Mello (2015), em 1983, por iniciativa da Cooperativa de Flores Holambra, deu-se o início de uma feira anual de exposição das flores e plantas produzidas pelos fazendeiros holambrenses. A feira, com o passar dos anos, ganhou a atenção de curiosos e interessados no tema. Com o tempo, expandiu-se e incorporou novas atratividades e serviços aos visitantes como comidas tradicionais, danças típicas e lembranças da feira. Estes elementos, por sua vez, estavam carregados de símbolos e costumes da cultura holandesa trazida por aqueles que moravam em Holambra. A festa ganhou um caráter mais “típico” holandês, sem perder o destaque para as flores e plantas. Embora o evento houvesse ganhado maiores proporções ao longo dos anos, a cooperativa não obteve maiores interesses em continuar e a ideia foi comprada por empresários privados, e até a atualidade se configura desta maneira. Hoje, a Expoflora em Holambra recebe no mês de setembro anualmente cerca de 300.000 visitantes e apresenta aos que a visitam, um recinto com construções em estilo holandês, comidas típicas, danças típicas, o mercado de flores e plantas e ainda, uma exposição de paisagismo e decoração e inúmeros quiosques com os mais diversos produtos como sapatos, bolsas, utilidades domésticas, etc. A privatização da Expoflora no início dos anos 1990 permitiu que o recinto onde o evento é realizado fosse ornamentado com fachadas inspiradas em estilos arquitetônicos holandeses. Concomitante a este processo, Holambra tornava-se um centro urbano onde novas instalações prediais eram construídas, ruas eram pavimentadas, mobiliários urbanos eram adicionados, etc. A cenarização que acontecia dentro do recinto da Expoflora e o aumento do número de visitantes na festa, fez com que o empresariado local e o poder público municipal agissem no intuito de expandir a cenarização típica holandesa para a área urbana que se formava. Neste sentido, a atividade turística era vista como uma oportunidade para Holambra. Diante disso, o poder público municipal criou um Decreto (Decreto 080/94) que objetivava incentivar o turismo a partir de abonos no Imposto Predial e Territorial Urbano (I.P.T.U) quando as edificações comerciais urbanas adotassem fachadas que 30

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apresentassem estilos arquitetônicos típicos holandeses, sobretudo, referentes ao estilo renascentista dos séculos XVI e XVII. A paisagem urbana local, portanto, oferece um aspecto pitoresco e remete, sempre que pode, a um cenário europeu quase sempre elitizado, apresentando áreas verdes de uso coletivo, cenários que reúnem lagos, pequenas vegetações, uma urbanização controlada, com limpeza urbana e charme. Ainda, existem algumas residências localizadas, principalmente, no centro histórico que são próprias de famílias imigrantes e apresentam uma uniformidade estrutural e arquitetônica condizentes à época da colônia holandesa e configuram um atrativo da paisagem, pois são casas em lotes grandes (variam entre 2 mil e 4 mil metros quadrados), com jardins bem ornamentados com vistas para o Lago Vitória Régia. Estaria no imaginário do turista este modo de vida em Holambra? Aliado a este processo de desenvolvimento urbano com interesse turístico, Holambra conquistou o título de Estância Turística do Estado de São Paulo no ano de 1998. Este título permitiu, deste então, que Holambra receba verbas públicas para o desenvolvimento do turismo local. Estas verbas são convertidas em obras que objetivam potencializar a atividade turística local seja por meio de atrativos turísticos, melhorias em acessibilidade, sinalização, etc. Os estudos realizados na monografia mostraram que grande parte das intervenções urbanísticas e construção dos atrativos turísticos somente foram possíveis graças aos investimentos provindos de sua condição de Estância Turística, recursos estes provenientes do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias (Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo). Sendo assim, pode-se afirmar que as políticas urbanísticas representam papel de fundamental importância no desenvolvimento do turismo em Holambra. Foi por meio de decisão política que Holambra, como cidade, começou a investir na sua “identidade” que serviria mais tarde como atrativo ao turismo. Esta decisão logrou seu objetivo. Hoje em dia, Holambra é uma cidade turística que tenta, a todo instante ser lembrada como o “pedacinho da Holanda no Brasil” tendo refletido esta sensação na arquitetura “típica”, na gastronomia, no nome dos logradouros públicos, nos empreendimentos turísticos ou não, e na vida social como um todo. É claro, os holandeses e descendentes que ainda moram em Holambra podem sentir a cada dia que “sua cultura” está a todo momento representada e é responsável pela cidade pacata, tranquila e charmosa que Holambra pode se vangloriar e diferenciar-se das demais cidades. É isso que alimenta o ego local, o turismo, o mercado imobiliário, etc. como concluiu Mello (2015).

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4 RESULTADOS

Os resultados apresentados dizem respeito às consequências espaçopaisagísticas que puderam ser observadas no território, objeto deste estudo. É possível concluir que tais consequências são os atuais reflexos da dinâmica urbana que caracterizou a cidade de Holambra nas últimas décadas. Estes processos que perpassam o planejamento urbano, as políticas públicas, o turismo e a lógica socioeconômica local foram responsáveis, segundo a hipótese aqui proposta, pelo dinamismo espacial e econômico que se observa atualmente. Foram identificadas e classificadas as consequências no espaço e na paisagem urbana que são diretas e indiretas ao fenômeno turístico. A primeira consequência indireta resultante dos processos supracitados é a expansão urbana horizontal dado que as políticas urbanísticas impostas à área urbana caracterizam um gabarito de construções baixas (até três pavimentos para edifícios comerciais, e até 2 pavimentos para edifícios residenciais) e por consequência de um aumento populacional exponencial na última década, a cidade se viu obrigada a expandir seu tecido urbano de forma horizontal, encobrindo assim antigas parcelas rurais. Os reflexos na paisagem são notáveis uma vez que, a cidade consegue manter um aspecto menos massivo e denso urbanisticamente, controlando por sua vez, seu aspecto de “cidade do interior”, o que reflete em um entorno menos agressivo tanto ambientalmente quanto visualmente. Esta expansão que amplia os limites da área urbana em uma direção centroperiferia, e portanto, abocanha os tecidos anteriormente rurais tem criado oportunidades de desenvolvimento imobiliário para criação de novos bairros, além disso, condomínio residenciais fechados, dado o perfil dos novos moradores de Holambra. Este fato contribui para a segunda consequência espaço-paisagística indireta ao turismo que é a valorização imobiliária. A fragilidade da política urbanística municipal para a criação de novos condomínios residenciais tem alavancado na ultima década o surgimento de diversos empreendimentos imobiliários cujos interessados são família de classe média-alta. Além disso, os fatores ambientais e estéticos, as facilidades comerciais, e a proximidade dos grandes centros urbanos são características determinantes para o aumento da valorização imobiliária. O turismo pode-se dizer, foi um dos principais fenômenos responsáveis por essa valorização, uma vez que as transformações na paisagem urbana e os investimentos no 32

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desenvolvimento da atividade atraíram para a cidade empreendimentos comerciais que atenderam às demandas de consumo tanto dos turistas quanto dos moradores de classe média-alta. A pulverização dos condomínios residenciais fechados pela área urbana criou, por sua natureza, espaços privados de convívio e moradia. Desta forma, mas não somente, a consequência que se apresenta a seguir diz respeito da segregação sócio espacial. Os condomínios fechados são áreas privadas de moradia e lazer que cercam um grupo social e impedem a livre circulação. O amuralhamento dos condomínios cria a sensação de segurança, mas também evidencia a falta dela na cidade. Não somente os condomínios contribuem para a segregação social de parte da população de Holambra, mas também as escolhas culturais que são evidenciadas e valorizadas a todo momento. O enaltecimento da cultura de origem holandesa, como é o caso de Holambra, gera uma segregação social em que a memória coletiva não é compartilhada entre todas as pessoas, o que reflete em uma subordinação cultural entre a cultura holandesa e a brasileira. A última das consequências espaço-paisagísticas indiretas ao turismo é o crescimento populacional que se observou nas últimas décadas. Segundo pesquisa realizada, o número de habitantes de Holambra saltou de aproximadamente 6.000 habitantes em 1993 para cerca de 13.000 em 20144. Isso representa um crescimento de mais de 100% em pouco mais de 20 anos. Percebe-se, portanto, que o rápido aumento

populacional

acompanhou

o

desenvolvimento

econômico

e

o

desenvolvimento da malha urbana. Segundo outra pesquisa realizada pelo SEADE, Holambra foi uma das cinco cidades do Estado de São Paulo que registrou crescimento populacional acima de 3% nos últimos cinco anos. Tal cenário de expansão urbana, aumento populacional e segregação social, são seguidos por sua vez por consequências diretas ao fenômeno turístico. A primeira delas diz respeito ao produto turístico local baseado na cultura do estereótipo. A cultura holandesa representada pela arquitetura “típica” é acompanhada pela gastronomia e pelos diversos símbolos que remetem ao país dos moinhos, dos tamancos e das tulipas. A ornamentação espetacular do estereótipo holandês é presente em quase toda a cidade, em tudo o que o turista pode tocar e ver. Este apelo visual, muitas vezes superficial, esconde por sua vez, um passado local resumido na atualidade por um museu da cidade. A real história de Holambra muitas vezes é despercebida dada a poluição visual das construções típicas do Renascimento holandês. Renascimento este que

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passou longe das terras brasileiras, salvo pelo Recife. Esta maquiagem para o turista ver, presente também em muitas vilas europeias pelo Brasil, dá abertura para a discussão sobre um turismo pós-moderno e as perdas patrimoniais, segunda das consequências diretas ao turismo em Holambra. O fenômeno da Disneyficação (HARVEY, 2004) dos lugares turísticos muitas vezes, excluem um passado e uma memória coletiva em prol dos rendimentos do turismo pós-moderno e visualmente mais atrativo. Holambra atualmente investe em seu cenário holandês renascentista cada vez mais fortemente e esquece-se de suas memórias coloniais do final da década de 1940. Edifícios construídos pelos próprios imigrantes que serviram de depósitos, moradias, vendas, armazéns e etc., se veem esquecidos e abandonados. A terceira e última consequência observada foi a centralidade turística em torno do centro histórico e comercial da cidade. Praticamente a totalidade da atividade turística é realizada na área central, o que gera uma discrepância paisagística, de valorização imobiliária, de serviços e investimentos públicos com as outras áreas urbanas. A concentração do fluxo turístico na área central, portanto, influencia nas demais dinâmicas econômicas e sociais urbanas.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo pretendeu demonstrar que a atividade turística em si, e as políticas urbanísticas que regulam este território, tem grande influência na construção e transformação da dinâmica urbana como um todo. O caso de Holambra mostra o quanto as cidades estão fragilizadas pelo interesse do capital na constituição de suas identidades locais, nas transformações urbanas, nas relações entre ambientes rural e urbano, e principalmente nas relações e construções sociais. É possível afirmar que o estudo pôde versar sobre a influência das políticas urbanísticas no processo de turistificação da paisagem urbana e mais do que isso, explicar a dinâmica urbana atual a partir desta discussão. Pode-se dizer que em Holambra, portanto, as políticas urbanas voltadas ao fomento do turismo foram determinantes, não somente ao que se pôde observar sobre a paisagem turística local, mas às continuidades do desenvolvimento da malha urbana pela atratividade que a cidade auferiu devido às características amplamente divulgadas pela atividade turística como “tranquilidade”, sua “sensação de segurança”, “cenário europeu”, e fatores como qualidade de vida da população, proximidade de grandes centros urbanos e tecnológicos na região. Decidir-se pelo desenvolvimento turístico no início da década de 90, perpetuou, portanto, um direcionamento das ações políticas e econômicas da cidade que hoje, ao esbarrar-se com a pujante econômica regional e os problemas urbanos mais frequentes nas médias e grandes cidades, criou uma série de transformações principalmente no que diz respeito à relação entre o homem e a cidade tendo em consideração à lógica determinada pelo poder do capital. O turismo em Holambra na atualidade é contemplativo da cultura do estereótipo holandês. A paisagem foi e ainda é construída segundo esta lógica que falsifica, mistifica e preenche necessidades motivacionais dos turistas. Visitar Holambra é como fugir do caos político, econômico e social brasileiro por alguns momentos; é visitar a Europa “como se pode ser” dado a desvalorização do Real frente à moeda europeia; é inflar o ego daqueles que visitam o “Pedacinho da Holanda no Brasil” e daqueles que nele moram. Estas fantasias, ilusões e fachadismos são próprios do pós-modernismo turístico da “disneyficação” (HARVEY, 2004) e funcionam. Funcionam de maneira que todos os elementos físicos da paisagem que compõem este cenário sejam usufruídos e valorizados como pitorescos à cultura brasileira. 35

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Notas 1

A cenografia de cidades e lugares turísticos típicos do século XX é criticada sob o argumento de que essa reprodução de cenários é, em muitos casos, aleatória, sem qualquer vínculo com a cultura, identidade, história ou com a paisagem original dos lugares. Alguns autores afirmam que se trata de uma produção de não-lugares ou de falsos lugares, simulacros do real (SILVA, 2004, p. 29). 2 Ver DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. 3 Segundo Meining et al (1979 apud SILVA, 2004, p. 28) “a paisagem é sempre uma cena, mas não é idêntica a um cenário. A diferença está na forma de percepção: enquanto um cenário é admirado pela sua beleza, a paisagem pode ser apenas observada e não necessariamente bela. Consideramos que o termo cenário, nesse caso, é aplicável aos lugares turísticos, pois o apelo estético é o fator fundamental de valorização das paisagens”. 4 SEADE. Disponível em: http://produtos.seade.gov.br/produtos/perfil/perfilMunEstado.php?loc=594 Acesso: 05/08/2014.

Citações 1,2

SILVA, Maria da G. L. da. Cidade turísticas: Identidades e cenários de lazer. São Paulo: Aleph, 2004.

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HAYLLAR, Bruce et al. Turismo em cidades: espaços urbanos, lugares turísticos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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