PAIXÃO É MUITO MAIS DO QUE GOSTAR

May 22, 2017 | Autor: Severino Lepê | Categoria: Estudos de Relações Raciais - Ensino de História da África
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PAIXÃO É MUITO MAIS DO QUE GOSTAR
A paixão pela liberdade é capaz de gerar a continuidade da vida. Acreditar na vida é sentir a cada passo a saudade do futuro, este hoje imaginado, tramado pela luta dos ancestrais, construída pela dignidade, filha única da coragem de enfrentar a opressão: esta imoral devoradora da infância dos sonhos. Estes, muito mais que devaneios, os arquitetos dos desejos humanos.
Foram as paixões, os desejos e a dignidade, que insuflaram, em 21 de março de 1960, cerca de sete mil viventes a interpretarem o que é ser dono da própria vida, mesmo diante de 260 anos de escravidão. Uma insurgência gerada no ventre da Marcha das Mulheres de 1956, contra o apartheid , regime instituído na África do Sul em 1948.
O protesto comandado pelo Congresso Pan-Africano contra a lei do passe, era uma marcha pacifica em direção à chefatura de polícia, no bairro de Sharpeville, província de Gauteng, onde as únicas armas dos manifestantes eram as mãos levantadas com as palmas estendidas, em sinal de que estavam sem as miseráveis cadernetas de passe, pedindo para serem presos repudiando aquela situação. Um protesto, mesmo assim, agudo como o nome do bairro e a ponta das lanças dos guerreiros. Queriam demonstrar a força da luta pacífica, a força da organização não violenta e a impraticabilidade das leis do passe, além de marcharem para a consolidação da luta pela independência, prevista para 1963. Não se podia ir e vir tranquilo aonde quisesse, na sua própria pátria. No solo herdado de seus ancestrais, cuja maior fortuna seria o repouso dos pés da posteridade, a proliferação dos frutos e gramas para humanos e demais animais, além da riqueza dos metais preciosos em suas entranhas, o que gerou a cobiça dos colonizadores.
A Polícia, apanhada de surpresa pela tática dos voluntários pan-africanistas que marchavam pedindo para ser presos, chefiados por Mangaliso Sobukwe, um educador metodista, e não podendo mais convencê-los a voltarem para suas casas, faz acontecer em Sharpeville a resposta dada pelas submetralhadoras, revolveres e rifles dos "chacais" comandados por Hendrik Verwerd, o primeiro ministro africâner, ceifando oficialmente sessenta e nove vidas e covardemente mutilando mais de duzentos, com balaços pelas costas. Não interessava se homens, mulheres ou crianças: o grito de liberdade do negros africanos era uma ameaça e um desacato ao poder da coroa e da cor dos europeus.

Não queremos vingança, mas liberdade!
Nem favores, nem a pena paternalista
Que também submete e fere a dignidade.
Queremos apenas de volta
A parceria com nossas montanhas
O canto antigo das cachoeiras
O crescimento dos pequeninos:
Engenheiros conhecedores da terra
Arquitetos de nosso caminhar
Médicos que nos conheçam pelo cheiro
E pela cor de nossos olhos, saibam como nos curar.
Queremos direitos antigos e garantias futuras.
Queremos nossas casas e caminhos
Para que nossa vergonha prisioneira
Tenha onde correr e morar
E se assim não for
Nossas mãos também saberão jogar
O feitiço contra os feiticeiros
O fogo sobre os fogareiros
Pois nossos ancestrais nos ensinaram:
Se não podermos viver pela independência
Nossos corpos e nosso sangue
Serão o nobre fertilizante da vida pela liberdade.

Em 28 de março, unem se, em volta dos caixões, os líderes do Congresso Nacional Africano com os do Congresso Pan-Africano e decretam o Dia Nacional de Luto, que custou a prisão de vinte mil pessoas, e o deflagrar de cento e cinquenta e seis dias de combates intensos. Finalmente, repudiando a carnificina e o desrespeito aos Direitos Humanos, em 21 de março de 1969, a ONU em conjunção com vários países não alinhados com a destruição acontecida naquele momento, institui o dia 21 de março como o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial.


Severino Lepê Correia.
Março\2014.
















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