Palavras de Ódio: Conspiração Internacional e Degeneração Genética na Propaganda Antissemita do Nacional Socialismo.

July 7, 2017 | Autor: Gustavo Monteiro | Categoria: Propaganda, Nazi Germany, Nazism, Nazismo
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ANAIS XII Semana de História: “Tempo, História e Mundo da Vida” 25 à 27 de junho de 2013 Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás - Goiânia

ISSN 2238-071X PALAVRAS

DE

DEGENERAÇÃO

ÓDIO: GENÉTICA

CONSPIRAÇÃO NA

INTERNACIONAL

PROPAGANDA

ANTISSEMITA

E DO

NACIONAL SOCIALISMO. Gustavo Feital Monteiro [email protected] Bacharel e Licenciado em História pela Universidade de Brasília

Resumo: No presente trabalho serão analisados dois argumentos sobre os quais se constituía a base fundamental no discurso ideológico antissemita nazista, sendo um deles a conspiração internacional, na qual havia a procura de dominação da política e da economia da Alemanha, e o outro sendo a degeneração genética, que afirmava que os judeus eram uma ameaça racial para os alemães e para a raça ariana. Serão observadas as características individuais, assim como as proximidades e divergências entre ambos os discursos, procurando identificar, se possível, qual possuiria mais relevância na ideologia nazista e em quais momentos tais argumentos eram mais utilizados.

Palavras-chave: Propaganda, Nazismo, Antissemitismo.

Abstract: This present research will analyze two topics that were the fundamental basis in an ideological anti-Semitic Nazi speech: one of them being the international conspiracy, in which there was the search for political and economic domination over Germany; and the other being the genetic degeneration, that claimed that the Jews were a racial threat for the Germans and the Arian race. It will be observed the individual characteristics as well as the proximities and divergences between both speeches, trying to identify, if possible, which one would have most relevance in the Nazi ideology and when those topics were more used.

Key words: Propaganda, Nazism, Anti-Semitism.

Introdução No estudo de governos autoritários na história, independente de sua localização ou período, costuma-se mencionar a constante e forte propaganda política utilizada

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ISSN 2238-071X como um instrumento para embasar os fundamentos de sua legitimação, ou pelo menos da procura de se formar tal legitimidade. Pode-se afirmar que todos os governos da idade contemporânea, sejam eles democráticos ou não, necessitaram (e ainda necessitam) de utilizar a propaganda em algum momento e de uma determinada forma na busca por apoio popular, e que, crescentemente desde o início do século XX, a propaganda política se encontra cada vez mais presente no contexto mundial1. Percebe-se o significado e a importância de se estudar tal campo, no qual se localizam os discursos, as movimentações, as passeatas, panfletos, filmes, jornais e demais outros instrumentos que são, até hoje, utilizados como ferramentas para disseminação ideológica, das mais diversas origens e propósitos. Quando o tema da propaganda se relaciona com governos autoritários como o nazismo, então é necessário adquirir uma abordagem mais cautelosa na sua análise, principalmente no momento em que se envolvem questões como o ódio racial, o antissemitismo e o extermínio que se seguiu. O estudo da propaganda antissemita, neste trabalho, procura apontar a forma pela qual o argumento de repudia e ódio aos judeus foi apresentado à população alemã através de duas suposições. Uma delas se constitui na percepção dos nazistas de uma teoria conspiratória internacional organizada e comandada diretamente por judeus, que exerciam o controle político e econômico sobre diversas nações como EUA, Inglaterra e União Soviética e que procuravam eliminar a Alemanha fisicamente. A outra se resume ao racismo e ao perigo de degeneração racial apresentado pela figura judaica que, através da procura de miscigenação com os alemães, estariam na verdade buscando o fim da pureza ariana e da cultura europeia. A questão central que se abordará se focaliza na identificação de qual desses dois argumentos se constituía na centralidade do antissemitismo nazista, ou seja, se o ódio aos judeus dos nazistas se fundamentava em questões raciais ou se era uma defesa contra uma suposta conspiração internacional. Porém, antes de iniciá-la, deve-se primeiro identificar e esclarecer alguns conceitos que estarão presente durante toda a reflexão historiográfica. O primeiro deles, e o mais trabalhoso de se definir com precisão, é o de propaganda. Embora semelhante 1

Jaques Ellul discorre de forma mais aprofundada sobre a teoria de propaganda, a necessidade contemporânea tanto dos governos como oriunda da própria população, que necessita de se basear em informações que expliquem o seu contexto social. Ver ELLUL, Jacques. Propaganda: the formation of men’s attitudes. Vintage, 1973 e também ELLUL, Jacques. The Technological Society. Vintage, 1964.

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ISSN 2238-071X ao significado de publicidade, e partindo dos mesmos fundamentos, a propaganda se desenvolve em um ramo bastante peculiar, envolvendo a psicologia individual e a de grupos, o contexto socioeconômico e, principalmente, possuindo um objetivo político definido. Ela pode englobar um amplo campo, variando desde as propostas e campanhas eleitorais até a doutrinação social, censura, controle da mídia e de informações, possuindo também variedades e aplicações na política, no social, ideológico, econômico, entre vários outros que se encontram profundamente interligados. Propaganda, portanto, se define como a aplicação de práticas próprias na disseminação de conceitos e ideias, essencialmente com objetivos específicos e com a procura de gerar ação, seja ela ativa ou passiva. Baseando-se na definição de propaganda política inicialmente descrita por Jacques Ellul, cujas obras permanecem sendo as referências conceituais sobre tal assunto mesmo cerca de 40 anos depois de sua escrita, pode-se identificar a sua definição como sendo: Not an exhaustive definition, unique and exclusive of all others, but at least a partial one: Propaganda is a set of methods employed by an organized group that wants to bring about the active or passive participation in its actions of a mass of individuals, psychologically unified through psychological manipulations and incorporated in an organization.2(ELLUL, 1973, p. 61) Já o segundo conceito a ser esclarecido se relaciona ao antissemitismo no qual o nazismo se fundamenta, uma vez que o seu embasamento não é derivado de uma intolerância religiosa. Não se buscará, aqui, identificar as origens de tal pensamento e nem aqueles que os sustentaram, estabelecendo somente que ele foi utilizado pela propaganda nazista em alguns pontos específicos. Sendo centrado na concepção de que os judeus, assim como negros, eslavos, ciganos e diversos outros, são “raças” humanas diferentes e que, portanto, possuem características físicas e biológicas particulares, o antissemitismo se caracteriza por derivar de argumentos pseudocientíficos, sustentado por ramos como genética e eugenia. Este pensamento afirmava que, devido a tais características inerentes à sua genética, todos possuiriam também atributos morais e psicológicos derivados de sua 2

Texto citado como no original, a ênfase é do autor. Ellul aborda diversos outros aspectos e elementos da propaganda, também analisando conceitos como indivíduo e massas, psicologia e instinto, além de outros relevantes para a compreensão desta palavra específica.

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ISSN 2238-071X “raça”, que não podem ser alterados ou suprimidos justamente por estarem préestabelecidos geneticamente. Portanto, a miscigenação apenas possibilitaria a troca de genes danosos entre diferentes “raças”, degradando e degenerando o indivíduo resultante dela. Para se manter um nível alto de qualidade genética, preservando também a cultura e as demais características consideradas derivadas da “raça”, dever-seia procurar a pureza racial, evitando relacionamento e misturas genéticas que poderiam causar danos à continuidade de determinado povo 3. Embora não se negue que os judeus foram os mais perseguidos e que, posteriormente, se tornaram as vítimas do Holocausto, procura-se ressaltar apenas que o racismo nazista, assim como a teoria racista da qual se derivou, incluía vários outros indivíduos dentro da mesma classificação e que todos eram considerados inferiores, tanto geneticamente quanto em outros aspectos, aos “arianos”. Da mesma maneira que esta forma específica de racismo já era existente, as teorias de conspirações e organizações judaicas internacionais também existiam, chegando a ser disseminados e desenvolvidos em determinadas regiões e países, coexistindo com os argumentos raciais4. Mas, por mais que se possa definir uma grande extensão dessas formas de pensamento, em nenhum momento ou local se chegou a desenvolver e a fornecer tamanho embasamento como na Alemanha nazista. A pergunta central na qual este trabalho será desenvolvido, portanto, se esclarece como: Em quais argumentos o antissemitismo se baseava para a propaganda nazista? Embora fosse possível responder positivamente sobre a centralidade da propaganda antissemita, mesmo que ao custo de desconsiderar grande parte do discurso nazista que tinha pouca ou até mesmo nenhuma relação com os judeus 5, já a procura de

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Tal pensamento não era original e nem restrito aos membros do partido nazista, estando presente no contexto mundial como um todo e até mesmo adquirindo características e embasamento científico internacional. Pode-se apontar a origem desta forma de pensamento na segunda metade do século XIX, quando se tem a disseminação de teorias raciais baseadas no darwinismo social, o qual afirmava que os judeus, além de possuírem práticas religiosas específicas, eram principalmente uma raça humana própria. Dentre alguns de seus teóricos, pode-se mencionar Arthur de Gobineau e Houston Chamberlain como os mais proeminentes. 4 Não se procura, neste momento, estabelecer uma história do antissemitismo europeu ou das teorias antissemitas existentes no séc. XX como um todo. Só que ser afirmar que tanto o racismo quanto a teoria de conspiração já eram existentes antes da chegada dos nazistas ao poder, e que geraram consequências reais em diversos países europeus. 5 Uma parte considerável da propaganda não chegava a mencionar os judeus, uma vez que tinha objetivos bastante diferentes. Por exemplo, as propagandas relacionadas ao desenvolvimento econômico nacional,

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ISSN 2238-071X se identificar seus argumentos se torna mais complexa de ser resolvida. Devido às características próprias da propaganda do partido, o discurso ideológico não somente variava devido às localidades onde era realizada e ao público para o qual ele se direcionava, mas também era bastante passível de mudanças no seu próprio conteúdo, mesmo naqueles pontos que fundamentavam a sua ideologia como um todo. Nas palavras de Luckert: Anti-Semitism was always a central Nazi tenet, yet Hitler and other leaders realized that not all Germans responded to their strident anti-Jewish messages. (…) In other places, however, the Nazis played down anti-Semitism or left it out almost entirely from their propaganda campaigns. (LUCKERT, 2009, pp. 39 – 42) Embora Luckert tenha realizado tal afirmação se referindo ao período anterior a 1933, manteve-se após essa data o fato de que a propaganda se modificava com frequência em seu conteúdo, convenientemente mantendo o tema do antissemitismo em segundo plano quando este não refletia o contexto social ou quando gerava o efeito oposto, fazendo com que a população se simpatizasse com os judeus e repudiasse a violência verbalizada e praticada pelos membros do partido 6. As modificações sofridas pela propaganda, em todos os seus argumentos e relações com os acontecimentos cotidianos da vida social na Alemanha, são numerosos e sutis demais para serem especificados e argumentados neste trabalho, portanto será focalizado nos dois principais elementos que constituíam a sua base mais genérica, mas da qual se derivavam a maioria, senão todas, as ramificações. A degeneração racial, o primeiro dos dois argumentos, aparenta ser o elemento que mais caracterizou a propaganda entre 1933 até 1939, enquanto que a conspiração internacional se percebe mais presente após o início da guerra e, mais especificamente, com a invasão da União Soviética. Serão abordados ambos em detalhes. Degeneração Racial ou contra os demais partidos políticos nas disputas eleitorais antes de 1933, mal abordavam o antissemitismo uma vez que o objetivo não envolvia gerar o rancor contra os judeus. 6 Um exemplo da reação popular de apoio aos judeus pode ser encontrado depois da Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quando lojas de judeus foram vandalizadas e sinagogas queimadas, fazendo com que a população reagisse negativamente à violência realizada pelo partido. Luckert sustenta que “(...), reflecting concern with the negative foreign and domestic reactions to the violence, directives instructed the Germans press not to publish any photographs of the Jewish property, to bury the story on the back pages, and to minimize the extent of the destruction” (LUCKERT, 2009, p. 92).

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ISSN 2238-071X Por degeneração racial, compreende-se a procura dos nazistas de estabelecer e manter uma suposta “pureza racial ariana”, excluindo demais pessoas que poderiam danificar tal pureza. Porém, tais conceitos sempre foram bastante vagos, fornecendo amplo espaço para interpretação e identificação tanto de quem era judeu quanto de quem era alemão ou “ariano”, sendo que os nazistas nunca conseguiram estabelecer de forma precisa as classificações e os graus de miscigenações existentes. Os argumentos de degeneração racial e de conspiração internacional coexistiram simultaneamente, não sendo contraditórias em sua essência, mas complementares naquilo que cada uma não consegue abranger individualmente. Mas se observa que a maior preocupação da propaganda nazista em justificar o antissemitismo era estabelecer, neste primeiro momento, os judeus como uma raça e, portanto, dotados de características que os classificariam como estrangeiros, diferentes e, também, incapazes de se modificar ou adaptar. Um livreto destinado a propagandistas nazistas, intitulado Zehn Knüppel wider die Judenknechte, que tinha como objetivo esclarecer as principais questões sobre o antissemitismo nazista para aqueles que realizariam a propaganda, não chega a abordar o tema da conspiração internacional, se focalizando mais na explicação de que os judeus se constituem em uma raça e que, mesmo sendo humanos, são pessoas perigosas para os demais, como “a flea is not a pleasant animal, we have no duty to protect and defend it, to take care of it so that it can bite and torment and torture us. Rather, we make it harmless. It is the same with the Jews” 7(EITZEN, 19368). Derivando diretamente da teoria racial, a descriminação era realizada juntamente com o estabelecimento e o esclarecimento dos motivos pelos quais os “arianos” seriam superiores. O racismo nazista não se constituía somente de acusações e ofensas contra aqueles considerados inferiores, sendo que a propaganda também buscou ressaltar as qualidades arianas e os motivos pelos quais tal raça seria superior em seus atributos morais e físicos às demais. Tais qualidades, da mesma forma que os defeitos

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A frase citada é uma referência a uma afirmação realizada por Goebbels, algo comum de ser realizado na propaganda nazista, que costumava buscar passagens de discursos e publicações de Hitler e outros membros do alto escalão do partido para embasamento. 8 Traduzido do alemão por Bytwerk e disponível no German Propaganda Archive: www.calvin.edu/academic/cas/gpa.

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ISSN 2238-071X dos judeus, também seriam derivadas por via genética e reforçadas pela pureza racial, o que dava aos alemães a sua beleza e caráter moral próprio. Porém, a forma pela qual a propaganda antissemita se apresentou com temas raciais de forma mais intensa, sem abordar qualquer aproximação com as teorias de conspiração, foi quando se voltou especificamente para as crianças na procura da doutrinação explícita das novas gerações que iriam levar a continuidade do pensamento Nacional Socialista. Os jovens, sendo apoiadores ativos do partido ou não, eram submetidos de forma forçada à propaganda antissemita, não somente aquela que a sociedade tinha contato através da propaganda nazista em geral, mas principalmente presente nas escolas, com novas disciplinas para serem estudadas como Genética e Hereditariedade9, além do material específico para a Juventude Hitlerista. A Juventude Hitlerista, tomando-a como um exemplo representativo, chegou a incluir quase a totalidade dos jovens entre 14 e 18 anos na Alemanha após 1939, sendo submetidos de forma intensa à propaganda do Partido, podendo-se afirmar que, juntamente com a SS, se constituía em uma das organizações nazistas que mais recebiam treinamento e doutrinação. Porém, em raros casos se encontram argumentos de teorias conspiratórias em sua propaganda doutrinária, sendo muito mais presente a procura do estabelecimento de uma preocupação racial e da manutenção da sua pureza como um todo. Tal material, em grande quantidade, afirmava os principais fundamentos do racismo nazista, como se observa através da passagem retirada de um manual para os líderes da Hitlerjugend chamado Vom deutschen Volk und seinem Lebensraum, Handbuch für die Schulung in der HJ: People differ therefore in more than their physical characteristics. Just as deep, and with no way of bridging the gap, is the differences in spirit and soul. Body, spirit, and soul together make up the whole person, since they form a unified whole. Their inner relationships must therefore be studied. Then we will clearly recognize the vast difference between those of German blood and the Jews, although their physical characteristics might otherwise suggest that they were both members of the same human grouping. We then understand 9

As intervenções do partido sobre os currículos escolares e a inclusão de novas disciplinas são melhor estudadas por HORN, Daniel. The Hitler Youth and educational decline in the Third Reich. History of Education Quarterly, 1976.

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ISSN 2238-071X human inequality. We act according to this 10 11 understanding. (BENNECKE, 1937 ) Outro elemento que talvez pode melhor ilustrar a ênfase na questão racial, e que se tornou um dos pontos principais da expressão do racismo ideológico em práticas políticas, é a legislação específica sobre os judeus que ficaram conhecidos como as Leis de Nuremberg12. Essas leis abrangiam diversos pontos, sendo que uma das mais proeminentes era a Lei de Proteção ao Sangue Alemão, que focalizava nas relações entre “pessoas de sangue alemão” em contradição com os judeus, procurando evitar e proibir o seu envolvimento afetivo tornando-os ilegais e fazendo com que casamentos ou qualquer tipo de relação sexual entre um judeu e um alemão fossem considerados crimes13. Pode-se identificar a existência de outras leis semelhantes que procuravam excluir os judeus de cargos públicos e funções como médico, advogado e professor, sob o argumento de que o domínio de tais posições daria aos judeus ampla vantagem sobre o controle da vida social na Alemanha, recaindo, portanto, sob a teoria de conspiração e não a de racismo. De fato, houve leis como a Lei da Cidadania Alemã que possuíam tal retórica para embasar a sua aplicação, afirmando que apenas aqueles de “sangue alemão” poderiam ser “cidadãos alemães” e dotados de direitos sociais plenos. Através desta lei específica, se procurava eliminar socialmente os judeus, excluindo-os da nacionalidade alemã e retirando deles quaisquer direitos que detinham. Porém ainda demonstrava dentro de sua justificação, a utilização de argumentos raciais da mesma forma em que não chegavam a abordar diretamente a conspiração internacional, não podendo ser incluídos, devido a isso, em uma suposta teoria conspiratória ou em

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Guias para a Juventude Hitlerista com ênfase no racismo são comuns, assim como não se observa a menção de propaganda baseada em argumentos conspiratórios como sendo um dos principais focos deste grupo específico. Historiadores como Kater (KATER, 2004) e testemunhas como Heck (HECK, 2001) contribuem para a confirmação de que tal tema nunca se constituiu em uma base doutrinária, nem mesmo após o início da guerra. 11 Traduzido do alemão por Bytwerk e disponível no German Propaganda Archive: www.calvin.edu/academic/cas/gpa. 12 Chamadas originalmente de Nürnberger Gesetze, passaram a ser efetivadas em 1935, mas antes mesmo já havia perseguição e restrições aos judeus da Alemanha, mesmo sem a base legal. Elas não chegam a mencionar “raça ariana” em seu texto, se referindo na verdade em “sangue alemão” e “povo alemão”, o que era igualmente amplo e pouco definido. 13 As Leis de Nuremberg também procuraram definir os judeus e separar aqueles cujo sangue judio não seria considerado ameaça significativa para a raça ariana, como os netos de judeus ou aqueles que possuem alguma ancestralidade remota judia, mas sem forte presença familiar.

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ISSN 2238-071X medidas para se evitar uma dominação da Alemanha pela organização internacional judaica14. Friedländer reforça esta ideia, quando analisa um livro publicado na época justificando a criação e utilização de tal lei com bases de definição racial, falando que: “In Germany,” according to a book published in 1936 by Lösener and Knost, “the Jewish question is simply the race question. How this came about,” the authors went on, “need not to be described here once again. Here we are dealing only with the solution to this question which has now been decisively set in motion and which represents one of the basic prerequisites for the construction of the new Reich. According to the Führer’s will, the Nuremberg Laws are not measures intended to breed and perpetuate race hatred, but measures which mean the beginning of an easing in the relations between the German and the Jewish peoples.” Zionism had the right understanding of the issue, the authors asserted, and in general the Jewish people, itself so intent on preserving the purity of its blood over the centuries, should welcome laws intended to defend purity of blood. (FRIEDLÄNDER, 1997, p. 151) Uma análise complementar pode ser apontada, realizada por Bankier, na qual afirma que as leis foram medidas realizadas por Hitler na sua tentativa de satisfazer os segmentos mais radicais do partido que exigiam ações mais severas contra os judeus, ao mesmo tempo em que não se constituíam de regulamentos muito agressivos ou violentos, mais facilmente aceitos pela população alemã e aplicáveis: With the party convention providing the appropriate occasion, they put into effect a policy which had been in preparation for months, and which enabled Hitler to maintain the precarious equilibrium between the conservatives and the radicals. He preserved the prestige of the party and at the same time prevented it from taking action independently of the government. (BANKIER, 1996, p. 46) A ênfase no preconceito racial foi tão intensa que, antes mesmo do início da Segunda Guerra, o partido já procurava realizar operações para eliminar aqueles que eram considerados como perigosos para os “arianos”, principalmente os doentes genéticos. Mesmo não havendo ligação direta com os judeus, a procura de se identificar, 14

Uma análise mais detalhada destas leis e de sua promulgação é realizada por Bankier (BANKIER, 1996, p. 42).

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ISSN 2238-071X isolar e posteriormente realizar a eutanásia de forma cautelosa e próxima ao que iria se desenvolver posteriormente com o Holocausto fundamenta mais a importância da pureza racial para a ideologia nazista e a capacidade de se agir baseando-se em teorias essencialmente raciais. Houve também propaganda contra os doentes, embora que de menor quantidade àquela destinada ao antissemitismo, mas todas as ações realizadas para o seu isolamento e a própria realização da eutanásia somente se utilizou de alegações raciais para sua fundamentação ideológica e justificação prática 15, sendo que, mesmo assim, ainda gerou fortes críticas pela população, forçando o governo a realizar tal operação de forma mais secreta. Talvez o argumento politico e econômico fosse considerado muito complexo para grande parte da população ou pouco ligado ao contexto social, fazendo com que o enfoque nos temas raciais se constituiria em algo mais simples e mais adequado por possuir bases pseudocientíficas que o embasassem e dessem maior credibilidade, facilitando a sua aceitação inicial16. Porém, por mais simples e “científico” que parecesse, permanecia ainda como uma premissa bastante abstrata, sendo possível o debate sobre a reação pública a essa propaganda e, inclusive, se ela teve sucesso em disseminar o antissemitismo ou não 17. Mas também é necessário reconhecer que, por mais que os nazistas acreditassem ou não nas teorias raciais, elas não explicavam todo o contexto mundial que se desenvolveu, principalmente a partir de 1939, com a invasão da Polônia e o início da Segunda Guerra Mundial, e nem legitimavam as ações do governo a partir desta data. Comparativamente, a propaganda enfocando a conspiração e a procura de dominação mundial era feita em quantidade bem inferior àquela destinada às teorias 15

O documentário Arquitetura da Destruição (1992), de Peter Cohen, demonstra a propaganda contra os doentes e narra sobre o programa de eutanásia, assim como das maneiras com as quais o governo procurou encobrir tal operação e escondê-la da própria população alemã. 16 Um exemplo pode ser fornecido com relação à tentativa do partido de realizar um boicote contra comércios e lojas de judeus em 1933, que não obteve sucesso devido à fraca argumentação para justificar tal ato, da mesma forma que a retórica era baseada na procura de incentivar o comércio nacional, sem tocar no argumento de conspiração judaica. 17 Alguns acadêmicos suportam a ideia de que a propaganda não obteve o sucesso pretendido pelo Partido Nacional Socialista, sendo incapaz de gerar um forte e violento antissemitismo em toda a população alemã de forma homogênea, seja ele baseado em ideias racistas ou conspiratórias. Porém, também argumentam que obteve um sucesso parcial, gerando, ao menos em parte significativa da população, um desinteresse pelos judeus, uma apatia com relação ao seu destino e que, principalmente, a falta de desejo em procurar saber mais além do que lhes era informado pela mídia oficial. Ver HERF, Jeffrey. The Jewish Enemy: Nazi Propaganda During World War II and the Holocaust, Harvard University Press, 2006.

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ISSN 2238-071X raciais, fazendo com que, mesmo presente, tivesse pouca relevância e aparecesse pontualmente em momentos específicos e com pouca divulgação. Outras produções, bem mais divulgadas e que tiveram um custo e cuidado maior de serem construídas, não chegavam a abordar este tema, como os dois filmes antissemitas mais relevantes para o nazismo: Der Ewige Jude (1940) e Jud Süß (1940)18. Ambos realizam graves acusações, associando o judeu com insetos e ratos, sendo capazes de gerar atrocidades para o próprio benefício e danoso para a vida e a cultura alemã, mas em nenhum se observa a menção de uma conspiração judaica para conquista mundial ou fim da Alemanha. Observa-se, portanto, a existência de alguns momentos de alteração do enfoque no discurso antissemita na propaganda durante o governo nacional socialista. O primeiro, demonstrado anteriormente, corresponde à procura de estabelecer os judeus como uma raça danosa e um perigo racial para os arianos, que obteve forte presença entre 1933 e 1938. Já a partir do ano de 1939 se inicia outra característica da propaganda antissemita, com elementos próprios e uma ênfase diferenciada do período anterior, o que será abordado a seguir. A Conspiração Internacional Judaica. A propaganda possui a função de explicar o contexto e os acontecimentos de forma inteligível e que, em casos ideais, corresponda com a linha narrativa que já havia sendo construída por aquele que a controla, mantendo assim a coerência e dando maior veracidade ao propagandista. No caso do Partido Nacional Socialista, o antissemitismo racial não justificava com clareza algumas ações políticas como as Leis de Cidadania, a Kristallnacht e inclusive a própria guerra, tendo que ser aprofundado e levado à outra abordagem não somente para servir de justificativa desses momentos para a população alemã, mas para que tal forma explicativa continuasse coerente, conectando a realidade e os fatos com as teorias pré-concebidas naqueles que acreditavam na veracidade do antissemitismo nazista. Em outras palavras, os próprios nazistas, mesmo que não tivessem fortes características antissemitas inicialmente, necessitavam explicar e compreender o seu contexto e os eventos mundiais, ao mesmo tempo em que 18

O primeiro filme, Der Ewige Jude, foi realizado como sendo um documentário para o esclarecimento da questão judaica, realizando acusações gerais e repetindo todos os argumentos presentes nos anos anteriores. Já Jud Süß foi concebido como um romance no qual o judeu se aproveita da proximidade com o governante de uma cidade alemã para obter lucros e benefícios pessoais, utilizando de uma narrativa menos agressiva para realizar a propaganda antissemita.

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ISSN 2238-071X mantivessem as suas teorias e sem negar as bases que fundamentavam a sua realidade, o que pode ter fortalecido a credibilidade na teoria da conspiração internacional 19. O segundo momento pode ser apontado como tendo início com um discurso de Adolf Hitler realizado no dia 30 de janeiro de 1939 no Reichstag, no qual ele afirma: Today I will be once more a prophet: if the international Jewish financiers in and outside Europe should succeed in plunging the nations once more into a world war, then the result will not be the Bolshevizing of the Earth, and thus the victory of Jewry, but the annihilation of the Jewish race in Europe! (HITLER citado por MOMMSEN, 1997, p. 147) O ano no qual tal afirmação foi realizada, assim como o começo dos conflitos poucos meses depois, demonstra um momento divisório na focalização da propaganda que, embora fosse irrelevante se analisado na continuidade da intensidade do antissemitismo, torna-se mais perceptível se vista através dos argumentos realizados anterior e posteriormente a esta data. A partir deste discurso, a propaganda nazista continuaria realizando as acusações raciais e as demais que já eram feitas, mas passaria a explicar a guerra e todo o contexto mundial através da perspectiva da conspiração internacional de forma muito mais presente, até finalmente superar em quantidade as acusações raciais. Uma análise deste discurso em particular realizada por Mommsen esclarece que, mesmo sendo afirmado por Hitler que os judeus seriam aniquilados (Vernichtung)20, e também após repetir em discursos posteriores a mesma frase, poucos deram crédito às palavras proferidas, considerando-as como simples propaganda, da mesma forma como o Führer não chegou a abordar especificamente o extermínio físico dos judeus. Although some of the allusions were sharpened in conjunction with the ongoing genocide, Hitler preserved the masked language and avoided any direct mention of the mass 19

Seguindo esta linha de pensamento, pode-se concluir que a propaganda derivava das crenças próprias dos ideólogos nazistas, que explicavam para a população aquilo que realmente acreditavam ser verdade, o que não significa que todos os membros do partido acreditavam em tais teorias, ou eram antissemitas de forma homogênea. 20 Um estudo sobre o uso dos termos em alemão foi realizado por Bytwerk, onde é afirmado que as palavras mais fortes e que possuem um significado próximo ao do extermínio físico (como auslöschen, ausrotten e ausmerzen) foram cada vez mais utilizadas de forma gradativa do início da Segunda Guerra até o fim do regime, embora sempre variando e tendo outros significados de acordo com o contexto no qual eram usadas (BYTWERK, 2006, p. 39).

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ISSN 2238-071X murder. He continued to depict the solution of the Jewish question in Europe as a task that still lay in the future and, when speaking of the actual steps pursued by the German Reich toward this aim, he would refer exclusively to the anti-Jewish legislation and indoctrination, never to the killing operations as such. (MOMMSEN, 1997, p. 156) A Segunda Guerra Mundial se iniciaria poucos meses depois da realização deste discurso, e o que antes não tinha muita relevância para a propaganda passou a adquirir maior peso e presença, utilizando-se dos argumentos de conspiração internacional para justificar os conflitos. A Alemanha foi descrita como pacífica e que estava procurando dialogar com os demais países na busca de uma solução que não envolvesse a guerra, mas tais tentativas não foram bem sucedidas, fazendo com que o governo nazista não tivesse alternativa além de atacar em sua defesa (ataques preventivos). Tal argumento foi utilizado na invasão da Polônia, França, União Soviética e nos bombardeios à Inglaterra, além de demais países como Checoslováquia, Iugoslávia e outros do leste europeu, com pouca alteração do discurso para cada caso específico 21. A procura por legitimação da teoria internacional também foi realizada através de publicações e de outros documentos, sendo o que melhor simboliza tal mudança na propaganda é Die Geheimnisse der Weisen von Zion, ou, em português, Os Protocolos dos Sábios de Sião, que afirmava a procura dos judeus pela dominação mundial. Tendo origem na Rússia em 1903, Os Protocolos já tinham sido considerados como falsos antes mesmo da chegada dos nazistas ao poder, mas a propaganda do partido considerou tal documento como válido, e o intenso uso dessa falsificação como verdadeira demonstra a procura do estabelecimento das afirmações contidas nela como sendo a prova para legitimar o antissemitismo nazista em sua teoria conspiratória, sendo principalmente enfocado neste segundo momento. Tal documento obteve, portanto, uma nova importância para a propaganda nazista após 1939, e forneceu uma base teórica na qual se desenvolveu a teoria da conspiração internacional e que contribuiu para explicar os novos acontecimentos, alguns deles bastante complexos. Nas palavras de Herf: 21

A propaganda de guerra se constitui de elementos bastante singulares e que se mesclam tanto com o antissemitismo como com outras características presentes na propaganda nazista como um todo. Porém, a procura de se justificar os conflitos, em um ano no qual todos ainda possuíam lembranças bastante recentes da Primeira Guerra, foi particularmente difícil para a propaganda do partido. Uma análise interessante sobre a propaganda de legitimação da guerra foi realizada por Kallis (KALLIS, 2008).

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ISSN 2238-071X The idea of a Jewish conspiracy was popularized by the mass publication of The Protocols of the Elders of Zion in the decades preceding the Nazis’ arrival in power. The accomplishment of the Nazi propagandists was to bring the idea of this conspiracy up to date and to flesh it out with the names and faces of recognizable prominent figures in mid-twentiethcentury Europe and the United States. (HERF, 2006, pp. 7-8). Ainda na procura de legitimar e tornar mais factível a teoria da conspiração, passou-se a procurar e identificar personagens judeus envolvidos com os líderes políticos de todos os países inimigos da Alemanha, afirmando depois que tais personagens eram os verdadeiros manipuladores, representando a vontade judaica internacional. Fornecendo nomes e rostos para a teoria, procurou-se torná-la mais real, visível e plausível para aqueles que eram submetidos à propaganda, embora não houvesse meios para a verificação pela população das informações contidas nas acusações do governo nazista22. Um dos casos mais relevantes de personificação dos conspiradores foi o do Theodore N. Kaufman, um norte-americano escritor de um livro de publicação própria chamado Germany Must Perish! em 1941, que obteve fraca circulação e mal adquiriu qualquer importância literária. No momento da publicação, os EUA ainda não haviam entrado na guerra, porém a obra exclamava pelo fim físico da Alemanha e dos alemães, com a esterilização forçada de todos os seus habitantes e a divisão do seu território entre os países vizinhos, se tornando um texto bastante ofensivo oriundo de um autor sem importância política. Porém, Goebbels, ao tomar conhecimento de tal obra, logo tratou de utilizá-la para a sua propaganda, afirmando que Kaufman possuía fortes vínculos com o presidente americano Roosevelt e representava a vontade judaica na política dos Estados Unidos, explicitando os desejos básicos dos países inimigos em relação à

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Herf busca identificar em seu livro os principais personagens que eram acusados pela propaganda nazista de serem os representantes judeus nos governos dos países inimigos, e considera tal iniciativa como sendo fundamental para a plausibilidade da propaganda, uma vez que “The image and text of the wall newspaper offered a seemingly compelling explanation of how the Jews, so few in number, could have been so successful in plotting against Germany. (...) For those immersed in the Nazi context, it could also convey the impression of a complex, well-researched and compelling causal explanation of why it was that three of the most powerful countries in the world were at war with Nazi Germany” (HERF, 2006, p. 130).

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ISSN 2238-071X Alemanha no seu livro, que se constituía em prova fundamental da aliança organizada pelos judeus e da conspiração internacional para exterminar os alemães 23. A partir de junho de 1941 com a Operação Barbarossa, pode-se identificar com mais intensidade a procura de fundamentação do antissemitismo através do argumento de conspiração internacional, mas utilizando-se também de uma narrativa mais agressiva relacionada ao desenvolvimento dos conflitos. Bytwerk, se referindo a outro discurso de Hitler realizado no dia 8 de novembro de 1941 para a Velha Guarda de Munique, afirma que: Between the beginning of the war and the invasion of the Soviet Union, he [Hitler] had been relatively silent about the Jews. The main enemy had been England, even if Nazi propaganda argued that the Jews controlled England from behind the scenes. After June 1941, however, the full force of Nazi propaganda turned towards the Jews, accusing them of planning to destroy Germany. (BYTWERK, 2008, p. 95) A invasão da União Soviética se constitui mais do que um simples desdobramento da guerra em um novo país, e teve um forte impacto na propaganda do nazismo que teve dificuldade tanto de legitimar o conflito como em sustentar as próprias afirmações, realizadas durante anos de propaganda anticomunista. Uma vez que a ligação entre judeus e o comunismo derivado da União Soviética sempre esteve presente na propaganda do Partido Nacional-Socialista, desde as campanhas eleitorais na disputa contra o Partido Comunista Alemão até os anos iniciais do governo nazista, a assinatura do pacto de não agressão Ribbentrop-Molotov se tornou um incômodo para a propaganda devido a dois fatores. O primeiro deriva do fato de que o partido nazista se constituir em um inimigo ideológico natural do comunismo, o que dificultava o entendimento desse pacto que garantia a paz contra a nação que mais foi difamada pelo nazismo, enquanto que o segundo motivo se relaciona a dificuldades práticas, pois o anticomunismo, assim como o antissemitismo, era também um tema de presença

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O impacto do livro de Kaufman na propaganda nazista foi estudado por Bytwerk, assim como as produções de Goebbels a respeito do conteúdo do livro na procura de provar a conspiração internacional e a sua procura de exterminar os alemães (BYTWERK, 2005, p. 43).

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ISSN 2238-071X constante na propaganda, que teve que se silenciar sobre este tema para evitar conflitos diplomáticos posteriores24. Porém, com a quebra do pacto e após a invasão da União Soviética em 1941, a propaganda de guerra que tinha conteúdos antissemitas e anticomunistas se tornou muito maior quantitativamente do que qualquer outra relacionada aos conflitos anteriores, assim como também se intensificaram as acusações e as ofensas no conteúdo. Tal propaganda, especificamente destinada contra a URSS, se tornou uma mistura de acusações antissemitas com anticomunistas, ligando-se frequentemente os judeus com o comunismo, sendo difícil estabelecer em qual dos dois estava sendo enfatizado e representava a maior ameaça para a Alemanha. Goebbels definirá bem a o principal inimigo do Nacional Socialismo nos anos finais do governo em um discurso proferido após a batalha de Stalingrado. Realizado em 1943, o ministro da propaganda pediria por guerra total e completa mobilização dos recursos da Alemanha para o confronto, afirmando também que: Behind the oncoming Soviet divisions we see the Jewish liquidation commandos, and behind them terror, the specter of mass starvation, and complete anarchy in Europe. International Jewry is the devilish ferment of decomposition that finds cynical satisfaction in plunging the world into the deepest chaos and destroying ancient cultures that is played no role in building. (GOBBELS citado por BYTWERK, 2008, p.118)25 A propaganda antissemita, portanto, se enfocará no perigo soviético e na possibilidade de extermínio no caso de derrota, sempre apontando o principal inimigo como sendo os judeus internacionais ou os bolchevistas soviéticos, muitas vezes sendo ambos a mesma ameaça. Nem mesmo a entrada dos Estados Unidos no confronto alterou a propaganda, que permaneceu considerando a União Soviética como sendo o inimigo de maior capacidade destruidora. O que Kallis denomina como “propaganda negativa”, gerada para causar o medo e gerar a perspectiva do futuro e, dessa forma, gerar um esforço maior para se evitar tal destino, a propaganda após Stalingrado, de 24

As dificuldades encontradas pelos responsáveis em explicar as mudanças da guerra, o envolvimento da União Soviética e a procura de inserir a narrativa antissemita é melhor analisado por Kallis (KALLIS, 2008, cap. 5). 25 Goebbels faz mais cerca de duas menções aos judeus em todo o seu discurso, sendo que se refere ao bolchevismo com uma frequência maior sem associação direta com a conspiração internacional. O restante da sua fala é marcada pela procura de buscar apoio popular pela mobilização e maiores privações que viriam a partir daquela data.

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ISSN 2238-071X forma crescente até o final da guerra, persistiu em gerar o medo na população alemã narrando o que aconteceria no caso de uma vitória dos “Judeus – Bolcheviques”26. Até o final da guerra, a propaganda se constituiria de uma série de repetições, cujo conteúdo variava de enfoque entre o antissemitismo e o anticomunismo, mas sendo semelhantes na acusação de que a Alemanha estava sendo atacada pelos conspiradores internacionais, que buscavam nada menos do que a sua aniquilação. A guerra contra os soviéticos foi denominada como um conflito entre a civilização europeia (representado pela Alemanha) contra o barbarismo e o comunismo (tendo como referência a URSS e os judeus), da qual, relembrando o discurso de Hitler em 1939, um seria vitorioso e o outro destruído. Principalmente as publicações datando do final de 1944 e início de 1945 focalizam na perspectiva de que a derrota e a ocupação da União Soviética seria pior do que a morte, como Robert Ley afirma em seu livro chamado Pesthauch der Welt: There is thus in this struggle against Judah only a clear either/or. Any half measure leads to one’s own destruction. Judah and its world must die if humanity wants to live; there is no other choice than to fight a pitiless battle against the Jews in every form, and not to give up until the last Jewish thinking has been destroyed everywhere (LEY, 194427). A crença nazista de conspiração manteve-se, assim como a forte presença deste tema na propaganda, até o último momento do governo. O próprio Hitler persistiu até a sua morte em sua crença de que os judeus eram os responsáveis pela guerra e pela derrota da Alemanha, escrevendo em seu testamento pouco antes do suicídio, como demonstra Luckert: He wrote that he had not wanted war in 1939 and that “international Jewry” had instigated the war. Hitler then again blamed the Jews and promised that “centuries may pass, but out of the ruins of our cities and monuments, the hatred against that people which is ultimately, whom we have to thank for all this – international Jewry and its helpers – will renew itself.” In this

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Kallis define os conceitos de “propaganda positiva”, que procura gerar a ação através de uma recompensa futura pelo esforço, e o de “propaganda negativa”, que busca enfatizar a perspectiva pessimista de um possível futuro não desejado (KALLIS, 2008, cap. 3). 27 Traduzido do alemão por Bytwerk e disponível no German Propaganda Archive: www.calvin.edu/academic/cas/gpa.

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ISSN 2238-071X way, the Nazi Party’s first propagandist ended as he had begun. (LUCKERT, 2009, p. 139) Conclusão A Segunda Guerra Mundial terminou em 30 de abril de 1945, fazendo com que o Terceiro Reich, aclamado pelos membros do Partido Nacional Socialista para ser milenar, durasse cerca de apenas 12 anos. Neste período, a propaganda se constituiu em uma forma fundamental na legitimação do regime, fundamentando-se em diversas bases das quais o antissemitismo se constituía como uma das principais. Presente desde a formação do partido até o ultimo momento, os preconceitos raciais e o ódio específico contra os judeus foi uma das características chaves do nazismo, gerando não somente a perseguição, esterilização e a eutanásia de um grande número de doentes e deficientes físicos e mentais, assim como também foi usado para justificar a própria guerra e o Holocausto, que juntos somam mais de 75 milhões de mortos. Embora a ideologia nazista possuísse diversas outras características, e alterasse o seu discurso com relativa frequência dependendo do contexto do momento, o antissemitismo sempre esteve presente de forma inegável. Variando do racismo inicial, adquirindo profundidade maior através da conspiração internacional até finalmente culminar na definição de guerra de aniquilação, na qual o judeu e o comunismo eram apontados como os principais inimigos, a propaganda nazista construiu uma metanarrativa na qual os judeus tinham papel fundamental nos eventos nacionais e internacionais, e que a Alemanha se constituía na única nação capaz de impedir os seus planos de dominação mundial. Retomando neste momento a pergunta realizada na introdução deste trabalho, se a ideologia nazista se baseava mais no racismo ou na teoria de conspiração, buscouse responder através da análise da propaganda transmitida para a população, que procurava explicar tanto as ações do governo em sua política interna contra os judeus quanto os eventos internacionais e até mesmo a Segunda Guerra Mundial. Enquanto que os historiadores que estudam tal período possam afirmar, com certo grau de unanimidade, de que a conspiração internacional foi o elemento principal da propaganda antissemita, tal afirmação mantem-se verdadeira somente a partir de 1939, e mesmo assim tendo que se levar em consideração a construção gradativa desse

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ISSN 2238-071X argumento, assim como do processo de sua argumentação e utilização. Grande parte da propaganda se baseava em questões raciais, que chegaram a ser mais presentes nas publicações e a possuir uma relevância maior antes de 1939, e que foram base de diversas atitudes do governo contra judeus e demais afetados pelas políticas de pureza racial, estando presente também em grandes produções antissemitas após o início da Segunda Guerra Mundial, como observado nos filmes Der Ewige Jude e Jud Süß. O objetivo destas reflexões foi o de apresentar o tema da conspiração internacional em uma perspectiva mais detalhada, buscando alguns de seus elementos constituidores e as formas pelas quais ela se manifestou. Da mesma forma, foi intenção de demonstrar que havia outros pontos no antissemitismo que não envolviam tal teoria, e que as bases do ódio aos judeus dos nazistas era bastante ampla, possuindo diversas ramificações individuais que eram modificadas em suas apresentações de acordo com o público, a necessidade e o contexto do momento. A questão racial era tão essencial para a ideologia do nazismo quanto a conspiração, estando presente na propaganda de forma constante do início da formação do partido até o final do governo, podendo ser considerada como mais relevante para sua ideologia, uma vez que ela foi a base inicial para a construção dos argumentos posteriores, além de estar presente em um período de tempo mais longo e destinado a um grupo maior de pessoas, inclusive crianças. Apesar de que, para os membros mais fanáticos do Partido Nacional Socialista, tal teoria tinha grande validade e fazia parte da forma como viam e percebiam o mundo e o seu contexto, reconhece-se que é difícil de explicar, sequer entender, como uma ideia tal qual a conspiração internacional judaica ou como a diferença racial entre seres humanos se tornou tão fundamental para um governo, e em como foi utilizada para justificar ideologicamente o extermínio de milhões de pessoas. Nas palavras de Katz: Looking to the ordinary to explain the extraordinary is inherent in the paradigms of the scientist. But these paradigms can become highly suspect, even repugnant, to the public when addressed to events seen as morally outrageous and uniquely abhorrent. For many who suffered in the Holocaust or whose kinsfolk were victims, the Holocaust is an evil that is utterly unique. (KATZ, 1982, p. 511) Não se pretende explicar o Holocausto através da propaganda antissemita, da mesma forma que não se procura estabelecer a causa de tais eventos baseando-se

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ISSN 2238-071X somente no uso dela. A propaganda foi um instrumento de disseminação ideológica e doutrinação, e, mesmo que utilizado intensamente, permanece sendo apenas um instrumento cuja mensagem e método de aplicação são de responsabilidade daqueles que o utilizam. Bibliografia BANKIER, David. The Germans and the Final Solution. Blackwell, 1996. BENNECKE, Fritz. Vom deutschen Volk und seinem Lebensraum, Handbuch für die Schulung in der HJ. Munich: Franz Eher, 1937. BYTWERK, Randall. Landmark Speeches of National Socialism. College Station, TX: Texas A & M University Press, 2008. BYTWERK, Randall. The Argument of Genocide in Nazi Propaganda. Quarterly Journal of Speech, 2005. COHEN, Peter. Arquitetura da Destruição. DVD Documentário, Suécia, 1992. EITZEN, Kurt Hilmar. Zehn Knüppel wider die Judenknechte. Unser Wille und Weg, 1936. ELLUL, Jacques. Propaganda: the formation of men’s attitudes. Vintage, 1973. ELLUL, Jacques. The Technological Society. Vintage, 1964. FRIEDLÄNDER, Saul. Nazi Germany and the jews: The years of persecution: 1933-1939. New York: HarperCollins, 1998. HECK, Alfons. A child of Hitler. Renaissance House Publishers, 2001. HERF, Jeffrey. The Jewish Enemy: Nazi Propaganda During World War II and the Holocaust, Harvard University Press, 2006. KALLIS, Aristotle. Nazi Propaganda and the Second Word War. Palgrave Macmillan, 2008. KATZ, Fred E. Implementation of the Holocaust: The Behavior of Nazi Officials. Comparative Studies in Society and History, Vol. 24, N° 3, 1982. LEY, Robert. Pesthauch der Welt. Dresden: Franz Müller Verlag, 1944. LUCKERT, Steven. State of Deception: The Power of Nazi Propaganda. WW Norton, 2009. MOMMSEN, Hans. Hitler’s Reichstag Speech of 30 January 1939. History and Memory, Indiana University Press, 1997.

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